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A responsabilidade civil do advogado

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2.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO

A legislação brasileira não trata diretamente da responsabilidade civil do profissional de advocacia, contudo aborda a responsabilidade do advogado sob outros aspectos, restando a matéria não amparada de maneira específica pelo ordenamento jurídico pátrio.

Dessa forma, o código civil, apesar de não regular diretamente a responsabilidade do advogado por sua atuação profissional, aborda alguns temas específicos a essa categoria profissional, como por exemplo, o mandato judicial em seu artigo 692;[35] da representação e da responsabilidade do representante em seu artigo 118,[36] e, em seu artigo 667, estabelece que “o mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que deveria exercer pessoalmente”, normatizando os substabelecimentos em seus parágrafos.

Os artigos 118 e 667 tratam da responsabilidade do advogado mandatário, estabelecendo as obrigações de diligência e de indenizar os prejuízos por exceder o mandato e não aplicar a diligência habitual, inclusive os que resultem de caso fortuito, se substabelecer outro mandatário sem autorização do mandante.

Outro artigo do Código Civil que também trata da responsabilidade do advogado é o artigo 602,[37] que dispõe sobre o instituto da prestação de serviços, tendo em vista que muitas vezes eles são prestadores de serviços de natureza intelectual, e, portanto, a indenização prevista nesse preceito, a título de perdas e danos, poderá aplicar-se também a esses profissionais.

Ao advogado cabe organizar, expor e elucidar os fatos apresentados pelo cliente ao juiz, por meio da preparação da prova, do desenvolvimento da tese e da argumentação aplicável. Enfim, a responsabilidade do advogado se verifica já nos atos de análise e preparação da ação, ao investigar os fatos.

2.1DO ADVOGADO E DA ADVOCACIA

O Advogado é um profissional liberal, bacharel em Direito, autorizado pelas instituições competentes para exercer o jus postulandi, ou seja, representar os legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas, em juízo ou fora dele, seja entre si ou ante o Estado. O advogado é uma das principais pilastras de sustentação do Estado Democrático de Direito. É o defensor da ordem jurídica em vigor, que vigia e denuncia os abusos e as violações aos bens juridicamente protegidos. É o guardião da liberdade, da equidade e da justiça. Conforme a Constituição Federal dispõe[38], o advogado é indispensável à administração da justiça.

Nas palavras de Silva Vassilieff, advogado é:

Aquele que advoga em juízo. Patrono. Protetor. Intercessor, medianeiro. Bacharel em ciências sociais e jurídicas que serve nas causas, defendendo direitos de terceiros, às vezes acusando. Lat. Advocatus. O mesmo que causídico. Profissional graduado em direito,... e legalmente habilitado, que orienta e esclarece juridicamente a quem o consulta e age em juízo ou fora dele; é órgão auxiliar da Justiça. [39]

A atividade profissional do advogado no Brasil é regulada pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Lei nº. 8.906, de 04 de julho de 1994, e pelo Código de Ética e Disciplina. O Estatuto da Advocacia estabelece ser atividade privativa dos advogados a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

O exercício da advocacia é uma prática independente, uma vez que seus resultados contenciosos não são dados pelo advogado, mas pelo judiciário. Ou seja, o advogado é quem age buscando a aplicação da justiça ao caso concreto; contudo, o resultado de seu trabalho é definido por terceiros, no âmbito do contraditório. Sendo assim, é importante ressaltar que o advogado exerce atividade de meio e não de fim. Ele não se responsabiliza pelo resultado da demanda, uma vez que a decisão compete ao juiz e não a ele. Todavia, o advogado é responsável pela boa utilização dos meios legais disponíveis para convencer o julgador que o direito protege o seu cliente.

Dessa forma, o advogado possui o dever de contribuir para a formação de um Estado Democrático de Direito. O caput do artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB é o que mais representa a importância do advogado e o exercício de sua nobre função, senão vejamos:

O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.[40]

No que dispõe sobre o exercício da advocacia, Sílvia Vassilieff ensina que:

No exercício profissional o advogado deve proceder com lealdade, boa fé, empenho e correção, para honrar e engrandecer sua classe, aprimorando-se no domínio da ciência jurídica, conforme se extrai do preâmbulo do Código de Ética e Disciplina da OAB. O advogado que não cumprir seus deveres e obrigações poderá responder civil, penal e administrativamente, inclusive de forma cumulativa. [41]

É imperioso mencionar, no que se refere às obrigações do advogado, o artigo 33 do Estatuto da OAB em que diz: “O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina”.[42]

Sendo assim, o profissional de advocacia se compromete a exercer todas as diligências necessárias na defesa dos interesses do seu cliente, sem, contudo, assumir o compromisso com o resultado da demanda, uma vez que a obrigação do advogado é de meio e não de resultado, isto é o advogado é responsável pela boa utilização dos meios legais que estiverem ao seu alcance para convencer o julgador de que o direito protege seu cliente. E não se comprometer com o resultado final, conforme será estudado a seguir.

