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Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade

Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade

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Apresenta-se a condição de procedibilidade como a mais adequada natureza jurídica atribuída à exigência do status de militar para a persecução penal castrense nos casos de praças sem estabilidade incursos no crime de deserção.

RESUMO: O objetivo do estudo é apresentar a condição de procedibilidade como a mais adequada natureza jurídica atribuída à exigência do status de militar para a persecução penal castrense nos casos de praças sem estabilidade incursos no crime de deserção. Para tanto, se valeu de uma pesquisa capaz de trazer um breve histórico do Direito material militar, perpassando pela evolução jurisprudencial e doutrinária atinente ao início e a continuidade da ação até o seu trânsito em julgado, além de discorrer sobre as consequentes mazelas à seara administrativa e judicial nas hipóteses de admitir a qualidade de militar como condição de prosseguibilidade.

Palavras-chave: Status de Militar; Condição de Procedibilidade; Administrativa; Judicial; Condição de Prosseguibilidade.


INTRODUÇÃO

 O Ordenamento Jurídico Pátrio é composto, dentre outros ramos, pelo Direito Penal e Processual Penal Militar, que por suas vezes, conceituam-se de uma forma perfunctória, respectivamente, como ramo do direito público que por iniciativa do ente legiferante definirá as condutas consideradas criminosas, e o direito adjetivo utilizado como instrumento por meio do qual, àquelas condutas, seguindo um devido processo legal, após análise probatória, se pertinente, aplicar-se-ão as previstas sanções.

 Especificamente sobre o delito tipificado no artigo 187 do Código Penal Militar, qual seja, o crime de deserção, podemos destacar algumas peculiaridades, dentre elas, a natureza jurídica das condições de procedibilidade e prosseguibiliade da ação penal castrense. Tais institutos são objetos de inúmeras controvérsias ao se procurar definir a natureza jurídica da exigência da qualidade de militar na ação penal do crime em comento, praticado, sobretudo, por praça especial ou sem estabilidade, em especial quando confrontado com o mandamento constitucional.

 O delito supracitado é classificado doutrinariamente como crime propriamente militar, portanto, pode ser praticado somente por militares da união ou dos estados membros.

 Diante do exposto, pretende-se com o presente artigo, após breve histórico do Direito Penal Militar, discorrer sobre o crime de deserção propriamente dito, tipificado no artigo 187 do CPM, detalhando a aplicação dos institutos de condição especial de procedibilidade e prosseguibilidade no processo de deserção, suas impropriedades e decorrentes consequências nocivas à regular persecução penal militar.

 Ao longo do artigo, objetivamente, será apresentado o risco de violação sistêmica aos bens jurídicos, serviço e dever militares, dentre outros, bem como o risco à epidêmica sensação de impunidade despertada nos infratores, principalmente no âmbito das Forças Armadas, ao admitir a qualidade de militar como condição de prosseguibilidade, inclusive, se em todos os momentos processuais penais castrense.


1 BREVE HISTÓRICO DO DIREITO PENAL MILITAR

 Antes de adentrar efetivamente no desenvolvimento da discussão central deste trabalho, faz-se necessário trazer à baila, ainda que de forma superficial, o histórico processo existencial do direito penal militar, perpassando pelas civilizações da antiguidade clássica até a contemporaneidade no Brasil. De fato, a história aponta que o legado deixado pelo povo Romano para a construção da ciência jurídica da humanidade é de grande valia, embora no direito brasileiro essa influência tenha ocorrido notoriamente no campo do direito privado, é perfeitamente possível perceber algumas características que revelam os influxos daquelas regras jurídicas outrora propostas na Roma Antiga, também no campo o direito público, em especial, no Direito Penal Militar.

 Pode-se dizer que o Direito Penal Militar teve suas primeiras aparições na antiguidade clássica. Inicialmente, diante de uma pesquisa atinente às batalhas desenvolvidas na Grécia Antiga, é possível inferir, por exemplo, que o dever cívico, espírito patriótico, a vida dos cidadãos espartanos condicionada a um permanente estado de guerra, bem como, a destacável e respeitável Marinha de Guerra ateniense, são características de um direito militar existente à época, embora notoriamente soframos com a escassez de registros e fontes.

 Como dito acima, uma das batalhas na Grécia antiga foram travadas em especial por espartanos e atenienses, estes possuíam uma respeitável e melhor Marinha de Guerra, enquanto àqueles eram detentores de uma melhor infantaria.

 Não obstante, pode-se destacar uma importante particularidade entre esses dois habitantes gregos, a história registra que a severa disciplina militar era praticamente comum a ambos os povos daquelas Cidades-Estados. Desse modo, asseveram os seguintes doutrinadores, in verbis:

"Mas, acima de tudo, foi a severa disciplina militar a que se submetiam praticamente todos os habitantes da pólis o que mais efetivamente influenciaria o cotidiano das legiões de Roma. Eis um traço comum entre ambas as cidades, mesmo que a disciplina militar, conforme anotou Chrysólito de Gusmão, não possa ser considerado um fenômeno exclusivo da cultura greco-romana.". (Chrysólito, 1915, p.8, apud, Rodrigo Freitas Palma, 2010, p. 65).

 Supracitada característica, sem dúvidas, demostrava evidências militares na tradição dos referidos povos. Durante todo o período clássico da antiguidade, diversos povos tiveram sua contribuição para a história do direito, mas para o contexto do presente trabalho, importante destacar o surgimento e peculiaridades do povo romano, os quais eram considerados como guerreiros sedentos por domínios de terras mais férteis e aráveis, como bem define o autor in verbis:

"Na verdade, aquela que foi a mais influente cidade do Lácio floresceu em virtude das intensas migrações de diversos povos provenientes do Mar Egeu e do sul da Anatólia. Como já tratamos alhures, os primeiros habitantes da região entrecortada pelas sete famosas colinas não passam de pastores ávidos por terras mais férteis e aráveis que aquelas que conheciam na pedregosa Hélade. E, certamente, essas gentes aventureiras vieram a encontrar tais solos e terrenos agricultáveis por todos os arredores da Península Itálica. Esses grupos pioneiros no processo de ocupação do território, como foi visto no Capítulo II, atendiam por diversos nomes, tais como "latinos", "sabinos", "etruscos", "oscos" e "volscos", "équios", sendo os três primeiros, os mais influentes. No decorrer dos séculos, com o intenso progresso de miscigenação ocorrido, sera cada vez mais difícil distingui-los". (Grifo nosso) (Rodrigo Freitas Palma, 2010, p. 68-69).

 Outro fato muito pertinente, é como se deu o processo de formação do exército Romano, definiu-se por quatro diferentes períodos, quais sejam: Realeza, República, Alto Império e Baixo Império, destaque para este último, devido a um registro interessantíssimo, foi nele que formalmente se consignou o Direito Militar Romano, fatos bem desenvolvidos nos trechos abaixo da obra do autor Rodrigo Freitas Palma (PALMA, 2010, p. 69):

"Como já dissemos anteriormente, segundo os cálculos do historiador Varrão, a urbs propriamente dita teria sido fundada no ano 753 a.C. Assim, podemos ter definidos, basicamente, quatro períodos distintos dessa trajetória: Realeza (753-510 a.C.); República (510-27 a.C.); Alto Império (27 a.C. - 284 d.C.) e Baixo Império (284 d.C - 565 d.C.), ainda que existam outras formas de classificação ou abordagem do assunto igualmente válidas.Todavia, foi no Baixo Império ou Dominato (284-565) que o Direito Militar Romano se consolida formalmente através de uma compilação - O Corpus Iuris Civilis. Vale notar que nenhuma outra fonte do Direito Romano fornece uma síntese tão confiável e bem constituída do Direito Castrense na Antiguidade quanto aquela famosa obra elaborada no governo de Justiniano.[...]"

 Apesar da característica militar ser observada na época do povo lacedemônio (Esparta), não há registros escritos, podemos assim dizer, que consignado mesmo ficou a característica militar na era das guerras de conquistas, nas quais temos como grande destaque o povo Romanista.

 Durante a ascensão de Roma, pôde ser observado uma influência de diversas ordens do povo espartano no Direito Penal Militar Romanista, que vai desde o símbolo nacional, vestimentas, até ao trato para com os cidadãos daquela Cidade-Estado. Há registros que Roma ostentava um formidável Brasão, equivalente ao galo com esporas afiadas, símbolo nacional de Esparta. As técnicas de combate corporal tradicionalmente desenvolvidas pelos guerreiros espartanos, utilizando-se de armaduras para proteção da cabeça, capa vermelha representativa da ação de se impor perante aos adversários, bem como, o uso efetivo de escudo e espada que também foram utilizados, gerou benefícios aos Romanos. Outra semelhança interessante era a rejeição de crianças portadoras de necessidade especiais para as atividades castrenses.

 Renomados autores apontam que Roma deixou um importantíssimo legado jurídico para o Direito Brasileiro, ainda que mais bem evidente na seara do Direito Privado, existem limitados estudos nacionais e internacionais os quais demonstram a aparição de tal legado no Direito Militar Romano, não só pela característica beligerante e espírito cívico-militar do cidadão romanista, mas também nos registros de algumas regras afetas à prestação do serviço castrense e identificação de fontes direcionadas a tal direito. Nesses sentidos, assevera PALMA, Rodrigo Freitas (2010, p. 82-83,apud,CARRIÉ, Jean-Michael, 1992, p. 98, apud, GIORDANI, Mario Curtis, 1997, p.115-116, apud, VEGETIUS, Flavius, 2001):

"O processo de formação do Direito Militar Romano, pois, não pode ser conhecido em toda sua extensão se houver negligência a uma característica cultural própria a modelar o espírito do homem romano, qual seja, o seu arraigado compromisso cívico como o militarismo e uma inegável inclinação à beligerância. "Ao alistar-se, o soldado romano não sabe se verá ou não o campo de batalha, mas conhece os riscos a que se expõem, e chega mesmo a desejar enfrentá-los""

"Vegetius, escritor romano que por volta do ano 390 a.C. escreveu a obra Epitome Rei Militaris fala do processo de seleção dos recrutas. O exército, na visão do autor, deveria ser constituído por homens altos e fortes, se bem que esta não era uma exigência absoluta, ressalta o autor, porém, sempre preferível. O soldado, igualmente, deveria saber nada; em síntese, 'exercitar os braços'. Os recrutas recebiam uma marca a ferro quente na palma das mãos. A puberdade era o período ideal para o alistamento, todavia, Vegetius não fez alusão a uma idade específica para o início da prestação do serviço militar[...]"

"Os romanos, por certo, trataram o Direito Militar sob prisma científico, utilizando, inclusive, uma terminologia jurídica particularíssima: (De res militari). Mario Curtis Giordani, oportunamente, identifica pelo menos quatro importantes fontes para o conhecimento do Direito Penal Militar Romano. São elas a Stentiae Pauli (5.31 De poenis militum; o Livro VII do Código Teodosiano (Codex Theodosianus); o Digesto 49.16 (Corpus Iuris Civilis); as obras de Vegetius (Epitome rei militaris) e Rufus (Ex Rufus Leges Militaris).[...]".

 Outro ponto interessante e que retratava bem a existência de peculiaridades de um Direito Militar no Direito Romano era a possibilidade de recompensas destinadas aos virtuosos guerreiros que consagravam-se vitoriosos nas fastidiosas batalhas que participavam. Tais honrarias cuja principal era o "Triunfo" estavam previstas em lei ou se fundamentavam pela tradição militar. Assim vejamos:

"Mas a vida militar, apesar de árdua, era também convidativa e atraente sob muitos ângulos, especialmente quando se leva em conta o fator cultural de um povo que depositava nos feitos heroicos em guerra, a exata dimensão da virtude humana. Portanto, antes de falarmos dos crimes e das penas previstos no Direito Penal Militar Romano, esboçaremos as honrarias destinadas aos vitoriosos nas batalhas e que se encontravam, igualmente, amparadas por lei ou pela sólida tradição militar ancorada nos mores ditados, ainda em tempos primevos, pela figura dos ancestrais. Deste modo, Mario Curtis Giordani elenca, basicamente, cinco destas recompensas, a saber: 1) Elogios (laudes); Condecorações (phalerae); Braceletes (armillae), Coroas (coronae), Triunfo (trunfo). Sem desconsiderar a importância de todas elas no presente itinerário, pensamos em ser mais útil lançar um foco especial nesta última, a qual era, indubitavelmente, a maior honraria com que um oficial poderia ser agraciado, o que é confirmado, logo em seguida, pelo próprio Giordani: "A maior recompensa que um general vitorioso podia obter era o triunfo: o chefe vencedor, com coroa de louros e em carro puxado por quatro cavalos brancos, partia do Campo de Marte para o desfile triunfal"". (PALMA, Rodrigo Freitas, 2010, p. 86, apud, GIORDANI, Mario Curtis. História do Direito. 16, ed. Petrópolis: Vozes, 1968, p. 115-116).

