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Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade

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3 DO DELITO DE DESERÇÃO

 Ainda antecipando-se à abordagem efetiva do ponto principal deste artigo, quais sejam, as questões processuais atinente à consideração da exigência de status de militar, não só para a propositura da ação penal, mas também para seu prosseguimento, fato que contribui para o aumento e/ou criação de sensação de impunidade tanto dentro da caserna quanto perante à sociedade civil, não podemos deixar de discorrer sobre algumas características e conceitos do delito de deserção.

 Inicialmente, conforme observou-se, após leitura atenta da obra Direito Militar Romano, 2010, do mestre Rodrigo Freitas Palma, estamos a tratar de um ou talvez do crime mais detalhadamente analisado pelos jurisconsultos da Roma antiga, embora afaste-se e muito da codificação criminal moderna, por conta da deficiente definição do delito, da falta de clareza e da ausência de tecnicismo nos diplomas legais romanistas, caracterizados basicamente pela autonomia legislativa dos diferentes imperadores e do senso de desobrigação para tipificar os crimes à época, a pesar de assim agirem com frequência. Considerava-se mais grave o crime em comento, se praticado em tempo de guerra, sendo punido o infrator, com pena de morte, " a cabeça do sistema penal militar", conhecida como pena capital. O Código Penal Militar apresenta algumas modalidades de deserção, a saber: primeiramente incorre no crime àquele que se ausentar, sem a devida autorização da unidade onde serve ou do lugar que deveria permanecer, por um período superior a oito dias, pena prevista de detenção, de seis meses a dois anos, se cometida por oficial agrava-se. Considerar-se-á desertor também àquele que mesmo com ausência autorizada não se apresentar dentro do prazo de oito dias após o término do período concedido, ou também considera-se deserto àquele que consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, após criar ou simular incapacidade, estas duas últimas hipóteses de definições jurídicas são práticas delituosas equiparadas à primeira modalidade, incorrendo nas mesmas penas.

 Por fim, temos a deserção imediata ou instantânea que configura-se após o militar não se apresentar no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante ou da partida ou do deslocamento da unidade ou força em que serve, passível de detenção, até três meses, se após a partida ou deslocamento, se apresentar, dentro de vinte e quatro horas, à autoridade militar do lugar, ou, na falta desta, à autoridade policial, para ser comunicada a apresentação ao comando militar da região, distrito ou zona. Se a apresentação for superior às vinte e quatro horas e não exceder cinco dias, prevista estará a detenção de dois a oito meses, se superior a cinco dias e não ultrapassar dez, detenção de três meses a um ano, a pena será agravada se o crime for praticado por oficial.

 O Poder constituinte originário consagrou as Forças Armadas como instituições regulares e permanentes, destinadas à proteção e defesa da pátria. Para bem cumprir sua função constitucional, a fim de garantir a democracia e soberania estatal, faz-se necessário a presença de pessoal civil e militares qualificados e engajados na missão.

 As instituições militares sejam federais ou estaduais, cada qual com sua missão constitucional, são regidas pela hierarquia e disciplina, dois princípios basilares cuja observância é imprescindível para a manutenção da ordem interna corporis e para o cumprimento de suas funções constitucionalmente estabelecidas.

 A efetivação do respeito aos princípios supramencionados se dá em alguns casos com a aplicação das sanções administrativas previstas em regulamentos disciplinares e por vezes das disposições definidas na Lei penal militar, naqueles que transgridem ou cometem crime, respectivamente.

 O crime de deserção cujas características foram superficialmente descritas, uma vez praticado, compromete o bom andamento do serviço e dever militares, ferindo de morte a base das instituições, daí a grande relevância desta tipificação penal.


4 ASPECTOS GERAIS DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DE PROCEDIBILIDADE E PROSSEGUIBILIDADE DO DELITO DE DESERÇÃO

 Como visto no capítulo anterior, o crime de deserção é de extrema importância para fins de efetivação do mandamento constitucional, o qual reservou às Forças Armadas a missão de defender a pátria, soberania e o Estado Democrático de Direito.

