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A Lei de Alienação Parental frente ao Direito Sistêmico

A Lei de Alienação Parental frente ao Direito Sistêmico

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A abordagem do Direito Sistêmico busca pacificação sem culpar, promovendo diálogo e responsabilidade das partes envolvidas.

Resumo: Este estudo trata da lei 12.318/2010, também conhecida como a Lei de Alienação Parental e a relevância do direito sistêmico como método consensual na resolução de conflitos familiares. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica com os objetivos de compreender o direito sistêmico em conflitos familiares frente à lei de alienação parental, analisar a o direito sistêmico em conflitos familiares, a lei de alienação parental e perceber a relevância do direito sistêmico em conflitos familiares frente à lei de alienação parental. Após os objetivos, foi possível constatar a relevância e a necessidade de utilizar as leis sistêmicas nos conflitos familiares, em especial nos atos de alienação parental, do que incentivar uma política adversarial que incentiva à criminalização e judicialização, tendo em vista o aspecto subjetivo e emocionais que envolvem os litígios de família. Assim, observa-se que o caminho que a legislação brasileira tem buscado vai ao encontro do que se busca por meio do direito sistêmico e contribui como um instrumento para o alcance da pacificação social.

Palavras-chave: Lei de alienação parental. Direito sistêmico. Leis sistêmicas. Conflitos familiares.


1. INTRODUÇÃO

A família contempla o primeiro ambiente de construção do ser humano e, diante das personalidades distintas daqueles, os conflitos tornam-se inevitáveis. Em um cenário de separação conjugal e guarda de filhos, por exemplo, as dificuldades se potencializam, muitas vezes, depara-se com situações de alienação parental, que pode desencadear em uma uma jornada de inúmeros litígios em busca de uma sentença que coloque fim ao problema.

O ponto é que a sentença não põe fim ao conflito, ressaltando a necessidade de métodos consensuais, como o direito sistêmico, que promovam um olhar diferenciado diante da solução mais adequada em cada caso, sendo construída não apenas sob um olhar jurídico como também da visão de outras ciências, para que também se consiga atender a princípios como do melhor interesse da criança e do adolescente. Diante dessa premissa, este trabalho propõe-se a responder a seguinte questão: Qual a relevância do direito sistêmico em conflitos familiares frente à Lei de alienação parental?

Fundado neste questionamento, a hipótese fundamenta-se na necessidade de se buscar no Judiciário uma postura colaborativa em conjunto com outras áreas de conhecimento, pois para construir uma solução em conflitos familiares torna-se necessário reestabelecer o diálogo entre ex-cônjuges, por causa dos filhos, por exemplo, onde a postura sistêmica poderá ser mais efetiva no caso concreto, permitindo que não haja o ingresso de novas ações de família.

Além disso, o presente projeto tem como objetivos analisar a lei de alienação parental; compreender o direito sistêmico em conflitos familiares e aa relevância do direito sistêmico em conflitos familiares frente à lei de alienação parental.

O presente trabalho possui como justificativa a continuidade dos conflitos dos pais que persistem após uma ruptura conjugal, pois é um aspecto importante para compreensão dos efeitos psicológicos e emocionais em todos os envolvidos, especialmente na criança. Nesse sentido, a legislação brasileira tem incentivado a adoção dos métodos consensuais de resolução de conflito, pois permite que os envolvidos levando em consideração as peculiaridades e necessidades envolvidas alcancem a melhor solução.

Dessa forma, justifica-se a presente pesquisa, uma vez que o direito sistêmico encontra-se dentro dos métodos autocompositivos de solução de conflitos e torna-se um instrumento facilitador para o alcance de uma postura consciente, madura por meio da autorresponsabilidade. Nesse sentido, todos participam e os pais se concentram em promover um ambiente colaborativo na construção da solução mais adequada aos interesses de todos, em especial de proteção integral para os filhos.


2. A LEI DE ALIENAÇÃO PARENTAL

O presente capítulo tem o intuito de apresentar brevemente o contexto histórico da alienação parental, a compreensão sistêmica das práticas que algumas vezes revelam a dificuldade dos pais em distinguir a morte conjugal da parentalidade e, em seguida, apresentar alguns comentários acerca da Lei 12.318/2010 trazida pelo legislador com o intuito de inibir a ocorrência dessas práticas.

2.1. O contexto histórico da Lei de Alienação Parental

Vilela (2020) aponta a necessidade de conceituar e diferenciar a alienação parental, síndrome da alienação parental e atos de alienação parental para que se consiga observar qual desses conceitos foi o adotado pela lei brasileira. Para a autora, alguns defendem que Gardner teria criado a teoria da Síndrome de Alienação Parental mas que, em seu ponto de vista, não se sustenta, pois, em 1949, Wilhem Reich abordou problemas advindos em situações de litígios que envolvem a relação entre pais e filhos. Além de Reich, a autora também cita Wallerstein e Kelly com seus estudos, ressaltando antes de Gardner já havia estudos que apontavam sobre a ocorrência desse fenômeno.

O fenômeno denominado de Síndrome da Alienação Parental (SAP) ganhou maior popularidade pelo psiquiatra americano Richard Gardner, que nos anos de 1980 começou a observar situações de disputa judicial de guarda em que a criança ou adolescente rejeita a convivência de um dos pais. Cruz e Walquim (2014) defendem que nos estudos Gardner identificou que um dos pais realizava esse processo de forma programada de modo que o filho não quisesse conviver com um dos pais, por nutrir um sentimento repetitivo de abandono, raiva ou mágoa até que o filho reproduzisse com uma aparência de autonomia.

