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Considerações acerca da constitucionalidade da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP)

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Este ensaio busca trazer algumas considerações à discussão entabulada sobre a constitucionalidade ou não da COSIP, sob a estrita dogmática jurídica que, talvez, possam merecer maior atenção dos operadores interessados no assunto.

Sumário:1. Introdução. 2. Breve histórico. 3. Da fonte de custeio da iluminação pública. 4. Do instituto do consórcio público. 5. Do conceito de tributo. 6. Da classificação dos tributos. 6.1. A classificação pela teoria dos tributos vinculados ou não a atuação estatal. 6.1.1. Do tributo não vinculado (imposto). 6.1.2. Dos tributos vinculados (taxa e contribuição). 7. Da contribuição para o custeio da iluminação pública. 7.1. Da hipótese de incidência. 7.2. Da base de cálculo. 7.3. Dos sujeitos ativos. 7.4. Dos sujeitos passivos. 7.4.1. Do poder de polícia administrativa. 7.4.2. Da interpretação restritiva da expressão "iluminação pública". 8. Conclusões.


1. Introdução

A Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP) é tema que vem causando grande polêmica no meio doutrinário e jurisprudencial. Questiona-se sua constitucionalidade através dos mais diversos fundamentos. Entretanto, em termos concretos, observa-se que, até o momento (julho de 2005), o Supremo Tribunal Federal ainda queda silente acerca do assunto, pois as eventuais ações de inconstitucionalidade ajuizadas nos Tribunais de Justiça estaduais, para exame de normas locais instituidoras do tributo objeto do presente trabalho, ainda seguem o devido iter processual em direção à Capital Federal.

Enquanto isso, segue o debate justificadamente acalorado sobre o tema. Dessa forma, o presente ensaio objetiva contribuir na discussão acadêmica da COSIP, realizando análise do dito tributo, sob a estrita dogmática jurídica, com vistas a identificar alguns detalhes que talvez mereçam maior atenção por parte do intérprete jurídico na busca da solução deste problema.

Convém pontuar que o presente ensaio não carrega a pretensão de encontrar a "única" resposta hermenêutica correta à questão posta, pois, hodiernamente, entende-se que a interpretação sistemática eficaz, valendo-se do metacritério hierarquizador axiológico defendido por Juarez Freitas [01], propõe-se a, dentre as inúmeras possibilidades de resposta a uma determinada questão jurídica, encontrar aquela que represente a melhor resposta, atingindo-se a "máxima justiça possível" [02] no caso concreto. Assim, feitas estas considerações iniciais, passa-se ao exame da COSIP.


2. Breve histórico

Até o advento da Constituição de 1988, a iluminação pública, no Brasil, era custeada pelo Fundo Nacional de Energia, "controlado e administrado diretamente pela União por intermédio das concessionárias de energia, até então todas públicas" [03], de forma que o pagamento das contas de energia elétrica destinada à iluminação pública não constituía problema de gestão financeira aos municípios brasileiros.

Contudo, com a extinção do referido fundo, a obrigação de custeio da iluminação pública foi repassada aos executivos municipais, sem a prévia e necessária definição das fontes de receita necessárias ao adimplemento de tal encargo, causando sérios problemas de ordem financeira aos entes envolvidos, sobretudo, às comunas de pequeno porte e de pouco recursos.

Nesse aspecto, atestando as enormes dificuldades financeiras vivenciadas pela maioria das municipalidades de nosso país, vale colacionar síntese de percuciente estudo realizado por François E. J. de Bremaeker [04], economista e geógrafo, Coordenador do Núcleo de Articulação Político-institucional do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), analisando dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual fica evidenciada "a condição de pobreza de grande parte dos municípios brasileiros que em 1999 somavam 5.507 comunas, das quais, 74,8% possuíam população inferior a 20 mil habitantes e apresentavam receita tributária média em torno de apenas 7% do volume de recursos de que dispunham" [05].

