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Os métodos clássicos de hermenêutica

25/01/2023 às 15:45
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Os métodos clássicos de hermenêutica, ainda relevantes na interpretação do direito contemporâneo, conferem um sistema coeso e eficiente para a solução dos conflitos de interpretação do direito, extraindo, de forma mais racional possível, a norma aplicável ao caso concreto.

O direito, como todo produto da intelectualidade humana, expressa-se, em um primeiro momento, em símbolos brutos, formais ou não, que, necessariamente, perpassam por um processo intelectual de extração de sua significação deontológica, culminando no que se chama de norma jurídica. A norma, portanto, de acordo com essa abordagem, nada mais é que o conteúdo deontológico que se extrai a partir de um texto legal, das decisões dos magistrados ou das autoridades públicas, dos costumes e valores de um povo, entre outras fontes, que podem ser consideradas primárias, ou não, a depender do próprio sistema jurídico escolhido pela coletividade, que se autolegitima.

Esse processo puramente intelectual e sistêmico, de extração da norma jurídica a partir das fontes brutas, é chamado de hermenêutica.

Nesse contexto, pode-se dizer que não existe norma que não seja precedida desse processo, tendo em vista, principalmente, que a interpretação normativa de cada fonte jurídica, para além de simplesmente traduzi-la juridicamente, deve respeitar a coesão do direito, de modo que não haja contradições normativas internas e que a interpretação pontual alcance, na maior medida, as finalidades que ensejaram a instituição da norma ou do sistema normativo na qual está inserta. Daí porque a doutrina assenta que a disciplina hermenêutica “não se constrói como uma teoria descritiva (zetética) que explica como é o sentido do direito, mas como uma teoria dogmática que expressa como deve ser (deve ser ideal) ele interpretado” (FERRAZ JR., 2003, pág. 279).

Destacam-se, assim, os métodos hermenêuticos, que constituem regras técnicas que visam dar orientações para os problemas de decidibilidade dos conflitos, de ordem sintática (interpretação gramatical, lógica e sistemática), semântica (interpretação histórica, sociológica e evolutiva) ou pragmática (interpretação teleológica e axiológica) (FERRAZ JR., 2003).

Pelos métodos de interpretação gramatical, lógico ou sistemático, busca-se a solução dos problemas hermenêuticos na própria fonte primária, a partir da composição do texto, posição topológica no diploma legal, e demais normas do ordenamento jurídico. Assim, o intérprete examina a forma em que foi escrito e disposto o texto para, a partir daí, extrair-lhe seu significado jurídico, bastando, na maioria das vezes, a simples leitura do texto no contexto em que foi escrito. Contudo, à medida que a matéria tratada se torne juridicamente mais complexa, ou que a fonte se revele lacunosa, a interpretação gramatical mostra-se insuficiente, reclamando do intérprete a adoção de métodos mais sofisticados.

Com efeito, mostrando-se insuficiente o método gramatical para a solução dos conflitos normativos, deve o intérprete avançar para a análise do contexto histórico e sociológico em que a fonte normativa surgiu ou foi criada. Em outros termos, o alcance atual da norma jurídica, nesse caso, deve corresponder, na máxima medida, ao alcance almejado no momento de sua criação, respeitando-se, contudo, a evolução observada na sociedade, que, a depender da matéria, pode reduzir-lhe o alcance ou ampliá-lo. Exemplo clássico é a interpretação dada às normas relativas à definição de família, que, para respeitar a evolução da sociedade, ampliou seu alcance para as múltiplas formas de composição familiar que não existiam à época em que a norma (de proteção ao instituto) foi criada.

Por fim, a par dos métodos de interpretação histórica e gramatical, destaca-se o método de interpretação que contextualiza a norma, não em seu aspecto histórico ou social, mas a partir das finalidades que lhe são inerentes. Trata-se do método teleológico, ou axiológico, que tem, como matéria prima, o objeto de proteção do sistema jurídico no âmbito do qual a norma foi criada. Assim, as normas destinadas à proteção do consumidor ou do meio ambiente ecologicamente equilibrado, por exemplo, devem ser interpretadas sempre à luz dessas finalidades, dirimindo-se eventuais dubiedades em favor dos referidos interesses jurídicos.

Conclui-se, assim, que os métodos clássicos de hermenêutica, ainda relevantes na interpretação do direito contemporâneo, conferem um sistema coeso e eficiente para a solução dos conflitos de interpretação do direito, extraindo, de forma mais racional possível, a norma aplicável ao caso concreto.

REFERÊNCIAS:

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4. Ed., São Paulo: Atlas, 2003.

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Sobre o autor
Caio Marcus de Souza Dutra

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Servidor da Justiça Federal do Estado do Tocantins. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7166238713678559

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Caio Marcus Souza. Os métodos clássicos de hermenêutica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7147, 25 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102181. Acesso em: 28 abr. 2024.

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