Capa da publicação Escola Sem Partido: cerceamento da expressão do professor
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O cerceamento da liberdade de expressão do educador.

A (in)constitucionalidade do Projeto de Lei nº 867/2015 frente à autonomia do educador e do educando

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30/01/2023 às 17:59
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Analisam-se os conceitos de pluralidade, diversidade cultural, autonomia do educador e do educando, dignidade da pessoa humana, doutrinação e direito à educação.

Resumo: A presente pesquisa consiste em uma análise acerca do cerceamento da liberdade de expressão, que pode vir a ser ameaçada com a aprovação do Projeto de Lei n°867/2015, no que se refere à autonomia do educador e do educando no contexto da sala de aula. O trabalho insere-se na linha de pesquisa Efetivação dos Direitos Humanos, do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil, campus Carazinho. A problemática versa sobre o cerceamento da liberdade de expressão que poderá a vir ser inserida no ensino brasileiro através da possibilidade de aprovação do referido projeto de Lei advindo do movimento Escola sem Partido. O objetivo da pesquisa é realizar uma análise sobre o movimento Escola sem Partido, seus objetivos, e se a inserção do presente projeto no ordenamento jurídico brasileiro, viria a ferir os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 e quais as possíveis mudanças no ensino do Brasil. Além disso, são objetos de estudo os conceitos de pluralidade, diversidade cultural, autonomia do educador e do educando, dignidade da pessoa humana, doutrinação e direito à educação. O método de pesquisa utilizado é o dedutivo, com o objetivo de analisar obras, artigos, e leis, a fim de chegar à constatação se o projeto de Lei n°867/2015 é constitucional ou não.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Liberdade de expressão. Escola sem Partido.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2. HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES E A INTRODUÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 2.1. A evolução histórica das constituições brasileiras até a Constituição Cidadã. 2.2. A Constituição de 1988 e a inclusão dos direitos fundamentais. 2.3. A liberdade de expressão e seus limites. 3. O DIREITO À EDUCAÇÃO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL. 3.1. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 3.2. A liberdade de expressão dentro da sala de aula. 3.3. A educação como pilar da cidadania e obrigação do Estado. 4. O ESCOLA SEM PARTIDO: POSSÍVEIS MUDANÇAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA. 4.1. O controle de constitucionalidade. 4.2. O Projeto de Lei n° 867/2015. 4.3. Mudanças possíveis na educação brasileira com a implantação do projeto Escola sem Partido. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

O Projeto de Lei nº867/2015 surgiu de uma iniciativa dos idealizadores e apoiadores do movimento Escola sem Partido. O projeto visa uma mudança nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para que os conteúdos abordados em sala de aula sejam delimitados e respeitem às crenças das famílias dos educandos, bem como proibir a discussão sobre ideologia de gênero, para que assim se iniba uma possível doutrinação por parte dos educadores.

O Brasil encontra-se no momento em uma divisão de cunho político, entre uma polarização política entre direita e esquerda. Os conservadores defendem que há um movimento nas escolas para doutrinar os alunos à ideologia dos professores. Essa ideologia segundo os idealizadores e apoiadores do movimento Escola sem Partido, seria pendente para o lado da esquerda. O movimento, defende a ideia de que os educadores apenas devem passar conhecimento aos educandos, sem demonstrar seu ponto de vista ou qualquer tendência ideológica.

Primeiramente, torna-se imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988, dispõe que a educação é função social do Estado, e como tal deverá ser desenvolvida com pluralismo e diversidade de ideias e culturas. O Brasil é um país multicultural, onde há diversas religiões e crenças, dessa forma, delimitar os conteúdos expostos em sala de aula à crença dos pais dos alunos, poderia vir a ferir a laicidade do Estado.

É essencial para a educação do país que a liberdade de expressão seja garantida, sendo um dos direitos fundamentais que incorporam o núcleo da Constituição Federal de 1988, bem como garantir a livre manifestação de pensamento. Esses direitos devem ser resguardados e respeitados, pois são pilares do Estado Democrático de Direito.

Dessa forma, pretende-se analisar as principais propostas do Projeto de Lei n°867/2015, bem como o próprio movimento Escola sem Partido, verificando quais as mudanças que poderiam acarretar na educação do país, na sociedade e se o projeto poderá ferir princípios e normas estabelecidos na Constituição, e em tratados internacionais onde o Brasil é signatário, dando destaque à liberdade de expressão e à dignidade da pessoa humana. Visando constatar assim se o presente projeto é constitucional ou não.

Esse estudo é de grande relevância jurídica, pois trata-se de um Projeto de Lei que pode vir a ter grande impacto em todos os níveis de educação do Brasil. Os direitos constitucionais analisados no presente estudo, são os direitos fundamentais, normas jurídicas que informam a ordem constitucional do ordenamento jurídico, sendo essas as diretrizes básicas sobre as quais a Constituição Federal de 1988 foi criada.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a liberdade de expressão como um direito fundamental ao ser humano e à sociedade, demonstrando que tal liberdade foi conquistada ao longo de um extenso período, por meio de uma abordagem histórica. Também tem como objetivo demonstrar a importância de uma educação cidadã na formação da sociedade, bem como a notoriedade de empregar debates sobre política, pluralidade e diversidade cultural, religião, ideologia e educação de gênero dentro das salas de aula. Serão analisados os aspectos do Projeto de Lei nº867/2015 para definir se o projeto está em consonância com as normas constitucionais, para assim estabelecer se o projeto seria constitucional ou inconstitucional e suas possíveis repercussões na educação brasileira.

No que diz respeito ao método de pesquisa, a metodologia aplicada é a revisão bibliográfica, por meio de livros, periódicos, artigos científicos, Leis entre elas o Projeto de Lei °867/2015 bem como a Constituição Federal. O método aplicado será o hipotético dedutivo, sobre o movimento Escola sem Partido, o Projeto de Lei n°867/2015, e obras que englobam o assunto, para que se possa chegar a uma conclusão a respeito do assunto.

