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Os anos negligenciados: o que contribui na morosidade dos processos de adoção?

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Se para cada criança na fila de adoção há sete adotantes, por que elas ainda estão na fila?

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo compreender a questão da morosidade nos processos de adoção no Brasil. À vista disso, indaga-se quais são os principais fatores que engessam o trâmite processual, fazendo com que inúmeras crianças e adolescentes percam a oportunidade de encontrar uma família. Parte-se da hipótese de que a morosidade do processo seja causada, sobretudo, por um excesso de burocracia, tanto do ponto de vista técnico como daquele relacionado aos próprios adotantes, que criam, a partir de preconceitos pessoais, entraves ao processo. Para tanto, é analisado o processo de adoção em suas duas principais esferas: a processual e a social, começando pelo processo técnico da adoção para depois analisar a morosidade presente e suas fontes, considerando os âmbitos estudados e relacionando dados com princípios, suas raízes e o paralelo com a problemática em questão.

Palavras-chave: Adoção; obstáculos; processo; morosidade; preferências.

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito e evolução histórico legislativa da adoção. 3. A adoção. 3.1. Estatuto da Criança e do Adolescente e processo técnico da adoção. 3.2. O Conselho Nacional de Justiça e o Instituto da Adoção. 3.3. Os efeitos da adoção. 3.4. Da natureza jurídica da adoção. 4. Burocracia e morosidade nos processos de adoção. 4.1. Fatores técnicos que ocasionam a burocracia do processo. 4.2. Fatores sociais que ocasionam a burocracia do processo. 4.3. Estatísticas sobre as preferências dos adotantes. 4.4. A adoção de crianças e adolescentes com necessidades especiais. 4.5. A adoção de irmãos. 4.6. Morosidade e questões processuais. 4.7. Responsabilidade do Estado pela perda de uma chance. 5. Conclusão. 6. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa compreender o Sistema Nacional de Adoção e suas principais características, de modo que seja possível analisar os diversos fatores que contribuem na morosidade dos processos. Primeiramente, para que se possa compreender melhor a problemática em apreço, serão apresentados alguns dados importantes.

De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e o Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2020 o Brasil registrou 30.98 crianças acolhidas em unidades como abrigos. Dessas, apenas 5.154 estão aptas para serem adotadas. Na outra ponta, são 36.437 pessoas interessadas em adotar uma criança, o que nos leva a concluir que há um desequilíbrio no processo: se para cada criança na fila de adoção há sete adotantes, por que elas ainda estão na fila?

Tal cenário pode ser explicado por uma série de razões. Dessas 30 mil crianças que se encontram nos abrigos, cerca de 25 mil estão impossibilitadas de serem adotadas por ainda manterem vínculo com a família biológica ou porque o processo de destituição familiar, indispensável para a adoção, ainda tramita na justiça. Isto porque, apesar de estabelecido um teto de 120 dias para a conclusão do processo, o que se observa na realidade é uma demora excessiva, chegando a uma espera de quatro anos em média nas principais regiões do país.

O problema se torna ainda maior quando apenas 10% das pessoas aceitam adotar uma criança com mais de cinco anos de idade e 83% das crianças disponíveis para adoção têm acima de 10 anos. Esse perfil de criança idealizado pelos pretendentes – recém nascido, saudável e sem irmãos – acaba engessando ainda mais o processo e contribuindo para a sua lentidão, visto que muitas crianças que não se enquadram nessas categorias desejadas ficam relegadas ao esquecimento.

Deste modo, decepcionados com a espera, os requerentes tendem a direcionar suas reclamações ao que se entende por “burocracia judicial”, quando na verdade, a maior das burocracia é aquela criada por suas próprias idealizações e expectativas.

Ademais, cabe esclarecer a trajetória seguida pela pesquisa em mãos. Para atingir seu objetivo, busca-se, em primeiro momento, conceituar a adoção em relação ao seu histórico. Com esse fim, leva em conta todo percurso que o tema tomou para conquistar hoje seu lugar na lei. Esperando justificar a escolha do tema para discussão no âmbito jurídico, buscou-se, em segundo momento, demonstrar a importância do tópico para o direito, relacionando-o à construção histórica previamente resumida. Em seguida, é brevemente analisado o processo técnico da adoção com o fim de embasar as críticas a ele futuramente feitas, bem como explicar sobre os órgãos envolvidos e os efeitos resultantes.