Tal constatação, cientificamente elaborada, permitiu concluir que "na grande maioria das municipalidades brasileiras, a capacidade de arrecadação tributária apresenta níveis baixíssimos, a ponto de corresponder a apenas 7%, em média, dos já parcos recursos provenientes, em sua quase totalidade, das transferências constitucionais representadas principalmente pelas receitas oriundas do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) que, como se sabe, são insuficientes ao atendimento das necessidades locais" [06].

Portanto, diante deste quadro sombrio, pode-se, com extrema facilidade, depreender o significado desastroso, em termos de desequilíbrio das finanças públicas municipais, que o repasse da conta de iluminação pública representou à maioria dos municípios brasileiros, que frente a já escassa disponibilidade de caixa, tiveram de assumir mais este oneroso encargo.

Disso resultou, como era presumível esperar, que muitos municípios, diante da necessidade de ter de decidir onde aplicar os parcos recursos disponíveis, optaram por empregá-los no atendimento das consabidas prementes políticas públicas, como saúde, saneamento e educação, por exemplo, em detrimento do adimplemento das contas de energia elétrica consumida para iluminação pública.

Ocorre que o fenômeno das privatizações, como efetiva materialização da Reforma Administrativa proposta pela Emenda Constitucional n.º 19/98, alterou o cenário do modelo energético nacional, através da concessão dos serviços de fornecimento de energia elétrica a empresas privadas.

E a partir dessa significativa mudança, o inadimplemento da conta de iluminação pública ganhou nuança diferenciada, passando a implicar indevida lesão ao patrimônio das empresas privadas prestadoras do serviço de fornecimento de energia elétrica, as quais, em numerosos casos, têm entregue a energia contratada aos municípios, mas não têm recebido a devida contraprestação pecuniária pelos serviços prestados.

Esta peculiar situação fática permite concluir que a relação jurídica estabelecida entre os executivos municipais e as concessionárias de fornecimento de energia elétrica, a partir das privatizações ocorridas, transcendeu o regime de direito público, alcançando matiz, também, privatística, face aos inadimplementos verificados na órbita do direito privado, configuradores de inegáveis ilícitos civis.


3. Da fonte de custeio para a iluminação pública

Assim, diante da insuficiência de recursos disponíveis para fazer frente ao pagamento da conta de iluminação pública, diversos municípios brasileiros resolveram instituir a Taxa de Iluminação Pública – TIP –, com base no art. 145, inc. II da Constituição Federal [07] e no artigo 77 do Código Tributário Nacional [08].

Contudo, tal iniciativa foi reiteradamente rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de 1986, em diversos julgados que declararam a inconstitucionalidade das aludidas taxas porque, a despeito de a iluminação pública se constituir em serviço potencial – assim considerado aquele que a administração pública coloca à disposição do contribuinte, ainda que não seja por ele utilizado –, não preenchia requisito indispensável ao estabelecimento de taxa, a saber: sua divisibilidade [09], como se verá oportunamente, uma vez que a iluminação pública é um serviço eminentemente uti universi, ou seja, prestado de forma abstrata e difusa à coletividade, insuscetível de ter sua utilização individualizada por contribuinte.

Portanto, com o viés de corrigir a flagrante inconstitucionalidade cometida por aqueles municípios que criaram as indevidas taxas de iluminação pública, as municipalidades brasileiras se organizaram e apresentaram Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC), que ganhou o n.º 222-A, na tentativa infrutífera da alterar o art. 145, e seu § 2º, da Constituição Federal, objetivando dispensar os requisitos da especificidade e da divisibilidade na instituição da taxa da iluminação pública, bem como abolir, na lúcida dicção de Kiyoshi Harada [10], "a proibição da identidade de sua base de cálculo com a de impostos".

Todavia, como não poderia deixar de ser, em 18/12/2001, dito projeto de emenda, face à sua inconsistência técnico-jurídica, foi rejeitado pelo Senado Federal, muito embora já houvesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados.