2.2       OBRIGAÇÃO DE MEIO E DE RESULTADO

A distinção entre as duas espécies de obrigações é fundamental para o escopo deste trabalho, uma vez que a responsabilidade do advogado difere conforme a espécie de obrigação assumida.

No que diz respeito à obrigação de meio e obrigação de resultado, Sílvia Vassilieff destaca:

Não é prudente afirmar prima facie ser o advogado responsável apenas pela obrigação de meio [...] as obrigações assumidas pelos advogados podem ser de meio e também de resultado, conforme a espécie de prestação advocatícia efetivamente assumida; a responsabilidade do advogado, dessa forma, é pautada pela casuística.[43]

O cumprimento da obrigação de meio é uma atividade concreta do devedor, por meio da qual faz o possível para atingir o resultado; e, na obrigação de resultado, o cumprimento só se verifica com a obtenção do resultado esperado.

A obrigação de meio é aquela em que o contratado se compromete a tomar as medidas que normalmente são capazes de levar a certos resultados. Tais medidas devem constar expressamente em contrato, estabelecendo a obrigação do contratado de envidar todos os esforços, com o fim de obter determinado resultado; contudo, não se comprometendo com ele especificamente.

Nesse sentido Sergio Cavalieri Filho ensina que:

Não é obrigado o advogado a aceitar o patrocínio de uma causa, mas, se firmar contrato com o cliente, assume obrigação de meio, e não de resultado, já que não se compromete a ganhá-la, nem a absolver o acusado. A obrigação é defendê-lo com o máximo de atenção, diligência e técnica, sem qualquer responsabilidade pelo sucesso ou insucesso da causa.[44]

Destarte, o contrato de prestação de serviços com obrigação de meio envolve a pronta busca de soluções jurídicas para o caso específico, porém não pode garantir que a questão será solucionada conforme a expectativa do cliente.

A responsabilização do profissional vinculado a uma obrigação de meio é excluída se ele agiu com perícia, prudência e diligência, independentemente de ter ou não alcançado o resultado almejado pelo cliente. O advogado, mesmo dominando as ciências jurídicas, as técnicas de linguagem e processuais, terá seu trabalho submetido à decisão do juiz, tendo a possibilidade dessa decisão do magistrado ser denegatória às pretensões do cliente. Portanto, os advogados não podem comprometer-se por um resultado que não depende somente de seu empenho e de sua perícia pessoal.

Maria Helena Diniz[45] acentua que a responsabilidade profissional encontra-se inserida na obrigação de meio e “seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação caracteriza-se pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final.” Em suma, nas obrigações de meio, não basta o credor provar que o fim almejado não se alcançou. Necessário provar que o resultado não foi alcançado em virtude de culpa do profissional.

Nesse sentido, a jurisprudência:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS - PERDA DE PRAZO - DANO MATERIAL - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - DANO MORAL - EXISTÊNCIA - QUANTUM INDENIZATÓRIO - EXTENSÃO DO DANO - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. A obrigação do advogado é de meio, e não de fim, incumbindo-lhe, ao exercer o mandato, o cumprimento das condutas as quais se comprometeu, sem que isso o vincule à obtenção de um resultado favorável ao representado, sob pena de, negligenciando sua atividade profissional, frustrar as expectativas do representado, causando-lhe danos morais, passíveis de indenização.Na valoração da verba indenizatória a título de danos morais, deve-se levar em conta a dupla finalidade da reparação, buscando um efeito repressivo e pedagógico e propiciar à vítima uma satisfação, sem que isto represente um enriquecimento sem causa. Não restando comprovado nos autos os alegados danos materiais, não há que se falar em indenização a esse título.[46]

Em relação ao ônus da prova, nas obrigações de meio, em geral, cabe ao credor provar que o devedor foi negligente. Contudo, frente ao princípio da inversão do ônus da prova do Código de Defesa do Consumidor,[47] caso o cliente comprove ser hipossuficiente, ou sua alegação for verossímil, caberá ao advogado provar que agiu diligentemente.