Portanto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a problemática sobre o cerceamento da liberdade de expressão, o sistema de ensino no Brasil, o movimento Escola sem Partido, bem como, se o referido projeto respeita os princípios dispostos na Constituição Federal de 1988. Questiona-se a constitucionalidade do projeto e o impacto que esse poderia vir a ter na sociedade e suas possíveis mudanças nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional.


2 HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES E A INTRODUÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Inicialmente, torna-se necessário um estudo quanto á história das constituições na construção histórica do Brasil, suas evoluções, introdução de direitos que são resguardados até os dias atuais. Aborda-se também a criação da Constituição de 1988, bem com a introdução dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico, entre eles a liberdade de expressão e a importância desses direitos na garantia do Estado democrático de direito.

Por fim, é de suma importância o estudo acerca da liberdade de expressão e seus limites, instituídos pelo Estado e por tratados internacionais do quais o Brasil é signatário.

2.1 A evolução histórica das constituições brasileiras até a Constituição Cidadã

A Constituição é o documento que delimita os poderes do governo, bem como os direitos e deveres da população do país. O constitucionalismo ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de se firmar como garantidor de direitos, organizar os Estados, a separação de poderes e garantir direitos fundamentais, concretizando assim o Estado Democrático de Direito.

No Brasil, aconteceram os primeiros passos com o constitucionalismo após D. Pedro I se recusar a retornar a Portugal e romper os laços do Brasil com o país colonizador, ocasião em que foi formada uma Assembleia Constituinte com a intenção de apresentar um projeto de constituição ao Imperador, porém a primeira proposta apresentada, o monarca não aprovou por considerá-la de caráter muito liberal (VILLA, 2011).

Ainda segundo Villa (2011), em decorrência das várias disputas e choques entre brasileiros e portugueses, a Assembleia Constituinte acabou, por vontade do Imperador, sendo desconstituída mais de uma vez. Consequentemente, houve uma grande revolta nas províncias, onde muitos líderes acabaram sendo presos, assim como deputados foram exilados.

Com tudo o que estava ocorrendo e para acalmar o povo, D. Pedro I anunciou que haveria uma nova eleição para escolher novos constituintes, o que acabou não acontecendo e a primeira Constituição, contendo 179 artigos, foi promulgada em 25 de março de 1824. A Carta manteve o Congresso, porém tirando-lhe uma série de poderes e reduzindo sua carga horária de serviço.

Suas principais características eram: O Brasil seria governado por um imperador; Monarquia, ou seja, poder adquirido por sucessão hereditária; O nome do país era Império do Brasil; Escravos, indígenas e pobres não eram considerados cidadãos; Eleições censitárias – Somente poderão votar e ser votado os “cidadãos”; Estado unitário, aquele em que não há divisão territorial de poder político; Estado confessional (ligado à Igreja – catolicismo como religião oficial); Modelo externo – monarquias europeias restauradas (após o Congresso de Viena); Quatro poderes – Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador, este exercido pelo imperador; e, os “cidadãos” elegiam os Deputados e os Senadores (ALVES, 2017, p. 2).

O voto era um direito reservado apenas a homens livres e proprietários de escravos que formavam 30% da população e mulheres não tinham esse direito, além disso, para votar deveria se ter um nível de renda estipulado pela Constituição, assim como os candidatos deveriam comprovar renda mínima proporcional ao cargo que pretendiam. De acordo com Villa (2011), a Carta Magna apenas tratava de dar mais poder ao Imperador, criando assim o poder moderador, o qual estava acima dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

A Constituição de 1891, veio com a Proclamação da República, sob a liderança do Marechal Deodoro da Fonseca e o apoio do Exército que, sem encontrar grandes oposições, derrubou a Monarquia.

A resistência foi quase nula. O regime estava desgastado e sem bases sociais. Perdeu apoio dos escravocratas e não conseguiu obter adesões dos setores dinâmicos da nova economia cafeeira. O republicanismo era uma corrente de pouca importância na política brasileira (VILLA, 2011, p. 16).

Muitas mudanças aconteceram em nível social no Brasil e a nível de sistema de governo foi adotado o presidencialismo. Assim, o Marechal Deodoro da Fonseca, presidente provisório, estabeleceu uma comissão para que essa apresentasse um projeto o qual fosse analisado pela futura Assembleia Constituinte.

Outra mudança que aconteceu foi o poder deixar de ser quadripartido para tripartido, para que assim houvesse mais equidade entre o governo. O Estado brasileiro buscava servir os moldes norte-americanos sendo federalista, assim os estados tinham o poder de operar sobre qualquer direito, desde que esse não ferisse a Carta Magna. Essa decisão representava uma grande liberdade para os estados, pois apenas a Constituição era superior à legislação estadual (SILVA, 2011).

O direito dos estados de criar suas próprias leis era visto como um grande avanço na época, mesmo que o sistema de governo não funcionasse perfeitamente, tinham-se grandes ambições com o federalismo, pois os idealizadores do novo modelo de Estado acreditavam que se tinha dado certo nos Estados Unidos, daria certo no Brasil também. Assim ficou decretado que o Brasil agora era uma República, a qual esperaria a livre manifestação da nação, em forma de voto para decidir seu sistema de governo, o que só veio a acontecer mais de um século depois. Um dos pontos que o novo regime tinha em comum com o antigo, era que também queria calar a imprensa, sendo assim, foi promulgado um decreto onde o crime de imprensa seria julgado por tribunais militares (VILLA, 2011).

