Aplicação da Lei nº 8.928/2020 na atividade da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Ocorrências de lesão corporal ou morte por intervenção por agente do estado

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03/10/2020 às 14:56
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3. LESÃO CORPORAL OU MORTE POR INTERVENÇÃO DE POLICIAL MILITAR

Outro ponto em que cabem ao menos breves considerações: a natureza dessa lesão causada por policial militar em serviço.

Diante da definição legal do crime militar delineada na CF, bem como no CPM, é de fácil compreensão que, em se tratando de Lesão Corporal em desfavor de civil, a tipificação, prima facie, encontra respaldo no art. 209. c/c art. 9º, inciso II, alínea c do CPM, e em caso de intervenção letal, o resultado morte é tipificado no art. 205. c/c art. 9º, inciso II, alínea c do CPM.

Insta salientar, que o policial militar em serviço, por força da Lei nº 13.491/17, somado à inteligência do art. 9º do CPM, não incorre na prática de crime comum, portanto, qualquer medida de polícia judiciária deverá ser adotada pela autoridade policial militar.


4. PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELA AUTORIDADE POLICIAL

Após a conceituação de autoridade policial, e considerando que nas ocorrências em que haja danos causados à civis, é de responsabilidade da autoridade policial militar as medidas de polícia judiciária, se faz necessário buscar na Lei nº 8.928/20 as atribuições referentes à Polícia Militar, por meio de seus Oficiais de serviço, ou por outra autoridade militar competente. Nesse ponto há um complicador, pois o legislador, pouco técnico no sentido de definir e delimitar, expressamente, as funções de cada Órgão: Polícia Civil e Polícia Militar, nas medidas administrativas pré-processuais, não o fez. E por que motivo isso seria relevante? Por tudo que foi exposto acima: Tanto o Delegado de Polícia quanto os Oficiais da PMERJ, são autoridades policiais para efeitos processuais nos casos previstos nesta lei, com a ressalva que, quando se tratar de policiais militares, a autoridade competente será o Oficial da Polícia Militar.

O que torna menos complexa essa questão, mas que não afasta totalmente essa lei de uma Ação de Inconstitucionalidade por afronta ao art. 144, § 4º, ou ao art. 22, inc. I da CF ou por incorrer em inconstitucionalidade reflexa em relação ao CPPM, é a determinação consignada no art. 1º, § 5º da lei, in verbis:

Art. 1º - Quando da ocorrência de fato violento no curso de operações policiais, a Autoridade Policial ao tomar conhecimento de ocorrência de lesão corporal ou homicídio decorrente de oposição à intervenção policial deverá, imediatamente, observar as seguintes diretrizes básicas: [...]

§ 5º - Deverão ser observadas as competências constitucionais e legais da Polícia Militar e da Polícia Civil em cada caso.

Portanto, a Lei nº 8.928/20 deve ser interpretada à luz da Constituição Federal e do Código de Processo Penal Militar. Ante o exposto, cumpre ressaltar que o art. 144, § 4º da CF, proíbe aos delegados de polícia a investigação de crimes militares, logo, não podem adotar medidas de polícia judiciária em relação à ocorrência de lesão corporal ou morte resultante de atuação de policial militar em serviço contra qualquer pessoa.

Outra premissa óbvia, mas que é pertinente destacar, é que o CPPM, que tem força de Lei Federal e tem abrangência em âmbito nacional, é especial em relação à Lei nº 8.928/20, logo, quando houver convergência dos atos pré-processuais de autoridade de polícia, ou seja, medidas iguais ou semelhantes estipuladas nas duas normas, prevalece a legislação especial militar, quando se tratar de lesão causada por policial militar em serviço (crime militar). Isso porque, é o mandamento do CPPM:

Código de Processo Penal Militar

Art. 1º O processo penal militar reger-se-á pelas normas contidas neste Código, assim em tempo de paz como em tempo de guerra, salvo legislação especial que lhe for estritamente aplicável.

Interpretação literal

Art. 2º A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido literal de suas expressões. Os termos técnicos hão de ser entendidos em sua acepção especial, salvo se evidentemente empregados com outra significação.