 Dessa maneira, a Constituição Republicana estabeleceu em seu artigo 143, o serviço militar obrigatório, que amparado pela vedação da conduta descrita no Código Penal Militar em seu artigo 187, crime de deserção, também chamado de crime de abandono por excelência nas obras de Esmeraldino Bandeira, viabilizam tais garantias.

Neste sentido o ilustre professor:

"(...) deserção em síntese, seria, por excelência, crime de abandono: deserção vem de desertio que por sua vez deriva de deserere - abandonar - desamparar. Deserere exercitum ou simplesmente deserere significa desertar. Não só nesses vocábulos latinos como nos correspondentes vocábulos gregos, a deserção implica idéia de abandono. [...] é ausência voluntária, prolongada e ilegal por parte do militar, do corpo a que pertence". (ASSIS, Cirelene Maria da Silva Rondon, CRV, 2020, p. 6 apud BANDEIRA, Esmeraldino, 1919, p.101-102)."

 Não obstante, estes breves comentários sobre o direito material, o escopo do presente artigo está nas questões processuais, mas especificamente no procedimento especial, em tempo de paz, para o crime de deserção de praças sem estabilidade, no qual com o passar dos anos intensificou-se a grande controvérsia acerca do status de militar como condição para se ver processado junta a Justiça Militar da União, e uma vez iniciado o processo, prosseguir até o trânsito em julgado da ação penal.

 Interessante consignar, que as praças sem estabilidade, são representadas por três grupos a saber: as praças temporárias oriundas do serviço militar obrigatório ou voluntário, as quais, com fulcro no parágrafo terceiro da Lei nº 6.880/1980, não adquirem estabilidade e passam a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligadas do serviço ativo, as praças especiais, que conforme o anexo I da Lei 6.880/1980, são as Guardas-Marinha e os Aspirantes a Oficial, bem como, as praças de carreira com ingresso nas Forças Armadas mediante concurso público, mas que ainda não alcançaram a estabilidade decenal, de acordo com artigo terceiro, parágrafo segundo, combinado com artigo cinquenta, inciso quarto, alínea "a" do Estatuto dos Militares.

 Para iniciar a análise da controvertida exigência da condição militar para o prosseguimento da ação penal castrense pela prática do crime de abandono, importante fazer a transcrição dos artigos 456, 457 e seus parágrafos que se encontram no Capítulo III, do TÍTULO II, da legislação adjetiva militar, a qual trata do processo especial de deserção de praça com ou sem graduação e de praça especial, a saber:

"Inventário dos bens deixados ou extraviados pelo ausente Art. 456. Vinte e quatro horas depois de iniciada a contagem dos dias de ausência de uma praça, o comandante da respectiva subunidade, ou autoridade competente, encaminhará parte de ausência ao comandante ou chefe da respectiva organização, que mandará inventariar o material permanente da Fazenda Nacional, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas. (Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

§ 1º Quando a ausência se verificar em subunidade isolada ou em destacamento, o respectivo comandante, oficial ou não providenciará o inventário, assinando-o com duas testemunhas idôneas.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Parte de deserção

§ 2º Decorrido o prazo para se configurar a deserção, o comandante da subunidade, ou autoridade correspondente, encaminhará ao comandante, ou chefe competente, uma parte acompanhada do inventário.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Lavratura de termo de deserção

§ 3º Recebida a parte de que trata o parágrafo anterior, fará o comandante, ou autoridade correspondente, lavrar o termo de deserção, onde se mencionarão todas as circunstâncias do fato. Esse termo poderá ser lavrado por uma praça, especial ou graduada, e será assinado pelo comandante e por duas

testemunhas idôneas, de preferência oficiais.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Exclusão do serviço ativo, agregação e remessa à auditoria

§ 4º Consumada a deserção de praça especial ou praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se, em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo de deserção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente.