Seria, da parte do governo, inépcia, covardia e traição deixar os créditos da república à mercê dos sentimentos ignóbeis de certas fezes sociais”. E continuou: Os indivíduos que conspirarem contra a República e seu governo; que aconselharem ou promoverem por palavras, escritos ou atos, a revolta civil ou a indisciplina militar; que divulgarem nas fileiras do Exército e da Armada noções falsas e subversivas tendentes a indispô-las contra a República, […] serão julgados militarmente por uma comissão militar nomeada pelo ministro da Guerra e punidos com as penas militares de sedição (VILLA, 2011, p. 18).

A Constituição foi datada no dia 24 de fevereiro de 1891. Ela configurava principalmente como o governo iria funcionar, assim como aumentou a possibilidade de votantes, excluindo ainda mendigos, analfabetos e mulheres. Separou Igreja de Estado e estabeleceu o Habeas Corpus, possuía uma visão mais positivista, pois era visto dentro dos projetos a percepção de alguns indivíduos que eram mais preparados para assumir o poder.

O país também se abria para os imigrantes, dando garantias de liberdade a esses. Houve a grande naturalização, que tornava brasileiro todo estrangeiro que estivesse em solo brasileiro no dia da Proclamação da República se esse não reclamasse o desejo de manter a nacionalidade dentro de seis meses (SILVA, 2011).

Porém, houve um decréscimo de direitos sociais no texto, o que por mais que tenhamos defendido o fato de estarem expressos na constituição imperial, em termos práticos, não resultasse em praticamente nenhuma atuação estatal para a população, esta conferia aos grupos religiosos a possibilidade de atuar nessa área assistencialista. O fato de não existir nenhum atendimento social por parte do Estado, ele que nesse momento é o único órgão, teoricamente, responsável pela efetivação dos direitos, deixa a situação das classes menos abastadas ainda pior (SILVA, 2011, p. 8).

As principais características da Constituição de 1981 eram: O Estado passou a ser Federalista, o que concedia uma autonomia aos estados; o país passou a se chamar, Estados Unidos do Brasil; passou a não existir mais uma distinção entre normas matérias e normas constitucionais; o Habeas corpus que no início era uma remédio constitucional usado para qualquer direito, no ano de 1926, passou a ser restrito à liberdade de locomoção; também foi instituído o controle difuso de constitucionalidade, onde qualquer juiz poderia vir a decretar a inconstitucionalidade de uma lei; assim como o mandato de presidente iria durar quatro anos e esse não poderia ser reeleito. (ALVES, 2017).

As eleições aconteceram após uma série de decretos do governo temporário, onde foi decidido que pessoas que ocupassem cargos de confiança poderiam concorrer nas futuras eleições e sendo assim todos que concorreram se elegeram, dando uma sensação de que o governo elegeu quem quis. Um ponto a ser destacado é que essa Constituição implementou o casamento civil, fazendo dele gratuito, e mesmo em meio diversas revoltas e vários períodos conturbados, ela vigorou por um longo período (VILLA, 2011).

A Constituição de 1934, foi promulgada após diversos movimentos sociais e manifestações em busca de mais direitos e após uma crise financeira que atingia o país. A nova carta ficou conhecida como Nova República, trazendo em seu preâmbulo que a organizaria não em um regime democrático, assegurando a liberdade, a justiça, a economia, e o bem-estar social. Criada no governo Vargas, ela foi promulgada após ocorrerem eleições, as quais, foram acusadas de serem fraudulentas, e em meio ao caos no país, após vários combates e exílios, Getúlio assumiu a presidência (ALVES, 2017).

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O novo governo, extinguiu o Legislativo. A maior expectativa era que houvessem grandes mudanças com a revolução, o que acabou sendo frustrado, pois as mesmas pessoas continuavam no poder e as mudanças que deveriam acontecer, continuavam a ser adiadas.

A nova ordem tinha prometido reconstitucionalizar o país. O governo era chamado de “provisório”. O tempo foi passando e nada de convocar a Assembleia Constituinte. Os tenentes, grupo de militares e civis de diversos matizes ideológicos, mas defensores de uma ordem autoritária, queriam a todo o custo postergar a eleição. Quando, finalmente, Vargas marcou a eleição, por meio de um decreto, em maio de 1932, para maio do ano seguinte, os tenentes espalharam que era um decreto para inglês ver, que não seria cumprido (VILLA, 2011, p. 32).

Com o medo de que não houvesse as eleições em 1932, aconteceu a Revolução Constitucionalista, uma luta que durou cerca de três meses. Em 8 de dezembro de 1932, Getúlio Vargas promulgou o Decreto n° 22.194 que cassou os direitos políticos por três anos sobre o pretexto de que “de todos os que tenham tomado parte no levante militar ou auxiliado por qualquer forma o desencadeamento da rebelião ou a ela posteriormente prestado o seu concurso”. Com todos os acontecimentos a Assembleia Constituinte foi marcada para 3 de maio de 1933, com um grande avanço no cenário político, pois pela primeira vez, mulheres tinham direito ao voto (VILLA, 2011, p. 32).

Em 16 de julho de 1934, a nova Constituição foi promulgada, amparada pelo coronelismo e com diversos avanços no quesito de Direitos Sociais, a criação da Justiça do Trabalho, das Leis Trabalhistas, da Justiça Eleitoral e do voto secreto a partir dos 18 anos, foram algumas das mudanças mais promissoras trazidas na Carta Magna.

O poder dos governadores, por sua vez, sustenta-se no coronelismo. Fenômenos em que se transmudaram a fragmentação e a disseminação do poder durante a colônia contido no Império pelo Poder Moderador. [...] Os governadores impunham o Presidente da República. Nesse jogo, os deputados e senadores dependiam da liderança dos governadores. Tudo isso forma uma constituição material em desconsonância com o esquema normativo da Constituição então vigente e tão bem estruturada formalmente (SILVA, 2008, p. 80).