Em se tratando de obrigação de resultado, trata-se daquela em que o cumprimento só se verifica se o resultado aguardado é atingido. Basta ao credor somente demonstrar que não obteve o resultado prometido e nada mais; cabendo, contudo, ao devedor, que queira exonerar-se de responsabilidade, demonstrar que não atingiu o resultado esperado devido a caso fortuito ou outra causa alheia, estranha ao mesmo.

No que dispõe sobre o campo da prova, a obrigação de resultado se difere da obrigação de meio, pois o ônus da prova do adimplemento cabe ao devedor, a quem resta demonstrar que agiu diligentemente e que não atingiu o resultado por impossibilidade objetiva, isto é, por caso fortuito ou força maior. Às obrigações de resultado aplicam-se os princípios da responsabilidade objetiva.

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Segundo Sílvia Vassilieff,[48] são obrigações de resultado aquelas em que o advogado compromete-se a redigir um contrato, um estatuto societário, responder a uma consulta jurídica ou ainda realizar uma partilha. Trata-se de espécies de obrigação nas quais o profissional compromete-se a oferecer um resultado certo, e não apenas empregar todo seu empenho, talento e diligência para possibilitar a seu cliente a chance de conquistar o escopo esperado.

Na hipótese em que o advogado atua em uma relação extrajudicial, como jurisconsulto, emitindo parecer jurídico ou no caso de uma empreitada certa, ou até mesmo na redação de um contrato tendo como providência seu registro publicamente, configura-se neste momento a obrigação de resultado, tendo em vista a finalidade contratual que se originou.

No que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor, o entendimento é de que o serviço prestado por um advogado deve fornecer todas as informações ao consumidor de todos os serviços a serem prestados, indicando quais as condições que seguirão a demanda, bem como os resultados possíveis da causa, em conformidade com o que está previsto no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, que menciona:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [49]

Desta forma, se o advogado prometer um determinado resultado e não vier a ocorrer, ele responderá independentemente de culpa. Portanto, é importante passar as informações de forma clara, correta e precisa, assim como outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

2.3       RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROFISSIONAIS DE ADVOCACIA

A responsabilidade civil do advogado segue a mesma estrutura da responsabilidade civil, dividindo-se em extracontratual, regulada pelo preceito dos artigos 186 e 927 do Código Civil; e contratual, regulada pelo artigo 389 do mesmo diploma legal.

No que tange às duas espécies de responsabilidades mencionadas, já explanadas alhures, pode-se dizer que ambas se baseiam no mesmo gênero da culpa. Sendo assim, não há diferença entre o regime de responsabilidade culposa contratual e extracontratual, uma vez que há somente um gênero de culpa ao qual essas duas espécies pertencem.

As espécies de responsabilidade civil exigem a culpa e o dano. Contudo, distinguem-se no que diz respeito a demonstração de culpa, uma vez que na responsabilidade extracontratual a culpa deve ser demonstrada pela vítima; e, na responsabilidade contratual, podendo ser presumida no caso de inadimplemento do contrato, tal presunção pode levar à inversão do ônus da prova, favorecendo a vítima e, dessa forma, consequentemente aumentando suas chances de conseguir a reparação pela dano sofrido. Entretanto, o critério para aplicar a inversão do ônus da prova deve considerar a espécie de obrigação contratual do caso concreto, uma vez se tratando de obrigação de resultado, haverá a inversão do ônus da prova com o inadimplemento, em contrapartida não se aplicará tal inversão na obrigação de meio, tendo em vista que o simples inadimplemento não pode resultar na presunção de culpa.

É necessário examinar a responsabilidade do advogado sob duplo aspecto: em relação ao cliente (contratual) e em relação a terceiros (extracontratual).

Em relação ao cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, exceto quando o advogado atua com vínculo empregatício (advogado de empresa), ou como defensor público e procurador de entidades públicas (Estado, Município, autarquia, advogado da União, etc.). Nestes casos, responderá pelos danos causados à pessoa jurídica de Direito Público ou Privado em nome de qual atua.

É imperioso ressaltar que a responsabilidade contratual nasce da autonomia da vontade, autonomia esta que confere a liberdade aos indivíduos para regulamentar suas atividades. Isto é, a responsabilidade civil surge do dano resultante do descumprimento contratual. Em suma, a responsabilidade é contratual quando há inexecução, ou descumprimento de uma obrigação prevista pelas partes que compõem uma relação jurídica contratual.

