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Interpretação da lei

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09/11/2021 às 16:10
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PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO

Divergem os juristas em torno do que se deve entender por princípios gerais do direito. De acordo com Serpa Lopes, os critérios propostos pela doutrina são os seguintes:

l) os princípios gerais do direito são os relacionados ao próprio direito de cada país;

m) os princípios gerais do direito são os provindos do direito natural, ensinados pela ciência, admitidos pela consciência geral como preexistentes a toda lei positiva;

n) os princípios gerais do direito são os princípios de equidade;

o) os princípios gerais do direito são os preceitos básicos do direito romano. Esses princípios são: viver honestamente; não lesar o próximo; dar a cada um o que é seu.

A nosso ver, princípios gerais do direito são os postulados que compõem o substractum comum a diversas normas jurídicas. São as premissas éticas que inspiram a elaboração das normas jurídicas.

Vejamos alguns exemplos de princípios gerais do direito: ninguém pode transferir mais direitos do que tem; ninguém pode invocar a própria malícia; ninguém deve ser condenado sem ser ouvido etc.


EQUIDADE

O direito não se restringe ao complexo de leis, e sim ao complexo de normas jurídicas que disciplinam a vida em sociedade. A lei é a forma escrita de expressão de direito. Na sua falta, o direito se projeta através de outras formas de expressão, quais sejam, a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito e a equidade.

Na sua essência, como salienta Miguel Reale, a equidade é a justiça bem aplicada, ou seja, prudentemente aplicada ao caso. Não se deve dissociá-la do direito, pois é uma das suas formas de expressão, completando-o, seja como valor interpretativo subordinado à lei, seja ditando a regra de conduta de um caso particular não previsto em lei.

Não obstante a sua relevante importância em face do Direito, a Lei de Introdução ao Código Civil, ao referir-se aos mecanismos de integração do ordenamento jurídico, não fez menção expressa à equidade. A Constituição Federal também é silente. Não seguiu a orientação da Constituição de 1934, que, no art. 113, n. 37, dispunha que nenhum juiz deixará de sentenciar por motivo de omissão na lei. Em tal caso deverá decidir por analogia, pelos princípios gerais de direito e por equidade.

No plano jurídico, a equidade tem três funções:

p) na elaboração das leis;

q) na aplicação do direito;

r) na interpretação das leis.

Seu conceito varia, conforme a função assumida, embora na essência a equidade seja sempre uma forma de justiça.


A EQUIDADE NA ELABORAÇÃO DAS LEIS

A equidade em sua função de elaboração das leis confunde-se com a idéia de justiça, tendo em vista que as leis são genéricas e a justiça também. Essa função de equidade é dirigida ao legislador. Este, na elaboração das leis, deve inspirar-se no senso de justiça, atento às necessidades sociais e ao equilíbrio dos interesses.


A EQUIDADE E A APLICAÇÃO DO DIREITO

Na função de aplicação do direito, equidade significa a norma elaborada pelo magistrado para o caso concreto como se fosse o legislador. Cumpre relembrar o conceito de Aristóteles, segundo o qual equidade é a norma que o legislador teria prescrito para um caso concreto.

Não se pense, porém, que o magistrado possa elaborar uma norma específica para o caso concreto em colidência com a norma legal. Semelhante raciocínio consagraria o conflito entre a equidade e o direito positivo, desprestigiando as normas legais.

A lei, não obstante as suas deficiências, deve ser prestigiada e respeitada, porque é ela que dá sentido às instituições, representando um papel essencial à segurança jurídica. Não se deve, portanto, admitir a equidade contra legem, a menos que a própria lei a autorize expressamente.

Por outro lado, na hipótese de lacuna da lei, a equidade como aplicação do direito, consistente na norma elaborada pelo magistrado para solucionar o caso concreto, é perfeitamente admissível na área penal, desde que em benefício do réu. Assim, o juiz pode elaborar a norma de equidade, desde que presentes os seguintes requisitos:

s) que o fato não esteja previsto em lei, isto é, que haja uma lacuna na lei;

t) que não seja possível suprir a lacuna pela analogia, costumes e princípios gerais do direito.

A despeito de o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil não se referir à equidade, urge reconhecer que ela pode também funcionar como a ultima ratio dos mecanismos de integração do ordenamento jurídico. Com efeito, o princípio da obrigatoriedade ou indeclinabilidade da jurisdição ordena que o juiz decida o caso concreto, ainda que não previsto em lei. O juiz não pode escusar-se de decidir. Se, diante da ausência da lei, for inviável a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, o magistrado, para fazer valer o princípio da obrigatoriedade da jurisdição, deve inspirar-se na equidade e elaborar a norma para o caso concreto.