Arquivamento do termo de deserção

Art. 457. Recebidos do comandante da unidade, ou da autoridade competente, o termo de deserção e a cópia do boletim, ou documento equivalente que o publicou, acompanhados dos demais atos lavrados e dos assentamentos, o Juiz Auditor mandará autuá-los e dar vista do processo, por cinco dias, ao procurador, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do desertor, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. (Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Inspeção de saúde

§ 1º O desertor sem estabilidade que se apresentar ou for capturado deverá ser submetido à inspeção de saúde e, quando julgado apto para o serviço militar, será reincluído.(Redação dada pela Lei nº 8. HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8236.htm#art457"236, de 20.9.1991).

§ 2º A ata de inspeção de saúde será remetida, com urgência, à auditoria a que tiverem sido distribuídos os autos, para que, em caso de incapacidade definitiva, seja o desertor sem estabilidade isento da reinclusão e do processo, sendo os autos arquivados, após o pronunciamento do representante do

Ministério Público Militar.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Reinclusão

§ 3º Reincluída que a praça especial ou a praça sem estabilidade, ou procedida à reversão da praça estável, o comandante da unidade providenciará, com urgência, sob pena de responsabilidade, a remessa à auditoria de cópia do ato de reinclusão ou do ato de reversão. O Juiz-Auditor determinará sua juntada aos autos e deles dará vista, por cinco dias, ao procurador que requererá o arquivamento, ou o que for de direito, ou oferecerá denúncia, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Substituição por impedimento

§ 4º Recebida a denúncia, determinará o Juiz-Auditor a citação do acusado, realizando-se em dia e hora previamente designados, perante o Conselho Permanente de Justiça, o interrogatório do acusado, ouvindo-se, na ocasião, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público. A defesa poderá oferecer prova documental e requerer a inquirição de testemunhas, até o número de três, que serão arroladas dentro do prazo de três dias e ouvidas dentro de cinco dias, prorrogáveis até o dobro pelo conselho, ouvido o Ministério Público.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Nomeação de curador

§ 5º Feita a leitura do processo, o presidente do conselho dará a palavra às partes, para sustentação oral, pelo prazo máximo de trinta minutos, podendo haver réplica e tréplica por tempo não excedente a quinze minutos, para cada uma delas, passando o conselho ao julgamento, observando-se o rito prescrito neste código.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Designação de advogado

§ 6º Em caso de condenação do acusado, o Juiz-Auditor fará expedir, imediatamente, a devida comunicação à autoridade competente, para os devidos fins e efeitos legais.(Red HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8236.htm#art457"ação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Audição de testemunhas

§ 7º Sendo absolvido o acusado, ou se este já tiver cumprido a pena imposta na sentença, o Juiz-Auditor providenciará, sem demora, para que seja posto em liberdade, mediante alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Vista dos autos

§ 8º O curador ou advogado do acusado terá vista dos autos para examinar suas peças e apresentar, dentro do prazo de três dias, as razões de defesa.

Dia e hora do julgamento

§ 9º Voltando os autos ao presidente, designará este dia e hora para o julgamento."

 Diante do que foi consignado acima, pode-se inferir que as praças especiais, as praças temporárias e as praças de carreira sem estabilidade, são categorias de militares as quais podem, em tese, configurar o polo passivo de um processo criminal militar devido à prática do crime de deserção.

 Consectariamente a esta possibilidade, o art. 456 do Código Processual Penal castrense, prevê no §4º que consumada a deserção de praça especial ou praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se, em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo de deserção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente, redação dada pela Lei nº 8.236 de 20 de setembro de 1991.

 Percebe-se, portanto, a imposição legal de exclusão do serviço ativo para o agente militar que comete o crime de abandono. Após alguns procedimentos ocorridos na seara administrativa, formalizados em uma Instrução Provisória de Deserção, o Juiz-Auditor, conforme preconizado no art. 457, caput do CPPM, após recebê-la do comandante da unidade, ou da autoridade competente, mandará autuar e dar vista ao processo, por cinco dias, ao procurador, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do desertor, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. E o §1º do art. 457, também da legislação processual penal militar, estabelece a necessária submissão à inspeção de saúde do desertor sem estabilidade, que ao se apresentar espontaneamente ou ser capturado, e julgado apto para o serviço militar, será reincluído.