Finalmente, em 20/12/2002, o substitutivo da PEC rejeitada, que se denominou PEC n.º 222-B, que trazia, em seu bojo, a instituição da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP –, foi aprovada, introduzindo, assim, o art. 149-A da Magna Carta, que disciplinou a instituição da referida contribuição no ordenamento jurídico pátrio, nos termos seguintes, verbis:

"Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica."

Dessa forma, percebe-se que com a inserção do art. 149-A, na Constituição Federal, a municipalidade brasileira foi agraciada com a redentora "competência para instituir contribuição destinada ao custeio da iluminação pública" [11].

Contudo, forçoso pontuar que a solução encontrada – tipificação de nova espécie de contribuição – merece acurado exame jurídico para se verificar se tal solução se amolda perfeitamente aos conceitos doutrinários acerca da temática. Faz-se esta anotação porque dita espécie tributária (contribuição), ainda hoje, causa certa polêmica doutrinária, acerca de sua natureza, tributária ou não, como bem refere Luciano Amaro [12]. Contrariamente, argumentando em defesa da "inquestionabilidade do cunho tributário das contribuições (parafiscais ou não)" vale citar, por exemplo, José Eduardo Soares de Melo [13], Hugo de Brito Machado [14] e Paulo de Barros Carvalho [15].

Ademais, percebe-se, ainda, dissonância doutrinária quanto à correta classificação tributária de algumas contribuições, que seriam impostos "a fins determinados com o nome de contribuições", na incisiva dicção de Sacha Calmon Navarro Coêlho [16], ao referir-se às contribuições sociais lato sensu (COFINS, v.g.), de intervenção do domínio econômico (AFRMM [17]) e corporativas (sindicais e associativas).

Também é oportuno destacar bem elaborado artigo produzido por Luciano Furtado Loubet e Leonardo Furtado Loubet [18], que adotando o critério jurídico científico que combina a hipótese de incidência e base de cálculo para a classificação dos tributos, conclui por atribuir à COSIP natureza jurídica de taxa.

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E ainda, reforçando a controvérsia e complexidade do assunto, vale mencionar a existência de estudos doutrinários elaborados com o intuito de se examinar os "limites à instituição de contribuições" pelo Poder Público, segundo a utilização de diretrizes hermenêuticas, conforme leciona Humberto Ávila [19].

Assim, diante desse incontestável e polêmico cenário doutrinário sobre a espécie tributária eleita para resolver a questão da fonte de custeio da iluminação pública, pode-se inferir que a solução encontrada haverá de ser apreciada, não só pelo prisma pragmático, do qual redundou a sua positivação em nível constitucional, mas, sobretudo, pelo viés constitucional-tributário, a fim de se perquirir sobre sua efetiva validade sob a ótica jurídica, pois, como bem referido na obra "Direito Municipal Brasileiro" de Hely Lopes Meirelles, corroborando a incerteza, no âmbito doutrinário, acerca do assunto, "a Justiça dirá, como é de praxe se esta solução tem respaldo constitucional" [20].

Neste momento, importa cientificar o leitor, à guisa de lhe facilitar a compreensão deste trabalho que, para exame da contribuição para custeio da iluminação pública – COSIP –, sob o ponto de vista estrito da dogmática jurídica, enquanto fonte de receita do serviço de iluminação pública municipal, adotar-se-á método dedutivo, portanto, desenvolvendo-se raciocínio lógico no sentido do geral para o particular.


4. Do conceito de tributo

É sabido que não é função da lei conceituar. Todavia, em certos casos, a fim de evitar controvérsias, o legislador houve por bem emprestar função definidora à lei. Este é o caso do conceito de tributo, que se encontra determinado na Lei n.º 5.172/66 (CTN), cujo art. 3º expressa que "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Pontua-se que alguns juristas nacionais, como Luciano Amaro [21], teceram críticas ao conceito legalmente determinado, acusando-lhe de possuir redundâncias [22] e desnecessidades lógicas [23]. Nesse passo, pela louvável capacidade de síntese extraída do conceito formulado, que extirpou as aventadas inconsistências, vale trazer a definição prescrita pelo aludido jurista, verbis: "tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público" [24].