No dia 10 de outubro de 1937, Getúlio Vargas revogou a Constituição, dissolveu o congresso, concentrando o poder todo nas mãos do chefe do Executivo, uma atitude de inspiração fascista. Foram proibidos as bandeiras e os hinos estaduais, para demonstrar que a única bandeira era a do Brasil, assim como a União poderia intervir nos Estados no momento que quisesse, pois não havia nenhum tipo de eleições, até mesmo o Parlamento era agora formado pelo Conselho de Economia Nacional e o Presidente da República (VILLA, 2011).

A Carta Magna ficou conhecida como Constituição Polaca, essa não era legitimada na visão de muitos juristas, pois não tinha a participação do povo, de quem deveria emanar e seria o detentor do poder, ao contrário, dava todo poder ao Executivo. O Estado Novo, tratava-se de uma ditadura imposta pelo Presidente da República, onde a Carta Magna deveria ter passado por um plebiscito, o que não aconteceu. Foi decretado Estado de emergência no país, ficando assim suspensos os direitos individuais dos cidadãos. Todo o poder do país ficou nas mãos do governo central, predominantemente do Presidente, não existia mais separação de poderes que não apenas nominal, pois tanto o judiciário como o legislativo perderam praticamente todas as suas funções. O Executivo era considerado como autoridade suprema do Estado, pois ele tinha a função de coordenar todos os órgãos representativos, assim como o poder sobre a política interna e externa, supervisionar e coordenar a administração do país e orientar a política legislativa (PINHO, 2012).

O país passava por um momento difícil, onde os direitos dos cidadãos e os direitos políticos haviam sido retirados, onde o congresso não tinha mais voz, pois o Presidente retinha todo o poder para si, fazendo o que lhe dava vontade, com o apoio da elite. Getúlio manteve os direitos sociais que haviam sido estabelecidos na Constituição de 1934, cedeu em alguns pontos, principalmente no campo trabalhista, para tentar manter o pouco da popularidade que tinha. Pode-se destacar a instituição da pena de morte, a supressão da liberdade partidária e da liberdade de imprensa e a eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos. Os três poderes foram mantidos, pelo menos formalmente, pois na prática o Legislativo e o Judiciário foram anulados e todo poder se concentrava no Executivo (SILVA, 2011).

Os aspectos importantes são os referentes às atribuições e prerrogativas do Poder Executivo que estão dispostos nos artigos 74 e 75, conferindo ao chefe desse poder praticamente todas as formas de intervenção na vida Social, seja através da possibilidade de intervir nos Estados, Expedir Decretos-leis, Declarar a Guerra (art. 74); seja por meio da possibilidade de dissolver a câmara, adiar, prorrogar e convocar o parlamento, escolher 10 dos integrantes do Conselho Federal (art. 75). Pela exposição, percebe-se que quem realmente legislou foi o Presidente, através de seus decretos-leis, muitos dos quais tiveram muito mais influência jurídica que a própria Constituição, como é o caso da, ainda em vigor, Lei de Introdução ao Código Civil (SILVA, 2011, p. 14).

Com a Segunda Guerra chegando ao fim e os regimes ditatoriais sendo fortemente criticados no mundo todo, não demorou muito tempo para a Constituição começar a ser atacada. Sendo assim, no dia 29 de outubro um golpe militar derrubou Getúlio dando caminho para novas eleições e uma nova Constituição.

Pela primeira vez em relação às Assembleias Constituintes anteriores, essa não teria um número tão alto de militares, também não havia um rascunho feito pelo governo. No dia 18 de setembro de 1946, foi promulgada a quinta Constituição do país. A Carta Magna era a mais extensa até então, com 218 artigos, dividiu o Congresso em dois, aumentando o número de Senadores de dois para três para cada estado da federação, definindo o número de deputados em sete para cada estado e instituindo novamente o cargo de Vice-Presidente da República. Foi estipulado que o poder Executivo seria exercido pelo presidente da República, que o mandato seria de cinco anos e que presidente e vice seriam eleitos separadamente pelo povo em eleições simultâneas (SILVA, 2011).

A eleição do presidente e vice seria simultânea, ou seja, não formariam uma chapa, seriam escolhidos separadamente pelo eleitor. Nas eleições de 1950 e 1955 não foi um problema: Café Filho e João Goulart eram os vices efetivos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Mas em 1960 a situação foi bem diferente: foram eleitos Jânio Quadros e João Goulart. Contudo, Goulart era o vice do opositor de Jânio, o marechal Teixeira Lott (a eleição de 1945 – realizada antes da promulgação da Constituição – só foi para presidente; o vice – Nereu Ramos – foi eleito pelo Congresso, tal qual disposto na Constituição). O vice de Jânio era o mineiro Milton Campos; mas ele preferia o gaúcho Fernando Ferrari, que ficou em terceiro lugar, concorrendo como candidato avulso, o que era permitido (VILLA, 2011, p. 60).

Mais uma vez via-se uma certa liberdade conservadora no texto, o Brasil ao contrário de outros países que seguiam a caminho de um maior bem-estar social, parecia estar novamente olhando para o passado, pois a maioria da Constituinte se manteve de uma vertente conservadora.

Uma nova ordem surgiu em todo mundo após o fim da guerra, porém no Brasil as instituições continuaram com a visão conservadora, assim como o tema do divórcio que, mesmo com diversos debates, foi impedida a regularização, pois prevaleceu a vontade da Igreja Católica. O legislador equivocou-se ao não perceber que o mundo era outro após os violentos ataques de 1945, e a nova Constituição acabou buscando dar continuidade à antiga, em uma tentativa de manter a ordem social, que o país deveria ter dado um passo à frente; não o fez e esse foi um dos motivos de o projeto político não ter dado certo (SILVA, 2011).