Suprimento dos casos omissos

Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;

Ante o exposto, a Lei nº 8.928/20 é suplementar à aplicação do CPPM, podendo haver a consonância com a legalidade, apenas nos casos omissos, ademais, sem prejuízo da índole do processo penal militar. Urge ressaltar, que os casos omissos do CPPM deverão ser preenchidos por legislação processual comum e a União é competente exclusivamente para editar tais regramentos, como será ratificado a diante neste estudo.

Com isso, quando a lei se referir à autoridade policial, deve ser observada a competência constitucional e legal da PMERJ, que exercerá essa função, por meio de seus Oficiais de serviço, pelo próprio Comandante, Chefe ou Diretor de Unidades, ou por outro Oficial designado para esse fim, conforme prevê o CPPM.

Lei nº 8928/20 - Principais artigos e atribuição de responsabilidades

► Medidas sob responsabilidade da autoridade policial militar

Art. 1º - versa sobre as diretrizes básicas que é suplementar em relação às medidas do art. 12. do CPPM, e serão observadas as seguintes:

  • I – Requisitar imediato deslocamento de equipe de apoio policial, para garantir o isolamento e preservação do local, caso ainda não tenha sido providenciado, identificando os responsáveis pela conservação do local e o estado de conservação das coisas (PMERJ).

  • II – Acionamento de socorro especializado, sempre que possível, bem como o acompanhamento de testemunha (PMERJ).

As medidas supra elencadas estão inseridas no rol do art. 12. do CPPM:

Art. 12. – Medidas preliminares ao inquérito:

a) preservação do local

b) apreensão dos objetos do crime (em relação aos crime militares)

c) prisão do infrator

d) colheita de provas

► Responsabilidade implicitamente concorrente, devendo ser observada pela autoridade policial militar, bem como por delegado de polícia
  • III – Requisitar o concurso da Polícia Técnico-científica perícia para o local (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • IV – Dirigir-se a autoridade policial para o local do fato para colheita de provas e informações (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • V, VI e VII – Proceder à oitiva das partes envolvidas; Requisição de perícia (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • § 1º - Motivação escrita na inobservância de qualquer das medidas (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • § 2º - Dirigir-se a autoridade policial para o hospital a fim de colher esclarecimentos dos médicos (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • § § 3º e 4 - Preservação de prova, identificação e apreensão das armas envolvidas no contexto da ocorrência (responsabilidade concorrente – PMERJ e PCERJ)

  • § 5º - Observância das competências constitucionais e legais da PMERJ e PCERJ

► Responsabilidade EXPRESSAMENTE concorrente, devendo ser observada pela autoridade policial militar e por delegado de polícia
  • Art. 3º - Em caso de alteração do estado das coisas, deverá a Autoridade Policial Civil ou Militar adotar as medidas legais cabíveis (PMERJ ou PCERJ)

► Responsabilidade implicitamente concorrente, devendo ser observada pela autoridade policial militar, bem como por delegado de polícia
  • Art. 5º - versa sobre o registro da ocorrência – normalmente, se trata de crime comum praticado por civil e crime militar praticado por policial – logo são 02 registros do fato.

Responsabilidade concorrente entre PMERJ e PCERJ, em operações policiais militares, significa que, no mesmo evento, poderá haver a ocorrência de crime comum (civil), ex.: tráfico de drogas, associação para o tráfico, corrupção de menores etc., e crime militar (policiais militares), ex.: lesão corporal, tortura, homicídio etc., e quanto às medidas em face dos militares a atribuição será de autoridade policial militar, como a apreensão do armamento de policiais militares, e as medidas em desfavor de civil será adotada por delegado de polícia. Essa responsabilidade concorrente na maior parte dos artigos é implícita, mas é facilmente compreendida, desde que a leitura do art. 1º da Lei 8.928/20, e dos demais, seja revisitada após interpretação do § 5º do art. 1º desta.

O art. 3º é o único que traz, expressamente, a responsabilidade concorrente das duas instituições, o que poderia ter sido feito em toda lei, minimizando conflitos de atribuição no caso concreto por falha na interpretação da lei.

Logicamente, quando se tratar de operação apenas da Polícia Civil, na qual não haverá a possibilidade de ocorrência de delitos militares, não há que se falar em responsabilidade da PMERJ e de seus Oficiais.