A morosidade passa então a ser analisada e criticada, primeiro adentrando seus fatores técnicos, ou seja, aqueles relacionados ao processo legal em si, depois os sociais, os quais dizem respeito aos sintomas sociais que o processo de adoção acaba sofrendo, resultando na morosidade criticada. Esta é então relacionada a 3 princípios jurídicos (celeridade processual, razoável duração do processo e proteção integral da criança e do adolescente), demonstrando mais uma vez o problema em âmbito teórico.

Depois de brevemente resumidos os conceitos básicos que circundam o tema para relacioná-lo com a problemática técnica e social dentro dos recortes temáticos estabelecidos, apresenta ao final uma conclusão extraída da conexão entre todos os dados e análises apresentados.


2. CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICO LEGISLATIVA DA ADOÇÃO

Assim como a maioria dos aspectos e elementos que se encontram no seio do convívio social, naturalmente a problemática da adoção e seus desdobramentos também viria a ser abarcada, em determinado momento, pela esfera do Direito, ou seja, pelos mecanismos de regulamentação jurídicos que dão coesão e ordenamento para a vida social. Uma vez que a adoção envolve indivíduos em situações hierárquicas e em relações de poder e capacidade diferentes, faz-se mister que tal relacionamento seja regulamentado pelas normas de convívio social que regem a atual sociedade.

Entretanto, antes de ser incorporada pelo âmbito jurídico, a adoção encontrou lugar, no início do processo civilizatório, no meio religioso, como instituição sacra que objetivava impedir a extinção da família. Egípcios, persas, hebreus e gregos viam a adoção como uma necessidade, pois, segundo eles, o filho era uma peça fundamental ao culto doméstico, considerado a base da organização da família. Junto a isso estava a concepção mística dos antigos de que aqueles que não tivessem filhos estariam eternamente abandonados no pós-morte. A necessidade de perpetuar a família como elemento fundador da adoção já havia sido percebida pelo historiador francês Fustel de Coulanges, em sua obra A Cidade Antiga, publicada em 1864. A positivação legal, por sua vez, só veio a ocorrer com a criação do Código de Hamurabi, datado de 1700 a.C., e seu desenvolvimento só viria a alcançar patamares mais elevados na Roma Antiga, com a Lei das XII Tábuas. Nessa época, a importância da adoção se dava principalmente em virtude da crença doméstica da perpetuação dos indivíduos e da necessidade de filhos para a celebração de cerimônias fúnebres.

A primeira regulamentação do instituto da adoção por intermédio de um código - a saber, o Código Napoleônico - deveu-se a uma urgência de caráter eminentemente político, visto que Napoleão não tinha filhos e necessitava de um herdeiro. Todavia, o tema da adoção foi fortemente recobrado sobretudo após o fim da Primeira Guerra Mundial, em razão da preocupação com o elevado número de órfãos deixados pelo conflito. No Brasil, a adoção só veio a ser introduzida por meio das Ordenações Filipinas, no século XVII, e teve como marco divisor o Código Civil de 1916.

Contudo, convém lembrar que, até o século XX, a adoção no Brasil não era regulamentada juridicamente. Apenas casais que não possuíam filhos biológicos podiam realizar a adoção, por meio da entrega de uma criança que havia sido deixada na Roda dos Expostos, mecanismo instituído pela Igreja Católica no qual as crianças eram depositadas e recolhidas pelas Santas Casas de Misericórdia, garantindo o sigilo das mães biológicas, o que, de certo modo, institucionalizou o abandono do Brasil. Ademais, durante o segundo e o terceiro séculos de colonização, ocorrera o fenômeno do abandono selvagem, isto é, crianças geradas fora do casamento formal ou filhas de mulheres solteiras e brancas de classe média alta eram deixadas em calçadas, terrenos baldios, florestas, sarjetas e afins. Desse modo, foi-se criando, gradativamente, um cenário no qual a situação do abandono tornou-se insustentável e a necessidade de um sistema de adoção regulamentado e ordenado fez-se cada vez mais urgente. Nesse aspecto, observa-se que, do início de sua existência até a atual sociedade civilizada, “a prática de adotar evoluiu juntamente da sociedade, passando a não mais preservar o culto doméstico, mas sim descobrir o afeto como integrante deste procedimento”.