Os advogados, no exercício da profissão, celebram habitualmente contratos com seus clientes, que são o mandato judicial e a prestação de serviços, quando representam ou patrocinam um cliente em juízo. E a realização de obra (empreitada), quando se comprometem a elaborar um documento contratual ou um parecer jurídico, esses contratos são denominados de contratos de prestação de serviços advocatícios. Assim, mesmo se a contratação ocorre de maneira verbal, não restam dúvidas de que há um contrato entre o cliente e seu advogado. Portanto, devido à natureza jurídica contratual da prestação de serviços advocatícios, qualquer prejuízo causado pela inobservância das regras do contrato ou pela sua inexecução, salvo prejuízo causado por circunstâncias alheias, acarretará responsabilidade contratual para o advogado.

É mister lembrar que o contrato pode ser firmado tácita ou expressamente, em que se determina a natureza particular e a extensão da obrigação das partes, podendo desta forma, devido às suas particularidades e peculiaridades graduar a culpa dos contratantes.

No tocante à graduação de responsabilidade, observa-se que, na prestação de serviços advocatícios, tendo em vista seu caráter intuito personae, ou seja, os contratos que supõem uma confiança especial entre as partes, há maior responsabilidade da parte pela condição especial de seus agentes. Além da responsabilização do profissional ser maior, ela também pode variar segundo suas circunstâncias e peculiaridades, aumentando ou diminuindo conforme o tipo de relação jurídica em que se insere, uma vez que o objeto do contrato pode ser uma obrigação de meio ou obrigação de resultado, conforme a espécie de prestação contratada.

No exercício da profissão, o advogado é um prestador de serviços aos seus clientes, motivo pelo qual se submete também aos princípios do Código do de Defesa do Consumidor, principalmente o da boa-fé (objetiva), da informação, da transparência e do sigilo profissional. Por isso, deve prestar ao cliente aconselhamento jurídico adequado e cuidadoso, informando os riscos da causa e tudo mais que for necessário para o seu bom andamento, além de guardar segredo sobre fatos que tome conhecimento no exercício de sua atividade profissional.

O artigo 14 da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor[50], cuida da responsabilidade do prestador de serviços. O parágrafo 4º trata especificamente da responsabilidade do profissional liberal, limitando-a à sua atuação culposa. Por serem prestadores de serviços, uma vez que atuam para clientes, destinatário final do serviço, mediante remuneração, os advogados estão sujeitos a esse artigo. Assim sendo, o profissional de advocacia responde, mediante a verificação de culpa, pela reparação dos danos causados ao cliente por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e risco.

Desse modo, apesar da responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor ser predominantemente objetiva, a responsabilidade do advogado será subjetiva, fundada na culpa, em razão da natureza intuitu personae dos serviços advocatícios, baseados na confiança pessoal do cliente em seu advogado.

Nessa linha de pensamento, Sergio Cavalieri Filho, ensina que:

Quando atua com autonomia e sem subordinação (por conta própria), o advogado é um profissional liberal e, como tal, tem responsabilidade subjetiva. Em seu sistema de responsabilidade objetiva, o Código do Consumidor abriu exceção em favor dos profissionais liberais em seu art. 14, § 4º. [...] a responsabilidade em favor dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Vale dizer, os profissionais liberais, embora prestadores de serviço, respondem subjetivamente. [51]

Nesse sentido prevalece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Para esse argumento, extraiu-se o seguinte julgado:

PROCESSUAL – AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – NÃO APLICAÇÃO – CLÁUSULA ABUSIVA – PACTA SUNT SERVANDA. Não incide o CDC nos contratos de prestação de serviços advocatícios. Portanto não se pode considerar, simplesmente, abusiva a cláusula contratual que prevê honorários advocatícios em percentual superior ao usual. Prevalece a regra do pacta sunt servanda.[52]

Embora contratual, não há presunção de culpa nessa espécie de responsabilidade, o que importa dizer que a culpa do advogado terá que ser provada. Dessa forma, o cliente só poderá responsabilizar o advogado pelo insucesso na demanda provando ter ele agido com dolo ou culpa. A responsabilização do advogado ocorre quando a sua atuação provoca sanção para o cliente por litigância de má-fé, tal como previsto no artigo 17 do Código de Processo Civil.[53]

Mais comuns são os casos de responsabilização de advogado por culpa grave decorrente de erros grosseiros, de fato ou de direito, e omissão negligente no desempenho do mandato, tais como perder o prazo para contestar, para recorrer, para fazer o preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante.

No que diz respeito à responsabilidade civil em relação a terceiros (extracontratual), ela surge de uma lesão de direito subjetivo, sem que, entre o ofensor e a vítima, exista qualquer relação contratual prévia, ou seja, quando a lesão se dá a terceiros e à parte adversa. Diferencia-se da responsabilidade contratual quanto ao fundamento e ao ônus da prova. É a lei que regula sua medida e condições, e sua consequência é um ato ilícito que tem sua origem no descumprimento do dever geral, erga omnes, de não lesar a ninguém e de cuidado e vigilância, bem como no inadimplemento dos deveres da boa-fé, moralidade, honestidade e veracidade.