 Partindo para uma análise mais específica do Direito Penal Militar Romano podemos inferir que já à época, este ramo gozava de uma autonomia peculiar, sua existência representou a criação e preservação da disciplina das legiões romanas ao longo dos movimentos seculares. Nestes termos aponta o Professor Rodrigo de Freitas que: O Direito Penal Militar Romano - conceituado por Giordani como o "conjunto de normas jurídicas que criaram e preservaram a disciplina das legiões romanas através dos séculos" (PALMA, Rodrigo Freitas, 2010, p. 89 apud GIORDANI, Mário Curtis, 1997, p. 115).

 Segundo os ensinamentos do jurista Hélio Lobo, citada na obra do professor Rodrigo Freitas Palma, os romanos já adotavam uma segregação entre o direito comum e o direito castrense, dando a este último uma roupagem própria na qual observava-se delitos e penas especificamente militares. Nestes termos: "Roma teve uma jurisdição penal própria aos militares e separada do Direito Comum" ou - como salienta alhures - "os romanos gozaram de lei penal autônoma, referente aos crimes e as penas militares". (PALMA, Rodrigo Freitas, 2010, p. 89 apud LOBO, Helio, 1906, p. 24)

Podemos observar o registro de alguns crimes militares feitos por renomados escritores da Roma antiga, tais como: deserção, sedição, desobediência contra as decisões dos magistrados, evasão do campo de batalha, abandono de posto, injúria, furto cometido no campo de batalha, incitação à violência, insubordinação, agressão física a um oficial, abandono dos baluartes, fingir-se doente para evitar a luta, traição, repasse de informações ao inimigo, refúgio junto ao inimigo, perda ou entrega das armas e abandono de um superior hierárquico no campo de batalha, salienta-se que estes dois últimos encontram-se consignados no digesto, compilação de obras jurídicas romanas, todos mencionados pelo ilustre professor Rodrigo Freitas Palma em sua obra Direito Militar Romano. No que tange a deserção, ressalta o referido Autor em seus ensinamentos: "que nenhum outro crime foi tão ou mais pormenorizadamente tratado no Disgesto por Triboniano e seus assessores do que a deserção, apesar de não haver no corpo da referida compilação uma tipificação definida para o delito. [...]". E de forma exemplar, continua o mestre, Rodrigo Freitas Palma (PALMA, 2010, p.92-93):

"(...) Sem embargo, seria oportuno notar que aos olhos dos romanos, ao menos no que concerne ao crime em tela, considerava-se mais grave o delito se praticado em tempos de guerra. Ora, decorridos mais de um milênio após o Código Justinianeu ter vindo a lume, torna-se interessante ressaltar que é dessa mesma forma que são organizados os códigos penais militares da atualidade, nos quais normalmente são elencados os chamados " crimes em tempos de paz" e os "crimes em tempos de guerra" [...].

 Além dos crimes supracitados, alguns jurisconsultos à época, como Mommsem, mencionavam, como exemplos de penas militares aplicadas pelos romanos, a pena de morte, considerada a principal do sistema penal militar, a pena corporal, a prisão, o confisco e certas penas relacionadas a trabalho degradante ou forçados" (PALMA, Rodrigo Freitas, 2010, p. 92 apud Mommsen, Teodoro, 1999, p. 21-22).

 Diante do exposto, nota-se, portanto, uma forte e originária aparição do Direito Militar na antiguidade, tendo seus primeiros registros, a pesar de ínfimos, feitos pelos jurisconsultos da Roma antiga, fato que nos permite perceber a influência do tecnicismo e profissionalismo jurídico dos romanos, não só na seara do Direito Civil, como também, especificamente, no âmbito do Direito Penal Militar.

 Por fim, vale ressaltar que o Direito Militar brasileiro teve sua origem com a chegada da corte portuguesa no período colonial, oportunidade em que as influências do império romanista se mostraram bem presentes nas, então, ordenações do Reino: afonsinas, manuelinas e filipinas.

 Não obstante, surgiu em 1830 o Código Criminal do Império com fortes influências da Revolução Francesa de 1789, um dos mais importantes fatos ocorridos no século XVIII, cujos ideais de valorização da dignidade humana passaram também a nortear a construção da jurisdição militar moderna.


2 CRIME MILITAR

 Para melhor compreensão do assunto central deste trabalho interessante tecer breves comentários sobre algumas características importantes do crime militar.

2.1 Aspectos cronológicos do surgimento das regras e instituições Jurídicas Militares

 De início, conforme sucintamente explanado no capítulo anterior, observa-se no Direito Militar brasileiro fortes influências da legislação penal lusitana, em especial as características das Ordenações filipinas em conjunto com os "Artigos de Guerra do Conde de Lippe , que à época consagraram regras de aspectos nitidamente militares.

 Nesse sentido asseverou Renato Rafael de Brito Fell: "Todavia, nas Ordenações Filipinas não havia nítida separação entre Direito Penal Comum e Direito Penal Militar.

 Em 1763, entretanto, juntam-se às Ordenações Filipinas os Artigos de Guerra do Conde de Lippe, consagrando regras de cunho nitidamente militar". (FELL, 2021).

 Com o advento da transferência da família real portuguesa para o Brasil devido ao bloqueio continental aplicado por Napoleão Bonaparte, surge o Conselho Supremo Militar e de Justiça, dando origem a Justiça Militar no país, e a consequente criação de regras especificamente militares.

 Com a promulgação da Constituição Brasileira de 1891, ao supracitado conselho foi dado a denominação de Supremo Tribunal Militar, e após a constituição de 1946 passou a ser chamado de Superior Tribunal Militar, nomeação que persiste até os dias atuais.

 Com o intuito de manter a ordem e disciplina, foi instituído em 1981 o Código Penal da Armada de aplicação apenas na Marinha, em 1899 ampliou-se a aplicação ao Exército por meio da Lei nº 612, adquirindo, portanto, status de primeiro Código Penal Militar aplicado às duas Forças existentes à época, e somente estendido à Força Aérea em 1941, o qual permaneceu em vigor até 1969, cedendo lugar para o atual Código Penal Militar, Decreto-Lei 1.001, outorgado em 21 de outubro de 1969 pela junta militar que governava o Brasil.

2.2 A importância do Código Penal Militar

 Está preconizado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 142, caput, que as FFAA são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina, sob autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Com base no artigo 42 da Carta Magna, consideram-se militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios, os membros das Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares, instituições organizadas na hierarquia e disciplina.

 Observa-se, portanto, que as instituições supracitadas são possuidoras de bens jurídicos especiais e comuns, tais como a hierarquia e disciplina, embora às FFAA esteja precipuamente atribuída a missão constitucional de defender a pátria, garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, e às Polícias e ao Corpo de Bombeiros, esteja reservado o exercício da segurança pública, com o intuito de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

 Os bens jurídicos supramencionados são a base para manutenção do regular funcionamento das instituições militares, não obstante, a disciplina militar, como bem sinalizado na Revista do Ministério Público Militar, edição número 24, 2014, p.26, é um bem pertencente à coletividade, uma vez violado atingirá valores supraestatais, como o regular funcionamento da democracia, dos poderes constituídos, a paz interna, a segurança pública, a defesa nacional e a sobrevivência do estado.

 Em vistas a coibir violações à bens jurídicos caros às instituições militares e essenciais à manutenção do convívio social, a constituição previu em seu artigo 124, caput e §4º, que à Justiça Militar competirá processar e julgar os crimes militares definidos em lei, qual seja, o Código Penal Militar.

2.3 Conceito e classificação do crime militar

 Embora não haja uma conceituação de crime militar no código penal castrense, de acordo com a doutrina majoritária e o entendimento pacífico do Superior Tribunal Militar, o legislador ordinário o definiu utilizando-se do critério em razão da lei (ratione legis), ou seja, são considerados crimes militares àqueles definidos em lei. Assim dispõem o art. 124 da CRFB/88, in verbis:

"Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar."

 Não obstante, é cediço que estão presente na lei, ainda que implicitamente, outros critérios como em razão da matéria (ratio materiae), pela qual exige-se a qualidade do militar no ato e no agente, em razão da pessoa (ratio personae), pela qual é mister que o militar seja o sujeito ativo, levando-se em consideração, de forma exclusiva, a qualidade do agente, em razão do lugar (ratio loci), aqui é considerado apenas que a prática delituosa ocorra em lugar sob a administração militar, e por fim, em razão do tempo (ratio temporis), são crimes militares àqueles ocorridos em tempos determinados, como exemplo, cita-se os ilícitos praticados em tempo de guerra ou no período de manobras e exercícios.

Nesse sentido, Jorge César de Assis:

"Daí, conforme já dissemos anteriormente, "a classificação do crime em militar se faz pelo critério ratione legis, ou seja, é crime militar aquele que o Código Penal Militar diz que é, ou melhor, enumera em seu art. 9º. Por sua vez, as diversas alíneas do inc. II esposam concomitantemente outros critérios, quais sejam, em razão da matéria, da pessoa, do lugar e do tempo. (ASSIS, 2004, pag. 5)".

 Este entendimento foi fortalecido por Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger na obra Manual de Direito Penal Militar, editora Saraiva, ao afirmarem que a variedade de critérios existentes para a caracterização do crime militar ensejava em alguns momentos da história do Direito Penal Militar brasileiro a sobreposição de um em detrimento do outro, na tentativa de solucionar esse impasse o legislador enumerou todos os critérios sem que um prevalecesse nitidamente sobre o outro, concluindo, portanto que o delito militar seria àquele que a lei definisse como tal.

 Nesse diapasão, podemos classificar tais crimes como propriamente militares, passíveis de prisão, ainda que não haja estado de flagrância ou ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, conforme previsto no artigo 5º, LXI da CRFB/88, ou impropriamente militares. Àqueles, doutrinariamente, considerados delitos constantes no Código Penal Militar possíveis de serem praticados somente por militares, a exemplo da deserção, cujo fato descrito no tipo, o civil jamais poderá incorrer. Estes conceituam-se como sendo os praticados também pelo civil, esteja a conduta prevista no ordenamento jurídico castrense ou na legislação penal, e amolde-se a uma das hipóteses previstas no artigo 9º do CPM, o qual descreverá quando um crime será militar ou comum.

 Importante consignarmos que anteriormente, só poderia ser considerado crime militar a conduta existente na parte especial do Código Penal Militar, ainda que o agente estivesse no exercício da função, com o advento da Lei nº 13.491/2017, uma conduta descrita em qualquer legislação penal brasileira poderá ser classificada como crime militar, tal possibilidade se deu pela nova redação do inciso II do artigo 9º, pelo qual consideram-se crimes militares em tempo de paz, os previstos na parte especial do Código Penal Militar e os tipificados na legislação penal, quando adequado a certas hipóteses, fato que ficou conhecido, doutrinária e jurisprudencialmente como crime militar por extensão.

 Vale destacar que, embora seja possível o civil praticar crime militar na esfera federal, sendo competente para julgá-lo e processá-lo, a Justiça Militar da União, nos termos do artigo 124 da CRFB/88 c/c artigo 9º, inciso III do CPM, não há o que se falar do mesmo na esfera estadual, na qual não cabe julgamento de civil na Justiça Militar Estadual por força do artigo 125 § 4º da CRFB/88.

 Em suma, de forma bem rasa e sem a pretensão de esgotar o registro de pontos importantes, para se chegar à conclusão de que está diante de um crime militar, deve-se observar não só o conceito analítico ou estratificado de crime, pelo qual é necessário constatar a existência de um fato típico, antijurídico ou ilícito e culpável, mas também avaliar se as condutas tipificadas tanto no Código Penal Militar como também na legislação penal comum ou especial, se enquadram nas hipóteses previstas no artigo 9º do Código Penal castrense, senão vejamos:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério Militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)

§ 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

I do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;(Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

II de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

III de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017).

 Por fim, sem aprofundar o assunto por não ser o foco deste trabalho, cabe informar que os crimes militares podem ocorrer também em tempo de guerra conforme preconizado no artigo 10 do Código Penal Militar, bem como aproveitar para consignar que os crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas dentro do contexto do artigo 9º, § 2º do Código Penal Militar, serão julgados e processados pela Justiça Militar da União, inovação esta trazida pela Lei 13.491/17.


3 DO DELITO DE DESERÇÃO

 Ainda antecipando-se à abordagem efetiva do ponto principal deste artigo, quais sejam, as questões processuais atinente à consideração da exigência de status de militar, não só para a propositura da ação penal, mas também para seu prosseguimento, fato que contribui para o aumento e/ou criação de sensação de impunidade tanto dentro da caserna quanto perante à sociedade civil, não podemos deixar de discorrer sobre algumas características e conceitos do delito de deserção.

 Inicialmente, conforme observou-se, após leitura atenta da obra Direito Militar Romano, 2010, do mestre Rodrigo Freitas Palma, estamos a tratar de um ou talvez do crime mais detalhadamente analisado pelos jurisconsultos da Roma antiga, embora afaste-se e muito da codificação criminal moderna, por conta da deficiente definição do delito, da falta de clareza e da ausência de tecnicismo nos diplomas legais romanistas, caracterizados basicamente pela autonomia legislativa dos diferentes imperadores e do senso de desobrigação para tipificar os crimes à época, a pesar de assim agirem com frequência. Considerava-se mais grave o crime em comento, se praticado em tempo de guerra, sendo punido o infrator, com pena de morte, " a cabeça do sistema penal militar", conhecida como pena capital. O Código Penal Militar apresenta algumas modalidades de deserção, a saber: primeiramente incorre no crime àquele que se ausentar, sem a devida autorização da unidade onde serve ou do lugar que deveria permanecer, por um período superior a oito dias, pena prevista de detenção, de seis meses a dois anos, se cometida por oficial agrava-se. Considerar-se-á desertor também àquele que mesmo com ausência autorizada não se apresentar dentro do prazo de oito dias após o término do período concedido, ou também considera-se deserto àquele que consegue exclusão do serviço ativo ou situação de inatividade, após criar ou simular incapacidade, estas duas últimas hipóteses de definições jurídicas são práticas delituosas equiparadas à primeira modalidade, incorrendo nas mesmas penas.