Outros, como Hugo de Brito Machado [25], argumentando pela inutilidade, no plano do direito positivo vigente, do "exame dos diversos conceitos de tributo formulados pelos juristas e pelos financistas", face à prevalência do conceito legal, ativeram-se a examinar seus elementos formadores.

Nessa esteira, na visão deste doutrinador, o conceito legal de tributo é formado pelos seguintes elementos: a) prestação pecuniária, caracterizada como a prestação devida em dinheiro pelo contribuinte ao Estado, a fim de assegurar a consecução dos objetivos estatais; b) compulsoriedade, como sendo a ausência do elemento vontade na hipótese de incidência tributária. No dizer do aludido doutrinador: "o dever de pagar tributo nasce independentemente da vontade"; c) em moeda em cujo valor nela possa se exprimir, significando que a prestação tributária se expressa tão-somente em moeda [26]; d) que não constitua sanção de ato ilícito, significando que é vedado à lei estabelecer como hipótese de incidência, na constituição de uma obrigação tributária, uma situação ilícita; e) instituída em lei, ratificando a incidência do princípio da legalidade na criação de tributos e a necessidade da lei definir todos os elementos necessários ao conhecimento do valor a ser pago, como definição da hipótese de incidência, sujeitos passivos da obrigação, base de cálculo e alíquota (quando cabível) e prazo para pagamento; e f) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, caracterizando a absoluta inexistência de discricionariedade no agir da autoridade tributária na cobrança de tributos.


5. Da classificação dos tributos

Sacha Calmon de Navarro Coêlho leciona que, à luz do direito tributário comparado (direito alemão, espanhol, português, italiano, brasileiro, inglês e norte-americano), percebe-se que a divisão dos tributos em espécies, em termos doutrinários, "apresenta duas variantes ou duas escolas: a dicotômica e a tricotômica" [27], sendo que a primeira defende a idéia de que as espécies tributárias seriam apenas duas, a dos impostos e a das taxas, enquanto que a segunda repartiria o tributo em três tipos: imposto, taxa e contribuição de melhoria.

Ressalta que ambas as escolas fundamentam suas teorias a partir do estudo do fato gerador da obrigação tributária e da base de cálculo escolhidos pelo legislador, ou seja, ambas partem de dados colhidos na realidade, que são logo transformados em teoria pela dogmática jurídica. E aqui surge a idéia da vinculação dos tributos à atividade estatal como forma de classificá-los, como veremos mais adiante.

Já na percepção de Luciano Amaro [28], a Constituição Federal, tendo em vista sua missão precípua de estabelecer competências, não se preocupou em definir e tampouco classificar as espécies de tributo, limitando-se a arrolá-los da seguinte forma:

"a) impostos, instituíveis pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, conforme a partilha constante dos arts. 153 e154 (União), 155 (Estados e Distrito Federal) e 156 (Municípios e também o Distrito Federal, ex vi do art. 147);

b) taxas, instituíveis por essas mesmas pessoas políticas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (Art. 145, II);

c) contribuição de melhoria, decorrente de obra pública, também instituível pelas mesmas pessoas políticas (art. 145, III);

d) pedágio, instituível igualmente pelas pessoas políticas mencionadas, em razão da utilização de vias por elas conservadas (art. 150, V);

e) empréstimos compulsórios, instituíveis pela União, nas hipóteses arroladas no art. 148;

f) contribuições sociais, instituíveis pela União (art. 149);

g) contribuições de intervenção do domínio econômico, também instituíveis pela União (art.149);

h) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, instituíveis igualmente pela União (art. 149); e

i) contribuição para o custeio de sistema de previdência e assistência social, em benefício dos servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios, "instituível por essas pessoas políticas, e cobrável dos respectivos funcionários (art. 149, parágrafo único)" [29].

