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Relevância da Reforma Tributária a partir de uma controvérsia sobre o ICMS e o ISS

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Uma das controvérsias emblemáticas envolvendo ICMS e ISS se referiu à cessão de direito de uso de programa de computador, o chamado “software de prateleira”.

Depois de uma votação expressiva em primeiro turno no Congresso Nacional a favor da Reforma Tributária, cabe defendermos sua relevância em vários aspectos. Uma das maneiras de demonstrarmos tal relevância se dá com a discussão de controvérsias que explicitem a necessidade de simplificação do atual sistema tributário.

Uma das controvérsias emblemáticas envolvendo dois dos impostos cuja unificação vem sendo projetada na Reforma Tributária - o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviço) - diz respeito à possibilidade da Fazenda Pública de um Estado exigir valores de ICMS em relação a uma operação envolvendo cessão de direito de uso de programa de computador, sob a alegação de que, na hipótese, o contrato envolvesse o chamado “software de prateleira”.

Após 2021, um contribuinte teria grande probabilidade de êxito ao questionar uma cobrança deste tipo, pois com a ADI 5659 do STF (Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julg. 24/02/2021), proposta em face de decreto do Estado de Minas Gerais, o entendimento atual é de que não incide ICMS, mas apenas ISS, sobre operações envolvendo o chamado “software de prateleira”.

Antes de tal julgado, porém, prevalecia o entendimento de que incidiria ISS sobre softwares de encomenda e ICMS sobre “softwares de prateleira”, materializados em mercadorias à venda.

É o que vemos em um julgado como o RE 176626 (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julg. 10/11/1998, DJ 11-12-1998), que para fins de tributação fazia distinção entre tais softwares, para não subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares físicos dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, fazendo alusão o julgado ao "software de prateleira" (off the shelf), que, nas palavras do Min. Sepúlveda Pertence, “materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.” Tal entendimento apenas após 2021 seria modificado.

Na Ação direta de inconstitucionalidade nº 5659, passou a ser considerada IRRELEVANTE a distinção entre aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). e irrelevante a distinção entre software sob encomenda ou padronizado, no que diz respeito à incidência de ISS sobre operações com programa de computador (software), conforme Subitem 1.05 da lista anexa à LC no 116/03.

Afinal, se considerou que a tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades, segundo o julgado, a partir de precedentes da Corte que superaram a dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar nos contratos tidos por complexos, como leasing financeiro, contratos de franquia, etc.

Na decisão, se destacou que o STF tem tradicionalmente resolvido as indefinições entre ISS e ICMS com base em um critério objetivo: o ISS incide apenas se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento de bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o ICMS se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar.

O legislador complementar, segundo a decisão, porém, buscou dirimir conflitos de competência em matéria tributária envolvendo softwares, elencando no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à LC no 116/03, o licenciamento e a cessão de direito de uso de programas de computação, com base nos art. 146, I, e 156, III, da CRFB-88.

Com isso, o entendimento atual do STF é de que, de acordo com interpretação conforme à Constituição Federal, excluem-se das hipóteses de incidência do ICMS o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador, tal como previsto no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar no 116/03.

Por fim, oportuno, porém, reiterar que, no julgamento da ADI nº 5659, os ministros do STF acordaram, conforme consulta à própria decisão, em modular os efeitos da decisão, atribuindo a ela eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata de julgamento do mérito em questão, para:

  • a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores;

  • b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, ficando ressalvadas

    • (i) as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e execuções fiscais em que se discutam a incidência do ICMS e

    • (ii) as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS.

Por sua vez, decidiram que incide o ISS no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS, em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito.

Vemos, portanto, através desta controvérsia, de que forma o nosso sistema tributário atual envolve uma variedade de interpretações, sendo muito oportuna sua simplificação.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Carlos Eduardo Oliva Carvalho. Relevância da Reforma Tributária a partir de uma controvérsia sobre o ICMS e o ISS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7311, 8 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104980. Acesso em: 28 abr. 2024.

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