Por uma análise do testamento, doação e holding como ferramentas para o planejamento sucessório e tributário

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4. ASPECTOS DA HOLDING COMO INSTRUMENTO PARA O PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

4.1 Breves ponderações acerca da sociedade holding

A sociedade holding, que há menos de 50 anos não tinha previsão legal no Brasil, foi introduzida por meio da Lei n. 6.404/1976, segundo a qual

Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. (BRASIL, 1976)

Não obstante ao período de vigência desta norma, ainda existem muitas dúvidas em relação à sua natureza jurídica, até mesmo para os operadores de direito, uma vez que a lei alhures indicada não a caracterizou. Isso por que a definição e identificação da natureza da holding é uma construção doutrinária e jurisprudencial constituída ao longo do tempo.

Neste sentido, podemos conceituá-la como uma pessoa jurídica, formalmente constituída, cujo objeto social, ou parte dele, é subscrito e integralizado com participações societárias de outras pessoas jurídicas. Assim, lato sensu, é uma sociedade que possui o controle de uma ou mais sociedades, administrando todos os seus bens e direitos, o que pode incluir participação societária, bens imóveis, bens móveis, propriedade industrial (patente, marca etc.), investimentos financeiros, entre outros, a depender do contexto na qual está inserida.

Lado outro, mesmo com o uso corriqueiro de holdings, seja para planejamento sucessório ou não, não há nenhuma legislação específica que define a natureza jurídica desta forma societária. Diante da omissão legislativa, como a doutrina explica se a holding é uma sociedade de natureza simples ou empresária? Onde seus sócios deverão registrá-las? A holding pode ser uma Sociedade Anônima?

Mamede e Mamede (2018) defendem que, em razão da omissão legislativa acerca da limitação ou determinação sobre a natureza jurídica da holding, ela pode ser classificada em simples ou empresária e, a depender do tipo societário escolhido, poderá ser registrada na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas.

Outra dúvida bastante corriqueira diz respeito ao tipo societário a ser adotado pela holding, já que existem diversos deles no ordenamento jurídico brasileiro. Sobre esta questão, Mamede e Mamede (2018), com base no raciocínio anterior, defendem que, diante da omissão legislativa, a holding pode ser constituída, por exemplo, como sociedade simples, sociedade anônima ou sociedade limitada.

Neste sentido, conclui-se que a holding não é um tipo societário em si, visto que não há sua tipificação, mas sim uma sociedade, constituída como qualquer outra, com a finalidade de participar de outras sociedades. Pensando no contexto na qual a holding está inserida, para melhor se adequar à realidade vivenciada, a doutrina majoritária a classificou em três tipos: pura, mista e patrimonial.

A holding pura é definida como aquela sociedade que possui a titularidade majoritária de quotas ou ações de outras sociedades, sendo este o seu único objeto social. Neste sentido, a holding pura não exerce atividade empresarial para produção e circulação de bens e serviços, uma vez que as sociedades das quais ela detém as quotas ou ações é que são encarregadas dessa função.

Por deter a titularidade majoritária das quotas ou ações, a holding pura controla as outras sociedades, por meio, por exemplo, da tomada de decisões, organização e administração em geral. Por este motivo, a receita da holding pura é composta apenas pela distribuição de lucros e dividendos sobre as quotas ou ações das sociedades nas quais tem participação.

De modo oposto, a holding mista é definida como uma sociedade que detém a titularidade de quotas ou ações de outras sociedades e, simultaneamente, exerce atividade empresarial para produção e circulação de bens e serviços. Segundo Mamede e Mamede (2018), a holding mista se justifica no art. 2º da Lei das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/1976).

Conforme os autores, ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social. A partir desta perspectiva, uma sociedade poderá ser titular de quotas ou ações de outras sociedades e exercer, conjuntamente, atividade empresarial para produção e circulação de bens e serviços, sem que isso precise constar, necessariamente, em seu estatuto social.

Por fim, a holding patrimonial, embora não esteja definida pela Lei das Sociedades por Ações, assim como a holding mista, foi definida pela doutrina como uma sociedade cujo objeto social é ser proprietária de bens móveis, imóveis, assim como de propriedade industrial – como marcas e patentes, além de investimentos financeiros. Assim, a holding patrimonial pode apenas ser proprietária e/ou exercer atividade locatícia sobre estes bens.

4.2 Holding familiar

A holding familiar é, segundo Mamede e Mamede (2018), uma contextualização específica e não uma espécie de holding, pois seu objetivo principal é o enquadramento no âmbito familiar para planejamento sucessório e organização patrimonial. Assim, ela pode ser pura, mista ou patrimonial, desde que esteja enquadrada no âmbito familiar como instrumento para o planejamento sucessório.

Neste sentido, como forma de planejamento sucessório, o autor da herança pode constituir uma holding, subscrevendo ou integralizando seu patrimônio no capital social. Depois disso, para evitar eventuais nulidades, doará suas quotas ou ações, de forma igualitária, a todos os seus herdeiros, antecipando-lhes o que receberiam com a morte.