A República Populista chegou ao fim em 1964, mesmo que na teoria a Constituição continuasse vigente, a mesma na prática não era mais respeitada, o Golpe Militar trouxe uma nova ordem legal, por meio arbitrário e violência.

O então Presidente da República em 1964 foi derrubado pelo golpe militar. A junta militar que estava agora no comando do país editou o primeiro ato institucional em 9 de abril, decretando que a partir de então as eleições seriam de forma indireta para Presidente, suspenderam as garantias individuais, a vitaliciedade e a estabilidade, a suspensão dos direitos políticos por dez anos, assim como a cassação dos mandatos legislativos. Também foram extintos os partidos políticos por meio do ato institucional n° 2 (PINHO, 2012).

O país agora estava sob comando da junta militar, com a ideia de que se sofria com uma insegurança nacional, em que o país poderia ser atacado por estrangeiros, os direitos individuais ou políticos foram retirados da população, que não poderia mais nem escolher seus representantes.

O Comando Supremo, como a junta militar mesmo se auto intitulou, editou o AI 1, sob o comando do general Costa e Silva e o vice-almirante Augusto Hademaker. O Comando Supremo auto intitulou-se como revolucionário e assim desprezou a sucessão legal do governo, tomando assim o poder constituinte do país para si, determinando que haveriam novas eleições, porém essas seriam realizadas pelo Congresso Nacional, o qual duraria até o dia 31 de janeiro de 1966 (VILLA, 2011).

Foram suspensas por seis meses as garantias constitucionais de vitaliciedade e estabilidade e, por meio do artigo 11, buscaram dar legitimidade aos processos de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de dez anos, cassando mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, “no interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição”. De imediato cassaram 41 deputados. Seis meses depois, os cassados chegaram a 4.454, dos quais 2.757 eram militares (VILLA, 2011, p. 66).

O país voltava assim a mais um regime ditatorial, onde os direitos e garantias conquistados após anos de luta e algumas poucas conquistas sociais eram novamente tiradas do povo, pelos mesmos detentores do poder, sob o mesmo pretexto de que o território nacional estava ameaçado.

Em 12 de dezembro de 1966, Castelo Branco convocou o Congresso, para que apreciasse o projeto da nova Constituição o qual havia sido elaborado pelo Executivo, essa nova Constituição na verdade era uma carta ditatorial. Com o Ato Institucional nº 5, o Congresso foi fechado, deixando assim qualquer matéria a ser legislada a cargo do Executivo, como a intervenção total nos estados e municípios, a suspensão de magistraturas, a suspensão de direitos políticos, a suspensão dos direitos civis de qualquer cidadão. O Habeas Corpus, um direito conquistado após muita luta, também foi suspenso (SILVA, 2011).

As características relevantes da Carta Ditatorial são a supremacia e a centralização de poderes no Poder Executivo, o que lhe conferiu uma enorme autoridade, tornando-o o único realmente efetivo. Essa experiência formalizada na Carta supera em muito a da Constituição de 1824 e mesmo a de 1937, revelando que esse foi o período de nossa história em que tivemos o governo mais autoritário (SILVA, 2011, p. 21).

O país foi governando por militares por um período de 21 anos, com uma grande legalização de todos os atos cometidos, como que para dar legitimidade ao governo. Diversos direitos foram retirados da população, como a liberdade de imprensa. Em 1º de janeiro de 1979, a Emenda Constitucional 11 foi instituída e assim as salvaguardas do Estado foram incorporadas à Constituição, tão como o AI – 5 foi revogado, eliminando a resistência militar, abrindo caminho para a redemocratização do Brasil. Em 1982, após 20 anos foram realizadas eleições livres para os governos dos estados, dando assim o esgotamento do regime militar, para que pudesse voltar a democracia (VILLA, 2011).

2.2 A Constituição de 1988 e a inclusão dos direitos fundamentais

Após diversas Constituições que davam esperanças ao povo de trazer garantias e direitos e uma estabilidade governamental ao país, no entanto, apenas mantiveram o mesmo grupo de poderosos no poder, assim resultando inclusive em um Regime Militar de 21 anos, onde o povo não tinha a liberdade de escolher seus representantes e muito menos de demonstrar sua insatisfação com o governo, pois a liberdade fora censurada, a Constituição de 1988 veio como uma esperança de que, finalmente, haveria segurança jurídica e social para realmente ser um povo livre.

Havia um grande anseio popular em participar de todo o processo da nova Assembleia Constituinte, o movimento “Diretas Já” deu uma motivação ao povo, para que pudesse defender a democracia. Assim em 5 de outubro de 1988, a Constituição Cidadã foi promulgada, com 250 artigos e mais 70 nas disposições transitórias. A Carta deixa claro nos seus primeiros artigos que está constituindo um Estado democrático de direito, que o poder emana do povo, e que esse o exercerá por meio de seus representantes eleitos ou diretamente (VILLA, 2011).

Em 1889, com a queda do Império, a Constituição da época prometeu ao povo que haveria um plebiscito para que fosse escolhida a forma de governo do Estado, assim no artigo 2º das disposições transitórias da nova Carta Magna, ficava marcado para o dia 7 de setembro de 1993, mais de cem anos depois a data do plebiscito para que o povo pudesse fazer sua escolha. Essa data acabou sendo adiantada, pois não desejavam ter algo a ver com monarquia, sendo realizado no dia 21 de abril. O povo deveria escolher se queria viver em uma República ou em uma Monarquia constitucional e se a forma de governo seria o presidencialismo ou o parlamentarismo. A maioria esmagadora dos votos decidiu pela República e o sistema de governo seria o presidencialismo, sendo uma das primeiras marcas de democracia da nova Constituição (VILLA, 2011).

Essa Constituição era a limitação do poder do Estado e de quem estava no governo, dando uma verdadeira soberania ao povo. Foi criada tendo em foco os direitos sociais, o bem-estar da população, para que finalmente após anos de autoritarismo, o povo tivesse voz novamente.