Ao elaborar a dita norma não há qualquer violação ao princípio da separação dos poderes, pois o magistrado não está exercendo a função de legislador. Norma legal e norma de equidade distinguem-se nitidamente. A norma legal, isto é, a lei, é genérica e obrigatória para todos os casos. A norma de equidade é individual, específica para o caso concreto. Como se vê, não se trata de lei, de modo que não há afronta ao princípio da separação dos poderes.

Além disso, a equidade não é extraída de sentimentos pessoais e emotivos do magistrado, e muito menos de convicções ideológicas, que só caracterizariam uma equidade cerebrina, isto é, uma falsa equidade. A norma de equidade deve ser fruto de um raciocínio jurídico universal. Deve ser obra de um trabalho científico. A norma há de ser elaborada com base nos princípios jurídicos existentes. A rigor, a norma já existe em estado latente, competindo ao magistrado apenas descobri-la, e não propriamente criá-la.

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A EQUIDADE NA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS

A equidade como elemento interpretativo da lei é perfeitamente admissível. Como ensina Serpa Lopes, não se golpeia o Direito positivo, não se abre a menor brecha na norma, cuja essência é respeitada, mas simplesmente esta, ao sopro vivificador da equidade, recebe nova coloração, rejuvenesce mais adaptada às exigências da vida. Trata-se de um movimento natural de interpretação, movimento científico que prescinde do lastreamento de uma autorização legal.

A equidade, na sua função de interpretar as leis, tem o significado de amenização do vigor excessivo das leis, dulcificando-as, adaptando-as ao caso concreto. Não se trata de elaboração de uma norma, mas de mera interpretação da lei, suavizando-a com o fito de desvendar a ratio legis. Modernamente, não se sustenta o pensamento dos exegetas que negam à equidade qualquer valor, fundados na idéia de que dentro da lei se encontra todo o sistema do direito.

Esse tipo de raciocínio impede o progresso do direito, porque se encontra apegado excessivamente à vontade do legislador, transformando em permanente uma realidade social provisória. O fim da lei, como adverte Serpa Lopes, não é buscado nela mesma ou no legislador, mas em função da sua adaptação aos fins sociais. Assim, a vontade do legislador não pode ser considerada senão na proporção de sua força interpretativa das necessidades sociais. Destinada a reger as relações dos indivíduos em sociedade, a lei deve ter um conteúdo dúctil, fluido, flexível, de modo a torná-la adaptável a todas as necessidades jurídicas e sociais que sobrevierem.


A JUSTIÇA ALTERNATIVA

A justiça alternativa é o movimento que preconiza a aplicação do direito, valendo-se de duas premissas:

1º. O juiz deve deixar de aplicar uma lei inconstitucional;

2º. A interpretação da lei deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum.

A primeira premissa nada mais é do que o controle difuso ou aberto de constitucionalidade das leis. Qualquer magistrado, para decidir o caso concreto, pode declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei, de modo que nenhuma novidade, nesse aspecto, apresenta a justiça alternativa.

A segunda premissa encontra-se prevista no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Portanto, o próprio ordenamento jurídico recomenda que a lei seja interpretada de acordo com os fins sociais e as exigências do bem comum. Por consequência, não se trata de uma inovação da justiça alternativa.

O aludido movimento ganhou corpo no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. O mérito da escola gaúcha não consiste propriamente na fixação das duas premissas acima, mas no questionamento do modelo tradicional de interpretação do direito. Com efeito, no modelo tradicional o julgamento é feito pelo processo de subsunção da norma ao fato concreto. A justiça alternativa inverte a relação entre a norma e o fato, tomando o fato como objeto principal do conhecimento. Noutras palavras, a justiça alternativa parte do pressuposto de que a norma regula uma situação padrão de fato, escusando-a de aplicá-la em relação a certos fatos que destoam da situação normal para qual a lei foi criada.


Referências bibliográficas

BRASIL, Decreto Lei nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm, último acesso em 01 de agosto de 2021.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral. V. 1, 14ª Ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2012.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALINDO, Guilherme Marques. Interpretação da lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6705, 9 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94650. Acesso em: 10 mai. 2024.

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