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O progressivo desmonte da execução fiscal

04/04/2024 às 22:23
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A atitude do STF e do CNJ em relação à prescrição nas execuções fiscais extrapola o campo de atuação do Poder Judiciário e cria diversos problemas aos executivos municipais.

As execuções fiscais são regidas por norma já antiga, a Lei Federal n. 6.830 de 1980, e se aplica à União, Estados, Distrito Federal, municípios e respectivas autarquias e fundações públicas.

A execução fiscal é espécie do gênero execução de título extrajudicial, baseada na certidão de dívida ativa, conforme enumeração do artigo 784, inciso IX, do Código de Processo Civil de 2015.

No entanto, um dos primeiros movimentos no sentido da aniquilação do executivo fiscal ocorrido no âmbito do Supremo Tribunal Federal foi a fixação da seguinte tese de repercussão geral:

É constitucional o art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais LEF), tendo natureza processual o prazo de 1 (um) ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de 5 (cinco) anos. (tema nº 390)

Inclusive, referido tema já estava consagrado no Superior Tribunal de Justiça por meio de seu enunciado sumular nº 314 de 2005: Em execução fiscal, não localizado bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

Portanto, para acabar com o prolongamento indefinido de execuções fiscais, os tribunais superiores firmaram que após o arquivamento provisório de 1 (um) ano, iniciar-se-ia automaticamente o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.

Como se não bastasse, o Tribunal da Cidadania sedimentou algumas teses sobre o tema no julgamento do Recurso Especial nº 1.340.553-RS, conforme a ementa que segue, com o que os juízes de direito começaram a encaminhar diversos processos ao arquivo provisório:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015 (ART. 543-C, DO CPC/1973). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SISTEMÁTICA PARA A CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE (PRESCRIÇÃO APÓS A PROPOSITURA DA AÇÃO) PREVISTA NO ART. 40 E PARÁGRAFOS DA LEI DE EXECUÇÃO FISCAL (LEI N. 6.830/80). 4. Teses julgadas para efeito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973): 4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 - LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução; (…) 4.2.) Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronuciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) durante o qual o processo deveria estar arquivado sem baixa na distribuição, na forma do art. 40, §§ 2º, 3º e 4º da Lei n. 6.830/80 - LEF, findo o qual o Juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato; 4.3.) A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Os requerimentos feitos pelo exequente, dentro da soma do prazo máximo de 1 (um) ano de suspensão mais o prazo de prescrição aplicável (de acordo com a natureza do crédito exequendo) deverão ser processados, ainda que para além da soma desses dois prazos, pois, citados (ainda que por edital) os devedores e penhorados os bens, a qualquer tempo – mesmo depois de escoados os referidos prazos –, considera-se interrompida a prescrição intercorrente, retroativamente, na data do protocolo da petição que requereu a providência frutífera. 4.4.) A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial - 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. 4.5.) O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos legais que foram aplicados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa.

Nesse particular, o Procurador Estadual Guilherme Barros bem anotou que1

As execuções fiscais se perenizaram no Judiciário brasileiro. As advocacias públicas insistiram em evitar a ocorrência da prescrição intercorrente, por meio de novos e reiterados pedidos de diligências para localização de bens do executado, ainda que sabidamente infrutíferas. Tal prática é em geral inspirada pela percepção de que não se pode deixar prescrever uma cobrança, isso seria exemplo de má prestação dos serviços jurídicos, improbidade administrativa, leniência com o devedor etc. Essa lógica está errada e levou ao desastre que se vê hoje no Judiciário. O índice de recuperação da dívida ativa na esfera judicial é baixíssimo, o maior contingente de processos no Judiciário é de execuções fiscais, muitas das quais tramitam há mais de 10 anos sem que tenham sido encontrados quaisquer bens penhoráveis. Não deixar prescrever a dívida é a pior estratégia possível na tentativa de recuperação do crédito. O Judiciário tem uma capacidade limitada para processar e tramitar os processos. Quanto mais ações são propostas, mais demorado é o trâmite cartorário para realização de diligências.