O constituinte deu especial ênfase à disciplina dos direitos fundamentais, todos gravitando em torno da dignidade da pessoa humana. Sem tanta ambição cientifica, é um projeto político de resgate imediato da democracia, de afirmação permanente da liberdade e da igualdade, de transformação social a médio e longo prazos. É a Constituição ousada, pretensiosa, mas passível de ser concretizada. Sem romantismo, tem-se uma história de existo. Um projeto bem-sucedido (MELLO, 2019, p. 4).

Um dos pontos onde se conseguiu um grande avanço foi nos direitos fundamentais, o artigo 5º da Constituição de 1988, pode ser considerado um dos mais importantes pontos da Carta Magna, principalmente em um país como o Brasil que já passou por tantos períodos autoritários.

Foram asseguradas as liberdades de manifestação, opinião e organização. O crime de racismo foi considerado inafiançável e imprescritível, foram abolidos a pena de morte e o banimento. Contudo, o artigo – o mais longo da Constituição – foi muito mal redigido. Começa falando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, para depois tratar de assuntos que não têm a mesma importância legal, como a defesa do consumidor (XXXII), ou que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (VILLA, 2011p. 83).

Os direitos fundamentais variam muito de época para época, é uma concepção histórica, e dependem de cada lugar e da cultura do povo. Na França, era igualdade, liberdade e fraternidade por exemplo, hoje em dia ele abrange até mesmo o direito ao meio ambiente. Nenhum direito fundamental tem caráter absoluto, porque esses podem vir a entrar em conflito entre si. Porém não se pode limitar o direito fundamental, apenas quando esse é estritamente necessário, e sempre respeitando os ditames constitucionais, e não ferindo nenhum princípio, visando sempre a proteção do bem jurídico (TRINDADE, s.d.).

A Constituição brasileira introduziu os direitos fundamentais na Carta de 1988 que foi um marco no panorama social e político, seguindo na mesma direção de outros países, que já haviam instituído o constitucionalismo e os direitos humanos e fundamentais como pilar de suas Constituições.

Os direitos fundamentais sofreram mutações durante a história, mas os primeiros a serem introduzidos no panorama jurídico foram os de liberdade, igualdade e os ligados a noções de solidariedade. Eles servem para dar garantia aos indivíduos sobre suas posições acerca do Estado, sendo os direitos de defesa, que garantem a autonomia do indivíduo, os direitos prestacionais, que obrigam o Estado a agir em determinadas situações e os de participação, que são a garantia de que o indivíduo participe da vida política da sociedade (TRINDADE, s.d.).

Com a nova Constituição, os direitos fundamentais tiveram uma melhor eficácia, passando a ser aplicados no mundo jurídico. Esse é sempre um direito de matriz constitucional, são direitos defesa da liberdade de cada indivíduo da sociedade, mas não se trata apenas de um mero direito constitucional, sendo esses positivados no ordenamento jurídico.

Os direitos fundamentais são divididos na Carta Magna, compondo os individuais e coletivos, previstos no artigo 5º. Estes direitos estão ligados ao conceito de pessoa, a sua dignidade, segurança, liberdade, igualdade, honra e propriedade. Os direitos sociais devem ser garantidos pelo Estado e incluem o trabalho, saúde, educação e outros, esses buscam a igualdade social entre os indivíduos. Os direitos políticos asseguram a cidadania, garantindo a participação ativa dos negócios políticos do Estado. Os direitos de nacionalidade tornam o indivíduo parte do povo, assegurando sua proteção e impondo também deveres. E os direitos relacionados aos partidos políticos, que garantem a liberdade e autonomia para que os partidos tenham instrumentos para assegurar o Estado democrático de Direito (SILVA, 2006).

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é considerado por diversos autores como o pilar do texto constitucional, tratando dele em seu artigo 1º, inciso III, pois toda pessoa deve ser respeitada como indivíduo único pelo Estado, tendo seus direitos e garantias segurados, e sendo tratados como iguais.

Trata-se, como se sabe, de um princípio aberto, mas que, em uma apertada síntese, podemos dizer tratar-se de reconhecer a todos os seres humanos, pelo simples fato de serem humanos, alguns direitos básicos – justamente os direitos fundamentais. Embora não se trate de unanimidade, a doutrina majoritária concorda que os direitos fundamentais “nascem” da dignidade humana. Dessa forma, haveria um tronco comum do qual derivam todos os direitos fundamentais.  (TRINDADE, s/d, p.4.).

A dignidade da pessoa humana foi introduzida pelo constituinte como um princípio fundamental, sendo assim não apenas mais uma norma, mas uma definidora de direitos, garantias e deveres fundamentais. A dignidade da pessoa humana justifica a existência do ordenamento jurídico, pois ela não é apenas um princípio, mas também um valor fundamental para toda a ordem jurídica. Ela não pode ser elencada como norma jurídica, pois atua nas características das normas-princípio, para proteger e promover a dignidade da pessoa. A dignidade da pessoa deverá prevalecer sempre diante de qualquer outro princípio, pois essa tem feições absolutas (SARLET, 2011).

Existem diversos conceitos de dignidade da pessoa humana e de como deveria ser aplicada pelo Estado, mas esse acaba por ser um conceito aberto, que mesmo depois de vários doutrinadores, filósofos e estudiosos sobre o assunto tentarem defini-lo um conceito único de dignidade, esse não pode ser limitado.