No contrato social ou acordo de acionistas, o autor da herança pode estipular, com base nas habilidades de cada herdeiro, quais serão aqueles que a administrarão, impedindo que alguém sem perfil gerencial detenha este poder. Ele ainda pode instituir cláusulas de restrição de direitos (inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade e reversão) e o direito real de usufruto.

Nesta perspectiva, a cláusula de inalienabilidade é uma restrição à livre circulação de bens, pois impede o herdeiro donatário de alienar as quotas ou ações recebidas a terceiras. A cláusula de incomunicabilidade, por sua vez, impede que as quotas ou ações doadas sejam comunicadas com o cônjuge do herdeiro, independentemente do regime de bens adotado, garantindo que o quadro societário não seja modificado.

Já a cláusula de impenhorabilidade garante a proteção patrimonial, na medida que impede que os bens da holding sejam atingidos por dívidas pessoais dos herdeiros, salvo se decorrentes de dívidas fiscais. Por fim, a cláusula de reversão permite que, se porventura, o herdeiro donatário vier a falecer antes do doador, as quotas ou ações retornarão à sua posse.

Ademais, pode o autor da herança instituir o direito real de usufruto, permitindo que, enquanto for vivo, usufruirá das quotas ou ações doadas, mantendo até sua morte o poder de decisão e administração. Contudo, ao contrário do que ocorre na simples doação, é possível que o usufrutuário aliene os bens da sociedade administrada, eis que agirá na qualidade de administrador e não na qualidade de simples usufrutuário.

Por meio da análise do Agravo Regimental no Agravo Interno n. 39.452-2, Paulo de Lorenzo Messina e Paula Forgioni apud. Roberta Nioac Prado, Daniel Monteiro Peixoto e Eurico Marcos Diniz de Santi, ressaltam que

(...) o usufrutuário de ações da sociedade, na qualidade de seu administrador, pode realizar a alienação das ações que esta sociedade detenha em outras sociedades. Ou seja, no caso de doação de nua-propriedade de ações com reserva de usufruto, podem ser resguardados amplos poderes de administração da sociedade ao usufrutuário. E, caso o usufrutuário venha alienar bens da sociedade administrada – o que inclui a venda de ações das sociedades controladas no caso do Agravo Regimental citado -, estará agindo na qualidade de administrador e não na qualidade de usufrutuário. (PRADO, PEIXOTO, DINIZ, 2011, p. 275)

Entretanto, é importante, como medida para evitar possíveis conflitos com os nus-proprietários, a previsão em contrato ou acordo de acionistas que o usufrutuário poderá dispor dos bens da sociedade sem a necessidade de anuência destes.

Outro aspecto de grande relevância quanto a adoção deste instrumento sucessório é que, adotando a doação das quotas ou ações com reserva de usufruto, é dispensável a abertura do processo de inventário, e que com a morte do usufrutuário, o direito real de usufruto extingue-se e todos os atributos da propriedade retornam aos nu-proprietários. Para Araújo,

Quando bem estruturada e planejada, a holding pode substituir o testamento e facilitar, ou até mesmo evitar, o processo de inventário, porque o contrato social e o acordo de acionistas ou de sócios poderá prever, de forma expressa e em concordância com todos os herdeiros, todas as regras e condições referentes à forma de sucessão e os direitos dos herdeiros após a morte do titular do patrimônio e por permitir a transferência da propriedade plena com a extinção do usufruto, sem a necessidade de abertura do inventário. (ARAÚJO, 2018, p. 109)

O entendimento é o mesmo de Prado, Peixoto e Diniz. Para os autores,

Além do testamento em diversas situações gerar desentendimentos e brigas intermináveis entre os herdeiros e legatários, bloqueando os bens do inventário e, em geral, prejudicando todos os demais herdeiros, no caso de sucessão envolvendo a nua-propriedade de ações ou cotas de holding com reserva de usufruto, não há nem a necessidade de abertura de inventário para a transmissão do usufruto, uma vez que o usufruto extingue-se “pela renúncia ou morte do usufrutuário” (art. 1.410, I, do CC). Ou seja, havendo renúncia ou morte do usufrutuário automaticamente o usufruto passa a integrar a nua-propriedade do bem, tornando a propriedade do bem plena novamente. (PRADO, PEIXOTO, DINIZ, 2011, p. 281)

Tendo em vista a morosidade dos processos no Judiciário, além do fato de que, no processo de inventário e partilha os bens ficam a cargo do inventariante, que não necessariamente é uma pessoa com qualidades de administrador, a holding familiar pode, a depender do contexto, tornar-se um instrumento eficaz e facilitador da sucessão. Isso porque, assim como nas demais modalidades, pode evitar o processo de inventário e os conflitos entre os herdeiros, e prevenir que a administração dos bens fique a cargo do inventariante, o que pode impactar na continuidade da empresa.

4.3 Tributação incidente e custos de manutenção

Com a integralização do patrimônio no capital social da holding familiar, a tributação deixa de ser destinada à pessoa física, passando a incidir sobre a pessoa jurídica. Por este motivo, serão analisadas a seguir as espécies tributárias que incidem na holding familiar, bem como suas respectivas alíquotas.