Nos últimos anos, observa-se uma retomada da discussão sobre a SAP, seja por influência dos movimentos que ocorreram no século XX e resultaram em transformações no que diz respeito ao papel do homem e da mulher na família, mas que não significa necessariamente em um processo pacífico e homogêneo. Um exemplo é em situações de litígios judiciais de guarda de filhos em decorrência do divórcio, em que a tendência de destinar a mulher o cuidado de filhos menores e que acaba influenciando no distanciamento entre pais e filhos após a dissolução da sociedade conjugal. Nesse sentido, Souza e Brito (2011) apontam que:

A partir desta perspectiva, alguns países vêm solicitando estudos aprofundados sobre possíveis desdobramentos da separação conjugal para pais e filhos, objetivando maior clareza a respeito de artigos e modificações nas respectivas legislações para que seja possível asse­gurar a convivência familiar entre pais e filhos após o divórcio. Mostra-se desta forma, compreensão sobre a necessidade de o ordenamento jurídico ser um fator de suporte ao exercício da paternidade e da maternidade. (SOUSA; BRITO, 2011, p. 273)

No contexto após a dissolução, Gardner observou que o genitor que ficava com a guarda do filho utilizava dessa situação para difamar o ex-cônjuge, desqualificar tanto como genitor quanto pessoa, manipular os sentimentos, com motivações sejam vingança ou meio de obter vantagens até mesmo no que se refere no ajuste de valor de pensão alimentícia. Com intuito de inibir essa prática surgiu a Lei 12.318/2010 que necessita de uma compreensão transdisciplinar, pois Andrade (2021), aponta que para compreender a Alienação Parental é necessário o conhecimento das áreas como a psicologia, assistência social, pelo fato do principal ponto consistir na manipulação dos filhos que pode ocorrer de várias formas.

No mesmo sentido, as situações de Alienação Parental, como mencionado por Cruz e Walquim (2014), na verdade evidenciam a dificuldade dos pais em separar a morte conjugal da vida parental e acabam penalizando os filhos por isso, fazendo com que o modo que eles escolham viver após a ruptura conjugal seja o mesmo que o dos filhos. Independente da forma utilizada, o objetivo da prática é afastar o filho do genitor alienado para que o outro seja o único objeto de afeto e obediência.

As práticas de alienação parental podem ocorrer de diversas formas, seja como aparência de falsa declaração de abuso sexual; pedido manipulado de não manter contato com a parte alienada, ou seja, situações que são tão incutidas que tornam difícil dissociar a voz do filho da voz do genitor alienador. Cruz e Walquim (2014) mencionam os estágios da Alienação Parental, baseado em Richard Gardner que são: os casos leves, onde o alienador consegue mantem um vínculo psicológico saudável com a criança, mas começa a fazer com que incentive o filho a passar mais tempo somente com o alienador; o segundo são os casos moderados, onde o alienador começa a exteriorizar a raiva ou outros sentimentos seja por meio de dificultar as visitas, mudança de domicílio, falsas denúncias de abusos mas que abandonam essas práticas após repreensão judicial; o terceiro estágio estão os casos graves, onde o alienador apresenta um comportamento paranoico, doentio com os filhos que prejudicam a formação da personalidade e identidade das crianças ou adolescentes, pois o intuito é que os filhos sejam afastados do alienado nem que o custo seja causa sofrimento às crianças por este ato.

Leonardo (2016) define a alienação como ato praticado por um dos genitores ou ambos de impedirem o convívio com o filho, denegrir a imagem do outro genitor, dificultar a participação na vida da criança ou adolescente. Por consequência, ocorrem efeitos psicológicos e físicos nas crianças, pois os menores que passam por essas situações ao longo da infância poderão sofrer distúrbios psicológicos por toda a vida, podendo, inclusive, tornarem-se alienadores no futuro ao construir suas famílias.

As situações que exemplificam a alienação parental são inúmeras, porém, acabam sempre caindo no lugar comum, geralmente o alienante faz parecer estar disposto a colaborar, entende que a presença do outro genitor e sua família estendida é importante para o desenvolvimento do filho, mas na prática sempre ocorrem situações em que o menor é impedido deste contato, sutil e veladamente até que a criança incorpore esta aversão pelo outro pai, ainda que sem justificativas plausíveis configurando o que Juras e Costa (2011) nomeiam como conflitos de lealdade.

Para Vilela (2020), a crítica em torno da teoria de Gardner diz respeito à adoção do termo síndrome, que tanto os termos alienação parental ou síndrome da alienação parental advém da área da saúde e que, portanto, não são conceitos jurídicos. Além disso, a autora afirma que atualmente os termos são sinônimos, pois o que deve ser observado é a existência de um filho que se recuse a presença de um dos seus genitores. Cabe ressaltar que outro problema frequente na alienação parental diz respeito à confusão de papel de cônjuge e pais e o discurso adotado pelo genitor alienante, que será abordado em sequência.

2.2. Os pais e a Alienação Parental

A ruptura da vida conjugal nem sempre ocorre de forma saudável, quando ocorre a separação de fato e a emocional do casal, de modo que se mantenha a consideração mútua. Em muitos casos, não ocorre essa separação emocional, pois um dos cônjuges não consegue compreender que o fim foi da relação entre o casal, mas que a relação entre pais e filhos deve ser mantida e protegida, ocorrendo o que Dias (2016) pontua:

Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Sentir-se vencido, rejeitado, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode fazer emergir impulsos destrutivos que ensejam desejo de vingança, dinâmica que faz com que muitos pais se utilizem de seus filhos para o acerto de contas do débito conjugal. (DIAS, 2016, p.881)

Nessas situações de separação conjugal, Souza (2013) esclarece que os sentimentos do casal acabam sendo canalizados nos filhos, pois, algumas vezes, são usados como um meio para atingir o ex-companheiro e acabam promovendo a manutenção do conflito, tornando nítida a mistura entre a conjugalidade e parentalidade.