 Por fim, temos a deserção imediata ou instantânea que configura-se após o militar não se apresentar no momento da partida do navio ou aeronave, de que é tripulante ou da partida ou do deslocamento da unidade ou força em que serve, passível de detenção, até três meses, se após a partida ou deslocamento, se apresentar, dentro de vinte e quatro horas, à autoridade militar do lugar, ou, na falta desta, à autoridade policial, para ser comunicada a apresentação ao comando militar da região, distrito ou zona. Se a apresentação for superior às vinte e quatro horas e não exceder cinco dias, prevista estará a detenção de dois a oito meses, se superior a cinco dias e não ultrapassar dez, detenção de três meses a um ano, a pena será agravada se o crime for praticado por oficial.

 O Poder constituinte originário consagrou as Forças Armadas como instituições regulares e permanentes, destinadas à proteção e defesa da pátria. Para bem cumprir sua função constitucional, a fim de garantir a democracia e soberania estatal, faz-se necessário a presença de pessoal civil e militares qualificados e engajados na missão.

 As instituições militares sejam federais ou estaduais, cada qual com sua missão constitucional, são regidas pela hierarquia e disciplina, dois princípios basilares cuja observância é imprescindível para a manutenção da ordem interna corporis e para o cumprimento de suas funções constitucionalmente estabelecidas.

 A efetivação do respeito aos princípios supramencionados se dá em alguns casos com a aplicação das sanções administrativas previstas em regulamentos disciplinares e por vezes das disposições definidas na Lei penal militar, naqueles que transgridem ou cometem crime, respectivamente.

 O crime de deserção cujas características foram superficialmente descritas, uma vez praticado, compromete o bom andamento do serviço e dever militares, ferindo de morte a base das instituições, daí a grande relevância desta tipificação penal.


4 ASPECTOS GERAIS DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS DE PROCEDIBILIDADE E PROSSEGUIBILIDADE DO DELITO DE DESERÇÃO

 Como visto no capítulo anterior, o crime de deserção é de extrema importância para fins de efetivação do mandamento constitucional, o qual reservou às Forças Armadas a missão de defender a pátria, soberania e o Estado Democrático de Direito.

 Dessa maneira, a Constituição Republicana estabeleceu em seu artigo 143, o serviço militar obrigatório, que amparado pela vedação da conduta descrita no Código Penal Militar em seu artigo 187, crime de deserção, também chamado de crime de abandono por excelência nas obras de Esmeraldino Bandeira, viabilizam tais garantias.

Neste sentido o ilustre professor:

"(...) deserção em síntese, seria, por excelência, crime de abandono: deserção vem de desertio que por sua vez deriva de deserere - abandonar - desamparar. Deserere exercitum ou simplesmente deserere significa desertar. Não só nesses vocábulos latinos como nos correspondentes vocábulos gregos, a deserção implica idéia de abandono. [...] é ausência voluntária, prolongada e ilegal por parte do militar, do corpo a que pertence". (ASSIS, Cirelene Maria da Silva Rondon, CRV, 2020, p. 6 apud BANDEIRA, Esmeraldino, 1919, p.101-102)."

 Não obstante, estes breves comentários sobre o direito material, o escopo do presente artigo está nas questões processuais, mas especificamente no procedimento especial, em tempo de paz, para o crime de deserção de praças sem estabilidade, no qual com o passar dos anos intensificou-se a grande controvérsia acerca do status de militar como condição para se ver processado junta a Justiça Militar da União, e uma vez iniciado o processo, prosseguir até o trânsito em julgado da ação penal.

 Interessante consignar, que as praças sem estabilidade, são representadas por três grupos a saber: as praças temporárias oriundas do serviço militar obrigatório ou voluntário, as quais, com fulcro no parágrafo terceiro da Lei nº 6.880/1980, não adquirem estabilidade e passam a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligadas do serviço ativo, as praças especiais, que conforme o anexo I da Lei 6.880/1980, são as Guardas-Marinha e os Aspirantes a Oficial, bem como, as praças de carreira com ingresso nas Forças Armadas mediante concurso público, mas que ainda não alcançaram a estabilidade decenal, de acordo com artigo terceiro, parágrafo segundo, combinado com artigo cinquenta, inciso quarto, alínea "a" do Estatuto dos Militares.

 Para iniciar a análise da controvertida exigência da condição militar para o prosseguimento da ação penal castrense pela prática do crime de abandono, importante fazer a transcrição dos artigos 456, 457 e seus parágrafos que se encontram no Capítulo III, do TÍTULO II, da legislação adjetiva militar, a qual trata do processo especial de deserção de praça com ou sem graduação e de praça especial, a saber:

"Inventário dos bens deixados ou extraviados pelo ausente Art. 456. Vinte e quatro horas depois de iniciada a contagem dos dias de ausência de uma praça, o comandante da respectiva subunidade, ou autoridade competente, encaminhará parte de ausência ao comandante ou chefe da respectiva organização, que mandará inventariar o material permanente da Fazenda Nacional, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas. (Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

§ 1º Quando a ausência se verificar em subunidade isolada ou em destacamento, o respectivo comandante, oficial ou não providenciará o inventário, assinando-o com duas testemunhas idôneas.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Parte de deserção

§ 2º Decorrido o prazo para se configurar a deserção, o comandante da subunidade, ou autoridade correspondente, encaminhará ao comandante, ou chefe competente, uma parte acompanhada do inventário.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Lavratura de termo de deserção

§ 3º Recebida a parte de que trata o parágrafo anterior, fará o comandante, ou autoridade correspondente, lavrar o termo de deserção, onde se mencionarão todas as circunstâncias do fato. Esse termo poderá ser lavrado por uma praça, especial ou graduada, e será assinado pelo comandante e por duas

testemunhas idôneas, de preferência oficiais.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Exclusão do serviço ativo, agregação e remessa à auditoria

§ 4º Consumada a deserção de praça especial ou praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se, em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo de deserção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente.

Arquivamento do termo de deserção

Art. 457. Recebidos do comandante da unidade, ou da autoridade competente, o termo de deserção e a cópia do boletim, ou documento equivalente que o publicou, acompanhados dos demais atos lavrados e dos assentamentos, o Juiz Auditor mandará autuá-los e dar vista do processo, por cinco dias, ao procurador, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do desertor, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. (Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Inspeção de saúde

§ 1º O desertor sem estabilidade que se apresentar ou for capturado deverá ser submetido à inspeção de saúde e, quando julgado apto para o serviço militar, será reincluído.(Redação dada pela Lei nº 8. HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8236.htm#art457"236, de 20.9.1991).

§ 2º A ata de inspeção de saúde será remetida, com urgência, à auditoria a que tiverem sido distribuídos os autos, para que, em caso de incapacidade definitiva, seja o desertor sem estabilidade isento da reinclusão e do processo, sendo os autos arquivados, após o pronunciamento do representante do

Ministério Público Militar.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Reinclusão

§ 3º Reincluída que a praça especial ou a praça sem estabilidade, ou procedida à reversão da praça estável, o comandante da unidade providenciará, com urgência, sob pena de responsabilidade, a remessa à auditoria de cópia do ato de reinclusão ou do ato de reversão. O Juiz-Auditor determinará sua juntada aos autos e deles dará vista, por cinco dias, ao procurador que requererá o arquivamento, ou o que for de direito, ou oferecerá denúncia, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Substituição por impedimento

§ 4º Recebida a denúncia, determinará o Juiz-Auditor a citação do acusado, realizando-se em dia e hora previamente designados, perante o Conselho Permanente de Justiça, o interrogatório do acusado, ouvindo-se, na ocasião, as testemunhas arroladas pelo Ministério Público. A defesa poderá oferecer prova documental e requerer a inquirição de testemunhas, até o número de três, que serão arroladas dentro do prazo de três dias e ouvidas dentro de cinco dias, prorrogáveis até o dobro pelo conselho, ouvido o Ministério Público.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Nomeação de curador

§ 5º Feita a leitura do processo, o presidente do conselho dará a palavra às partes, para sustentação oral, pelo prazo máximo de trinta minutos, podendo haver réplica e tréplica por tempo não excedente a quinze minutos, para cada uma delas, passando o conselho ao julgamento, observando-se o rito prescrito neste código.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Designação de advogado

§ 6º Em caso de condenação do acusado, o Juiz-Auditor fará expedir, imediatamente, a devida comunicação à autoridade competente, para os devidos fins e efeitos legais.(Red HYPERLINK "http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8236.htm#art457"ação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Audição de testemunhas

§ 7º Sendo absolvido o acusado, ou se este já tiver cumprido a pena imposta na sentença, o Juiz-Auditor providenciará, sem demora, para que seja posto em liberdade, mediante alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso.(Redação dada pela Lei nº 8.236, de 20.9.1991).

Vista dos autos

§ 8º O curador ou advogado do acusado terá vista dos autos para examinar suas peças e apresentar, dentro do prazo de três dias, as razões de defesa.

Dia e hora do julgamento

§ 9º Voltando os autos ao presidente, designará este dia e hora para o julgamento."

 Diante do que foi consignado acima, pode-se inferir que as praças especiais, as praças temporárias e as praças de carreira sem estabilidade, são categorias de militares as quais podem, em tese, configurar o polo passivo de um processo criminal militar devido à prática do crime de deserção.

 Consectariamente a esta possibilidade, o art. 456 do Código Processual Penal castrense, prevê no §4º que consumada a deserção de praça especial ou praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se, em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo de deserção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente, redação dada pela Lei nº 8.236 de 20 de setembro de 1991.

 Percebe-se, portanto, a imposição legal de exclusão do serviço ativo para o agente militar que comete o crime de abandono. Após alguns procedimentos ocorridos na seara administrativa, formalizados em uma Instrução Provisória de Deserção, o Juiz-Auditor, conforme preconizado no art. 457, caput do CPPM, após recebê-la do comandante da unidade, ou da autoridade competente, mandará autuar e dar vista ao processo, por cinco dias, ao procurador, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do desertor, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. E o §1º do art. 457, também da legislação processual penal militar, estabelece a necessária submissão à inspeção de saúde do desertor sem estabilidade, que ao se apresentar espontaneamente ou ser capturado, e julgado apto para o serviço militar, será reincluído.

 No que tange a esta exigência legal de reinclusão para o início do processo apontada no parágrafo anterior, é de bom alvitre traçar uma breve historicidade da legislação processual penal militar, a qual contribuirá para o melhor entendimento na posterior análise da condição de procedibilidade e prosseguibilidade apresentada.

 Nos idos do século XIX, no Alvará Real, Decreto de 9 de abril de 1805, havia previsão no Artigo Único do Título V, da volta do réu ao regimento, para se ver processado, e de um conselho de disciplina com a incumbência de produzir um sumário de culpa, que de acordo com os ensinamentos da ilustre professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis (ASSIS, 2020, p. 7), equivale hoje à Instrução Provisória de Deserção.

 O Poder Legislativo, por meio do Decreto nº 149, de 18 de julho de 1893, em seu art. 5º §1º, delegou ao Supremo Tribunal Militar, até então pertencente ao Poder Executivo, estabelecer a forma processual militar, enquanto a matéria não fosse regulada em lei, no entanto silenciou quanto ao procedimento especial de deserção.

Neste sentido, Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis preconiza o seguinte:

"O Regulamento Processual Criminal Militar, baixado pelo Supremo Tribunal Militar em 16 de julho de 1895, por força da subdelegação do Executivo, considerando que esse Poder recebeu a delegação legislativa nos termos do art. 5º, § 1º, do Decreto 149, de 18 de julho de 1893, foi silente quanto ao procedimento especial de deserção. [...]." (ASSIS, 2020, p.7).

 Evoluindo para as inovações legislativas, em substituição ao regulamento supra informado, foi aprovado o Código de Organização Judiciária e Processo Militar trazendo em seu Capítulo III, Seção I, o processo especial de deserção, inclusive com uma distinção no procedimento referente aos réus oficiais e praças, mas não havia nenhuma previsão atinente a exclusão ou reinclusão do desertor do serviço ativo, mais uma vez recorremos aos ensinamentos da Autora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis, in verbis:

"O Código de 22 inovou e reservou procedimento especial para o delito de deserção, inclusive estabeleceu diferenciação em relação aos réus oficiais e praças (art. 246 a art. 254), todavia, não havia menção a exclusão e/ou reinclusão do desertor no serviço ativo." (ASSIS, 2020, p. 7).

