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A dispensa de licitação e a responsabilização do gestor que deu causa à emergência

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Examinamos a responsabilidade do gestor que deu causa à situação de emergência que ensejou dispensa de procedimento licitatório.

Promulgada em 2021, tal como a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 14.133/21, no seu art. 75, logrou em contemplar hipóteses na qual a licitação é dispensável. Notadamente, nos casos elencados no citado dispositivo, o gestor pode, justificadamente, optar pela realização da licitação, pois a dispensa permite a faculdade de escolha sobre a realização ou não do procedimento seletivo.

Na lição de Ronny Charles[1]:

Diferentemente do que ocorre na inexigibilidade, na dispensa a competição seria sim possível, mas o legislador entendeu por bem torná-la não obrigatória (naquelas hipóteses estritas).

Dentre as diversas possibilidades de dispensa do procedimento licitatório, nesta oportunidade, destacamos a previsão do inciso, VIII, do art. 75, segundo o qual:

Art. 75. É dispensável a licitação:

[...]

VIII - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para aquisição dos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso;

Impende destacar que, essa previsão já era contida na Lei nº 8.666/93, contudo destaque-se que o prazo máximo da contratação emergencial, que era de 180 (cento e oitenta) dias, foi ampliado para 1 (um) ano.

Em verdade, essa hipótese de dispensa objetiva resguardar o atendimento da pretensão contratual, isto é: o próprio interesse público. Até porque, por conta da urgência, o interesse público poderia ser prejudicado, em razão da natural demora do procedimento licitatório e seus necessários trâmites burocráticos.

No § 6º do mesmo artigo, o legislador dispôs que se considera emergencial a contratação por dispensa com objetivo de manter a continuidade do serviço público, e deverão ser observados os valores praticados pelo mercado e adotadas as providências necessárias para a conclusão do processo licitatório, sem prejuízo de apuração de responsabilidade dos agentes públicos que deram causa à situação emergencial.

Deveras, os casos de emergência podem ser produto de diversos fatores, seja por um acontecimento, situação desvinculada da vontade administrativa (acontecimentos climáticos) ou até mesmo pela desídia do gestor, que se traduz na falta de planejamento.

Conforme Barral, “o planejamento cria uma visão global da situação e das alternativas existentes, possibilitando a gestão consciente dos recursos disponíveis e o afastamento dos riscos, mediante a elaboração de estratégias que otimizem os procedimentos e facilitem os resultados”[2].

Com efeito, em que pese ser elevado a status de princípio jurídico apenas pela Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 14.133/2021, desde 1967[3] o planejamento já era um dos princípios fundamentais da Administração Pública.

A doutrina do Professor Ronny Charles[4] entende que, mesmo nos casos de desídia do gestor, por falta de planejamento, é possível a contratação direta por meio de dispensa, no entanto devem restar caracterizados os requisitos legais, pois a hipótese legislativa que autoriza a dispensa é situação de caráter emergencial e não a natureza da ocorrência.

Isto porque, todas as vezes que forem verificadas emergências, com a necessidade de contratação do Poder Público, esta deve ser permitida nos limites suficientes a atender à situação excepcional, tendo em vista que não é razoável não atender a uma necessidade de preservar o interesse público, em detrimento da desídia do gestor.

Sucede-se que isto não impede que o gestor seja devidamente responsabilizado, pois o erário deve ser protegido. Assim, é plenamente cabível o ajuste entre a necessidade administrativa de contratação e o prejuízo contraído pela aquisição ou fornecimento emergencial desnecessária.

Daí porque o dispositivo legislativo e a doutrina entendem ser necessário que seja imputado ao gestor desidioso ou inoperante “o dever de indenizar o erário no montante correspondente à diferença entre o valor pago na contratação emergencial desnecessária e o preço eventualmente auferido em uma competição licitatória” [5], sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Portanto, não há óbices em utilizar a dispensa para sanar a emergência, desde que seja a solução mais vantajosa e benéfica para a demanda, com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade[6].

Caso contrário, além de ser sancionado pela falta de planejamento, como mencionado anteriormente, também caberá a responsabilidade pelos danos da sua inércia. Nesse sentido o Tribunal de Contas da União decidiu que:

Se a situação fática exigir a dispensa por situação emergencial, mesmo considerando a ocorrência de falta de planejamento, não pode o gestor deixar de adotá-la, pois se assim proceder responderá não apenas pela falta de planejamento, mas também pelos possíveis danos que sua inércia possa causar.
Acórdão 1022/2013-Plenário Relator: ANA ARRAES ÁREA: Licitação TEMA: Dispensa de licitação SUBTEMA: Emergência Outros indexadores: Inércia da Administração, Responsabilidade

Diante de todo exposto, vislumbra-se necessário que os gestores se planejem, alinhando de forma fidedigna o plano de contratações anual, evitando assim o surgimento de situações emergenciais plenamente evitáveis e, consequentemente, extirpem qualquer possibilidade de responsabilização, em razão de dispensa de licitação realizada por emergência que foi gerada por sua própria desídia ou inércia.


[1] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 415. 

[2] Barral, Daniel de Andrade Oliveira Gestão e fiscalização de contratos administrativos / Daniel de Andrade Oliveira Barral. – Brasília: Enap, 2016.

[3] Devido ao art. 6º, inciso I do Decreto-lei nº 200/1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal.

[4] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 432. 

[5] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021, p. 432. 

[6] CHAVES, Luiz Claudio de Azevedo. A atividade de planejamento e análise de mercado nas contratações governamentais – 2. Ed. rev e atual. – Belo Horizonte: Ed: Forum conhecimento jurídico, 2022, p.24.

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Sobre os autores
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities; Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio; Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera; Pós-Graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia; 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro; Advogado atuante em Direito Administrativo, Militar e Governança.

Danielle Stephanie Fonseca Ramos

Amante do Direito Público com ênfase em Licitações na NLC. Analista Jurídico em Licitações. Engenheira Mecânica com viés em Licitações: publica e privada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira ; RAMOS, Danielle Stephanie Fonseca. A dispensa de licitação e a responsabilização do gestor que deu causa à emergência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7281, 8 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104227. Acesso em: 29 abr. 2024.

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