No que se refere à confusão de sentimentos entre os cônjuges na situação acima mencionada, cabe fazer uma distinção do conceito de conjugalidade e parentalidade, conforme elucidado por Cruz e Walquim (2014):

A conjugalidade tem a ver com o enlace conjugal, seja em forma de casamento ou união estável; este conceito pode ser estendido até para breves relacionamentos, pois o indivíduo pode assumir a função conjugal, independente da qualificação da relação. Já a parentalidade envolve o exercício da autoridade parental sobre os filhos, que não se restringe aos deveres de pai/mãe, mas se refere, em primeiro lugar, ao que existe de mais importante nessa relação, que é o direito fundamental à convivência familiar. (Cruz e Walquim, 2014, p.6)

Ainda citando Dias (2016) a tarefa de separação conjugal e a separação emocional não é simples, principalmente nas situações que decorrem de uma separação conjugal litigiosa e há filhos, pela necessidade de contato, mas que isso não pode servir de justificativa para afastar a criança do convívio familiar, sendo ela o princípio que deve nortear os pais. Quando os pais compreendem, aceitam a separação e conseguem entender a diferença entre os dois conceitos, a tendência é convivência harmônica nessa nova formação do arranjo familiar.

Para auxiliar nessa compreensão, estudiosos apontam para necessidade de complementar o entendimento sobre a Alienação Parental no campo jurídico sob a perspectiva da Psicologia e do Pensamento Sistêmico.

Para dÁvila e Kortmann (2014), quando os compartilhamentos são marcados pelo sentido negativo, aquilo que os pais não conseguem resolver acabam sendo transmitidos e depositados nos filhos e passam a ter que lidar com aspectos emocionais que não lhe pertencem. O intuito do ordenamento jurídico foi dar suporte ao exercício da paternidade e maternidade por meio, por exemplo, da Lei de Alienação Parental, objeto de discussão no próximo tópico.

2.3. Breves comentários sobre a Lei 12.318/2010

No Brasil, há uma discussão quando se aborda o tema da Alienação Parental, daqueles que defendem o posicionamento de reconhecê-la como transtorno e outros que consideram como inerente às relações familiares, principalmente nos casos de ruptura conjugal. A lei brasileira não utilizou a conotação de síndrome, tendo em vista que não consta na Classificação Internacional das Doenças (CID), mas destinou a tratar da exclusão proposital e não dos sintomas e suas consequências. Madaleno (2015) afirma que a diferença entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental é técnica, pois, para a medicina, o correto seria usar Síndrome somente para os casos que caracterizassem o transtorno psicológico causado na criança em decorrência do ódio que a mesma passa a sentir por um dos genitores. Nesse sentido, Freitas (2015) conceitua:

Trata-se de um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto sintomático pelo qual um genitor, denominado cônjuge alienador, modifica a consciência de seu filho, por meio de estratégias de atuação e malícia (mesmo que inconscientemente), com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor, denominado cônjuge alienado. Geralmente, não há motivos reais que justifiquem essa condição. É uma programação sistemática promovida pelo alienador para que a criança odeie, despreze ou tema o genitor alienado, sem justificativa real. (FREITAS, 2015, p.25)

Por outro lado, Andrade (2021) aponta que é necessário distinguir a prática de alienação da chamada Síndrome de Alienação Parental, sendo aquele um ato pontual, como o que lei 12.318/2010 considera como interferência na formação psicológica do filho de modo que o vínculo com o genitor alienado seja prejudicado, enquanto a Síndrome é a consequência da prática no aspecto mental e emocional no filho.

Apesar desses debates acima mencionados, a Lei 12.318/2010 em quase seus dez anos de existência, conforme pontua Andrade (2021) busca proteger os filhos de posturas consideradas abusivas por seus responsáveis. No mesmo sentido, Vilela (2020) defende que apesar de se tratar de um conceito da área da saúde, os termos podem ser utilizados como sinônimos e que a legislação brasileira não adotou nenhuma das teorias, mas adotou o conceito de atos de alienação parental. Com isso, o artigo segundo traz o conceito jurídico da Alienação parental e uma lista exemplificativa de formas de alienação, além de apresentar a figura do alienador/ alienante- aquele que pratica os atos descrito nos incisos e o alienado o genitor que é afastado da criança ou adolescente, que define:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010)

O legislador ao dispor sobre o conceito de atos de alienação parental optou em definir os atos que tenham o potencial de fazer com que o filho, de forma injustificada, recuse conviver de modo amplo com todo grupo familiar, especialmente o genitor, conforme o entendimento de Vilela (2020), além de se tratar de um rol exemplificativo para servir de orientação a atuação do judiciário para o caso em que se constate a alienação. Guilhermano (2012) aponta que o intuito do legislador foi assegurar a proteção de princípios constitucionais que tem por objetivo proteger a criança ou adolescente e inibir situações de violência psicológica.

No que se refere ao artigo 3º da Lei 12.318/2010, Waquim (2017) compreende que o ato de alienação parental fere ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que no caso é a criança ou do adolescente que é impedida a uma convivência familiar saudável tendo em vista que, quando são afastados, caracterizando-se abuso moral contra o filho, além de danos psicológicos, afetivos pelo fato de dificultar a relação entre o genitor alienado e seu filho.