 No que diz respeito à responsabilidade extracontratual do advogado, como qualquer outro profissional liberal, funda-se exclusivamente na culpa, incumbindo à vítima que reclamar indenização pelo ato ilícito provar a existência da culpa.

Os casos mais recorrentes de responsabilidade extracontratual de advogado são de ofensa proferida em juízo contra a outra parte, testemunha ou o juiz da causa. Tal conduta não encontra amparo da inviolabilidade profissional conferida no artigo 133 da Constituição Federal, uma vez que, se por um lado a Lei Maior confere ao advogado inviolabilidade por seus atos e manifestações no exercício da profissão, por outro lado garante a todos a inviolabilidade da honra, da imagem, da intimidade e da vida privada, assegurando o direito à indenização pelo dano material e/ou moral decorrente se sua violação.

Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho ensina:

A Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém, forçoso é concluir que sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios. Assim, se á imunidade do advogado contrapõe-se o direito à inviolabilidade da honra do juiz, segue-se como consequência lógica não constituir prerrogativa do advogado atingir a honra do magistrado, ainda que o faça no exercício do seu edificante mister. [54]

Partindo dessa premissa, é imperioso ressaltar que todo direito tem limite, mesmo os direitos chamados absolutos, entre eles, o direito alheio; e, quando esse limite é ultrapassado configura-se o abuso do direito, ato ilícito gerador da responsabilidade.

A fim de reforçar e enriquecer o que foi dito sobre a responsabilidade extracontratual do advogado, extrai-se a seguinte jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL – DANO MORAL – INDENIZAÇÃO – ADVOGADO – EXCESSO – INAPLICABILIDADE DA IMUNIDADE PROFISSIONAL DEFERIDA PELO ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB – PRECEDENTES – RECURSO DESACOLHIDO. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advocacia e da OAB, não alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta á honra de qualquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária. Segundo firme jurisprudência da Corte, a imunidade conferida ao advogado no exercício de sua bela e árdua profissão não constitui um Bill of indemnity. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, bastando a aferição da ocorrência do dano pela atuação do réu. [55]

Concluindo, na hipótese do advogado agir com dolo ou culpa, causando dano a seus clientes, estará diante de sua responsabilidade contratual; e diante de sua responsabilidade extracontratual, se causar dano à parte contrária e terceiros alheios à relação contratual. A culpa e o dano são requisitos essenciais à caracterização dessas duas hipóteses de responsabilidade civil. Ainda, a responsabilidade do advogado para com seu cliente pode ter dupla origem, contratual e também legal, tendo em vista as obrigações impostas por normas jurídicas ao mandatário e ao procurador.

Não obstante, é possível a existência simultânea dessas duas espécies de responsabilidade civil, uma vez que, ao lado da responsabilidade contratual proveniente das relações profissionais entre advogados e clientes, vislumbra-se a existência paralela de obrigações legais que também podem ser violadas. Assim, é possível afirmar que, em face da obrigação firmada entre o patrono e seu cliente, existe uma obrigação legal de característica sui generis, cujo não cumprimento faz emergir a responsabilidade aquiliana, independentemente da responsabilidade contratual.

Excepcionalmente, ainda, poderá ocorrer a responsabilidade do advogado em decorrência de sobreposição da responsabilidade contratual e extracontratual, se a espécie de inadimplemento da obrigação contratual for também previsto como delito criminal. Como, exemplo, quando o advogado, além do inadimplemento contratual, violar normas penais e o estatuto da advocacia, podendo a vítima, nesses casos, optar pela espécie de ação que mais lhe convenha.

Mais adiante, no capítulo posterior, direciona-se o estudo ao tema específico da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, abordando os aspectos gerais da teoria francesa la perte d'une chance; sua origem, seu conceito, sua natureza jurídica e sua aplicação no tocante à atividade do profissional de advocacia, bem como sua aceitação no ordenamento jurídico pátrio e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito do tema.

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Sobre os autores
Artur Alves Pinho Vieira

Mestre em Direito pela UCP-RJ.<br>Pós graduado em Direito Público e Penal e Processo Penal.<br>Professor de graduação e pós-graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Tobias ; VIEIRA, Artur Alves Pinho. A responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4634, 9 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46969. Acesso em: 8 mai. 2024.

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