 Em momento superveniente, com fulcro no art. 6º da Lei 4.907 de 7 de janeiro de 1925, no qual previu que ficava o Poder Executivo autorizado a reorganizar, sem aumento de despesa, a Justiça Militar, entrando a reforma imediatamente em vigor e sujeita oportunamente à aprovação do Legislativo, o chefe do Executivo resolveu mandar observar o Código da Justiça Militar, no Exército e na Marinha.

 Este diploma legal inovou determinando, imediatamente, a exclusão da praça do efetivo assim que comprovado o crime, todavia, nada falava de sua reintegração, provável que, a partir dessa omissão, deu-se início a confusão no procedimento de deserção, segundo ensinamentos da professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis, em sua obra "Natureza jurídica da condição de militar no processamento, em tempo de paz, do crime de deserção de praça sem estabilidade (Assis, 2020, p.7), a saber:

"É lícito concluir que o imbróglio no procedimento de deserção, provavelmente, teve sua origem no Decreto 17.231-A- de 26 de fevereiro de 1926, em especial no art. 256 § 6º, do Código de Justiça Militar, que determinava a exclusão da praça desertora do serviço ativo, após a consumação do delito. No entanto, a omissão quanto a reintegração às Forças de mar ou terra (art. 257, § 2º, e art. 258) gerou dúvidas no procedimento como se observa no julgado abaixo transcrito (PRATES, 1939, p. 291): Nula a praça de um soldado, por vício substancial e insanável, volta o mesmo à sua situação de civil e, nesta qualidade, não poderá ficar sujeito à jurisdição militar, competente somente para processar e julgar os militares de terra e mar e os indivíduos como tais considerados. O critério "ratione loci" só se aplica aos civis, em tempo de guerra." ( Ac. de 29.6.1927 - Box. Ex. 406, de 20.9.1927, p.292).

 Avançando, interessante consignarmos que em 1934, houve a criação dos Conselhos de Justiça dos regimentos, pelo Decreto nº 24.803 de julho do mesmo ano, alterando o Código Judiciário Militar de 1926, tais Conselhos tinham a função de processar e julgar praças cometedoras dos crimes de deserção e insubmissão. Outro ponto importante para se destacar nessa inovação foi a inclusão do instituto da reinclusão do desertor, restritamente aos julgamentos ocorridos naqueles conselhos de tropa.

 Nesse momento vale registrar que o Supremo Tribunal Militar não integrava o Poder Judiciário, constituía foro especial para julgamentos de militares. No entanto, no caso de deserção e insubmissão de praças do Exército, estas, eram processadas e julgadas nas próprias Organizações de Terra pelos Conselhos de Justiça supra informados.

 A Constituição de 1934, foi responsável por inserir a Justiça Militar no Poder Judiciário, passando agora a processar e julgar civis, após esta inserção foi aprovado o Decreto-Lei 925, de 2 de dezembro de 1938, denominado Código de Justiça Militar.

 De acordo com a legislação de 1938, no que tange ao procedimento especial de deserção, havia um para praças do Exército, no Conselhos de Justiça da Tropa e outro para praças da Marinha nas Auditorias pertencentes agora ao Poder Judiciário. Vale destacar que esta legislação se encarregou de separar os procedimentos em artigos distintos.

 Interessante uma reflexão neste ponto, no sentido de não haver necessidade do legislador ordinário de 1938 manter apenas as praças do Exército sendo processadas e julgadas pelo crime de deserção pelos Conselhos da Tropa, situação que se justificava até 1934, pois o Código Judiciário Militar, não fazia parte do Poder Judiciário, e, portanto, não julgava civis em tempo de paz, necessitando para tanto a reinclusão do agente infrator nas fileiras militares.

 Não à toa e seguindo a coerência, os julgamentos nos Conselhos de Justiça do Exército, exigia a reinclusão. Já para a Marinha, não há que se falar em tal previsão, embora ocorresse o efeito da exclusão nos dois procedimentos. Nesse diapasão, a professora Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis assevera o seguinte:

"No entanto, estranhamente naquela ocasião, o legislador ordinário de 38 optou por manter o processo e julgamento de grupos de praças (cadete, sargento, graduado ou soldado), apenas militares do Exército, no âmbito do Executivo, especificadamente nos conselhos dos corpos de tropa. [...].

 Embora a consumação do delito em tela provocasse igual efeito exclusório dos desertores em ambas as Forças (art. 263, § 3º e art. 266, § 4º), uma sutil diferença era a questão da reinclusão para fins de processo. Exército era exigida tal medida, para a Marinha não [...]." (ASSIS, 2020, p.7).

 Em continuação aos fatos históricos da legislação processual penal castrense, houve em 1969 o advento do novo Código de Processo Penal Militar consignando o ato de reinclusão de forma comum a todos os procedimentos de deserção, portanto, submetendo a tal condição de retorno às fileiras militares, não só os militares do Exército, que ainda eram processados e julgados pelos conselhos de justiça dos corpos de tropa por força do art. 13 alínea "c" do Decreto-Lei nº 1.003, mas também os militares da Marinha e da Força Aérea Brasileira, braço militar do Ministério da Aeronáutica criado em 1941, apesar de serem processados pelo poder Judiciário.

 Tais procedimentos especiais apresentavam-se por três espécies, um para o crime de deserção de praças do Exército, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, outro para o ilícito de deserção praticados por praças da Marinha e da Aeronáutica e outro para os delitos de deserção de oficiais da Marinha, Exército e da Aeronáutica, Polícia e do Corpo de Bombeiros Militares.

 Com a reforma do novo CPPM em 1991, os procedimentos especiais reduziram-se a dois, o legislador optou por eleger como regra para o crime de deserção, cujos sujeitos ativos eram praças da Marinha, Exército, Aeronáutica e das Policiais e Bombeiros militares, àquele procedimento processado apenas nos conselhos de tropa, e manteve o procedimento destinados aos oficiais destas mesmas instituições que incorriam no ilícito de deserção, ambos agora julgados na Justiça Militar da União.

 Atualmente desfrutamos de um Código Processual Penal Militar que, em seu capítulo III do Título II, possui um único procedimento para praças especiais e sem estabilidade que cometem o crime de deserção, sejam elas da Marinha, Exército ou da Aeronáutica. Ressalta-se que o rito procedimental escolhido foi àquele estabelecido nos antigos conselhos do regimento de tropa, e também de acordo com a redação dada pela Lei nº 8.236, de 20 de setembro de 1991, há previsão de exclusão e reinclusão destes mesmos militares, respectivamente, em seus art. 456 § 4º e art. 457 § 1º, ambos do referido códex.

 Feita esta superficial passagem pela história da criação do procedimento especial de deserção de praças sem estabilidade, percebe-se que a grande controvérsia se dá pelo fato de existir a real obrigatoriedade de o infrator ser reincluído às fileiras militares e readquirir sua condição de militar, para ser submetido aos atos previstos em lei atinentes ao devido processo especial de deserção.

 Como visto, este instituto da reinclusão surgiu apenas em 1934 com a criação dos conselhos de justiça dos regimentos da tropa, alterando o Código Judiciário Militar, razão perfeitamente aceitável à época, tendo em vista que, após a exclusão do militar pela prática criminosa, não faria sentido os infratores, desde então civis, se verem processados pelos conselhos de tropa do Exército, algo possível apenas em tempo de guerra.

 A permanência desta necessária reinclusão não faz muito sentido, após a Justiça Militar ser inserida no Poder Judiciário pela Constituição 1934, passando a ser competente para processar e julgar civis, mesmo se valendo de um foro especial para o processo e julgamento de praças apenas da Marinha e da Aeronáutica. Menos sentido mostrou-se ainda, quando a Lei nº 8.236/91 passou a processar e julgar as praças do Exército que cometiam o crime de deserção, pois a partir desde momento todos possuíam o mesmo juízo natural para processo e julgamento do feito.

 Cabe ressaltar que no Código de Justiça Militar de 1938, em seu art. 87 já havia a previsão de que a reforma, a transferência para reserva, a suspensão do exercício das funções, a demissão, a exclusão e a expulsão do serviço militar, reguladas por leis e regulamentos especiais, não extinguiam a competência do foro militar para o processo e julgamento dos crimes cometidos ao tempo de atividade no serviço.

 Infelizmente, mencionada previsão não foi reproduzida pelo novo Código de Processo Penal Militar de 1969. Não obstante, pode-se inferir que, pela atual legislação castrense, a reinclusão é condição específica de procedibilidade, por força do art. 456 § 4º, o qual diz que no caso de praça especial ou sem estabilidade for consumada a deserção, esta será imediatamente excluída do serviço ativo, e, conforme o art. 457 § 1º, será reincluída à força que se ausentou ilicitamente, e caberá ao Ministério Público Militar, somente após comprovação deste último ato, optar pelo oferecimento da denúncia, requerimento de diligências ou manifestar-se pelo arquivamento do feito.


5 DIFERENCIAÇÃO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO GERAIS E ESPECÍFICAS, PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS, CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE E A IMPORTÂNCIA PARA A AÇÃO PENAL MILITAR DO CRIME DE DESERÇÃO

 Como foi observado alhures, no que diz respeito a exigência do status de militar, o qual ocorre com a reinclusão da praça especial ou sem estabilidade, após a prática do crime de deserção, para se dar início ao processo criminal, não há divergência, doutrina e jurisprudência, consideram ponto pacífico, por força do art. 457 §1º do CPPM, não obstante, há posicionamentos contrários quanto a obrigatoriedade desta condição de militar para que a persecução penal prossiga o seu curso.

 Para alguns doutrinadores e para a jurisprudência atual majoritária do Supremo tribunal Federal, esta condição é necessária. No entanto, para tantos outros, tal condição prescinde, pois está na contramão da vontade do legislador, apresentando-se como uma construção doutrinária e jurisprudencialmente equivocada e apta a ferir, dentre outros, o preconizado no art. 2º do Código de Processo Penal Militar.

 Contribuindo para o melhor entendimento da problemática, de forma rasa e sem pretensão de adentrar nas divergências relacionadas aos institutos, com o fim de evitar fugir do objetivo da presente obra, faz-se necessário discorrer sobre as condições gerais e específicas da ação, as quais, uma vez constantes na peça inicial, viabilizam a pretensão posta em juízo pela demanda. Vale comentar também sobre os pressupostos processuais, os quais estão intimamente ligados à relação jurídica processual, apresentando-se como requisitos de existência e validade, e, por fim, importante resenhar sobre a condição objetiva de punibilidade, entendida como sendo a aparição de uma situação externa, que após a prática de determinada conduta ilícita, condiciona a aplicação da punibilidade.

 Quanto as condições gerais da ação, segundo a doutrina processual civilista contemporânea, devem ser observadas se estão presentes na exordial acusatória, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade das partes, seja ela ativa ou passiva. Cabe aqui chamar atenção para um detalhe substancial quanto à possibilidade jurídica, com o advento do novo Código de Processo Civil em 2015, não mais foi prevista expressamente como categoria pertencente às condições da ação, o diploma legal, restringiu o interesse e a legitimidade como condições necessárias para postulação em juízo, conforme preconizado no art. 17, do Código de Processo Civil.

 No que tange as condições específicas da ação, cabe asseverar que juntamente com as genéricas, tanto no processo civil como no processo penal militar, compreendem-se como condicionantes para a propositura da ação. Neste sentindo, ensina Cirelene Maria da Silva Rondon Assis:

(...) do mesmo modo que a ação civil, a penal está sujeita a condições, em princípio são as mesmas do processo civil, mas a doutrina costuma acrescentar, às genéricas, outras condições que considera específicas para o processo penal e que denomina condições específicas de procedibilidade. (...). (ASSIS, 2020, p. 9 apud Cindra, Grinouver e Dinamarco apud Neves 2014, p. 350).

 Em relação aos Pressupostos processuais, pode-se dividi-los como o de existência e de validade. Estes subdividem-se, segundo a melhor doutrina, em um órgão competente, o juízo imparcial, partes capazes, citação válida, forma processual adequada e a ausência de causas extintivas da relação jurídica, como por exemplo litispendência, perempção e coisa julgada. Àqueles compõem-se por um juízo investido de jurisdição e por uma demanda regularmente formulada, ainda que presente estas duas últimas adjetivações processuais, tornando existente o processo, a ausência de qualquer um dos requisitos de validade primeiramente citados, tornará o processo nulo ou anulável.

 Por fim, em síntese, temos a condição objetiva de punibilidade, como circunstâncias extrínsecas à conduta ilícita praticada, no qual sem elas, não há que se aplicar, em tese, pena ao culpado, ainda que aja consumação do delito com base na teoria tripartida do crime. Para melhor esclarecimento, segue trecho da obra de Cirelene Maria da Silva Rondon de Assis:

"Condição de punibilidade é, assim, numa primeira aproximação, a circunstância de que depende a apenação do réu, ou seja, o antecedente indispensável para que ocorra a reprimenda do fato. Nesse contexto, tem-se que as condições objetivas de punibilidade são alheias à noção de delito - ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável - e, de conseguinte ao nexo causal. Ademais, atual objetivamente, ou seja, não se encontram abarcadas pelo dolo ou pela culpa. São condições exteriores à ação e delas depende a punibilidade do delito, por razões de política criminal (...)" (ASSIS, 2020, p. 9 apud Kalinca de Carli on line, 2013).