O artigo 4º apresenta que deparar com indício de alienação parental é suficiente para investigá-la por meio de uma ação autônoma, com intuito de assegurar a convivência, com a garantia da visitação mínima assistida por um profissional designado pelo juiz quando julgar necessário e possibilitar o processo mais célere, pois uma demora processual poderia acarretar um maior afastamento entre os mesmos.

As situações onde há alegação de prática de abuso sexual é complexa e há um dilema ao juiz, como apontado por Dias (2010), pois ele não consegue de plano caracterizar se há de fato essa situação ou se o que há é um sentimento de vingança. Para se chegar a uma conclusão, inicia-se um processo longo, baseado em relatórios psicológicos e psicossociais, sendo necessário, durante este período, suspender o convívio para assegurar a proteção da criança. Para a referida autora, o desafio para o juiz é decidir entre um filho órfão de pai vivo ou manter a convivência entre eles.

Freitas (2015) pontua que o juiz deve sempre buscar o melhor interesse da criança e do adolescente e a separação total entre acusado e o menor deve ser usada em último caso, de modo que se mantenha o convívio até que se verifique se o que se alega é verdade. O artigo 4º caminha no sentido do magistrado proceder a tutela necessária para se evitar o dano e manter uma convivência até mesmo assistida, ou sendo realizadas em lugares públicos, caso julgue necessário.

Ainda para Freitas (2015) a identificação da existência ou não da alienação parental em um caso concreto é difícil, motivo pelo qual o artigo 5º da Lei 12.318/2010 dispõe sobre a possibilidade de realização de ação ordinária autônoma para identificar a ocorrência da prática. Além disso, nos casos graves ou que se julgar necessário, há perícia psicológica ou biopsicossocial por profissionais especializados para averiguar o caso de modo que os danos, principalmente no aspecto emocional, sejam menores. Outro aspecto que cabe mencionar são os instrumentos processuais dispostos no artigo 6º da referida lei com intuito de inibir ou atenuar os efeitos da alienação parental e encontram-se dispostas em sete incisos podendo ser utilizadas de forma cumulativa ou não, a depender da gravidade de cada caso, tendo sempre como objetivo o melhor interesse da criança e adolescente.

No sentido de complementar a reflexão acerca da Alienação Parental, Andrade (2021) afirma que é forçoso considerar a Lei 12.318/2010 como perfeita, tendo em vista que apesar da sua busca em eliminar ou ao menos reduzir os efeitos que a prática produz em todos os envolvidos, ela está longe de solucionar os problemas decorrentes de uma situação de ruptura conjugal, por exemplo. Tendo em vista a importância de analisar as discussões em torno da solução desses problemas familiares, o capítulo a seguir se dedicará a analisar os argumentos sobre a criminalização da alienação parental e se essa proposta está em conformidade com a legislação brasileira.


3. A CRIMINALIZAÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL

O presente capítulo tem o intuito de analisar brevemente a iniciativa de criminalização da alienação parental e possíveis reflexões se esse caminho é adequado baseado dispositivos norteadores da legislação brasileira.

3.1. A discussão sobre a criminalização da Alienação Parental

Após dez anos da vigência da Lei 12.318/2010, há discussões no que se refere à previsão do crime de Alienação Parental, a exemplo do Projeto de Lei nª4488/2016 com objetivo criminalizar não só as falsas denúncias, como qualquer ato com pretensão de proibição, dificuldade da convivência não só com o outro genitor como todo o grupo familiar. Apesar de em dezenove de junho de dois mil e dezoito o Deputado Arnaldo Sá de Faria ter solicitado a retirada da tramitação do referido projeto, a discussão quanto à previsão de textos legais que configure como crime continua sendo objeto de apontamentos no meio jurídico.

Com a lei 13.431/2017 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, houve um entendimento da possibilidade de aplicação da pena de prisão aos quem praticam atos de alienação parental por ser reconhecido como violência psicológica disposto no artigo 4º, inciso II, alínea b da referida lei. Esse posicionamento é apontado por Dias (2018):

É reconhecida como forma de violência psicológica os atos de alienação parental (artigo 4º, II, b), sendo assegurado o direito de, por meio do representante legal, pleitear medidas protetivas contra o autor da violência, à luz do disposto no ECA e na Lei Maria da Penha (artigo 6º e parágrafo único).

A Lei Maria da Penha autoriza o juiz a aplicar, além das medidas protetiva elencadas, medidas outras, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem (LMP, artigo 22, parágrafo 1º). Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, pode o juiz requisitar o auxílio da força policial (LMP, artigo 22, parágrafo 3º). E, a qualquer momento, decretar a prisão preventiva do agressor, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial (LMP, artigo 20).