De outra banda, na visão sistêmica de Hugo de Brito Machado, explicitada em 2003, o Sistema Tributário comporta apenas cinco espécies tributárias, a saber: "impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e os empréstimos compulsórios" [30], recebendo as contribuições sociais a seguinte subdivisão: a) contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições do interesse de categorias profissionais ou econômicas; e b) contribuições de seguridade social.

Ressalta-se que o renomado jurista incluiu breves anotações sobre a contribuição de custeio da iluminação pública no Capítulo VI de sua obra "Curso de Direito Tributário", já na sua 23ª edição (2003), que trata especificamente das contribuições sociais, mantendo-se fiel ao seu critério classificatório. De qualquer sorte, sobressai a falta de certeza acerca da temática no âmbito da doutrina brasileira.

Ainda, vale expor que Geraldo Ataliba, contrapondo-se à visão de Luciano Amaro, propõe uma classificação que é "rigorosamente aquela adotada pela Carta Magna. Colhe sua inspiração e desdobra-lhe as conseqüências" [31]. Portanto, percebe-se que a classificação dos tributos é um daqueles pontos da doutrina em que os juristas, de uma maneira geral, divergem mais ou menos entre si, apresentando cada um, uma maneira própria de classificar os tributos. Tal constatação reforça o entendimento de que o assunto ainda não é pacífico entre nós.

Diante disso, a fim de possibilitar prosseguimento ao presente estudo, neste momento, cumpre escolher, dentre tantas existentes, uma forma classificatória dos tributos. Assim, filiando-se à concepção do saudoso jurista, que comunga do entendimento defendido por Sacha Calmon Navarro Coêlho (ao enxergar na vinculação ou não do tributo a uma atividade estatal, uma apropriada forma de classificação tributária) [32], levar-se-á em conta, neste trabalho, a metodologia por ele elaborada, tendo-se em vista sua consistência argumentativa, de fácil apreensão e, sobretudo, sua absoluta conformidade ao sistema tributário constitucionalmente posto em nosso país.

Por derradeiro, no que tange ao estudo da classificação dos tributos, importa registrar, a despeito das divergências acima elencadas, que parece ser uníssona, na doutrina, a percepção de que, qualquer que seja o critério adotado para classificar tributos, ele deve tomar como ponto de partida "a própria Constituição Federal, mediante plena compatibilidade vertical com os demais preceitos espalhados pelo ordenamento jurídico" [33].

5.1. A classificação pela teoria dos tributos vinculados ou não a atuação estatal

Alguns juristas do quilate de Geraldo Ataliba, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Roque Carrazza, Aires Barreto e Paulo de Barros Carvalho, entre outros, defendem que a classificação dos tributos reside no exame das respectivas hipóteses de incidência, mais especificamente em seus aspectos materiais. No dizer de Ataliba, "é a materialidade do conceito do fato, descrito hipoteticamente pela h.i. que fornece o critério para classificação das espécies tributárias". [34]

Ao comparar diversas legislações existentes quanto à hipótese de incidência, Geraldo Ataliba constatou que, "em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma: a) ou consiste numa atividade do poder público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal" [35].

Assim, convencionou-se dizer que tributo vinculado é aquele cuja hipótese de incidência se reveste na descrição de uma atuação estatal. Isso acontece toda vez que o tributo tiver um fato gerador (hipótese de incidência) que se traduza numa atuação do Estado, "específica, divisível, pessoal, imediata ou mediata, em favor do contribuinte,...que por exercer atuação específica em prol do pagante, deve ser por ele remunerado ou ressarcido" [36]. Os princípios norteadores do tributos vinculados são a remuneralibilidade (taxa) e proporcionalidade (contribuições de melhoria).

Exemplo de tributo vinculado é a contribuição de melhoria, onde o contribuinte paga tributo proporcional à valorização imobiliária de seu imóvel decorrente de obra pública.