 A grande celeuma existente entre a exigência do restabelecimento do status de militar para se ver processado, após a prática de crime de deserção, tipificado no art. 187 do CPM, por praça especial ou sem estabilidade, está intimamente ligado com os institutos supramencionados.

 A partir de uma leitura atenta à redação dada pela Lei nº 8.236, de 20 de setembro de 1991, ao artigo 457 §1º do CPPM, o qual prevê que o desertor quando se apresentar voluntariamente ou for capturado deverá ser submetido à inspeção de saúde, e se julgado apto para o serviço militar, será reincluído, pode-se inferir que o legislador consignou como condição específica para a propositura da ação penal apenas a reinclusão do militar. Embora a doutrina e a jurisprudência façam uma interpretação extensiva, no sentido de considerar o termo “no serviço ativo” um complemento indispensável, convenhamos, não é a melhor opção.

 Fato é que se assim for, estaremos diante de uma ofensa grave ao preceituado na processualística penal militar, mais precisamente no art. 2º do CPPM, o qual somente admite a interpretação extensiva ou a interpretação restritiva, quando for manifestamente, no primeiro caso, a expressão da lei mais estrita e, no segundo, mais ampla, do que sua intenção, bem como, fere o inciso VIII, do art. 8º, do Estatuto do Militares, o qual preleciona que militar será agregado quando for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de deserção, ao apresentar-se voluntariamente, ou ter sido capturado, e reincluído a fim de se ver processar.

 Oportuno mencionar que, a observância da mais adequada natureza jurídica do ato de reinclusão do desertor, praça especial ou sem estabilidade, readquirindo dessa forma a qualidade de militar, após apresentação voluntária ou captura para o processamento, é de suma importância para a efetivação da tutela dos bens jurídicos serviço e dever militares.

 Em relação à exigência do agente infrator ser militar da ativa para cometimento do delito tipificado no art. 187 do CPM, cumpre destacar que não há discussão, visto que estamos diante de um crime propriamente militar, em que somente o militar desertor pode figurar-se como sujeito ativo do referido ilícito.

 No momento do oferecimento e do recebimento da denúncia, é pacífico o entendimento de que o réu, necessariamente, deva estar ostentando a qualidade de militar, condição sine qua non para a deflagração da ação penal castrense. O ponto controverso que assola a comunidade penalista e processualista penal militar, se manifesta a partir do regular recebimento da denúncia, com a exigência da manutenção do status de militar para que o processo continue seu curso normal.

 Parte da doutrina e jurisprudência castrense, ainda que minoritária, bem como o entendimento majoritário do Supremo tribunal Federal, consideram que a reinclusão do militar, apto em inspeção de saúde, às fileiras das Forças Armadas, após sua exclusão do serviço ativo, devido ao cometimento do crime de deserção, para se ver processar, além de ser uma condição de procedibilidade, é também uma condição de prosseguibilidade ou perseguibilidade, ou seja, de acordo com esse entendimento, é necessário que o desertor, ostente a qualidade de militar não só no momento da consumação do crime, mas também durante todo o processo, inclusive na fase de execução, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito.

 Diante do supracitado, é prudente que se faça uma correlação entre o status de militar com a condição da ação, seus pressupostos processuais, com a condição objetiva de punibilidade, bem como, com a aplicação da teoria da asserção, buscando neste último caso socorro na melhor doutrina civilista.

 Primeiramente, destaca-se que de acordo com o atual entendimento jurisprudencial do STM e grande parte da doutrina processual penal militar o status de militar é considerado condição de procedibilidade, visto que o legislador ordinário ao mencionar no art. 457 §1º, que o desertor sem estabilidade que se apresentar ou for capturado deverá ser submetido à inspeção de saúde e quando apto para o serviço militar, será reincluído, sinalizou sua vontade de atribuir à provável propositura da ação penal a qualidade de militar do sujeito ativo, caracterizando uma verdadeira condição de procedibilidade, ou seja, condição sem a qual é impossível proceder com o efetivo início de um processo criminal militar em se tratando da modalidade criminosa em comento.

 Nesse sentido, o Superior Tribunal Militar, editou a súmula nº 12 a qual assevera que: "a praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo", e retificou qualquer entendimento pretérito, que até mesmo após edição sumular, considerava a eventual perda da qualidade de militar, um óbice para prosseguir com o processo, corroborando com a ideia de que o enunciado da corte, vinculava-se à capacidade e não à manutenção do status de militar.

 Oportuno ressaltar que o dispositivo legal ora comentado, limitou-se a exigir a reinclusão do militar na instituição castrense e em nenhum momento se apontou que deveria ser no serviço ativo como foi construído extensivamente pela doutrina e jurisprudência.  A única hipótese de isenção da reinclusão ou do processo, será no caso de desertor sem estabilidade ser considerado incapaz definitivamente em inspeção de saúde, ocasião em que os autos serão arquivados após o pronunciamento do representante do Ministério Público Militar, conforme §2º do art. 457 do CPPM, ou seja, esta é a única situação legal em que ocorrerá a obstaculização da marcha processual, sendo silente, o legislador ordinário, quanto as outras hipóteses de afastamento consubstanciadas pela legislação administrativa militar ou pela discricionariedade administrativa militar, como por exemplo, a exclusão a bem da disciplina, dentre outras. Portanto, hipótese de incapacidade definitiva, é o único momento em que pode-se considerar o status de militar como condição de procedibilidade e prosseguibilidade, pois é uma circunstância legalmente exigida não só para o início da ação penal militar, mas também requerida para que o processo já em andamento continue o seu curso normal.

 Interessante ressaltar que, além de reconhecer a natureza jurídica do status de militar como condição de procedibilidade, é importante estabelecer o momento adequado para ser observada tal condição, para isso recorre-se aos ensinamentos da seara processual civilista, de forma bem rasa, quanto à aplicabilidade da teoria da asserção.

 Os adeptos à teoria da asserção defendem que o juízo de admissibilidade quanto a presença das condições da ação deve ser feito no momento da análise da petição inicial e sendo este positivo, ainda que no decorrer do processo haja total ou parcial perda daquelas condições, não caberá ao magistrado voltar atrás inviabilizando o andamento regular da persecução processual extinguindo o feito sem resolução de mérito, e sim deve, o juiz, avaliar o mérito da questão e decidir pela improcedência do pedido. Diferentemente da teoria do exame concreto das condições da ação, cujos seus seguidores entendem que a análise pode ser feita a qualquer tempo e grau de jurisdição, e se por alguma circunstância deixar de existir um dos requisitos das condições da ação, caberá ao magistrado extinguir o processo sem resolução meritória devido à ausência.

 De certo, a teoria da asserção deve ser aplicada nos processos de deserção de praças sem estabilidade, no qual o status de militar apresenta-se como condição específica da ação, e, portanto, deve ser analisado no recebimento da denúncia. Se, por ventura, deixar de existir por uma circunstância alheia ao delito, caberá ao juiz enfrentar o mérito processual, julgando improcedente o pedido do Ministério Público Militar por ausência total ou parcial das condições da ação, evitará desta forma, gastos desnecessários com o uso da máquina pública, bem como a insegurança jurídica. Nesse sentido aponta Cirelene Maria da Silva Rondon Assis:

"Em apertada síntese, os principais delineamentos sobre a teoria da asserção, no que se refere à cognição das condições da ação, apontam para seu exame no momento da análise da petição inicial: Isso é o que prioriza a teoria da asserção. O mérito desta corrente é que a análise in status assertionis das condições da ação tem o condão de evitar que procedimentos transcorram inutilmente para que, ao final, quando da prolação da sentença, sejam extintos sem resolução do mérito por ausência de uma das condições da ação. Como corolário desta corrente, se ficar demostrado, por exemplo, após a instrução, ou mesmo só no final do processo, a falta de alguma condição da ação, o juiz deverá prolatar uma sentença de mérito, julgando improcedente o pedido do requerente." (ASSIS, 2020, p. 9).

No que tange aos pressupostos processuais, requisitos de validade da ação

subjetivos, quando relacionados ao magistrado e às partes, e objetivos, quando dizem respeito à pretensão perquirida, a doutrina processual penal militar vem formando um entendimento de que são condições de prosseguibilidade, com base no raciocínio, de que uma vez considerados pressupostos objetivos de validade estão intimamente ligados com a continuidade ou não de um processo que já se iniciou, embora seja imperioso analisá-los juntamente com as condições da ação. Neste diapasão apresentemos os trechos doutrinários abaixo:

"São chamados pressupostos de validade do processo ou da relação processual. Aduz que estes nada mais são que requisitos de validade que dizem respeito ora ao juiz; ora às partes e, por isso, são denominados subjetivos, por sua vez, quando se referem ao próprio objeto da ação penal (pretensão) se fala em requisitos objetivos." (ASSIS, p. 9, 2020) apud (Pacelli, 2014, p. 123).

Nesta mesma esteira, a condição de prosseguibilidade seria, segundo Távora, (2013, p. 162), "uma condição para a continuidade para a ação já deflagrada. Portanto pressuposto objetivo de validade do desenvolvimento da ação e, caso essa condição, não venha restar implementada e, consectariamente, vem dar causa a paralisação do processo, se dará a chamada crise de instância. O autor cita como exemplo dessa crise, a necessidade de o acusado recobrar a higidez mental nos casos de insanidade superveniente, onde o processo restará paralisado, enquanto isso não ocorrer. Toda via, cabe assinalar que, nesse exemplo, a prescrição penal fluirá normalmente." (Cirelene Maria da Silva Rondon Assis (ASSIS, 2020, p. 9).

"Os chamados pressupostos de validade da relação processual ou são exigidos para constituição do processo ou para o seu regular desenvolvimento. Em síntese, as condições de procedibilidade são condições para a propositura da ação, já as de prosseguibilidade são condições fundamentais para o prosseguimento da ação, nesse último caso, a ação já existe e está em andamento." (ASSIS, 2020, p. 9).

 Além da relevante demonstração da correlação entre o status de militar com os institutos de ordem processual supracitados, é mister apresentar esta correlação com o instituto da condição objetiva de punibilidade, este de ordem penal, pois a punibilidade se extingui com a prescrição, conforme previsão do art. 107, inciso IV, do Código Penal. Para alguns jurisconsultos, nos casos de crimes dependentes destas condições, a prescrição começa a contar, a partir do surgimento da referida condição objetiva e não da consumação do delito, como prevê os art. 111, inciso I, do Código Penal. Desse modo, enquanto ausente a condicionante, não há o que se falar em extinção. De fato, estamos diante de institutos da seara penal. Nestes termos, Cirelene Maria da Silva Rondon Assis:

"O termo inicial da prescrição nos delitos de punibilidade condicionada, porém, não começa a correr a partir do dia em que o crime se consumou (art.111, inciso I, do Código Penal), mas sim com o implemento da condição objetiva. E isso porque, sendo a prescrição causa extintiva de punibilidade, uma vez não configurada esta, não há que de se falar em extinção." (ASSIS, 2020, p. 9 apud Kalinca de Carli on line, 2013).

 Doutrinariamente, define-se condição objetiva de punibilidade àquela circunstância externa ao fato delituoso, cuja existência é necessária para que seja possível a aplicação da punibilidade prevista à determinada tipificação penal, ou seja, para que o infrator seja punido, exige-se uma condição específica que, sem ela não será possível a apenação, independentemente da consumação do delito.

 Para alguns doutrinadores o status de militar, se enquadra exatamente neste instituto, sendo esta qualificação condição objetiva de punibilidade para o processamento do desertor sem estabilidade. Interessante consignar mais um fragmento da obra da ilustre Cirelene Maria da Silva Rondon Assis:

"Nesse aspecto, o saudoso mestre Heleno Fragoso (1962, p. 2) afirma que, em certas figuras do delito, o legislador subordina a punibilidade do fato à superveniente ou à ocorrência de determinada condição exterior à conduta criminosa . Em alguns casos, a condição de punibilidade seria totalmente a alheia à culpabilidade e a à causalidade material, como na hipótese do art. 5º, § 2, letra "a" do Código Penal (entrada do agente no território nacional, como condição para punibilidade do crime praticado, em certos casos, no estrangeiro; a declaração de falência, na maior parte dos crimes falimentares etc.). Em outros casos, a condição seria apenas alheia à culpabilidade (evento morte ou lesões graves, na hipótese do art. 122 do Código Penal). Assim seria para os defensores da condição de militar da ativa para o processamento do desertor, como condição objetiva de punibilidade. (Grifo nosso)." (ASSIS, 2020, p. 9).

 Certamente, estamos diante de classificações de grande complexidade, no entanto, é extremamente importante trazê-las à baila neste trabalho, sem pretensão alguma de esgotar os estudos, muito menos aprofundá-los, por não ser o interesse precípuo, e sim contribuir para uma melhor explanação quanto a natureza jurídica adequada na visão da atual doutrina e jurisprudência majoritária da seara processual penal militar.

 Embora aja pensamentos contrários, o fato é que o entendimento dominante na atualidade aponta que o status de militar deve ser considerado uma condicionante para deflagração da ação penal militar, a fim de que o desertor, praça especial ou sem especialidade, se veja processado, representando verdadeira condição de procedibilidade.