 No que tange a esta exigência legal de reinclusão para o início do processo apontada no parágrafo anterior, é de bom alvitre traçar uma breve historicidade da legislação processual penal militar, a qual contribuirá para o melhor entendimento na posterior análise da condição de procedibilidade e prosseguibilidade apresentada.

 Nos idos do século XIX, no Alvará Real, Decreto de 9 de abril de 1805, havia previsão no Artigo Único do Título V, da volta do réu ao regimento, para se ver processado, e de um conselho de disciplina com a incumbência de produzir um sumário de culpa, que de acordo com os ensinamentos da ilustre professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis (ASSIS, 2020, p. 7), equivale hoje à Instrução Provisória de Deserção.

 O Poder Legislativo, por meio do Decreto nº 149, de 18 de julho de 1893, em seu art. 5º §1º, delegou ao Supremo Tribunal Militar, até então pertencente ao Poder Executivo, estabelecer a forma processual militar, enquanto a matéria não fosse regulada em lei, no entanto silenciou quanto ao procedimento especial de deserção.

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Neste sentido, Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis preconiza o seguinte:

"O Regulamento Processual Criminal Militar, baixado pelo Supremo Tribunal Militar em 16 de julho de 1895, por força da subdelegação do Executivo, considerando que esse Poder recebeu a delegação legislativa nos termos do art. 5º, § 1º, do Decreto 149, de 18 de julho de 1893, foi silente quanto ao procedimento especial de deserção. [...]." (ASSIS, 2020, p.7).

 Evoluindo para as inovações legislativas, em substituição ao regulamento supra informado, foi aprovado o Código de Organização Judiciária e Processo Militar trazendo em seu Capítulo III, Seção I, o processo especial de deserção, inclusive com uma distinção no procedimento referente aos réus oficiais e praças, mas não havia nenhuma previsão atinente a exclusão ou reinclusão do desertor do serviço ativo, mais uma vez recorremos aos ensinamentos da Autora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis, in verbis:

"O Código de 22 inovou e reservou procedimento especial para o delito de deserção, inclusive estabeleceu diferenciação em relação aos réus oficiais e praças (art. 246 a art. 254), todavia, não havia menção a exclusão e/ou reinclusão do desertor no serviço ativo." (ASSIS, 2020, p. 7).

 Em momento superveniente, com fulcro no art. 6º da Lei 4.907 de 7 de janeiro de 1925, no qual previu que ficava o Poder Executivo autorizado a reorganizar, sem aumento de despesa, a Justiça Militar, entrando a reforma imediatamente em vigor e sujeita oportunamente à aprovação do Legislativo, o chefe do Executivo resolveu mandar observar o Código da Justiça Militar, no Exército e na Marinha.

 Este diploma legal inovou determinando, imediatamente, a exclusão da praça do efetivo assim que comprovado o crime, todavia, nada falava de sua reintegração, provável que, a partir dessa omissão, deu-se início a confusão no procedimento de deserção, segundo ensinamentos da professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis, em sua obra "Natureza jurídica da condição de militar no processamento, em tempo de paz, do crime de deserção de praça sem estabilidade (Assis, 2020, p.7), a saber:

"É lícito concluir que o imbróglio no procedimento de deserção, provavelmente, teve sua origem no Decreto 17.231-A- de 26 de fevereiro de 1926, em especial no art. 256 § 6º, do Código de Justiça Militar, que determinava a exclusão da praça desertora do serviço ativo, após a consumação do delito. No entanto, a omissão quanto a reintegração às Forças de mar ou terra (art. 257, § 2º, e art. 258) gerou dúvidas no procedimento como se observa no julgado abaixo transcrito (PRATES, 1939, p. 291): Nula a praça de um soldado, por vício substancial e insanável, volta o mesmo à sua situação de civil e, nesta qualidade, não poderá ficar sujeito à jurisdição militar, competente somente para processar e julgar os militares de terra e mar e os indivíduos como tais considerados. O critério "ratione loci" só se aplica aos civis, em tempo de guerra." ( Ac. de 29.6.1927 - Box. Ex. 406, de 20.9.1927, p.292).