Assim, não foram apenas questões conjunturais e de estrutura que fundamentaram o surgimento das primeiras regulações do instituto da adoção: à isso somou-se forças o aspecto social da problemática, ou seja, a indeclinável urgência de instituir um meio pelo qual a criança abandonada, privada de um convívio social devido, pudesse encontrar um conjunto familiar que a auxiliasse em seu processo de desenvolvimento psicossocial. Trata-se de tirar a criança abandonada da marginalização e colocá-la no centro de um macrocosmo jurídico com vistas a garantir, na prática, o cumprimento dos seus direitos fundamentais e a efetivação do seu acesso a uma vida digna, feliz e salubre.

Tal necessidade de desenvolvimento social só pode ser plenamente alcançada por meio da convivência familiar. A família, segundo o artigo 226 da Constituição Federal, é a base da sociedade, ou seja, é o ente primário e basilar que garante a estabilização e o funcionamento da comunidade. Autores como Auguste Comte já haviam sustentado, em seus escritos, a importância da família. Segundo Comte, “a verdadeira unidade social é a família”. É sobre a família que a sociedade é construída, e também é dentro do seio familiar que os caprichos individuais são contidos para o bem da sociedade. “Numa família, os instintos sociais e pessoais são mesclados e reconciliados. Também é em uma família que o princípio de subordinação e cooperação mútua é exemplificado”, explica o filósofo francês. Desta maneira, percebe-se que a família é o aparato que possibilita a realização plena do indivíduo dentro do contexto social.

Com o tempo, o instituto da adoção passou por diversas “modalidades”, cada qual com suas peculiaridades e finalidades, dentre elas: a adoção tardia (um meio para se referir a um problema referente à adoção de crianças que já possuem um desenvolvimento relativamente avançado, e não uma modalidade de adoção em si); a adoção pronta ou direta (aquela em que a mãe biológica - visto que o pai é, muitas vezes, ausente - é a responsável por decidir para quem entregar seu filho, sem a necessidade de se fazer presente no Cadastro Nacional de Adoção); a adoção à brasileira, que desconsidera os trâmites legais do processo de adoção (ou seja, é um modo ilegal, no qual há o registro de uma criança como sendo filho biológico, sem que ela tenha sido concebida de tal modo); a adoção necessária (aquela que possibilita que crianças e adolescentes normalmente rejeitados e sem lares possam fazer parte de uma família saudável e capaz de lhes dar uma vida familiar estruturada e digna); e, por fim, a adoção internacional (realizada por um pretendente que reside em um país diferente daquele da criança que será adotada, seguindo os preceitos da Convenção de Haia de 1993 - Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional e do ECA).

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Visto estar fora desse âmbito familiar, a criança que não está sob a guarda dos pais não possui os devidos meios para atingir patamares superiores no seu desenvolvimento ao longo da vida. A figura da mãe é necessária para que a criança possa consiga progredir seu lado emocional primitivo. Essa interação essencial entre mãe e filho só é possível dentro de um ambiente familiar saudável e funcional, no qual há o espaço para o estabelecimento e a configuração do desenvolvimento emocional. Fora deste espaço, dificilmente o órfão conseguirá evoluir seu lado físico, cognitivo e afetivo e melhorar suas capacidades empíricas, além de estar sujeito a encarar dificuldades na absorção de valores éticos, humanitários e culturais, passíveis de serem aprendidos por intermédio da convivência familiar. Segundo Raquel Antunes de Oliveira Silva, em seu artigo A adoção de crianças no Brasil: os entraves jurídicos e institucionais: “Dificilmente uma criança privada do convívio familiar desenvolverá a sua identidade pessoal necessária para o convívio em sociedade”, visto que a falta de afeto pode prejudicar o desenvolvimento emocional da pessoa, e a construção do sujeito emocionalmente saudável ocorre através da mãe ou do seu criador.