O ECA, por sua vez, atribui aos pais a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (ECA, artigo 22). Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária pode determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum, além da fixação provisória de alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor (ECA, artigo 130 e parágrafo único). Agora, concedidas essas medidas a título de medida protetiva, o descumprimento pode ensejar a decretação da prisão preventiva (LMP, artigo 20 e Lei 13.431/2017, artigo 6º). (DIAS, 2018, p.2)

No mesmo sentido, Pereira (2021) entende que é possível penalizar quem deixa de atentar ao melhor interesse dos filhos e considera que:

A alienação parental é um fato existente que precisa ser tratado com maior rigor pela legislação, com medidas protetivas mais eficazes e até mesmo com o uso do instrumento prisional, como medida socioeducativa para os pais que maltratam e abusam de seus filhos. Por fim, vale ressaltar a importância do amor, do diálogo, do afeto, como meio eficaz para se resolver qualquer conflito entre as famílias. Precisamos alimentar esse espirito fraterno em nossas casas, em nossas famílias e em nossa vida, para que possamos contribuir com generosidade na formação humana das gerações futuras. (PEREIRA, 2021, p. 21)

De outro lado, há autores como que entendem que criminalizar a alienação parental atende mais à uma revanche com proteção legal a disposição do alienado do que efetivamente permitir um desenvolvimento sadio da criança e do adolescente, assegurando direitos que visam o seu melhor interesse, como da convivência familiar. Silva e Filho (2018) pontuam que o entendimento de pena de prisão por alienação seria uma violação ao artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988, ao impor uma sanção penal por uma interpretação extensiva.

No mesmo sentido, há o entendimento de Waquim (2017), que defende que ao invés do Estado buscar a criminalização o esforço principal deve residir em buscar políticas públicas que promovam caminhos alternativos em busca do cerne do conflito que motiva a alienação, que para a autora trata-se de um fato subjetivo. A autora pontua que:

O cerne da solução do problema da Alienação Parental, assim, reside muito mais no restabelecimento do equilíbrio do ambiente familiar e seus atores, do que com a segregação de um dos genitores a estabelecimento prisional. Em especial quando se acrescenta à balança o fato de que o atual sistema prisional brasileiro não favorece a manutenção do convívio entre presos e seus filhos, muito menos efetiva a ressocialização daqueles. (WAQUIM, 2017, p.11)

Groeninga (2015) também interpreta que, em conflitos familiares, a necessidade de outras práticas colaborativas é mais importante do que o aprimoramento legislativo, que nesse caso seria a criminalização, pois os conflitos ultrapassam as sentenças e as determinações judiciais, deixando claro a necessidade de outros institutos nessas demandas.

Souza (2020) compreende que a previsões legislativas e o Direito não dão conta da complexidade dos seres humanos e não pode ser solução para todos os problemas familiares, sendo necessário o conhecimento de outras áreas na solução mais efetiva. A direção mencionada anteriormente parece caminhar em direção aos princípios norteadores da legislação brasileira que será analisado no tópico que se segue.

3.2. A legislação brasileira e a solução consensual dos conflitos

A prática dos atos de alienação parental é um descumprimento de diversos deveres, a exemplo do disposto no artigo 227 da CF, que dispõe sobre o direito à convivência familiar que a criança e adolescente possuem e deve ser assegurado pela família e o Estado. A reflexão que este ponto merece é se ao dispor sobre a criminalização da alienação parental essa criança terá assegurado efetivamente seus direitos.

Sobre o referido artigo, merece destaque o entendimento de Dornelas (2019):

No artigo 227 da CR, fala-se em dever relacionado ao cuidado com o filho. O amor pela criança nasce com a criança, e é para a vida toda. Criança não precisa de justiça, mas, de amor. Justiça é para adulto. A presença de uma criança no fórum para visita monitorada, não seria conveniente. É inadimissível a presença dela em um órgão de justiça que ela não tem conhecimento. O lugar de criança é com a família. (DORNELAS, 2019, p.9)

Outro dispositivo que merece ser mencionado ao abordar sobre a alienação parental diz respeito ao artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a proteção em todos os aspectos da criança e do adolescente. Cezar-Ferreira (2011) pontua sobre a responsabilidade do Estado em intervir quando esse direito não é assegurado, o que não significa necessariamente utilização de meios punitivos, mas pode ser uma caminhada em um novo modelo consensual de solução de controvérsias.

No que diz respeito a um novo paradigma de solução de conflitos, pode-se mencionar a Resolução 125/2010 do CNJ que incentiva a adoção de meios consensuais para a solução das controvérsias. Em 2015, no artigo 3º parágrafo 3º e o artigo 694, ambos do Código de Processo Civil, reforçam o incentivo do legislador para portas de resolução dos conflitos. Duri e Tartuce (2016) apontam que a sentença talvez seja a última porta e todos os atores do sistema de justiça devem buscar a utilização de métodos consensuais para resolução dos conflitos.

Oliveira e Lasma (2020) mencionam também a Lei de Alienação Parental, a Lei de Mediação e o Código de Processo Civil de 2015, juntamente com os dispositivos acima citados, reforçam o entendimento que o caminho em direção aos métodos colaborativos de resolução de conflito é um meio para garantir o direito à convivência familiar para a criança e adolescente

Para Storch e Migliari (2020), o incentivo as práticas colaborativas É um processo de transformação que se encontra em pleno vapor e o Judiciário se tornou um campo fértil para as práticas auto compositivas, inclusive as mais inovadoras. (STORCH; MIGLIARI, 2020, p.162). Um exemplo disso é a recente Portaria 3923/2021 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que regulamenta a possibilidade de utilização das constelações sistêmicas como ferramenta para auxiliar os métodos autocompositivos, pois permite uma facilidade no reestabelecimento do diálogo e uma construção da solução efetiva em cada caso.

Desse modo, Waquim (2021) observa que o caminho para uma legislação que protege e assegura os direitos não é pela criminalização e judicialização dos conflitos, mas o aperfeiçoamento por meio de ferramentas alternativas na compreensão e solução de conflitos nas ações de família, inclusive a alienação parental. Por esse motivo, o capítulo a seguir se dedica ao estudo do Direito Sistêmico e a Constelação Sistêmica, seus princípios e aplicação nas demandas familiares.