O princípio da dignidade da pessoa humana é um importante fundamento da ordem jurídica e da comunidade política. Esta ideia foi explicitamente consagrada pela Constituição brasileira em seu art. 1º, inciso III, que afirmou ser a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos – o mais importante, diria eu – da República. Não por outra razão, Paulo Bonavides consignou que ‘nenhum outro princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição’. No Direito Internacional, tem-se igualmente reconhecido que a dignidade humana é o fundamento dos direitos humanos. É o que proclamam os preâmbulos dos dois mais importantes tratados sobre direitos humanos da ONU, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto dos Direito Sociais Econômicos e Culturais, que afirmam, em textos idênticos, que tais direitos ‘decorrem da dignidade inerente à pessoa humana’ (SARMENTO, 2016, p. 77).

No cenário atual, pode-se afirmar que todas as teorias defendem a existência dos direitos considerados como básicos para a boa sobrevivência do ser humano. A teoria jusnaturalista, acredita que os direitos fundamentais antecedem as Constituições, que esses vêm da própria natureza humana. O positivismo jurídico, defende que são o básico da norma positiva. E há também o realismo jurídico, que defende que os direitos fundamentais foram conquistados ao longo da história pelos seres humanos. Muitos chamam os direitos fundamentais de direitos humanos, o que em uma esfera internacional, pode ser uma nomenclatura mais apropriada, mas a definição é a mesma, trata-se de direitos do homem, direitos da pessoa humana, esses que devem ser resguardados pelo Estado (TRINDADE, s.d.).

2.3 A liberdade de expressão e seus limites

A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais que mais sofreram censuras durante a história. Garantir que as pessoas tenham direito de se manifestar livremente é garantir o Estado democrático de direito. A liberdade de expressão é um dos pilares da dignidade da pessoa humana. Todo indivíduo deve ter direito de voz, de manifestar seu livre pensamento, de ter acesso a todas as vertentes de informação, para que assim possa decidir o que mais se encaixa ao seu modo de ser e viver como cidadão na sociedade.

O direito à liberdade representa a garantia de não sofrer impedimentos ou restrições quando se está exercendo alguma atividade, assim como o direito de realizar algo. A liberdade de expressão assegura que se possa manifestar livremente as ideias, pensamentos, opiniões e sentimentos. A liberdade é um dos pilares da dignidade da pessoa humana, pois sem ela não há como falar nesse princípio. É um dos direitos a serem protegidos, pois sem ela, não há democracia. É dever do Estado garantir que a liberdade seja exercida, dentro dos limites da lei, pois está presente nos dias atuais em praticamente todos ordenamentos jurídicos (PÓVOAS, 2016).

A liberdade de expressão é uma das vertentes do direito à liberdade e hoje tem assegurada sua qualidade de direito fundamental não apenas nas Constituições de diversos países, mas também, e especialmente, em Tratados e nas Declarações de Direitos Humanos. A liberdade de expressão corresponde à exteriorização do pensamento, de ideias, opiniões e convicções. Representa a revelação de sentimentos e sensações em suas mais variadas formas. Corresponde ao direito dos homens de se comunicar e de serem ouvidos (PÓVOAS, 2016, p. 75).

O direito à liberdade deve ser defendido por todos, pois os indivíduos poderão vir a sofrer as consequências na medida em que for censurada a liberdade dos cidadãos de pensar, de ter acesso a todo tipo de informações e a liberdade da imprensa de trazer a toda população notícias do que está acontecendo no mundo e no próprio Estado, o país acabou cedendo ao autoritarismo.

A liberdade não modifica apenas leis, mas também modifica costumes. Ter liberdade para expressar-se é ter possibilidade de se desenvolver mentalmente, é se permitir conhecer pensamentos, ideias e entender como é viver em sociedade. A liberdade traz uma infinita cadeia de possibilidades a todo ser humano, por meio de debates e estudos, pode-se conhecer a verdade, ter uma ampla visão da sociedade. Em um Estado democrático censurar qualquer tipo de voz do povo é um grande absurdo, como um verdadeiro perigo, cada indivíduo deve ser livre para poder decidir o que acredita ser melhor para si mesmo e para o bem comum e isso só é possível de acontecer quando se tem liberdade para ouvir diferentes opiniões e diferentes pontos de vista (PÓVOAS, 2016).

É uma condição necessária a todo ser humano o direito à liberdade de poder pensar, agir e se manifestar livremente, isso não ferindo a liberdade de outrem, pois todo direito, até mesmo o de expressão não deve ultrapassar o direito de outros indivíduos, nem o estabelecido em lei.

Assim, na ordem jurídica contemporânea, a liberdade de expressão consiste, em sentido amplo, num conjunto de direitos relacionados às liberdades de comunicação, que compreende: a liberdade de expressão em sentido estrito (ou seja, de manifestação do pensamento ou de opinião), a liberdade de criação e de imprensa, bem como o direito de informação. (TORRES, 2103, p. 2).

As liberdades comunicativas englobam o acesso à política, à economia, à cultura, à religião e à educação, a liberdade é um meio necessário para que o indivíduo possa exercer sua cidadania. A liberdade de expressão também tem como objetivo assegurar os direitos de resposta, os direitos de informar e ser informado, direito à livre manifestação religiosa. Mesmo que a liberdade de expressão seja um princípio, e tenha uma grande importância, ela não se sobrepõe absolutamente a outros direitos e é delimitada por lei. Na mesma vertente, o Estado deve proteger a liberdade da imprensa, para garantir que todos tenham total acesso à informação e que não seja censurada de forma alguma (TORRES, 2013).

Sendo a liberdade de expressão um direito não absoluto, ela entrará em confronto com outros direitos fundamentais em algum momento, dessa forma, cabe ao Estado delimitar até onde ela poderá ir, sempre a resguardando para que não haja censura, apenas limites, para que assim todo indivíduo possa ter seu direito a se expressar garantido, de forma que esse não venha a ultrapassar os limites impostos pelo Estado.