 Avançando, interessante consignarmos que em 1934, houve a criação dos Conselhos de Justiça dos regimentos, pelo Decreto nº 24.803 de julho do mesmo ano, alterando o Código Judiciário Militar de 1926, tais Conselhos tinham a função de processar e julgar praças cometedoras dos crimes de deserção e insubmissão. Outro ponto importante para se destacar nessa inovação foi a inclusão do instituto da reinclusão do desertor, restritamente aos julgamentos ocorridos naqueles conselhos de tropa.

 Nesse momento vale registrar que o Supremo Tribunal Militar não integrava o Poder Judiciário, constituía foro especial para julgamentos de militares. No entanto, no caso de deserção e insubmissão de praças do Exército, estas, eram processadas e julgadas nas próprias Organizações de Terra pelos Conselhos de Justiça supra informados.

 A Constituição de 1934, foi responsável por inserir a Justiça Militar no Poder Judiciário, passando agora a processar e julgar civis, após esta inserção foi aprovado o Decreto-Lei 925, de 2 de dezembro de 1938, denominado Código de Justiça Militar.

 De acordo com a legislação de 1938, no que tange ao procedimento especial de deserção, havia um para praças do Exército, no Conselhos de Justiça da Tropa e outro para praças da Marinha nas Auditorias pertencentes agora ao Poder Judiciário. Vale destacar que esta legislação se encarregou de separar os procedimentos em artigos distintos.

 Interessante uma reflexão neste ponto, no sentido de não haver necessidade do legislador ordinário de 1938 manter apenas as praças do Exército sendo processadas e julgadas pelo crime de deserção pelos Conselhos da Tropa, situação que se justificava até 1934, pois o Código Judiciário Militar, não fazia parte do Poder Judiciário, e, portanto, não julgava civis em tempo de paz, necessitando para tanto a reinclusão do agente infrator nas fileiras militares.

 Não à toa e seguindo a coerência, os julgamentos nos Conselhos de Justiça do Exército, exigia a reinclusão. Já para a Marinha, não há que se falar em tal previsão, embora ocorresse o efeito da exclusão nos dois procedimentos. Nesse diapasão, a professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis assevera o seguinte:

"No entanto, estranhamente naquela ocasião, o legislador ordinário de 38 optou por manter o processo e julgamento de grupos de praças (cadete, sargento, graduado ou soldado), apenas militares do Exército, no âmbito do Executivo, especificadamente nos conselhos dos corpos de tropa. [...].

 Embora a consumação do delito em tela provocasse igual efeito exclusório dos desertores em ambas as Forças (art. 263, § 3º e art. 266, § 4º), uma sutil diferença era a questão da reinclusão para fins de processo. Exército era exigida tal medida, para a Marinha não [...]." (ASSIS, 2020, p.7).

 Em continuação aos fatos históricos da legislação processual penal castrense, houve em 1969 o advento do novo Código de Processo Penal Militar consignando o ato de reinclusão de forma comum a todos os procedimentos de deserção, portanto, submetendo a tal condição de retorno às fileiras militares, não só os militares do Exército, que ainda eram processados e julgados pelos conselhos de justiça dos corpos de tropa por força do art. 13 alínea "c" do Decreto-Lei nº 1.003, mas também os militares da Marinha e da Força Aérea Brasileira, braço militar do Ministério da Aeronáutica criado em 1941, apesar de serem processados pelo poder Judiciário.

 Tais procedimentos especiais apresentavam-se por três espécies, um para o crime de deserção de praças do Exército, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, outro para o ilícito de deserção praticados por praças da Marinha e da Aeronáutica e outro para os delitos de deserção de oficiais da Marinha, Exército e da Aeronáutica, Polícia e do Corpo de Bombeiros Militares.