Outro artigo que merece comentário neste estudo é o art. 6º, que determina que todas essas ocorrências sejam encaminhadas para Delegacia de Homicídios. Em princípio, o local que será realizado o registro civil de ocorrência não tem grande importância, pois se trata de administração Interna Corporis da Polícia Civil, inconcebível é que essa apresentação ou perícia de local de azo ou precedente para instauração de investigação em face da conduta de policial militar em paralelo à investigação conduzida pela Polícia Militar. Isso porque, nos crimes dolosos conta a vida de civil, deve prevalecer o exercício exclusivo da polícia judiciária militar, o IPM é o único meio adequado a apurar essa espécie de crime, isso já ficou demonstrado ao longo dos anos por meio da legislação, da doutrina e da jurisprudência, não podendo haver concomitantemente instauração de inquérito da Polícia Civil. Policial militar não pode responder a dois procedimentos administrativos pela prática do mesmo fato, pois este ato é eivado de flagrante ilegalidade, caracterizando constrangimento ilegal face a insegurança jurídica provocada nos investigados.

A jurisprudência ratifica esse pensamento, vide o Recurso de Habeas Corpus 1999.03990776390, da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal:

[...] bem se sabe que para cada fato delituoso corresponde um inquérito para apurá-lo. Assim como ninguém pode ser acusado ou condenado por idêntico fato duas vezes, também é certo que dois inquéritos para investigar o mesmo fato constituem-se em constrangimento ilegal.

A dupla investigação fere o princípio do non bis in idem, ninguém pode sofrer dois inquéritos policiais pelo mesmo fato. O Inquérito Policial da Polícia Civil, instaurado para apurar crime militar, vai contra o ordenamento jurídico, é inconstitucional e ilegal, impõe flagrante constrangimento ilegal aos investigados, o qual tem risco ao seu status libertatis, podendo, a qualquer momento, ser alvo de medidas constritivas de prisão e violação de seus direitos fundamentais amparados na Lei Maior.

Nesse sentido, aliás, já decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR):

“HABEAS CORPUS CRIME – ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL ANTE A DUPLICIDADE DE INQUÉRITO INSTAURADO, MILITAR E CIVIL – CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO – TRANCAMENTO DO INQUÉRITO INSTAURADO PELA POLICIA CIVIL - ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.”

(TJ/PR - 1ª Câmara Criminal - HC n.0016048-86.2018.8.16.0000 - Rel. Des. Benjamim Acácio de Moura e Costa - J. 23.08.18)

A exclusividade a polícia judiciária militar na investigação dos crimes dolosos contra a vida de civil encontra pacífica jurisprudência na Suprema Corte, cabendo destacar:

  • ADI 1.494-3 de 1997;

  • Recurso Extraordinário 804.269/SP, j. 24.03.2015, da relatoria do Ministro Roberto Barroso;

  • Recurso Extraordinário 1.062.591/SP, j. 23.08.2017, da relatoria do Ministro Dias Toffoli, e o

  • Recurso Extraordinário 1.146.235/SP, j. 17/12/2018, da relatoria do Ministro Edson Fachin

A decisão mais recente, com trânsito em julgado no ano de 2019, é materializada pelo RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.146.235/SP, da relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin:

POLICIAL MILITAR - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - INTERPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA DECISÃO DO JUIZ DE DIREITO QUE INDEFERIU O PEDIDO PARA ENCAMINHAMENTO DO FEITO À VARA DO JÚRI - EXAME EFETUADO PELA JUSTIÇA MILITAR QUE RECONHECEU INEXISTIR CRIME MILITAR DOLOSO COMETIDO CONTRA A VIDA DE CIVIL RECURSO QUE NÃO COMPORTA PROVIMENTO - DECISÃO POR MAIORIA DE VOTOS. A Justiça Militar é competente para efetuar a análise prévia do cometimento de crime apurado pela polícia judiciária militar. Legislação que prevê o encaminhamento dos autos ao Tribunal do Júri apenas quando do reconhecimento da existência de crime militar doloso praticado contra a vida de civil. Exame efetuado pela Justiça Militar que verificou a existência de excludentes de ilicitude. Legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal. O controle externo exercido pelo Ministério Público sobre a atividade policial não é afetado pela referida decisão. (grifei)