4. O DIREITO SISTÊMICO

O intuito deste capítulo é a apresentar a Constelação Familiar, seu uso no Poder Judiciário por meio do Direito Sistêmico, tendo como percussor o juiz Sami Storch, além de possibilitar a reflexão de como esse método pode ser uma ferramenta para auxiliar a construção de uma solução consensual nos conflitos familiares que envolvam ato de alienação parental.

4.1. O Direito Sistêmico e contexto histórico

O Direito Sistêmico não se trata de uma nova disciplina no ramo do Direito, mas é uma expressão criada em 2010 pelo juiz Sami Storch para se referir à técnica de Bert Hellinger, denominada constelação familiar, nos conflitos judiciais em busca de uma solução pacífica e humanizada dos conflitos. Storch (2018) explica que:

Trata-se de uma abordagem originalmente utilizada como método terapêutico pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, que a partir das constelações familiares desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu autor com o nome de Hellinger Sciencia. O conhecimento de tais ordens nos conduz a uma nova visão a respeito do Direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando uma solução harmônica. (STORCH, 2018, p.2)

Essa percepção foi a do juiz Sami Storch, que começou a utilizar a técnica na vara de família em que atuava na Bahia, ao observar que o que está no processo não é o cerne do conflito, pois a sentença não resolvia o caso, e percebia que a insatisfação resultava em um novo processo para rediscutir a mesma questão, reforçando a necessidade de um novo modo de pensar os conflitos familiares no Judiciário. Com isso, Storch (2018) teve a iniciativa de promover ações conciliatórias por meio das leis sistêmicas entre as partes nos conflitos que ele atuava no Judiciário brasileiro, tendo em vista que a legislação pode até resolver o processo mas não é capaz de solucionar o conflito. Nesse sentido, Storch (2018) pontua:

A tradicional forma de lidar com conflitos no Judiciário já não é vista como a mais eficiente. Uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo e não raro desagrada a ambas as partes. Em muitos casos, enseja a interposição de recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução. Como consequência, a pendência tende a se prolongar, gerando custos ao Estado e incerteza e sofrimento para as partes.Tal fenômeno é ainda mais visível nos conflitos de ordem familiar, que têm origem quase sempre numa história de amor e geralmente envolve filhos. A instrução processual é nociva para todos os envolvidos. Cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando ressentimento e dificultando a paz. Assim, mesmo depois de julgada a ação, esgotados os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece. (STORCH, 2018, p.1)

A necessidade de novas formas de buscar a solução dos conflitos é disposta e incentivada no Código de Processo Civil de 2015 o que reforça a ideia do legislador em instaurar técnicas não adversarias na resolução desses conflitos, deixando a cultura do litígio e buscando a cultura do consenso, como abordado por Sales e Calou (2017).

Cardoso e Santos (2019) ressaltam que o Direito continua sendo o mesmo, mas o profissional do direito pode ser sistêmico, tendo em vista que o sistêmico qualifica o profissional. Nesse sentido, o autor elucida que os profissionais continuam aplicando o Direito da mesma forma que aprende na universidade, mas o que altera é ao adotar a postura sistêmica, pois permite um novo olhar sobre o conflito e, assim, atuar de uma nova maneira, distante da postura litigante.

Ainda, a questão não é simplesmente uma defesa de tese jurídica e o direito sistêmico permite que o profissional analise o conflito em uma amplitude maior. No que se refere à postura sistêmica, Borges (2018) pontua que os princípios abordados por Bert Hellinger contribuem para profissionais que trabalham com ajuda, especialmente quando trata-se de conflitos familiares.

Além disso, apropriar de uma visão prospectiva permite a busca a reconciliação, pois Storch (2011) afirma que em muitos processos de família a sentença é dada mas o conflito permanece existindo. Por isso, o autor afirma que adotar essa postura por parte dos operadores do Direito mostra as partes a possibilidade de enxergar que a solução pode ser construída de uma maneira mais pacífica, rápida e efetiva.

Para Storch e Migliari (2020), o Direito Sistêmico se dedica às soluções duradouras para as questões emocionais que não são resolvidas juridicamente, mas que impedem o bom andamento do processo por meio da comunicação do Direito e as Constelações Sistêmicas Familiares, criada pelo filósofo, teólogo e pedagogo Bert Hellinger com formações em psicanálise, terapia familiar, dinâmica de grupos.

4.2. A Constelação Familiar

A técnica das Constelações Familiares ganha novos adeptos de maneira crescente de profissionais de diversas áreas do conhecimento. Para Storch e Migliari (2020) as constelações sistêmicas ou familiares, como assim são chamadas, podem ser compreendidas como um método psicoterapêutico utilizado para a representação de um sistema conflituoso em que um determinado indivíduo está inserido. Através das etapas que a técnica de constelação, a pessoa que tem suas relações representadas no processo e passa a enxergar comportamentos repetitivos e viciosos, que causam sofrimento para todos os envolvidos na controvérsia.