Assim, como seguramente sedimentado no julgado do STJ, uma prática que ficou consagrada nas procuradorias públicas era pedir a suspensão do processo por alguns dias para realização de diligências administrativas a fim evitar a incidência do artigo 40 da Lei de Execução Fiscal, e posteriormente utilizar o argumento de que esses períodos não poderiam ser computados no cálculo da prescrição intercorrente, haja vista que a fazenda pública não estaria inerte.

Entretanto, não podemos olvidar que a prática acima se baseava no açodamento político dos entes públicos em conceder maiores liberdades à atuação do advogado público.

Sem embargo, tais medidas não foram suficientes para estancar o enorme acervo de processos de execução fiscal.

Nessa senda, o Tribunal Constitucional, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 1.355.208-SC, fixou a seguinte tese, ipsis litteris:

1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado. 2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida. 3. O trâmite de ações de execução fiscal não impede os entes federados de pedirem a suspensão do processo para a adoção das medidas previstas no item 2, devendo, nesse caso, o juiz ser comunicado do prazo para as providências cabíveis. (tema nº 1184)

Primeiramente, aparenta que o item 1 é incompatível com o enunciado nº 452 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o qual preleciona que a extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício, pois a extinção judicial do processo de baixo valor seria legítimo, por falta de interesse de agir, uma das condições da ação dispostas no artigo 17 do CPC.

Nesse ponto, é imperioso pontuar que o interesse de agir deveria continuar sendo apreciado pelas fazendas públicas, principalmente aquelas de municípios pequenos.

Destarte, interesse crítica é feita pelo Procurador Municipal Filipe Caldas:2

Apesar das ferrenhas críticas ao embasamento que levou a essa interpretação, haja vista que escolher o melhor meio de cobrar o crédito tributário é algo que está no mérito administrativo do próprio Executivo e levando em conta que a Administração pode remir o débito, como também, lhe cabe, dentro de sua margem de discricionariedade, escolher o meio que achar mais exitoso para cobrança, não cabendo ao Judiciário extinguir ou forçar outras vias, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. (g. n.)

Ora, trata-se da criação de mais um condicionamento ao exercício do direito de ação sem previsão legal ou constitucional, em flagrante ativismo judicial inconstitucional.

Alguns poderiam argumentar que a falta de normas legais seria suprida pela Resolução nº 547 de 2024 do Conselho Nacional de Justiça.3

De seu turno, referido normativo estabelece, adotando todas as premissas do tema nº 1184, que é legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir, tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado (art. 1º).

Outrossim, a resolução determina que o ajuizamento de execução fiscal dependerá de prévia tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa (art. 2º).

Finalmente, ficou expresso que o ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida (art. 3º).

Finalmente, a parte final e louvável da Resolução, da qual os municípios realmente necessitavam, consta no artigo 4º, segundo o qual os cartórios de notas e de registro de imóveis deverão comunicar às respectivas Prefeituras, em periodicidade não superior a 60 (sessenta) dias, todas as mudanças na titularidade de imóveis realizadas no período, a fim de permitir a atualização cadastral dos contribuintes das Fazendas Municipais, fato que evitará o protesto ou ajuizamento de execuções em face de partes ilegítimas, já que os cartórios de imóveis, na contramão do interesse público, sempre cobravam pelas respectivas informações, o que onerava o erário municipal e dificultava um escorreito controle preventivo de legalidade das CDA’s.