De outro lado, entende-se por tributo não vinculado, aquele cuja hipótese de incidência descreve um fato qualquer que não seja atuação estatal. Neste caso, o Estado escolhe uma hipótese de incidência que possa servir como signo presuntivo de capacidade contributiva do contribuinte, como por exemplo, ser proprietário de veículo automotor. Dita presunção de capacidade econômica, por ser descrita como hipótese de incidência, obriga o sujeito passivo a contribuir para a mantença das funções estatais em prol da sociedade. Os tributos não vinculados, portanto, orientam-se pelo princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo.

Vale ressaltar que a divergência de entendimento entre as duas escolas reside no fato de que para a vertente dicotômica é irrelevante se a atuação estatal se dará na forma de serviço, obra, ato de poder de polícia ou de intervenção econômica. Para tais situações, o Estado cobrará taxas. Ao contrário, para os tricotomistas existe uma divisão a fazer nos tributos vinculados: os serviços relativos ao poder de polícia e de utilidade pública serão remunerados por taxas, enquanto que as obras públicas, por contribuições de melhoria. No mais, para ambas as escolas, tanto os empréstimos compulsórios, quanto as contribuições parafiscais são impostos ou taxas [37], na acepção de Sacha Calmon Navarro Coêlho. Em razão do disposto no art. 145 da Constituição Federal, percebe-se que o Brasil adota a escola tricotômica.

5.1.1. Do tributo não vinculado (Imposto)

Quando se falar em tributo não vinculado, doutrinariamente, estar-se-á diante de um imposto, cuja conceituação legal, prevista no art. 16 do CTN, expressa o seguinte: "imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte".

De se notar que o próprio conceito de imposto adota um critério de exclusão para reconhecimento de tal espécie tributária: será considerado imposto todo o tributo que não tiver como hipótese de incidência uma atuação estatal específica. Trata-se de relevante constatação, no entender de Geraldo Ataliba, pois em razão disso, "sob a perspectiva jurídica, é suficiente identificar a materialidade da h.i. como consistente em um fato qualquer não configurador de atuação estatal, para se reconhecer a natureza de imposto ao tributo figurado" [38].

Convém destacar que, muitas vezes, o legislador, por não ser um especialista ou mesmo por malícia, para substrair-se às exigências constitucionais, adota terminologia equivocada, denominando de taxa o que é imposto. Contudo, a doutrina e jurisprudência pátrias são pacíficas ao asseverar que o nomen iuris escolhido pelo legislador não tem o condão de atribuir natureza diversa ao tributo. Ademais, Rubens Gomes de Souza fez inscrever no CTN a regra do seu art. 4º, cujo texto estabeleceu que "a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas em lei...".

Portanto, em virtude da possibilidade de ocorrência dessas impropriedades por parte do legislador, quanto à correta denominação do tributo, cabe ao intérprete não se deixar conduzir em seus trabalhos jurídicos pelas denominações dadas pela lei, mas tão-somente pelo critério objetivo e científico proporcionado pela doutrina, "sob pena de deturpar o funcionamento do sistema jurídico, deformando-o e atingindo-o em sua viga mestra, a sua rigidez" [39].

Os impostos, por sua vez, recebem diversos tipos de classificação, que variam de acordo com os critérios adotados, valendo citar alguns: a) a preponderância dos aspectos pessoais ou materiais na hipótese de incidência definem o imposto em pessoal (v.g. imposto de renda) ou real (v.g. IPTU); b) o fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos estabelece a classificação dos impostos em diretos e indiretos. Este última, por ser classificação que utiliza critério financeiro e, portanto, não jurídico, não tem relevância ao direito brasileiro no entender de Geraldo Ataliba [40]; e c) a própria diversidade de espécies de imposto é utilizada para sua classificação. Assim, a hipótese de incidência, passa a se constituir em critério classificador.

5.1.2. Dos tributos vinculados (taxa e contribuição)

Como já se disse, são tributos vinculados aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência consiste numa ação estatal. Esta espécie possui duas subespécies que se caracterizam pelo grau de conexão que a aludida atuação estatal guarda com o contribuinte. Em outras palavras, conforme o agir estatal esteja referido direta ou indiretamente, na hipótese de incidência, estar-se-á diante de uma taxa ou de uma contribuição.