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No seu parecer o Ex. mo Ministro da corte suprema negou seguimento a RE do MP/SP, que impugnava julgado que manteve a competência da Justiça Militar quanto a Inquérito Policial conduzido por delegado de polícia, relativo a crime praticado por PM contra a vida de civil. O MPF conferiu ciência ao decisum do referido RE. Eis os fundamentos:

“(...) A irresignação não merece prosperar. Verifico que o Tribunal a quo decidiu a um só tempo que:

a) a Justiça Militar estadual é competente pra exercer um juízo prévio acerca da configuração ou não de crime doloso praticado por militar contra a vida de civil e, na hipótese de exercer juízo positivo (ou seja, entender que houve prática de crime doloso contra a vida de civil), encaminhar os autos ao Tribunal do Júri e

b) o Juiz Militar, após concluir que não houve crime doloso, poderá determinar o arquivamento do inquérito policial militar, independente de haver requerimento do Ministério Público nesse sentido. Observo, inicialmente, que o recorrente impugna somente o segunda matéria assentada no acórdão recorrido, arguindo que o arquivamento indireto implicou violação às atribuições constitucionais do Ministério Público. O Tribunal, por sua vez, analisou a questão nestes termos (...)

Assim fundamentada a decisão em tela, na jurisprudência consolidada deste e. STF quanto aos requisitos de admissão de RE, devolvo os autos.

O precedente mais atual do Poder Judiciário Estadual, do mês de julho de 2020, é do Ex.mo juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (Processo Judicial Eletrônico nº 0800006-62.2020.9.26.0010 (LSA)), que concedeu Habeas Corpus coletivo permitindo que todos os Oficiais da PM ignorem uma Resolução da Secretaria de Segurança Pública e possam, em caso de morte decorrente de intervenção policial, apreender os instrumentos e objetos que tenham relação com o fato, além de colher provas que sirvam para esclarecê-lo. Essa medida não seria necessária, pois a apreensão dos objetos do crime estão revistas no art. 12. do CPPM, se não houvesse uma Resolução do Estado de São Paulo que afrontasse a legislação militar e as atribuições de polícia judiciária militar. Essa realidade se aproxima bastante do teor da Lei nº 8.928/20, uma vez que pode interferir em atribuição definida em lei federal.

A primazia de investigação por parte da Polícia Militar nos crimes dolosos contra a vida de civil permanece em consolidada jurisprudência na Suprema Corte, como ficou demonstrado acima.

A autoridade policial civil, mais especificamente, delegado de polícia, que submete policial militar à investigação policial ou qualquer outra medida exclusiva de polícia judiciária militar, é passível de responsabilização criminal e administrativa, prima facie, incide nos delitos de usurpação de função pública, abuso de autoridade, constrangimento ilegal e ato ilícito de improbidade administrativa, a depender do elemento subjetivo e do caso concreto.

Do mesmo modo a autoridade militar que se omite diante desses fatos, permitindo que delegados atuem na esfera de atribuição destinada aos Oficias de polícia, pratica em tese os crimes de prevaricação, caso fosse verificada a desídia, visando simplesmente ter menos trabalho ou interesse particular. Pode incidir em um dos crimes contra o dever funcional, como: Inobservância de lei, regulamento ou instrução, previsto no art. 324. do CPM:

Inobservância de lei, regulamento ou instrução

Art. 324. Deixar, no exercício de função, de observar lei, regulamento ou instrução, dando causa direta à prática de ato prejudicial à administração militar:

A prática de ato prejudicial à administração militar se materializa em não cumprir as normas do CPPM, dando azo para violação do art. 144. § 4º da CF, permitindo que haja a instauração de inquérito da Polícia Civil para apuração de crime militar em paralelo ao IPM ou permitir que se pratique diligências que não competem à autoridade civil.