6 DANOS DECORRENTES DO STATUS DE MILITAR COMO CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE NA SEARA ADMINISTRATIVA E JUDICIAL MILITAR

 Conforme exaustivamente apresentado em apontamentos retro, cumpre consignar que o legislador ordinário, estabeleceu que somente o militar poderá ser sujeito ativo do crime de deserção, e após a verificação positiva dos indícios de autoria e prova da materialidade, bem como, da qualidade de militar, das condições gerais da ação e dos pressupostos processuais, será oferecida e, consequentemente, recebida a denúncia para dar início a fase processual penal militar, rito representativo de uma verdadeira condição de procedibilidade.

 De certo inferir que na ocasião da praça sem estabilidade não for incluída, vinculando-se novamente à força que o desertou, seja por questões ainda não sabidas ou por inaptidão médica atestada em inspeção de saúde própria, a solução será o arquivamento do feito após manifestação do Ministério Público Militar.

 Este requisito especial da ação penal de deserção, de fato deve ser exigido apenas no momento do oferecimento e recebimento da denúncia nos termos do §1°, 2° e 3° do art. 457 do CPPM. No entanto, nos idos dos anos 90, surgiu uma corrente doutrinária a qual defendia que a perda da qualidade de militar no curso do desenvolvimento do processo, em qualquer fase, acarretaria a extinção do feito sem resolução do mérito por ausência de pressuposto processual, atribuindo desta forma ao requisito específico, a natureza jurídica não só de condição de procedibilidade, mas também de prosseguibilidade, inovando, desse modo, no procedimento especial de crime de abandono praticado por praça sem estabilidade, através de uma interpretação extensiva do dispositivo legal, por considerar que a reinclusão se dará no serviço ativo.

 Mesmo após a edição da súmula n° 12 do Superior Tribunal Militar, firmando a tese de que a condição de militar é condição de procedibilidade, cuja redação explicita que “a praça sem estabilidade não poderá ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo”, o Superior Tribunal Militar, por questões de política criminal, vinha consignando entendimentos, em seus julgados, que a perda da qualidade de militar, seja por doença ou por qualquer outro motivo de ordem administrativa ou legal, após o início da ação, era motivo para impedimento do prosseguimento da persecução penal, representando uma condição objetiva de validade para o desenvolvimento regular do processo vinculada à manutenção do status de militar.

 Com o passar dos anos, este comportamento passou a gerar transtornos tanto para o judiciário quanto para a administração militar, isto porque, primeiramente, dentro de uma ótica legal, o art. 143 da Lei Maior prevê que o serviço militar é obrigatório. Efetivando o mandamento constitucional, temos preconizado na Lei nº 4.375/64, que serão convocados anualmente, para prestar o Serviço Militar inicial nas Forças Armadas, os brasileiros pertencentes a uma única classe, e será prestado por um período de doze meses, podendo ser reduzido em até seis meses pelos Comandantes das Forças, conforme art. 6, caput e § 1º da Lei, uma vez atingido tais períodos, estará cumprida a obrigação constitucional.

 Em segundo plano, extrai-se do Capítulo, do Título VII, do Decreto nº 57.654/66, especificamente, no art. 138, nº 4 do Regulamento da Lei de Serviço Militar (RLSM), que a hipótese de praticar o crime de deserção no período obrigacional do serviço militar, amolda-se a uma espécie de interrupção da prestação militar compulsória, podendo o desertor, conforme o caso, ser desincorporado ou excluído, ocorrendo este último por decorrência do caráter doloso do crime, será, o desertor, considerado isento do serviço militar.

 Diante do acima exposto, nota-se que o legislador quis atribuir o instituto das interrupções, a qual apresenta-se como espécie a deserção, apenas àqueles que estão prestando o serviço militar obrigatório ou aos consequentes de convocação posteriores, de aceitação de voluntários e de prorrogação de tempo de serviço, seja em tempo de paz, ou na mobilização. Dessa maneira, o ato administrativo de licenciamento, instituto que ocorre após a conclusão do tempo de serviço militar inicial com a inclusão da praça na reserva mobilizável, depois de ter sido excluída do serviço ativo de uma das Forças Armadas, com base na conceituação dada pelo art. 3º, nº 24 do RLSM, não guarda relação com o instituto da interrupção do serviço militar, logo, não há que falar em impedimento para licenciar o desertor que já concluiu o tempo obrigatório de serviço, como bem expôs no fragmento abaixo, os renomados professores:

"Nunca é demais lembrar que o licenciamento do serviço ativo se dá por término do tempo de serviço, ou seja, a conclusão da obrigação legal, não havendo espaço para a interpretação do licenciamento como forma de interrupção do serviço militar inicial. Não se pode interromper o que já foi concluído. Licenciamento é o ato de exclusão do militar temporário do serviço ativo de uma Força Armada, após o término do tempo de serviço, com a sua inclusão na reserva não remunerada." (ASSIS, 2020, p.14 apud (Assis, 2019, p. 290).

 Reforça-se que também, não deve haver prejuízo para o regular andamento da ação penal, pela qual irá responder, o desertor, por conta do crime praticado enquanto ostentava a qualidade de militar. Impedir uma questão meramente administrativa, qual seja o licenciamento do militar temporário que completou o serviço militar obrigatório, mas responde a um processo de deserção na justiça castrense, justificando que influenciará negativamente na esfera processual e na operacionalização das instituições militares, constitui uma notória confusão entre questões de ordem administrativa com questões de ordem processual e flagrante inobservância ao princípio da independência entre as instâncias.

 Por consequência não é cabível o judiciário deixar de observar as previsões legais que em algumas circunstâncias autorizam o licenciamento dos réus nos crimes de abandono, e não são, devido a uma equivocada interpretação extensiva dada ao texto da lei adjetiva militar cuja ideia retrata que o processo não poderá prosseguir se o infrator não mais ostentar o status de militar, ainda que quite com o serviço castrense obrigatório, sob pena de inviabilizar tanto o processo penal militar quanto a obrigação constitucional.

 Por outro giro, não à toa, no ponto em que trata das causas de interrupção do serviço militar, a Lei nº 4.375/64, recepcionada pela Constituição de 1988, preconiza que na hipótese de incorporado, ainda pendente com a obrigação com o serviço castrense, respondendo processo na justiça militar, permanecerá na sua unidade mesmo como excedente.

 Com o intuito de aclarar a questão relatada acima e vincular o entendimento na seara administrativa castrense quanto a possibilidade de licenciamento de militar que responda a processo criminal, em especial nos casos de deserção, surgiu em 2019 o Parecer nº 00031/2019/GAB/CGU/AGU da Consultoria-Geral da União, cuja ementa possui o seguinte teor:

Revisão do Parecer PGR S -017/1986. "Acepção da palavra "incorporado" na Lei do Serviço Militar e no Regulamento da Lei do Serviço Militar e licenciamento. Diferenciação. Possibilidade de Licenciamento de Praça não estável (Incorporado, Engajado ou Reengajado) que responde a inquérito policial militar ou a processo na Justiça Militar, desde que conclua o tempo de serviço a que está obrigado por força do serviço militar inicial ou por força de engajamento ou reengajamento. Crime de deserção. Regramento próprio. "status de militar". Condição de procedibilidade da ação penal. Viabilidadedo licenciamento da praça não estável (engajado ou reengajado) após o recebimento da denúncia. No caso de praça que ainda não tenha concluído o serviço militar inicial, deverá permanecer na força até que encerrada sua obrigação cívica."

E ainda no mesmo ano, a Lei nº 13.954, tratou de incluir o art. 34-A na Lei do Serviço Militar, o qual assevera:

"Art. 34-A. Os militares temporários indiciados em inquérito policial comum ou militar ou que forem réus em ações penais de igual natureza, inclusive por crime de deserção, serão licenciados ao término do tempo de serviço, com a comunicação à autoridade policial ou judiciária competente e a indicação dos seus domicílios."

 Desta forma é mister consignar que, impedir o licenciamento de praça temporário, oriundo do serviço militar obrigatório, voluntário, engajado ou reengajado, respondendo a processo de deserção, mas quite com a sua obrigação constitucional militar, sob o fundamento de que a condição de procedibilidade está ligado à manutenção do status de militar, além de violar o princípio constitucional da reserva de administração, o qual veda qualquer ingerência do poder legislativo e judiciário em matérias exclusivamente administrativas, também contribui para uma insegurança jurídica, militares descomprometidos e insatisfeitos na caserna, iniciam uma prática reiterada de ausências desmotivadas, dentre outras transgressões disciplinares, até mesmo os levam a cometerem novos delitos de deserção muita das vezes como meio de vida pela certeza da impunidade ou na busca da extinção da punibilidade pelo alcance da prescrição, ocasiões que não somente oneram os cofres público e corroboram com o enfraquecimento da efetividade processual, como também atingem valores caros aos preceitos castrenses como a ética, dever, hierarquia, disciplina e ordem militares.

 Manter um agente nestas condições, é perder uma peça na engrenagem da máquina administrativa militar, visto que jamais poderá aproveitá-lo para desenvolver as atividades operativas, sob risco de ineficácia ou até mesmo à segurança pessoal e material. Assim como, nos termos do art. 82, VIII da Lei nº 6.880/80, não poderá assumir qualquer função, em decorrência do afastamento temporário do serviço ativo, permanecendo agregado por motivo da deserção e após apresentação voluntária ou captura para se ver processar.

 Não obstante, os prejuízos não permeiam apenas na seara administrativa e judicial, o próprio militar pode se ver prejudicado com seu direito de seguir outro rumo para sua vida cerceado, diante da real possibilidade de buscar outros objetivos consubstanciados pelo término da sua obrigação militar constitucional. A perda do vínculo com às Forças Armadas não inviabiliza o processado na justiça castrense por um crime cometido à época que ostentava a condição de militar da ativa, afinal o militar que é licenciado se transfere para a reserva mobilizável, portanto, não adquiri absolutamente o caráter civil, apenas fará parte do grupo de cidadãos na condição de militares da reserva não remunerada, conforme entendimento extraído do art. 3° §3° c/c art. 94, § 1° e 121, §4° do Estatuto dos Militares.

 Não é diferente o entendimento da súmula nº 17 do Superior Tribunal Militar pela qual afirma que o processo e julgamento dos acusados que, em tese, praticaram crimes militares na condição de militares das Forças Armadas, serão da competência dos Conselhos Especial e Permanente de Justiça.

 Outro dano interessante de apresentar e que confirma o equivocado entendimento de que a reinclusão exigida por meio dos §1º, 2º e 3º do art. 457, do CPPM, deva se dar no serviço ativo, é a flagrante ofensa ao próprio art. 2º do Código de Processo Penal militar, no qual trata dos institutos da interpretação literal, extensiva e restritiva na legislação especial militar, a saber:

Interpretação literal

Art. 2º A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido literal de suas expressões. Os têrmos técnicos hão de ser entendidos em sua acepção especial, salvo se evidentemente empregados com outra significação.

Interpretação extensiva ou restritiva

§1º Admitir-se-á a interpretação extensiva ou a interpretação restritiva, quando fôr manifesto, no primeiro caso, que a expressão da lei é mais estrita e, no segundo, que é mais ampla, do que sua intenção.

Casos de inadmissibilidade de interpretação não literal

§2º Não é, porém, admissível qualquer dessas interpretações, quando:

a) cercear a defesa pessoal do acusado;

b)prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvirtuar a natureza;

c) desfigurar de plano os fundamentos da acusação que deram origem ao processo.

 Observa-se que o legislador ordinário estabeleceu como regra a interpretação literal das expressões constantes na Lei processual penal militar, embora admita exceções quando os dispositivos se apresentarem manifestamente mais estritos do que queriam, caso em que poderá ser aplicada uma interpretação mais extensiva, e quando se apresentar manifestamente de forma mais ampla do que desejava, caso que poderá ser interpretado mais restritivamente. Mesmo assim, o aplicador da técnica hermenêutica, deve se abster de fugir à regra quando a interpretação não literal cercear a defesa pessoal do acusado, prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvirtuar a natureza ou desfigurar de plano os fundamentos da acusação que deram origem ao processo.

 Ao enfrentar a grande problemática do trabalho, visualizada nos §1º e 2º, 3º do art. 457 do CPPM, não há dúvidas de que defender no serviço ativo a reinclusão prevista no procedimento especial de deserção para a praça sem estabilidade para se ver processar, representa uma verdadeira condição de prosseguibilidade, que segundo os defensores desta corrente, sem ela ocorrerá o sobrestamento do processo, caracterizando desta forma, uma interpretação extensiva que não se coaduna com a intenção de fato do ente legiferante, cuja qual se limitou a exigir somente a reinclusão do desertor, independentemente, se no serviço ativo ou na inatividade.