 Com a reforma do novo CPPM em 1991, os procedimentos especiais reduziram-se a dois, o legislador optou por eleger como regra para o crime de deserção, cujos sujeitos ativos eram praças da Marinha, Exército, Aeronáutica e das Policiais e Bombeiros militares, àquele procedimento processado apenas nos conselhos de tropa, e manteve o procedimento destinados aos oficiais destas mesmas instituições que incorriam no ilícito de deserção, ambos agora julgados na Justiça Militar da União.

 Atualmente desfrutamos de um Código Processual Penal Militar que, em seu capítulo III do Título II, possui um único procedimento para praças especiais e sem estabilidade que cometem o crime de deserção, sejam elas da Marinha, Exército ou da Aeronáutica. Ressalta-se que o rito procedimental escolhido foi àquele estabelecido nos antigos conselhos do regimento de tropa, e também de acordo com a redação dada pela Lei nº 8.236, de 20 de setembro de 1991, há previsão de exclusão e reinclusão destes mesmos militares, respectivamente, em seus art. 456 § 4º e art. 457 § 1º, ambos do referido códex.

 Feita esta superficial passagem pela história da criação do procedimento especial de deserção de praças sem estabilidade, percebe-se que a grande controvérsia se dá pelo fato de existir a real obrigatoriedade de o infrator ser reincluído às fileiras militares e readquirir sua condição de militar, para ser submetido aos atos previstos em lei atinentes ao devido processo especial de deserção.

 Como visto, este instituto da reinclusão surgiu apenas em 1934 com a criação dos conselhos de justiça dos regimentos da tropa, alterando o Código Judiciário Militar, razão perfeitamente aceitável à época, tendo em vista que, após a exclusão do militar pela prática criminosa, não faria sentido os infratores, desde então civis, se verem processados pelos conselhos de tropa do Exército, algo possível apenas em tempo de guerra.

 A permanência desta necessária reinclusão não faz muito sentido, após a Justiça Militar ser inserida no Poder Judiciário pela Constituição 1934, passando a ser competente para processar e julgar civis, mesmo se valendo de um foro especial para o processo e julgamento de praças apenas da Marinha e da Aeronáutica. Menos sentido mostrou-se ainda, quando a Lei nº 8.236/91 passou a processar e julgar as praças do Exército que cometiam o crime de deserção, pois a partir desde momento todos possuíam o mesmo juízo natural para processo e julgamento do feito.

 Cabe ressaltar que no Código de Justiça Militar de 1938, em seu art. 87 já havia a previsão de que a reforma, a transferência para reserva, a suspensão do exercício das funções, a demissão, a exclusão e a expulsão do serviço militar, reguladas por leis e regulamentos especiais, não extinguiam a competência do foro militar para o processo e julgamento dos crimes cometidos ao tempo de atividade no serviço.

 Infelizmente, mencionada previsão não foi reproduzida pelo novo Código de Processo Penal Militar de 1969. Não obstante, pode-se inferir que, pela atual legislação castrense, a reinclusão é condição específica de procedibilidade, por força do art. 456 § 4º, o qual diz que no caso de praça especial ou sem estabilidade for consumada a deserção, esta será imediatamente excluída do serviço ativo, e, conforme o art. 457 § 1º, será reincluída à força que se ausentou ilicitamente, e caberá ao Ministério Público Militar, somente após comprovação deste último ato, optar pelo oferecimento da denúncia, requerimento de diligências ou manifestar-se pelo arquivamento do feito.

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Sobre o autor
Neilton Jacinto Bulcão Mathias

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Augusto Motta do Rio de Janeiro (2015). Pós-Graduado em Direito Militar pela Faculdade Verbo Educacional (2022). Assessor Adjunto de Justiça. Militar da Marinha do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATHIAS, Neilton Jacinto Bulcão. Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7006, 6 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99882. Acesso em: 9 mai. 2024.

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