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Sem embargo, conforme obtempera o Procurador Municipal Hemerly Filho4,

No entanto, a constitucionalidade da Resolução 547 do CNJ suscita importantes questionamentos, principalmente no que tange ao respeito ao pacto federativo, a tripartição dos poderes, o princípio da legalidade tributária e à garantia do devido processo legal. A imposição de um limite valorativo para a extinção de execuções fiscais pode ser vista como uma restrição à autonomia dos entes federativos, especialmente os municípios, na medida em que interfere na capacidade desses entes de arrecadar tributos e executar suas políticas fiscais conforme determinado por suas próprias legislações. Além disso, a determinação de critérios administrativos para a extinção de execuções fiscais sem a devida manifestação e contraditório das partes envolvidas pode representar uma violação ao direito constitucional de acesso à justiça e ao amplo direito de defesa, elementos fundamentais do devido processo legal. Tais aspectos colocam em xeque a adequação da resolução às normas constitucionais vigentes, indicando a necessidade de um debate aprofundado sobre sua aplicação e os possíveis impactos no federalismo fiscal brasileiro. (g. n.)

De seu turno, nem a Lei de Execuções Fiscais e nem a Lei de Protesto de Títulos e Documentos (Lei Federal nº 9.492 de 1997) condicionam o exercício do direito constitucional de ação aos procedimentos de cobrança administrativa.

Dessa forma, é extremamente questionável a instituição de obrigação por obra do CNJ, singularmente quando em contradição às leis elaboradas pelos Poderes Legislativo e Executivo, o que indica violação ao princípio constitucional da legalidade e da separação de poderes.5

Lado outro, o Procurador da Fazenda Nacional Murilo Avelino assevera que6

O escopo principal da Lei n° 6.830/80, todavia, não se realizou. É que as execuções fiscais são responsáveis por boa parte do estoque de processos que congestionam o Judiciário. É, de fato, lugar comum apontar as execuções fiscais como causa da morosidade da justiça.

Entretanto, discordamos do argumento de que as execuções fiscais seriam o único embaraço a lentidão da justiça, já que o procedimento da execução fiscal é extremamente simples e padronizado, e após o arquivamento provisório, nenhum outro ato processual, de regra, é adotado.

Em conclusão, entendemos que o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça extrapolam o campo de atuação do Poder Judiciário como legislador negativo e criam diversos problemas aos executivos municipais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVELINO, Murilo Teixeira. A Lei de Execuções Fiscais fracassou. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-17/a-lei-de-execucoes-fiscais-fracassou/ Acesso em: 28 mar. 2024.

BARROS, Guilherme Freire de Melo Barros. Poder Público em Juízo. – 14ª ed. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2024.

CALDAS, Felipe Reis. A revolta das togas contra o acervo das execuções fiscais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/a-revolta-das-togas-contra-o-acervo-das-execucoes-fiscais/ Acesso em: 28 mar. 2024.

HEMERLY FILHO. José de Jesus. Inexorabilidade do contraditório na extinção de execuções fiscais no Tema 1.184 do STF. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/inexorabilidade-do-contraditorio-na-extincao-de-execucoes-fiscais-no-tema-1-184-do-stf/ Acesso em: 28 mar. 2024.


1 Poder Público em Juízo. – 14ª ed. – São Paulo: Juspodivm, 2024, pág. 240/241.

2 A revolta das togas contra o acervo das execuções fiscais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/a-revolta-das-togas-contra-o-acervo-das-execucoes-fiscais/ Acesso em: 28 mar. 2024.

3 Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/5455 Acesso em: 28 mar. 2024.

4 Inexorabilidade do contraditório na extinção de execuções fiscais no Tema 1.184 do STF. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-14/inexorabilidade-do-contraditorio-na-extincao-de-execucoes-fiscais-no-tema-1-184-do-stf/ Acesso em: 28 mar. 2024.

5 Apesar da observação acima, a Suprema Corte decidiu, na ADC nº 12, que a Resolução nº 7 de 2005 do CNJ constitui-se em ato normativo primário, dado que extraí seu fundamento diretamente da Carta Cidadã. Da mesma, na ADI nº 4.263-DF, foi decidido em relação à Resolução nº 36 de 2009 do CNMP.

6 A Lei de Execuções Fiscais fracassou. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-17/a-lei-de-execucoes-fiscais-fracassou/ Acesso em: 28 mar. 2024.

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Sobre o autor
Celso Bruno Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno. O progressivo desmonte da execução fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7582, 4 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108937. Acesso em: 29 abr. 2024.

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