O respaldo para a premência do convívio familiar de uma criança que não está sob a guarda dos pais pode ser encontrado, por exemplo, no Sexto Princípio da Declaração Universal dos Direitos da Criança, segundo o qual toda criança precisa de amor e compreensão por parte dos pais, dos seus responsáveis e da sociedade. Nesse sentido, Renato Maia e Ricardo Alves de Lima asseveram que:

Permitir que a pessoa tenha uma família é lhe assegurar vida, saúde, alimento, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e, sobremaneira, a convivência familiar e comunitária, além de lhe deixar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Isso deve ser garantido na família natural e, se necessário, numa família substituta.

Desse modo, há de se falar, ainda, de dois princípios cruciais para a sustentação da adoção e, por consequência, da sua observância por parte das normas jurídicas: o Princípio da Prioridade Absoluta e o Princípio do Melhor Interesse. O primeiro, previsto no artigo 227 da Constituição Federal, determina que crianças e adolescentes devem ser tratados pela sociedade e pelo Poder Público com total prioridade pelas políticas públicas e ações do governo. Já o segundo, por seu turno, afirma que os interesses do menor devem prevalecer sobre os demais e garante o direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. Com isso, percebe-se a extrema necessidade (assim como o indubitável vínculo) que há na relação entre a adoção e a esfera legal, posto que o devido processo burocrático adotivo, bem como a eventual inserção funcional do indivíduo em uma família sadia e apta a lhe dar as condições necessárias para o seu desenvolvimento pessoal, só podem ser corretamente efetivados por meio do devido processo legal e do uso ético, viável e categórico do aparato jurídico.

Os direitos fundamentais da criança e do adolescente, arraigados em todo o sistema jurídico e protegidos pela constitucionalização da seara civilista, bem como consolidados pela personalização de seus institutos norteada pela busca da solidificação social dos mecanismos que formam o arcabouço da dignidade humana, devem ser protegidos pelo ordenamento jurídico, escancarando a importância que a adoção representa não só para o Direito em seu histórico evolutivo, mas para este que aqui se encontra na contemporaneidade, com suas garantias constitucionais e seus aspectos pós-positivistas que propiciam um olhar mais amplo da problemática.


3. A ADOÇÃO

3.1. Estatuto da Criança e do Adolescente e processo técnico da adoção

Atualmente, a adoção no Brasil é prevista através da Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fator determinante para garantir a proteção integral de ambos adotantes e adotados antes, durante e depois do processo. Apesar das imposições do ECA serem a base legislativa para tanto, projetos de lei e a própria constituição trabalham e vêm trabalhando no seu aperfeiçoamento, pensando na realidade, logística e paradigmas. Estes serão mais profundamente abordados futuramente.

O ECA busca estabelecer, primeiramente, que a adoção deve ser a ação tomada em última instância e, para tanto, o adotado deve ter menos de 18 anos.

Todos aqueles que forem maiores de idade, sejam casados, solteiros ou em união estável, se atenderem aos requisitos estarão aptos ao processo de adoção. Além disso, deverá existir uma diferença mínima de dezesseis anos entre o adotante e o adotado, para que dessa forma seja possível instituir um ambiente de respeito e austeridade.

O art. 29 do ECA, por sua vez, ressalta a importância de que os adotantes possuam idoneidade, isto é, a competência de assumir ato de tamanha magnitude e a possibilidade de proporcionar ambiente familiar adequado, sob pena de indeferimento do pedido de adoção.

Ademais, de acordo com o princípio constitucional do melhor interesse da criança e do adolescente, o processo deve ter como objetivo, a todo momento, o bem estar do adotado, bem como o consentimento de seus pais e, a partir de 12 anos, também dele mesmo. É dividido em fases e procedimentos, a seguir descritos.

Ao iniciar o processo de adoção, a primeira medida a ser tomada deverá ser a busca por uma Vara de Infância e Juventude. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê no Capítulo III, na seção VII, introduzida pela Lei n. 12.010/2009, o procedimento para a habilitação dos pretendentes à adoção (arts. 197 - A a 197 - E). Para esta etapa será necessária a apresentação de tais documentos: identidade; CPF; dados familiares; cópias das certidões de nascimento ou casamento, ou declaração de união estável; comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e mental; certidão de antecedentes criminais e certidão de distribuição cível.