A taxa tem como hipótese de incidência uma atuação estatal diretamente (imediatamente) referida ao obrigado. Ela é instituída, tendo-se em conta estabelecer uma forma de ressarcimento do Estado por um serviço prestado, em caráter pessoal, ao contribuinte. Portanto, como se vê, para que o tributo se configure em taxa, basta que a lei preveja atuação estatal que tenha referibilidade [41] direta a alguém. Existirá taxa quando o Estado prestar um serviço, fornecer certidão, dar licença, dar autorização ou fiscalizar, tudo, não se esqueça, de modo imediamente relacionado ao contribuinte.

Já, na definição da contribuição, existe uma importante particularidade que a diferencia da taxa. É que o serviço a ser prestado pelo Estado não é direto, mas indireto (mediato), havendo um componente medial entre a ação estatal e o sujeito passivo da contribuição. Portanto, há um fato ou circunstância que se coloca entre a atuação da administração pública e o obrigado.

Geraldo Ataliba pontua que exemplo típico de contribuição é a de melhoria, em que a hipótese de incidência "valorização imobiliária causada por obra pública" é circunstância que se coloca entre a atuação estatal (obra) e o obrigado, a fim de que nasça para este último, a obrigação tributária. No dizer de Ataliba, a referibilidade, indireta no caso, é a valorização imobiliária.Dessa forma, ainda, no exemplo da contribuição de melhoria, se a obra realizada pelo Estado, não produzir valorização imobiliária, estará ausente, no caso concreto, a necessária circunstância mediadora e, portanto, inexistirá contribuição de melhoria.

Assim, vale reproduzir as definições de taxa e contribuição de Geraldo Ataliba [42], verbis:

"Taxa é o tributo vinculado cuja h.i. consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado."

"Contribuição é o tributo vinculado cuja h.i. consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente (mediante uma circunstância intermediária) referida ao obrigado."

Importa destacar que a Constituição Federal, em seu art. 145, inc. II, somente admite taxa nos casos de serviços específicos. Vale dizer, serviço que não seja geral, ou seja, serviço público propriamente dito (stricto sensu), definidos por Celso Antônio como "prestação de utilidade material, fruível individualmente pelos administrados, sob regime de direito público" [43].

Destaca-se nesta definição a possibilidade de se individualizar a cobrança estatal pelo serviço fruído ou posto à disposição do contribuinte. É imprescindível, portanto, para instituição de taxa, que seja possível destacar-se unidades de utilização, enfim, que o serviço seja específico e divisível para fruição individual dos usuários.

Portanto, absolutamente consentânea com a melhor doutrina a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que rechaçou, por inconstitucionalidade, a instituição, por inúmeros municípios brasileiros, de taxa para o custeio da iluminação pública. De fato, inexistente na hipótese de incidência aspecto material que possibilitasse a individualização do custeio da iluminação pública. Com efeito, como quantificar a iluminação pública fruída por determinado contribuinte em determinado período de tempo e espaço? Tarefa impossível do ponto de vista material e, também, do jurídico.

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Sobre o autor
Cleber Demetrio Oliveira da Silva

Sócio da Cleber Demetrio Advogados Associados, da RZO Consultoria e Diretor Executivo do Instituto de Desenvolvimento Regional Integrado Consorciado (IDRICON21), Especialista em Direito Empresarial pela PUCRS, Especialista em Gestão de Operações Societárias e Planejamento Tributário pelo INEJE, Mestre em Direito do Estado pela PUCRS, Professor de Ciência Política no curso de graduação da Faculdade de Direito IDC, de Direito Administrativo em curso de pós-graduação do IDC e Professor de Direito Administrativo e Direito Tributário em cursos de pós-graduação do UNIRITTER da rede Laureate International Universities.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Cleber Demetrio Oliveira. Considerações acerca da constitucionalidade da Contribuição para o Custeio da Iluminação Pública (COSIP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 822, 3 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7342. Acesso em: 27 abr. 2024.

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