A autoridade militar omissa, pode incidir também, assim como o delegado de polícia, no em ato ilícito de improbidade administrativa:

Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992

Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

Relevante ainda comentar o art. 7º da Lei 8.928/20, que conforme o § 1º :

A autoridade pública com atribuições legais deverá determinar a imediata instauração de procedimento apuratório, para apurar possíveis desvios ou excessos de condutas sempre que houver resultado morte ou lesão corporal grave no curso das operações policiais sob seu comando ou chefia.

Não necessita grandes ilações, a autoridade militar deverá instaurar IPM, bem como, conforme preconiza o § 2º do art. 7º, comunicar o ocorrido ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao Órgão do Poder Executivo responsável pela promoção dos Direitos Humanos.

Importante salientar que os artigos 8º, 9º e 10 atribuem responsabilidade de Polícia Técnico-Científica aos departamentos de órgão civil (DGPTC, Institutos de Criminalística Carlos Éboli, Médico Legal, Afrânio Peixoto e de Identificação Félix Pacheco - ICCE, IMLAP e IIFP). O emprego de perícia civil, quando envolve ocorrências de crime miliar, não afronta, prima facie, o ordenamento jurídico, do contrário, existe previsão legal no próprio CPPM, sendo uma das competências da autoridade de polícia judiciária militar prevista na alínea g do art. 8º, in verbis:

Competência da polícia judiciária militar

Art. 8º Compete à Polícia judiciária militar:

a) apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria;

b) prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do Ministério Público as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas;

c) cumprir os mandados de prisão expedidos pela Justiça Militar;

d) representar a autoridades judiciárias militares acerca da prisão preventiva e da insanidade mental do indiciado;

e) cumprir as determinações da Justiça Militar relativas aos presos sob sua guarda e responsabilidade, bem como as demais prescrições deste Código, nesse sentido;

f) solicitar das autoridades civis as informações e medidas que julgar úteis à elucidação das infrações penais, que esteja a seu cargo;

g) requisitar da polícia civil e das repartições técnicas civis as pesquisas e exames necessários ao complemento e subsídio de inquérito policial militar;

h) atender, com observância dos regulamentos militares, a pedido de apresentação de militar ou funcionário de repartição militar à autoridade civil competente, desde que legal e fundamentado o pedido.

Em contrapartida, a PMERJ possui um Centro de Criminalística (CCrim), capaz até certo ponto, de atender algumas demandas nesse tipo de ocorrência. Logo, o mais adequado é sempre haver o concurso da perícia militar, e em caso de incapacidade técnica ou material, requisitar também (requisição remete à ordem, poder de mando legal) a atuação da perícia civil. O motivo real da omissão do CCrim nesse tipo de ocorrência, quando envolver policiais militares, ficaria apenas no campo especulatório. O que até o momento é possível concluir, é que, como um todo, essa lei apresenta diversos problemas técnicos quando não aludiu a possibilidade da ocorrência de crimes militares e a aplicação de normas especiais já preconizadas.

Dessa forma, os artigos 8º, 9º e 10, nem sempre serão aplicados em sua integralidade para a PMERJ, não significando descumprimento de lei e sim cumprimento de legislação mais específica ao caso, o CPPM. Cabe esclarecer que no local de confronto armado, quase sempre também haverá a ocorrência de crimes comuns, e a autoridade policial civil também poderá determinar perícia no local, com objetivo precípuo de apurar as infrações penais praticadas por civis.

Por fim, nota-se, contudo, que mesmo cumprindo estritamente essa lei à luz da CF e da legislação processual penal militar, haverá margem de questionamento quanto à sua constitucionalidade, pois de certo, invade competência exclusiva da União ao tratar de procedimentos de polícia judiciária que deveriam estar preconizados no CPP ou no CPPM:

Constituição Federal

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Destarte, apenas a União pode legislar sobre direito processual, e diversos artigos infringiram essa regra constitucional, como é o caso do art. 7º, § 1º.

Sobre o autor
Leone Pinheiro Borges

Oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (CFO-PMERJ); Ex-Oficial da Reserva do Exército Brasileiro (CFOR-MatBel); Especialista em Operações de Choque – (COPC-PMERJ); Paraquedista Militar (C Bas Pqdt); Bacharel em Direito; Pós-graduado em Direito Penal Militar e Processo Penal Militar; Pós-graduado em Ciências Jurídicas; Pós-graduando em Medicina Legal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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