Para que de fato seja instaurado o processo de inscrição para a adoção, uma petição deverá ser elaborada por um defensor público, ou advogado particular. Somente depois da aprovação de tal documento o adotante será habilitado a constar dos cadastros locais e nacionais de pretendentes.

Em seguida, os adotantes deverão se submeter, obrigatoriamente, a um curso de preparação psicossocial e jurídica. Na 1ª Vara de Infância do Distrito Federal e Territórios, o curso possui duração de dois meses, com aulas semanais.

Após comprovada a participação no curso, o candidato passará por uma série de avaliações psicossociais que contarão com entrevistas e visitas domiciliares feitas pela equipe técnica, tendo como principal objetivo avaliar a situação socioeconômica e psicoemocional da futura família adotiva. Durante o período de entrevistas, o pretendente irá descrever o perfil da criança desejada, sendo possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, os irmãos etc.

Por fim, a partir dos laudos da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, recomendando ou não o deferimento da adoção e possibilitando a guarda provisória da criança ou adolescente, o juiz dará sua sentença. Com o pedido acolhido, o nome do candidato será inserido nos cadastros, tendo uma validade de dois anos em todo o território nacional. De acordo com dados levantados pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), as regiões Centro-oeste e Sul possuem os processos de habilitação mais demorados, atingindo tempos médios superiores a dois anos.

Depois de algum tempo, o pretendente finalmente estará na fila de adoção de seu Estado, e então deverá aguardar por uma criança com o perfil compatível ao estabelecido ao longo das entrevistas, sendo notificado automaticamente pela Vara de Infância. Havendo interesse, ambos serão apresentados e terá início o estágio de convivência, este que será acompanhado pela Justiça e pela equipe técnica.

Durante esse estágio de convivência, será permitido a realização de visitas ao abrigo onde a criança ou adolescente vive e a saída para pequenos passeios, para que dessa forma, o adotante e o adotando possam se conhecer melhor. Caso o relacionamento ocorra bem e de forma esperada, a criança será liberada e o pretendente ajuizará a ação de adoção. Determina-se aqui a lavratura do novo registro de nascimento com o sobrenome adotante. Assim, a criança passa a ter todos os direitos de um filho biológico. Vale ressaltar que, por lei, todo este processo de adoção deveria durar, no máximo, 8 meses.

3.2. O conselho Nacional de Justiça e o Instituto da adoção

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem como objetivo contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade em benefício da sociedade, contribuindo então com a adesão de diversas iniciativas para sistematizar as informações sobre a infância e juventude para que não seja diferente com o processo brasileiro de adoção. A Resolução nº 289/2019 legisla sua finalidade ao impor que esta seja definida por:

Consolidar dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção, incluindo as intuitu personae, e a outras modalidades de colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e estrangeiros habilitados à adoção.

Para tanto, conta com informações fornecidas pelo Comitê Gestor dos Cadastros Nacionais (CGCN), cujo objetivo pode ser resumido em subsidiar a elaboração e o monitoramento de políticas judiciárias, sendo assim responsável pelo Sistema Nacional de Adoção (SNA), nome dado ao sistema responsável por coletar os dados de ambos adotados e adotantes, mencionado anteriormente. O SNA é então constituído pela junção de dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) com os do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), tudo sob gestão do CGCN. Assim, o CNJ, juntamente com várias outras entidades estatais, contribui para a sistematização, dinâmica e logística dos processos de adoção no Brasil ao apresentarem um relatório anual o qual apresenta informações sobre os perfis das crianças cadastradas no SNA e o perfil desejado pelos pretendentes.

3.3. Os efeitos da adoção

Os principais efeitos do processo adotivo, estes podendo ser de ordem patrimonial - aquelas que se referem aos alimentos e ao direito sucessório - ou pessoal - referentes ao parentesco, ao poder familiar e ao nome - são atingidos a partir do momento em que o juiz dá a sua sentença recomendando ou não o deferimento da adoção.