Bertão (2019) explica que ao longo da vida Bert Hellinger observou os comportamentos humanos e após anos de estudos e vivências em grupos percebeu que as questões psicológicas dos seres humanos são organizadas pelas denominadas ordens. Desse modo, Bert Hellinger percebeu que os relacionamentos são regidos por três leis denominadas pelo teórico como ordens do amor. A autora explica que:

Bert Hellinger nasceu em 1925, foi sacerdote por quase 20 anos, teve influência do seu trabalho pela convivência com o povo zulu e as dinâmicas de grupo da igreja anglicana, prática que depois integrou seu ofício na área da psicologia. Com seu oficio de padre, de ouvir as pessoas começou a observar que aquelas pessoas que faziam coisas positivas se sentiam de alguma forma culpadas, enquanto pessoas que cometiam atitudes ruins, algumas graves justificavam seus atos e se sentiam bem- o que chamou de boa consciência. As de má consciência ele disse que são pessoas que estão fora do padrão de consciência do seu grupo de origem. As de boa consciência na verdade estavam integradas às suas raízes. Em 90, teve contato com a Constelação por meio da psiquiatra Thea Schönfelder, com isso, desenvolveu sua própria técnica que se aplicava em todas as áreas e formulou as 3 leis do amor. (BERTÃO, 2019, p 38)

A primeira ordem do amor é o pertencimento, e Bertão (2019) explica que todos os membros de um grupo, aqueles que contribuíram para a existência têm o direito de pertencer a ele. Para permanecer em sua família de origem o ser humano repete, ainda que afirme ou busque o contrário, os mesmos padrões familiares, pelo simples fato de que sendo igual ele se sinta pertencente. Quando um membro é excluído de um sistema as consequências são graves, para Cardoso e Santos (2019) também ocorre nos casos de alienação parental, onde as crianças por necessitarem deste pertencimento de ambos os pais sofrem uma grande crise de lealdade, além de sentirem esta rejeição como algo pessoal.

A segunda ordem ou lei sistêmica é a hierarquia, onde cada um tem seu papel no grupo, denominada por Hellinger (2006) como ordem de origem, e significa que aqueles que vieram primeiro tem precedência sobre os que vieram depois. Com isso, diante da ausência de definição destes papéis ou mesmo a troca de lugares pode ocorrer inúmeros desconfortos.

No que se refere aos desconfortos, pode-se exemplificar com situações em que envolvem separações, o menino ser colocado no posto de homem da casa, este é um fardo pesado demais para a criança e mesmo que de maneira velada ou inconsciente lhe trará prejuízos posteriores. Estas simples ações causam os chamados emaranhamentos familiares e com eles uma série de distúrbios que podem variar de brigas e problemas de relacionamentos às separações traumáticas.

Madaleno (2015) esclarece que a lei da hierarquia não significa que os mais velhos ou os primeiros não possam tomar decisões equivocadas ou apresentar comportamentos negativos, mas que eles devem ser respeitados, ainda que não se concorde com suas ações.

A terceira e última lei diz respeito ao equilíbrio entre o dar e o receber nas relações, para Cardoso e Santos (2019) pode ser facilmente verificado entre casais, quando um dá mais do que o outro é capaz de receber ou retribuir, este equilíbrio fica prejudicado, quem deu mais se sente no direito de cobrar enquanto aquele que recebeu sem poder retribuir sente-se em dívida e tende a não mais permanecer na relação. Cumpre ressaltar que este dar e receber não diz respeito apenas a bens materiais, mas atenção, afeto, tempo, tolerância.

Bertão (2019) explica que a palavra amor quando se refere às três leis não é no sentido romântico da palavra, mas no sentido vital, um sentimento nutrido por aqueles que deram vida a pessoa. A autora acrescenta:

É esse amor vital que nos faz reviver os sofrimentos dos nossos antepassados, como se isso fosse necessário para demonstrar nossa lealdade a eles ou como se assim pudéssemos reparar as injustiças que sofreram A Constelação busca restaurar o fluxo do amor interrompido no passado e, dali em diante, torná-lo consciente, de forma que não seja mais necessário assumir o lugar do outro e reeditar seus problemas para reparar o que acredita ser injusto. O entendimento e a gratidão em relação a tudo o que houve de bom ou de ruim na nossa história nos liberta do sofrimento e nos torna mais livres para caminhar na vida conforme nossos próprios anseios. (BERTÃO, 2019, p 40)

A aproximação entre o Direito e as Constelações possibilita aos envolvidos compreender a verdadeira razão de seu comportamento ou da parte adversa e qual a melhor solução para o caso. Além de permitir que se consiga identificar em que momento e qual das leis descritas acima foram quebradas, gerando um desequilíbrio para todos os membros.

No Direito, Storch (2018) afirma que o que se traz para o campo jurídico com essas práticas são percepções diferentes daquelas que está acostumado a se perceber nessa área, pois aprende-se no Direito a aplicar a lei mas, na prática, percebe-se situações que a técnica do Direito por si só não é capaz de resolver, pois por trás há questões que não são trazidas pelas partes.

4.3. A alienação parental sob a ótica do Direito Sistêmico

O objetivo maior da aplicação da teoria das constelações sistêmicas é a identificação da origem de conflitos dentro de grupos e sua posterior superação.

Storch (2015) defende a alienação parental, no ponto de vista do direito sistêmico, é o alienador não reconhecer que o alienado é importante e que, provavelmente, ele não reconhece que sua própria mãe ou pai é importante, o que dificulta para o alcance de um relacionamento equilibrado. Por exemplo, se uma mulher aprendeu que o pai não é bom, é fraco, insuficiente, ou não tem valor, quando ela encontrar um homem é assim que ela vai enxergá-lo enquanto pai. Talvez, em um primeiro momento, ela até idealize, acha que vai ser diferente, mas sem perceber ela mesma vai procurar um homem igual ao pai, porque é o seu pai que está excluído e ela vai buscar aquele que está excluído nas outras pessoas e assim ela pratica alienação parental assim como a mãe praticou com o próprio pai.