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Assim como no demais instrumentos sucessórios estudados, a doação de quotas ou ações da holding familiar aos herdeiros é fato gerador de ITCMD, já que se trata de um ato de liberalidade do titular do patrimônio. Neste sentido, assim como mencionado no tópico 2.1.2 do presente artigo, deverão os herdeiros ou donatários recolher o imposto, que é calculado com base no valor venal dos bens, aplicando-se sobre este valor a alíquota de 5%.

Também incidirá sobre a receita da holding o Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ). A base de cálculo será, conforme disposto no art. 44º do CTN, o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.

O lucro real é o lucro líquido do contribuinte apurado, abatendo-se as despesas efetivamente autorizadas pelo Decreto n. 9.580/2018. O lucro presumido, por sua vez, é aplicado à pessoa jurídica cuja receita bruta total no ano-calendário anterior tenha sido igual ou inferior a R$ 78.000.000. Já o lucro arbitrado é aplicado quando não se pode calcular precisamente o lucro real em razão de ausência de escrituração contábil ou se o contribuinte não cumpre os requisitos do lucro presumido. Já em relação à alíquota, determina o art. 623º do Decreto n. 9.580/2018 que será de 15%, calculado sobre o lucro real, presumido ou arbitrado.

É importante esclarecer que, no ato de integralização de bens imóveis na holding, se não houver ganho de capital, ou seja, se não houver diferença entre o valor declarado pelo donatário - pessoa física - e o valor de mercado dos bens, não haverá a incidência do IRPJ. Se da conferência for constatada a diferença de valores, será devido o tributo, aplicando-se a alíquota de 15% sobre a diferença positiva constatada. Araújo afirma que

Ocorrendo a conferência para a formação do capital social pelo valor constante na declaração de bens, não haverá incidência de ganho de capital. Todavia, caso a conferência seja realizada pelo valor de mercado, incidirá o imposto de renda, com alíquota de 15% sobre a diferença positiva entre o valor de mercado e o valor declarado. (ARAÚJO, 2018, p. 111)

O Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) são contribuições sociais que financiam a seguridade social e incidem sobre a receita e o faturamento da empresa, conforme preceitua o art. 195º da Constituição da República. Portanto, tendo em vista que o fato gerador de ambos se dá sobre a receita bruta da empresa, também é incidente na holding. No PIS aplica-se um percentual de 0,65%; e à COFINS, 3% da receita bruta.

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) é um tributo financiado por toda a sociedade, destinado à seguridade social dos contribuintes no país, assim como por recursos da União, estados, Distrito Federal e dos municípios, conforme previsão do art. 195º da Constituição da República.

Tendo em vista que seu fato gerador se dá diante da aferição de lucro, e por ser devida por todas as pessoas jurídicas, de igual modo é incidente sobre a holding. Concernente às alíquotas, elas são incidentes respectivamente entre 9% e 15% conforme preceitua o art. 17º da Lei n. 11.727/2018. No tocante à sua forma de apuração, esta se dá pelo mesmo regime de tributação adotado para apuração do IRPJ.

O Imposto de Transmissão de Bens Intervivos (ITBI) é um tributo de competência municipal, tendo como fato gerador a transferência em vida de bens imóveis por ato oneroso. Sua base legal encontra-se no art. 156º da Constituição da República. No contexto da holding, a integralização das cotas pode constituir fato gerador do ITBI, mas, sobre este ato o tributo não é incidente, de acordo com o que versa o artigo supracitado, segundo o qual não incide ITBI sobre transmissão de bens ou direitos incorporados a um patrimônio de pessoa jurídica, salvo se a sua atividade dominante for a compra e venda dos bens ou direitos ou a locação dos bens imóveis incorporados. Logo, somente nesta exceção incidirá o tributo.

Além dos tributos inerentes, deverá a holding elaborar, obrigatoriamente, a Escrituração Contábil Fiscal[1] (ECF). No documento em questão, que é enviado anualmente ao Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), deverão constar todas as operações que influenciam a base de cálculo do IRPJ e da CSLL o lucro líquido. Em caso de descumprimento da obrigatoriedade, a pessoa jurídica fica sujeita a multa[2].

Assim, percebe-se que são diversos os tributos inerentes à holding, inclusive alguns que não incidem sobre pessoa jurídica, o que a torna trabalhosa e, se não houver acompanhamento de advogados e contadores, poderá se tornar demasiadamente onerosa diante dos possíveis recolhimentos equivocados.

Logo, assim como nos demais instrumentos apresentados no presente artigo, se faz necessário que o interessado em adotar medidas antecipadas para proteger seu patrimônio de eventuais conflitos sucessórios, faça uma análise criteriosa acerca das vantagens e desvantagens da holding, de acordo com a sua realidade.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo científico elaborado para fins de aprovação no Curso de Direito pelo Centro Universitário UNA, na cidade de Belo Horizonte/ MG.

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