Primeiramente, é válido ressaltar que o parentesco gerado entre adotante e adotado a partir deste processo é chamado de civil, sendo este equiparado em tudo ao consanguíneo (§ 6º, do artigo 227, da Constituição Federal). Isto significa que o adotando possuirá os mesmos direitos e deveres dos filhos consanguíneos, inclusive sucessórios, desligando-o de maneira irrevogável da sua família biológica, salvo os impedimentos matrimoniais, que persistirão. Nesse sentido, determina o artigo 41 do Estatuto da Criança e Adolescente: “a adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios. Desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

Além disso, o artigo 1.627 do atual Código Civil permite a troca de nome do adotado: “A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou adotado”.

Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, a adoção leva ao rompimento da filiação anterior, o acréscimo do sobrenome do adotante, poder familiar, direitos alimentares em relação ao adotante e demais parentes (pode cobrar, por exemplo, alimentos do novo avô, desde que preenchidos os requisitos legais referentes) e o direito à sucessão hereditária do adotante e demais parentes sucessíveis como herdeiro legítimo e necessário.

3.4. Da natureza jurídica da adoção

Antes de adentrar no âmbito da crítica à morosidade do aparato legal e dos demais fatores que imprimem lentidão no processo adotivo, é mister trazer à tona a devida caracterização do que vem a ser a adoção em seu sentido estabelecido pelo entendimento jurídico vigente. Muito além de meramente apontar a natureza jurídica da adoção, faz-se necessário, também, com vistas ao melhor entendimento da questão aqui exposta no decorrer das páginas, pontuar os tipos existentes de adoção e suas peculiaridades, bem como explicitar os princípios fundamentais que permeiam (ou, ao menos, que deveriam permear) o processo adotivo.

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves conceitua a adoção como o “ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha”. Há, aqui, um vínculo fictício de filiação, uma vez que a doutrina reconhece o instituto da adoção como uma fictio iuris, isto é, uma ficção jurídica, como fica claro na definição de Maria Helena Diniz quando a doutrinadora se refere à adoção como “[...] um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha”. Pontes de Miranda também faz coro à defesa do caráter ficcional da adoção ao afirmar que esta “[...] cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação”. Por fim, Caio Mário da Silva Pereira conceitua a adoção como “o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim”.

Apesar do aparente consenso que há na doutrina sobre a natureza jurídica da adoção, há uma certa controvérsia que a circunda. O Código Civil de 1916 deixava nítido seu caráter contratual, sendo a adoção um negócio jurídico solene e bilateral, realizado por meio de escritura pública e com o consentimento das duas partes envolvidas. O adotado poderia comparecer pessoalmente se fosse maior de idade e capaz e, se fosse incapaz, seria representado pelo pai, pelo tutor ou pelo curador. Todavia, a partir da Constituição de 1988, a adoção passou a ser constituída por ato complexo e a exigir uma sentença judicial, como preceitua o caput do artigo 47 do ECA: “O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão”. Ademais, conforme consta no artigo 227, § 5º, da atual Constituição Federal: “a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”. Com essa nova ótica, a questão adotiva afasta-se das delimitações meramente juscivilistas e passa a se tornar uma preocupação de ordem pública, ampliada, perdendo seu caráter outrora contratualista. A Lei Federal 12.010/2009 revogou a maioria dos artigos do Código Civil sobre adoção e transferiu o instituto para o ECA, que fora aumentado, o que tirou do referido Código a regência da adoção. Assim, com essa evolução dos mecanismos de adoção - de um meio relativamente simplista para outro muito mais complexo -, é possível notar os indícios iniciais da questão burocrática que envolverá a questão adotiva no presente.

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Sobre os autores
Camilly Venegas de Oliveira

Estagiária na equipe de Contratos e Societário no IBS Advogados | Graduanda na Universidade Presbiteriana Mackenzie no Curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Camilly Venegas ; WEINBERG, Adele Mendes et al. Os anos negligenciados: o que contribui na morosidade dos processos de adoção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7143, 21 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102103. Acesso em: 27 abr. 2024.

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