 Notória é a violação da regra prevista no art. 2º, caput, do CPPM, que determina a interpretação literal do dispositivo. Ainda que a corrente doutrinaria defensora da reinclusão no serviço ativo, fizesse um grande esforço para advogar que esta tese se enquadra nas hipóteses de exceção, não haveria consistência, pois não tem como negar o prejuízo ou a alteração ocorrida no curso normal do processo e a desvirtuação da sua natureza, portanto, possibilidade inadmissível, conforme o art. 2º §2º do diploma processual penal castrense. Com o mesmo entendimento a ilustre professora, Cirelene Maria da Silva Rondon Assis, retrata o seguinte:

"De uma leitura perfunctória dos §§ 1º e 2º do art. 457 do CPPM, não se extrai obscuridade ou manifesta intenção do legislador castrense em ampliar o alcance do requisito de militar da ativa para um momento posterior ao do recebimento da denúncia. Mesmo que assim não fosse, resta evidente que a aplicação do alcance do dispositivo para as fases de instrução e execução penal, certamente altera o curso do processo penal militar, uma vez que cria, mediante exegese, condição objetiva de desenvolvimento válido do processo, que poderá, inclusive, levar a extinção precoce do feito e levar a impunidade do acusado." (ASSIS, 2020, p.11).

 Deste modo, percebe-se que deixando de demonstrar a intenção do legislador em estender ou restringir a expressão de um determinado dispositivo, bem como, aplicar entendimento que altere o curso ou adultere a natureza do processo, prejudicará todo o mandamento legal e a natural especificidade da legislação processual penal militar. Assim torna-se de difícil aceitação o posicionamento de que a reinclusão se dá no "serviço ativo" e consequentemente, afasta a adjetivação de condição de prosseguibilidade para o regular andamento processual, exceto na hipótese de o desertor ser considerado em inspeção sanitária, definitivamente incapaz, como outrora explicado.


7 ENTENDIMENTO SUPERADO DO STM QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DO STATUS DE MILITAR

 Observou-se ao longo deste trabalho, que o ponto crucial da grande controvérsia está instalado na região dos §1º, 2º e 3º do art. 457 do Código de Processo Penal Militar, os quais representam o início da fase processual do procedimento especial do crime de deserção praticado por praças sem estabilidade.

 Ao interpretar tais dispositivos pode-se indiscutível e categoricamente inferir que o legislador pátrio considera a qualidade de militar imprescindível para que alguém cometa o crime em comento, adjetivando esta característica como uma condição de procedibilidade, ou seja, somente pode cometer esta infração propriamente militar quem ostenta a condição de militar no ato da ação, de acordo com o princípio do tempus regit actum.

 Num outro giro, a questão da exigência da manutenção do status de militar, após ser submetido à inspeção de saúde e considerado apto, depois que se apresentou voluntariamente ou foi capturado, e reincluído, gerou e ainda gera, embora em menor proporção, grandes debates quanto a natureza jurídica, classificada por alguns como condição de procedibilidade e prosseguibilidade.

 Esta classificação permeava na jurisprudência do Superior Tribunal Militar. Entendia a corte, que o status de militar deveria estar presente não só por ocasião do recebimento e oferecimento da denúncia, mas sim em todas as fases do processo, inclusive na execução. Vejamos alguns julgados:

EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. INFORMAÇÃO SUPERVENIENTE DO LICENCIAMENTO DO MILITAR. PERDA DE OBJETO. ARQUIVAMENTO DO FEITO. Verificado o licenciamento de militar acusado em processo de deserção, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto por ausência da condição de prosseguibilidade. Decisão majoritária. (STM - AP: 92520087010401 RJ 0000009-25.2008.7.01.0401, Relator: William de Oliveira Barros, Data de Julgamento: 12/12/2012, Data de Publicação: 19/02/2013 Vol: Veículo: DJE)

EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM. INFORMAÇÃO SUPERVENIENTE DO LICENCIAMENTO DO MILITAR . PERDA DE OBJETO. ARQUIVAMENTO DO FEITO. Verificado o licenciamento de militar acusado em processo de deserção, impõe-se o reconhecimento da perda de objeto por ausência da condição de prosseguibilidade do recurso. Decisão unânime.

STM - HC - 00000138420157000000 (STM) - HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. TRÂNSFUGA. SOBRESTAMENTO. PLEITO DEFERIDO. O Paciente, já respondendo a primeiro processo como incurso no artigo 187 do CPM, consumou nova deserção e perdeu o status de militar por força de sua exclusão do serviço ativo. A exclusão do militar afeta casos como o dos autos, pois, nos termos do art. 457, §§ 2º e 3º, do CPPM, para que aja condições de o processo prosseguir, quando se trata de crime de deserção , o acusado necessita estar apto e reintegrado ao serviço militar. A qualidade de militar é condição de prosseguibilidade para a ação penal militar no crime de deserção . Precedentes. Ordem concedida para sobrestar o andamento do processo a que responde o Paciente até sua captura ou apresentação voluntária. Decisão proferida na forma do art. 67, parágrafo único, inciso I, do RISTM. Data da publicação 03/03/2015.

STM - HC - 00002153220137000000 RS (STM) - HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. 1. A condição de militar é requisito indispensável não só para a instauração da ação penal, como também para o prosseguimento da relação processual até a execução da penal. Precedentes do STM e do STF. 2. Com efeito, a ação penal deve ser sobrestada quando o acusado pelo crime de deserção comete nova deserção, tornando-se trânsfuga. 3. O sobrestamento do processo, nesse caso, coaduna-se com a finalidade da pena e do sistema processual penal castrense. 4. Ordem concedida por maioria.

 Era notória a posição da Corte castrense filiando-se à corrente que considera o status de militar, condição de procedibilidade e prosseguibilidade, aplicando uma interpretação extensiva ao seu próprio entendimento sumulado no verbete de nº 12. Para a Egrégia Corte Superior Militar, a falta do referido pressuposto acarretaria de plano o sobrestamento do feito e a extinção do processo, independentemente do momento em que se verificasse a ausência.


8 NOVO ENTENDIMENTO DO STM QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE

 Diante da emblemática extinção de diversos processos devido ao licenciamento de militares que respondiam pelo cometimento do crime de deserção, impedindo a efetividade da norma penal castrense na proteção dos bens jurídicos dever e serviço militares, bem como contribuindo para a impunidade dos agentes, a Corte militar mudou seu entendimento e majoritariamente vem formando precedentes importantíssimos no sentido de considerar o status de militar, como condição de procedibilidade, exigido apenas para a deflagração da ação penal, eventual perda desta qualidade não têm o condão de impedir o regular prosseguimento do feito, nem mesmo a execução de sentença penal condenatória transitada em julgado. Senão, vejamos:

STM - AP - 00000412120137030103 RS (STM). APELAÇÃO. DEFESA. DESERÇÃO. LICENCIAMENTO DO MILITAR. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL MILITAR. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO PELA OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. 1. Em observância à Teoria da Atividade, adotada pelo código penal militar, licenciamento do agente das fileiras das Forças Armadas durante o curso da Ação Penal Militar em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime de deserção, devendo ser dado regular prosseguimento ao Recurso de Apelação . 2. A prescrição da pretensão punitiva do Estado passa a ser regulada pela pena imposta quando somente houver recurso da Defesa. 3. Decorrido o lapso temporal previsto para a prescrição entre a publicação da sentença condenatória e a data do julgamento do Recurso, esta deve ser declarada de ofício. Inteligência do art. 123, inciso IV, combinado com o art. 125, inciso VII e § 1º e 129, todos do CPM. Preliminar de ofício declarada, decisão por maioria." (Grifo nosso). Data da publicação: 05/12/2016.

STM - HC - 84-86.2015.7.00.0000/AM HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO E POSTERIORMENTE LICENCIADO DAS FILEIRAS DO EXÉRCITO. SÚMULA 12 DO STM. DENEGADA A ORDEM. MAIORIA. Paciente sentenciado pelo crime de deserção (art. 187 do CPM) que, diante do seu licenciamento das fileiras da força no curso da execução penal, pretende ver declarada extinta sua punibilidade por faltar-lhe a condição de militar para prosseguir cumprindo sua pena. Súmula STM nº 12. O entendimento majoritário desta Corte Castrense é no sentido de que o status de militar deve ser aferido tão somente no momento da propositura da Ação Penal e do Recebimento da Denúncia. Verifica-se, portanto, a presença de todas as condições de prosseguibilidade, in casu, ainda que tenha ocorrido o licenciamento do militar. A perda da qualidade do militar não obsta o prosseguimento da ação penal. Denegada a Ordem por falta de amparo legal. Maioria. Data da publicação: 28/05/2015.

STM - AP - 70008452220207000000 - EMENTA: APELAÇÃO. MPM.DESERÇÃO. DECISÃO DO JUÍZO AQUO. FALTA DE CONDIÇÕES DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. LICENCIAMENTO DE DESERTOR APÓS RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ART. 457, § 2º, DO CPM. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. EXAME DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR PELO JUÍZO AD QUEM. IMPOSSIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL. MAIORIA. Militar que se ausenta da Organização Castrense, de forma desautorizada. Por período superior a 8 (oito) dias, comete o crime de deserção, tipificado no art. 187 do CPM. Nesse caminhar, a posterior exclusão de militar da Forças Armadas, em qualquer hipótese, quais sejam, por licenciamento, por término da prestação do serviço militar, ex offício , ou a bem da disciplina, não tem o condão de influir na prosseguibilidade da Ação Penal Militar no delito em questão, porquanto as condições de procedibilidade foram examinadas quando do recebimento da exordial. Ademais, o art. 457, § 2º, do CPPM é límpido ao consubstanciar que o desertor somente será isento do processo quando não puder ser reincluído ao serviço ativo por ser considerado incapaz após a devida inspeção de saúde. Na vertente quaestio, o agente delitivo ostentava a situação de militar da ativa, no momento do recebimento da denúncia, não podendo se aventar, por conseguinte, a extinção do processo sem a resolução do mérito fundamentada em ausência de condição de prosseguibilidade. Por arremate, no tocante a análise do pedido e da causa de pedir pugnada pelo Parquet neste grau Ad Quem, reputa-se inviável pela patente supressão de instância, eis que o Juízo de piso não se debruçou sobre o mérito da lide. Recurso, parcialmente provido. Decisão por maioria. Data da Publicação:14/06/2021.

 Esse novo entendimento, diga-se de passagem, digno de extremo louvor, só vem ratificar o que a súmula nº 12 do próprio STM, já menciona em seu teor, que sem a reinclusão, readquirindo a qualidade de militar, não poderá se ver processado o desertor, representando verdadeira condição de procedibilidade, se no transcurso processual houver a perda desta qualidade por algum motivo, de ordem administrativa ou não, em nada prejudicará o regular andamento processual, logo insustentável suscitar extinção do feito sem resolução de mérito por ausência de condição de prosseguibilidade, sob pena de criar uma causa extintiva de punibilidade não prevista no art. 123 do diploma penal castrense.


9 ENTENDIMENTO DO STJ QUANTO À CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE NO CRIME DE DESERÇÃO

 Comunga do mesmo entendimento o Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a reinclusão do trânsfuga é a única exigência para tornar-se possível o oferecimento e recebimento da denúncia no crime de deserção, situação fatídicas superveniente a estes atos, não dão azo ao sobrestamento da ação penal militar sob alegação de ausência de condição de procedibilidade, conforme pode-se observar nos julgados abaixo:

STJ - DECISÃO MONOCRÁTICA - RECURSO ESPECIAL: REsp 1794417 RS 2019/0025841-8 - PROCESSO CRIMINAL MILITAR DE DESERÇÃO. TÉRMINO DO TEMPO DE SERVIÇO OBRIGATÓRIO. 1...que tal fato tem por objetivo evitar a privação da persecução penal pela falta da condição de procedibilidade e prosseguibilidade, previstas no ordenamento vigente (fl.266). Destaca-se que o fato de o autor estar respondendo pela prática de crime de deserção não impede o licenciamento quando já implementado o prazo legal de 12 meses."

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS POLICIAL MILITAR. DESERÇÃO. POSTERIOR EXCLUSÃO DAS FILEIRAS MILITARES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. Segundo o art. 187 do Código Penal Militar, comete o crime de deserção o militar que se ausentar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias. Na hipótese, quando da consumação do delito e do oferecimento da denúncia, o recorrente ostentava a condição de militar, podendo, assim, ser sujeito ativo do crime de deserção. A superveniente exclusão das fileiras militares, por fatos diversos, não dá azo ao trancamento da ação penal, sob a alegação de ausência de condição de procedibilidade. A exclusão do paciente das fileiras do Exército ocorreu quando já estava consumado o crime de deserção. (....) Não há irregularidade na Lavratura do Termo de Deserção, nem na exclusão do militar das fileiras do Exército, após a consumação do delito. (....) Não há a alegada falta de justa causa" (Precedente do Superior Tribunal Militar). Recurso a que se nega provimento. (Grifo nosso).

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR – PRAÇA. LICENCIAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PROCESSO CRIMINAL NA JURISDIÇÃO MILITAR. ART. 31, § 5º DA LEI Nº 4.375/64. INTERPRETAÇÃO. Da leitura do referido dispositivo não se extrai que o praça que tenha concluído seu tempo de serviço, mas esteja respondendo a um processo criminal junto ao Foro Militar, não possa licenciar-se. Interpretação equivocada da recorrente. Recurso desprovido.

 Destarte, pode-se extrair que nesse ponto as duas colendas cortes convergem. A incapacidade definitiva, idade de quarenta e cinco anos para praças e sessenta anos para oficiais, são as únicas hipóteses que o desertor se verá isento da reinclusão e do processo criminal, situações representativas de condições para o prosseguimento do feito.


10. ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE

 Ao discorrer sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à condição de procedibilidade e prosseguibilidade nos processos de deserção praticados por praças sem estabilidade, é imprescindível registrar dois pontos importantes.

Primeiramente, cumpre informar que a Excelso Pretório, ao enfrentar um caso no qual analisava, se deveria proceder com a execução da pena atinente a primeira deserção, após apresentação voluntariamente em decorrência da segunda deserção, sendo, o Autor, submetido à inspeção de saúde e isento da reinclusão por ser classificado incapaz definitivamente para o serviço ativo, a maioria dos ministros acompanhou o voto da relatora Ministra Ellen Gracie no RHC nº 83.030, no sentido de considerar a condição de militar um requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao delito de abandono, in verbis:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR. CAUSA PREEXISTENTE À CONDENAÇÃO. Com o reconhecimento da incapacidade definitiva preexistente a condenação, e tendo em vista que a condição de militar é requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao crime de deserção, nos termos do art. 457, § 2º do CPPM, não há justa causa para a execução. Recurso provido.

 Surgia assim, o início de uma corrente, a qual dava ao status de militar a denotação não só de condição de procedibilidade, mas também condição de prosseguibilidade, inclusive para que houvesse condenação no transcurso da persecução penal militar de deserção. Vale destacar que a questão central, naquele julgamento era a superveniente incapacidade definitiva para o serviço ativo, situação expressamente impeditiva de reinclusão no serviço ativo conforme inteligência do art. 457, §2º do CPPM, portanto, não se tratava de óbice por deixar de ser militar da ativa ou na inatividade, e sim por possuir incapacidade definitiva para a prestação do serviço ativo.

 Destarte, ainda que não unânime, firmou-se o entendimento de que a perda da qualidade de militar da ativa impediria o regular prosseguimento da execução penal militar por ausência de condição de prosseguibilidade.

 Embora este seja o posicionamento atual majoritário do Supremo tribunal Federal, o qual considera que a perda da condição de militar, em qualquer fase, culmina com a extinção do processo, surgiram alguns precedentes considerando o status de militar como condição apenas de procedibilidade ou admissibilidade, necessários apenas para a deflagração da ação penal militar. Logo, não se mostra exacerbado inferir que há uma tendência de mudança de entendimento por parte da Corte Constitucional, aqui está o segundo ponto importante deste tópico.

Vejamos o entendimento da Primeira turma no julgado abaixo:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). STATUS DE MILITAR DA ATIVA. CONDIÇÃO PARA DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. SUPERVENIENTE EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS IRRELEVÂNCIA, PARA FINS DE PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. 1. A ação penal que trata de deserção (CPM, art. 187) somente poderá ser instaurada contra militar da ativa, constituindo, portanto, condição de procedibilidade; isto é, o status de militar é exigido somente na fase inicial do processo. Como pressuposto para deflagração da ação penal, sendo irrelevante, para fins de prosseguimento da instrução criminal ou do cumprimento da pena, a posterior exclusão do agente do serviço ativo das Forças Armadas. Inteligência do art. 456, §4º, e do art. 457, §1º e §2º, do CPPM. Precedentes. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento (1ª Turma A G. REG. no HABEAS CORPUS 168.390/SP. Relator Min. Alexandre de Moraes; j. 24.4.2019).

 De fato, uma tendência que precisa torna-se realidade absoluta. Esta evolução jurisprudencial se amolda ao entendimento atinente a outros crimes propriamente militares, como por exemplo, o crime de abandono de posto, sobre o qual, a Suprema Corte firmou entendimento no HC nº 136.006, de relatoria do eminente Ministro Celso de Mello, em 14 de dezembro de 2016, que é irrelevante para o prosseguimento da ação penal a desintegração do paciente das fileiras das Força Armadas, visto que ao tempo do crime era militar da ativa. Reforça, o magistrado, que se assim não fosse, ensejaria no surgimento de uma nova modalidade, não prevista no processo adjetivo militar, de extinção da punibilidade, pela prática de um crime tipicamente próprio pela perda superveniente da condição de militar, algo inaceitável. Ora se esta conclusão é direcionada a outros delitos propriamente militares, sem dúvidas deve ser propensa para o considerado mais militar dos crimes, qual seja o delito de deserção.

 Sem dúvida alguma, o legislador ordinário deseja a efetividade dos preceitos primário e secundário do artigo 187 do CPM, aplicando este último, mediante um devido processo legal, aos sujeitos ativos do delito de deserção, seja ainda ostentando a condição de militar ao ser reincluído pra se ver processar, seja após perdê-la no curso regular do processo, devido a ação discricionária da administração militar, a qual não importe em casos que isente o infrator de prestar o serviço castrense, ou seja, excluído totalmente da reserva mobilizável, ocasião em que não mais poderá ser eventualmente convocado.

 Assim sendo, estarão preservados os valores incomensuráveis às FFAA, quais sejam: a honra, serviço, dever, disciplina e hierarquia militares, necessários para que estas instituições se mantenham prontas e focadas na precípua missão constitucional de defesa da nossa soberania, da lei e da ordem.

 Não se pode condicionar a aplicação da lei penal militar a uma ação estritamente de cunho administrativo, uma seara não se confunde com a outra, para exemplificação, vale comentar sobre a aplicação do instituto do acostamento, que viabiliza a manutenção do desertor na Organização Militar para fins declarados no ato e sem percepção de remuneração, conforme §8º do art. 31 da Lei do serviço militar, incluído pela Lei 13.964/2019.

 Segundo o inciso VIII do art. 82 da lei 6.880/80, o militar desertor ficará afastado temporariamente do serviço ativo e após sua reinclusão para se ver processar, será agregado, conjugando este dispositivo com o da Lei de serviço militar supramencionado, pode-se inferir que o legislador exige o vínculo do infrator novamente com a FFAA, no entanto, permite mantê-lo encostado sem remuneração e para fins exclusivos de responder ao processo criminal militar, seja no serviço ativo ou na inatividade. Vejam que a discricionariedade administrativa não interfere na possibilidade de um regular e efetivo processo adjetivo castrense.

 De fato necessita-se urgentemente da unificação jurisprudencial das Cortes Superiores, a fim de evitar que as decisões exaradas nos Conselhos de Justiça, órgão de primeiro grau da Justiça Militar, atinente à prescindibilidade da manutenção da qualidade de militar para o desertor se ver processado e julgado, em eventual recurso, sejam mantidas pela corte castrense e ao serem analisadas pela Corte Constitucional sejam reformadas ou até mesmo mantidas, promovendo inúmeros julgados díspares relacionados a mesma situação jurídica, tendo em vista que nem as suas turmas possuem entendimentos convergentes, gerando indesejável instabilidade e insegurança jurídica, bem como, ofensas ao princípio da isonomia.


CONCLUSÃO

 Diante do exposto, cabe ressaltar que às Forças Armadas são imprescindíveis para a proteção da soberania do Estado Brasileiro, não só no que tange a defesa do seu território, mas também para a manutenção harmoniosa dos poderes constituídos, da lei e da ordem. O cumprimento exitoso desta missão conferida pela Carta Magna, se dá, caso necessário, dentre outros mecanismos, pela efetiva aplicação da pena prevista no preceito secundário dos tipos penais castrenses e na legislação penal, responsáveis pela tutela dos bens jurídicos militares.

 Para que seja possível e efetiva a missão de defesa do Estado e da democracia é imprescindível a existência permanente das instituições militares constituídas pelo poder originário para este fim. Para tanto, o Brasil adotou o princípio da nação em armas, consignado expressamente no art. 143 da CRFB/88, o qual dispõem que a prestação do serviço militar será obrigatória.

 O serviço militar compulsório consiste no exercício de atividades específicas desempenhadas pelos integrantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, regidos, principalmente, pela Lei do serviço militar nº 4.375/64 e seu regulamento nº 57.654/66, as quais nortearão a administração militar no trato para com os membros das Forças Armadas, com regras específicas, não só nos assuntos voltados ao poder regulamentar, mas, sobretudo, aos inerentes ao poder disciplinar. Somando-se a este último, entra em cena a legislação penal castrense, a qual tipifica como crime condutas incompatíveis com a hierarquia e disciplina militares, base institucional das Forças Armas, tudo em prol do regular funcionamento institucional e da tutela dos bens jurídico castrenses.

Desse modo, para que haja o pronto emprego das forças militares, faz-se necessário a incorporação dos integrantes, seja de forma compulsória ou voluntária, permanecendo aptos para eventual convocação decorrente de uma instabilidade institucional, ainda que na reserva mobilizável.

 Esta garantia de cidadãos preparados para atuarem em defesa da pátria se dará não só com a simples integralização, mas com a fiel observância da missão constitucional da Forças Armadas, consubstanciada pelo comprometimento e responsabilidade de seus membros, caso contrário será necessário a aplicação de sanções a fim de restabelecer a ordem militar.

 Nesse diapasão, no intuito de tutelar os bens jurídicos, serviço e dever militares, a Constituição recepcionou o Código Penal Militar, o qual veda expressamente em seu artigo 187 a ausência, sem a devida autorização, por mais de oito dias, do militar da unidade onde serve ou do lugar que deveria permanecer. E como instrumento capaz de viabilizar a efetiva punição para àquele que incorre no chamado crime de deserção, considerado o delito mais militar dos crimes castrenses, o legislador ordinário estabeleceu no Código de Processo Penal Militar, dentre outros, procedimentos especiais, um para tratar do abandono praticado pelo Oficial e outro para crime praticado por praças sem estabilidade.

 No que tange ao procedimento para praças especiais ou sem estabilidade, as fases administrativas e a fase processual precisam caminhar bem concatenadas, cada qual com suas especificidades, sob pena de promover a ineficácia do direito material e processual penal militar.

 Nessa esteira, surge a questão central deste artigo, qual seja a controvérsia do licenciamento do militar sem estabilidade que responde à processo pela prática do crime de deserção. Não se pode confundir o instituto do licenciamento com o instituto de interrupção do serviço militar, este possui como espécie a deserção, destinados àqueles que estão prestando o serviço inicial obrigatório ou aos convocados de aceitação voluntária ou de prorrogação de tempo de serviço, cuja consequência, em tese, será a isenção do serviço militar, já o instituto do licenciamento é um ato administrativo que ocorre após a conclusão do período inicial obrigatório, pelo qual o militar passa a fazer parte da reserva mobilizável, após exclusão do serviço ativo.

 Portanto, se faz imperioso dizer que não há o que se falar em impedimento para licenciar o desertor que, após reinclusão, responde ao devido processo legal, sob pena de sobrestamento do regular andamento processual, visto que a exigência do status de militar é condição apenas de procedibilidade, necessária somente para a deflagração da ação penal militar. De fato, a necessária qualidade de militar guarda relação direta com a teoria da atividade, pela qual considera-se praticado o crime de deserção no momento da ação, e não com a Lei de Serviço militar e seu regulamento.

 Nesse sentido, importante destacar que é necessária a adequação do instituto da reinclusão, com o que é preconizado nos §§1º e 2º do art. 2º do CPPM, segundo o qual as expressões da lei processual penal devem ser interpretadas no seu sentido literal. Portanto, ao analisar o art. 457 §1º da legislação adjetiva penal, infere-se que a exigência recai apenas no retorno do vínculo do trânsfuga à instituição que abandonou, para que se veja processar, se for considerado apto em inspeção de saúde. Pensar diferente configuraria uma ofensa ao princípio da legalidade, tendo em vista que os dispositivos supracitados, vedam categoricamente a interpretação extensiva pela qual poderá prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvirtuar a natureza.

Certamente a ideia de que o status de militar possui natureza jurídica de condição de prosseguibilidade, em qualquer fase processual, ocasionando a extinção do feito, sem resolução do mérito, não merece prosperar. Sem dúvidas, incentiva a reiteração da prática criminosa, gerando prejuízos na seara administrativa e processual penal militar, bem como, contribui para sensação de impunidade.

Até mesmo a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal Militar reconheceu o equívoco, e, atualmente, ao contrário do que entendia até mesmo quando editou a súmula nº 12, vem se posicionando no sentido de que o status de militar apresenta-se como condição de procedibilidade. Não há nenhum óbice para o prosseguimento do feito, o superveniente licenciamento do militar, tendo em vista que tal exigência só é devida para dar início a ação penal, sob pena de criar uma causa extintiva de punibilidade não prevista no diploma penal castrense.

Por fim, em busca de um efetivo processo penal militar e segurança jurídica, urge-se por uma unificação da jurisprudência do Superior Tribunal Militar com a da Corte Constitucional, pois embora existam precedentes alinhados com a nova posição da Corte Castrense, vigora ainda, majoritariamente no STF, o entendimento de que a condição de militar, deve estar presente em todos os momentos processuais, inclusive na fase executória.


REFERÊNCIAS

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MATHIAS, Neilton Jacinto Bulcão. Impropriedades e danos do status de militar como condição de procedibilidade para a persecução penal no crime de deserção praticado por praças sem estabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7006, 6 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99882. Acesso em: 9 maio 2024.