Ao analisar as ordens do amor e a alienação parental, consegue-se perceber o que Hellinger (2001) aponta sobre o desequilíbrio do sistema quando um dos pais tenta excluir o vínculo de amor do outro pai com o filho. Ou seja, o autor afirma sobre a necessidade de compreensão do direito de pertencer que deve ser respeitado pelos pais para que se tenha o equilíbrio do sistema que remete à primeira lei do amor.

Nesse sentindo, merece destaque o entendimento de Storch e Migliari (2020):

Ela está excluindo uma parte de si mesma. E sabemos o que essa exclusão pode significar para uma criança no futuro em termos de emaranhamentos e dificuldades na vida, inclusive com tendência a repetir a mesma situação com seus próprios filhos. [...] Quando uma criança depõe numa ação judicial entre seus pais, tomando partido de um deles e dizendo algo que detrate o outro, o clima invariavelmente fica pesado entre as partes. Aquele contra o qual o filho foi usado no processo costuma ficar furioso e querer se vingar. A consequência é a alta incidência de recursos, descumprimento de decisões e novos processos. Além, é claro, do transtorno na alma dessa criança, que, mesmo sem perceber, não se perdoa (e chega a se punir) por ter falado contra um de seus pais. (STORCH; MIGLIARI, 2020, p.54)

No caso da Alienação Parental, a lei do pertencimento é claramente violada, ou seja, a um genitor é negado o direito de pertencer àquele grupo, causando sérias consequências não só para a prole deste casal, mas também para gerações futuras. Todo filho possui uma parte de seu pai e uma de sua mãe, sentindo-se pertencente aos dois, quando lhe é negado o convívio ou mesmo quando lhe impedem de nutrir bons sentimentos, ainda que à distância, do outro genitor, isto é, sentido como uma exclusão pessoal, uma negação de uma parte sua.

Por esse motivo, Cardoso e Santos (2019) alertam que para manter esse equilíbrio é necessário que haja respeito mútuo entre os pais. Tal comportamento acarreta prejuízos para todos os envolvidos, como Hellinger (2005) esclarece para conseguir reconciliar e pacificar as pessoas envolvidas em um conflito, torna-se necessário o reconhecimento desse prejuízo e a inclusão das pessoas que estão sendo excluídas.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proteção da criança e do adolescente junto da primazia por seus interesses, são considerações essenciais e deve ser levada em consideração como objetivo final em toda e qualquer decisão que trata da alienação parental. Para atender a estes requisitos e coibir a prática desses atos, é necessário o incentivo de estudos que vai além do campo do Direito, incluam outras áreas do conhecimento que se dedicam ao comportamento humano, como a psicologia e o pensamento sistêmico para a conclusão da melhor alternativa possível. É importante destacar que a promoção de um contexto de cultura do diálogo, por um caminho construtivo e prospectivo, em que os envolvidos adotam as decisões sobre suas vidas por meio da autorresponsabilidade em busca de uma melhor alternativa que a judicialização, é incentivada pela nossa legislação por meio da resolução nº 125/2010, a Lei de Mediação, o Código de Processo Civil, a Portaria nº 3923/2021 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e promovem a utilização dos métodos consensuais para promoção da cultura de pacificação social.

Cumpre ressaltar que o Direito Sistêmico não se trata de um novo ramo do Direito, mas de uma visão das relações humanas em que se busca um novo olhar sobre o conflito, evita litígios e possibilita o alcance da pacificação social que passa pela participação de todos os envolvidos. No Direito, em seu aspecto positivado já sabe-se o que fazer, mas quando se considera os princípios sistêmicos há uma diferença da postura no que diz respeito a como fazer para alcançar essa pacificação social.

Além disso, aqueles que estão envolvidos nas ações de famílias ao utilizarem conjuntamente o conhecimento sistêmico podem melhorar o trabalho desenvolvido e permitir uma resolução de conflitos mais efetiva, de modo a evitar que se rediscuta as mesmas demandas no Judiciário. Pode-se dizer que o papel é de empoderamento das partes, onde elas assumem suas responsabilidades e tomam consciência e não mais buscam o culpado, fazer o julgamento e a mudança desse olhar por meio do Direito Sistêmico pode ser uma ferramenta importante nessa construção.

Desse modo, encarar o Direito com esse olhar sistêmico pode trazer menos sofrimento do que encarar sob uma perspectiva litigante, pois a sentença não consegue fazer a justiça esperada. Por isso, essa forma de resolução dos conflitos por meio do Direito Sistêmico possibilita transformação não somente para Judiciário, como demais operadores, todos os envolvidos. Dessa forma, a utilização de outras áreas de conhecimento no campo jurídico permite que não se construam muros mas pontes que caminhem em direção à pacificação e transformação social.


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Abstract: This study deals with law 12,318/2010, also known as the Parental Alienation Law and the relevance of systemic law as a consensual method in the resolution of family conflicts. The methodology used was a bibliographical review with the objectives of understanding the systemic law in family conflicts in face of the parental alienation law, analyzing the systemic law in family conflicts, the parental alienation law and realizing the relevance of the systemic right in family conflicts in the face of parental alienation law. After the objectives, it was possible to see the relevance and need to use systemic laws in family conflicts, especially in acts of parental alienation, rather than encouraging an adversarial policy that encourages criminalization and judicialization, in view of the subjective and emotional aspect involving family disputes. Thus, it is observed that the path that Brazilian legislation has pursued meets what is sought through systemic law and contributes as an instrument to achieve social pacification.

Key words: Parental Alienation Law. Systemic law. Systemic laws. Family conflicts.



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