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Incentivos fiscais desordenados e aumento da carga tributária

22/12/2023 às 10:26
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Os incentivos fiscais não vêm cumprindo o mandamento constitucional que elege esses benefícios como instrumento de redução das desigualdades regionais, um dos objetivos fundamentais da República.

Cerca de R$ 300 bilhões deixam de ingressar nos cofres públicos por conta de incentivos fiscais concedidos ao arrepio de normas constitucionais e legais.

Essa perda de arrecadação é traduzida, ipso facto, no aumento tributário. Onde todos pagam todos pagam pouco. Onde alguns deixam de pagar tributos, todos passam a pagar mais.

A matriz constitucional dos incentivos fiscais está no inciso I, do art. 151 da CF:       

“Art. 151. É vedado à União:

I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.” 

A previsão constitucional está correta, pois destina-se à correção de desigualdades socioeconômicas entre as diversas regiões do País provocadas pela sua dimensão continental situando-se como 5º maior do mundo em termos de extensão territorial.

Tanto  é que o art. 159 da CF destina 3% do fundo formado com a arrecadação do IPI e do Imposto de Renda para financiar setores produtivos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Só que os incentivos fiscais estão sendo concedidos sob o manto do sigilo, como se fosse um segredo do Estado, para preservação de sua soberania.

Nenhum órgão público divulga o montante desses incentivos fiscais, bem como os seus beneficiários.

A Receita Federal, quando solicitada a divulgar os beneficiários dos incentivos fiscais, sempre se escuda no art. 198 do CTN, caput, que veda “a divulgação por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”.          

O dispositivo invocado pela Receita Federal nada tem a ver com a publicidade dos incentivos fiscais.

O sigilo de que trata o caput do art. 198 do CTN refere-se à informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica e financeira do sujeito passivo sob fiscalização.

Os incentivos fiscais, à medida que implica a não realização da receita tributária, configura uma situação de despesa que deve ter previsão na LOA. E a Lei Orçamentária Anual, desde a formulação de sua proposta, tramitação do processo legislativo até a execução do orçamento aprovado é presidida pelos princípios da publicidade e da transparência orçamentária.

O princípio da transparência orçamentária está expresso no art. 165, § 6º da CF: 

“§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.”           

Como consignado em nossa obra, o § 6º,do art. 165 da CF “possibilitará, posteriormente, a fiscalização e controle interno e externo da execução orçamentária, que abrange o exame das subvenções e a renúncia de receitas, conforme prescreve o art. 70 da CF” [1]

No dizer de Gilmar Mendes e de Celso de Barros Correa Neto o “princípio da transparência fiscal é norma estruturante do Estado Democrático de Direito Brasileiro” (Transparência fiscal. In Martins, Ives Gandra da Silva (coord).Tratado de Direito Financeiro, Saraiva, 2013, Vol. I, p. 199).

O princípio da publicidade, por sua vez, está prescrito no art. 37 da CF segundo o qual a administração pública direta e indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

De tão importante que é o princípio genérico da publicidade que a CF determinou a sua observância especificamente em relação aos projetos de leis orçamentárias (§ 7º, do art. 165), além de ordenar que o Executivo publique, até trinta dias do encerramento de cada bimestre, o relatório resumido da execução orçamentária (art. 165, § 3º da CF).

Sem esse relatório bimestral, o disposto no art. 74, § 2º que confere a faculdade de o cidadão denunciar a irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas competente seria uma letra morta, conforme assinalamos em nossa obra[2]

Assim, não prospera a negativa da Receita Federal em revelar os nomes de beneficiários de incentivos fiscais, não bastasse a expressa previsão do próprio § 3º, do art. 198 do CTN que excepciona do sigilo: 

“§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a:

[...]

IV – incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária cujo beneficiário seja pessoa jurídica.” 

Sabe-se que os incentivos fiscais são concedidos às pessoas jurídicas, produtoras de riquezas, para correção das desigualdades socioeconômicas entre as diversas regiões do País.

Não há, nem pode haver despesas ou supressão de receitas sigilosas. Até mesmo as despesas sigilosas propriamente ditas, destinadas a órgãos de informação e contra-informação, para a defesa do Estado devem ser submetidas ao controle e julgamento pelo TCU, com reserva de determinados dados na publicação do Acórdão, bem como, a sessão de julgamento não aberta ao público em geral.

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A LRF em seu arts. 48 e 48-A, igualmente,  determinam a preservação dos instrumentos de transparência na gestão fiscal, mediante divulgação de planos orçamentários, das diretrizes orçamentárias, do relatório resumido da execução orçamentária etc., inclusive, por meios eletrônicos. Outrossim, é assegurado a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso à informações acerca das despesas, dos atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução orçamentária, com a disponibilização de dados mínimos referentes ao número de processos, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa beneficiária do pagamento.

Mais recentemente, o art. 3º da Lei nº 12.527, de 18-11-2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, prescreveu os princípios básicos da administração pública com as seguintes diretrizes: 

I – observância da publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção;

II – divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

III – utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;

IV – desenvolvimento do controle social da administração pública.           

Apesar de todo esse aparato legislativo em nível constitucional e em nível infraconstitucional, os incentivos fiscais continuam sendo concedidos sob o manto da imperscrutabilidade, não permitindo o conhecimento pela população pagante desses benefícios, os montantes desses incentivos fiscais destinados a cada uma das empresas beneficiárias.

Por isso os incentivos fiscais, que têm a natureza contraprestacional, não vêm cumprindo o mandamento constitucional que elege esses benefícios como instrumento de redução das desigualdades regionais, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, III da CF).

Existem incentivos fiscais direcionados para empresários localizados nas regiões Sul e Centro-Sul contribuindo para aumentar as desigualdades socioeconômicas entre as regiões.

E aqueles direcionados para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste só vêm contribuindo para aumentar o lucro das pessoas jurídicas beneficiárias.

É preciso transparência e publicidade na concessão e execução desses benefícios fiscais para que o TCU possa detectar e avaliar concretamente os benefícios trazidos por esses incentivos fiscais na redução de desigualdades socioeconômicas que vêm dificultando a política de crescimento econômico do País. É preciso criar mecanismos que permitam avaliar o custo-benefício.

Onde, afinal, os dados de contrapartidas, como número de empregos gerados na região, a implantação de técnicas inovadoras, o crescimento da infraestrutura, as ações voltadas para a inclusão social?

Tudo isso é uma incógnita. Não há como avaliar o custo/benefício desses incentivos fiscais que mais se aproximam de uma doação de recursos financeiros.

É preferível, pois, que esses benefícios fiscais sejam outorgados às pessoas jurídicas sob forma de subvenção econômica (art. 12, § 3º, III da Lei nº 4.320/64) com previsão orçamentária e identificação dos destinatários com os respectivos montantes com que foram contemplados.

Assim, a população pagante de impostos poderá saber onde e para quem estão sendo direcionados os recursos financeiros arrecadados com o imenso sacrifício imposto à sociedade em geral.


[1] Cf. nosso Direito Financeiro e Tributário, 31ª ed. Dialética, 2022, p. 150.

[2] ob. cit. p.151

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais desordenados e aumento da carga tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7478, 22 dez. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/107729. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.735 de 28-11-2023.      

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