A liberdade deve respeitar o ordenamento jurídico, sendo harmônica com outros princípios constitucionais, também não deve incorrer em condutas ilícitas, essas preestabelecidas em todo o ordenamento jurídico. A dúvida que fica na doutrina é se a legislação tem poder para opor limites à liberdade de expressão, e se poderia ser invocada a dignidade da pessoa humana, para delimitar até onde a liberdade pode ir, sem colocá-la em um valor hierárquico superior aos outros princípios. É necessário que a legislação determine que a liberdade não é ilimitada e que o direito de escolha também pode ser objeto de repressão. Sendo assim, a escolha de cada indivíduo é livre, porém deve ter conhecimento de que há um limite, e esse deve ser respeitado (CASTRO; FREITAS, 2013).

Há também decisões em cortes de âmbito internacional, sobre os limites que a liberdade de expressão tem no Estado e sob os outros direitos fundamentais, pois essa não tem caráter absoluto, e deve respeitar os outros princípios de forma igualitária. A corte Internacional de Direitos Humanos em 2001, revogou decisão do governo Peruano que retirava a cidadania de um acionista de um canal de televisão, pois havia um programa na emissora que fazia diversas reportagens sobre torturas, corrupção e abusos cometidos pelo governo. A Corte entendeu que essa decisão atacava indiretamente o direito à liberdade de expressão, ordenando que fossem restaurados os direitos da vítima.

A Corte Internacional de Direitos Humanos, voltou a reiterar que a liberdade de expressão não pode ser considerada como um direito absoluto. Ao mesmo tempo em que a convenção deixa claro que não pode haver censura prévia ao direito de livre manifestação, ela também impõe limites ao exercício desse direito, para que assim sejam respeitados os direitos dos outros, para que não sejam feridos. A liberdade de expressão não deve ser limitada, apenas quando isso for estritamente necessário, para que não acabe se tornando um meio de censura legislado pelo direito. A Convenção Americana também prevê que a liberdade de expressão terá restrições, essas são manifestadas pela responsabilidade adicional em caso de uso abusivo do direito. Para que essas restrições possam ser aplicadas, é necessária a comprovação de que estejam expressamente estabelecidas em lei, para a proteção de direitos ou da honra de terceiros, para a proteção da ordem pública, para que seja resguardada a segurança nacional ou a saúde e moral pública e essas restrições devem ser necessárias para manter a sociedade democrática (CORTE IDH1, 2017).

Pode-se perceber com isso que os direitos fundamentais e, nesse caso, o direito de liberdade de expressão deve ser protegido pelo Estado, que também deve impor limites a esse direito, mas sem que se abra precedentes para que esse direito seja censurado, e esse é o papel da Constituição.

A Constituição é produto e tem como fim a sociedade. Suas normas foram feitas para proteger os direitos clamados pelo grupo de indivíduos que a compõe. Neste sentido, o Estado é apenas um meio que oferecerá a interlocução e a possibilidade de a sociedade usufruir desses direitos. A Constituição Brasileira reservou um capítulo inteiro sobre os Direitos Fundamentais, primando pela garantia plena e proteção do ser humano. Dentre estes, encontra-se o direito à liberdade (MACHADO, 2013, p. 283).

A declaração de Chapultepec de 1944, é um documento que trata da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, ele destaca que não deve haver nenhuma lei ou ato que restrinja as liberdades de se manifestar. O Brasil também assinou esse tratado, juntamente com diversos outros chefes de Estado. O objetivo principal é que os Estados continuem lutando pelo direito de se expressar, para que a democracia possa ser assegurada, sempre deixando claro que a comunicação é um direito do ser humano (MACHADO, 2013).

Qualquer limitação à liberdade deve ser de vontade popular, essa tutelada por lei, e inserida no nosso ordenamento jurídico, para que não ocorra nenhuma espécie de censura, sempre visando o melhor para a sociedade como um todo, respeitando a dignidade da pessoa humana.

A liberdade, quando inserida e tutelada pelo ordenamento jurídico, faz contraponto com a legalidade, por ele mesmo estabelecida, que lhe oferece os limites de atuação e escolha. Objetiva-se que o indivíduo poderá, no exercício da liberdade, escolher livremente até encontrar uma lei que lhe imponha uma obrigação ou uma proibição. Deverá então autodeterminar-se até que uma lei disponha em sentido contrário a sua escolha. A proibição e a obrigação quando objeto de lei (espécie normativa originada do legislativo) constituem os limites ao exercício da liberdade (CASTRO; FREITAS, 2013, p. 8).

A Constituição Brasileira traz os direitos à liberdade expressos em diversos pontos, à manifestação de pensamento, presentes no artigo 5º, trazendo em seguida o direito de resposta, assegurando que haverá consequências caso haja manifestação indevida, conforme garantia constitucional. Ainda no artigo 5º é garantida a liberdade de expressão, sejam elas científicas, artísticas, intelectuais ou de comunicações, que vêm da livre manifestação de pensamento, para que cada um possa ser livre para raciocinar e adquirir conhecimento da forma com que desejar. Todo indivíduo é livre para consumir o conteúdo que desejar, seja em formato de livros, músicas, teatros, cinema, qualquer forma de arte (LAZARI, 2012).

No Brasil, um país que já sofreu muito com a censura, principalmente durante o regime militar, assegurar à população a livre manifestação de pensamento, à liberdade de agir, pensar e seguir costumes, que cada indivíduo venha a entender como melhor forma de agir, é algo essencial, bem como garantir à imprensa livre acesso a todas informações que forem de interesse público. É dever do Estado dar essa garantia à população.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOSNA, Ianara. O cerceamento da liberdade de expressão do educador.: A (in)constitucionalidade do Projeto de Lei nº 867/2015 frente à autonomia do educador e do educando. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7152, 30 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97179. Acesso em: 27 abr. 2024.

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Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Luterana do Brasil, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Rejane Seitenfuss Gelhen

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