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Incidente de resolução de demandas repetitivas.

Considerações sob a óptica da crescente valorização dos precedentes judiciais

Incidente de resolução de demandas repetitivas. Considerações sob a óptica da crescente valorização dos precedentes judiciais

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Analisa-se a evolução do papel da jurisprudência e a formação do sistema de precedentes judiciais.

Resumo: Este artigo analisa o incidente de resolução de demandas repetitivas, instrumento processual inovador instituído pelo novo Código de Processo Civil, enfatizando-se o contexto da crescente valorização dos precedentes judiciais no ordenamento jurídico brasileiro. Imprescindivelmente explora também a evolução do papel da jurisprudência, com o objetivo de demonstrar os principais motivos pelos quais foi estabelecido um sistema de precedentes judiciais no ordenamento, em que se destaca a previsão a respeito do incidente de resolução de demandas repetitivas. Em seguida, aborda o incidente, evidencia seus aspectos mais importantes e delineia as fases de seu processamento. Por fim, busca-se explanar sua natureza jurídica.

Palavras-Chave: Incidente de resolução de demandas repetitivas. Precedente Judicial. Novo Código de Processo Civil.

Sumário: INTRODUÇÃO; 1 CONCEITO DE PRECEDENTE JUDICIAL; 1.1 A INTRODUÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 2 MICROSSISTEMA DE FORMAÇÃO CONCENTRADA DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS: ARTIGO 927 DO CPC/15; 2.1 O PRECEDENTE JUDICIAL VINCULANTE OU OBRIGATÓRIO; 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PRECEDENTES NOS SISTEMAS DA COMMON LAW E DA CIVIL LAW; 3 A CRESCENTE VALORIZAÇÃO DA FORÇA VINCULANTE DO PRECEDENTE JUDICIAL NO BRASIL; 4 O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS; 4.1 AS FASES DO IRDR 4.1.1 Instauração e admissão; 4.1.2 Instrução; 4.1.3 Julgamento; 4.1.4 Aplicação e revisão da tese jurídica; 4.2 NATUREZA JURÍDICA DO IRDR; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Os órgãos do Poder Judiciário abarcam uma alta quantidade de ações continuamente. Esse fenômeno da excessiva judicialização, uma das causas do congestionamento da máquina judiciária brasileira, está principalmente relacionado à massificação dos conflitos, inserida em um contexto de globalização e de sociedade de consumo, bem como à democratização do acesso à justiça ocorrido após a vigência da Constituição Federal de 1988.

Segundo dados levantados pelo Conselho Nacional de Justiça no relatório Justiça em Números de 20191, foram mais de 28 milhões de ações ajuizadas no ano de 2018, além daquelas em tramitação que ainda não transitaram em julgado, que somam aproximadamente 78 milhões.

Deste quantitativo de processos pendentes, mais de 2,5% estão sobrestados, segundo dados do CNJ2, por versarem sobre temas repetitivos, aguardando soluções idênticas que garantam a segurança jurídica.

Diante deste cenário, surgiu a necessidade de implementação no ordenamento jurídico brasileiro de novas técnicas destinadas a solucionar essa litigiosidade, que muitas vezes se mostrava repetitiva. Assim, foram promovidas alterações legislativas no Código de Processo Civil de 1973, modificando o regime dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

É de se destacar, no entanto, a instituição do sistema de precedentes de observância obrigatória no processo civil pelo Novo Código de Processo Civil. Conforme demonstrou a experiência, as técnicas processuais existentes não foram totalmente eficazes para combater a litigiosidade, e os órgãos judiciais continuaram assoberbados. Eram necessárias técnicas diferenciadas para se atingir este fim.

Para tentar reduzir significativamente o quantitativo desses processos, criaram-se técnicas processuais aptas para tanto, dentre elas o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que tem como principais objetivos a redução do número de processos que tramitam no Poder Judiciário e a uniformidade da interpretação do direito e, por conseguinte, a garantia do princípio constitucional da isonomia e da segurança jurídica.

O instituto do IRDR e suas especificidades e inovações serão capazes de efetivamente proporcionar celeridade processual e o tratamento isonômico dos jurisdicionados? Este é um tema muito debatido pela doutrina, que acredita ser necessário esperar a consolidação do instituto na prática judiciária, para poder analisar se efetivamente ele está atingindo seus objetivos ou não, e tecer apontamentos mais aprofundados. Por ora, é essencial a imersão nos estudos sobre o tema, o que se passa a fazer adiante.


1. Conceito de precedente judicial

O precedente judicial, segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira,” é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” 3.

Nas palavras de Marcos Paulo Pereira Gomes, “o instituto dos precedentes judiciais tem natureza jurídica de Direito Público, pertence ao ramo do Direito Processual Civil e pode alcançar o status de norma jurídica” 4.

Inicialmente, é necessário pontuar uma breve diferenciação entre precedente e decisão judicial. O precedente sempre advém de uma decisão judicial. Esta, no entanto, nem sempre causará a formação de um precedente, como por exemplo quando aplica lei não controversa, cujo comando legal é bem determinado e compreendido por seus aplicadores, ensejando apenas uma interpretação harmônica, decorrente do próprio texto normativo.

Da decisão que se vislumbra o nascimento de um precedente pode ser observado duas partes essenciais que a constituem. A primeira, e mais importante já que diretamente relacionada à força vinculante, é a Ratio Decidendi, ou razão de decidir, em que se verificam os motivos determinantes da decisão e os seus fundamentos jurídicos relevantes.

A segunda é o chamado Obter Dictum, que pode ser entendido como aqueles argumentos que não foram essenciais ou principais para a construção da decisão, revelando-se secundários, e, portanto, não dotados de força vinculante. Estes são dois conceitos fundamentais que permitem a melhor compreensão do instituto jurídico aqui discutido.

Pode-se afirmar que o efeito vinculante do precedente é o seu aspecto de maior relevância para o ordenamento jurídico brasileiro na atualidade, uma vez que traz consequências jurídicas tanto para os jurisdicionados, que recorrentemente tem a apreciação das suas demandas prejudicada pela morosidade do Poder Judiciário, violando-se o princípio constitucional da duração razoável do processo previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII5, quanto para os magistrados, que ficam vinculados aos precedentes emanados dos órgãos jurisdicionais aos quais se submetem, conforme concebe o Enunciado 170 do Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC6.

1.1 A INTRODUÇÃO DO SISTEMA DE PRECEDENTES JUDICIAIS NO BRASIL COM O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Com a promulgação em 16 de março de 2015 através da Lei nº 13.105 e a entrada em vigor em 18 de março de 2016 do novo Código de Processo Civil instituiu-se no Brasil um sistema de precedentes judiciais vinculantes ou obrigatórios. Vale ressaltar que, anteriormente, conforme será detalhado em momento oportuno no presente artigo, já se verificava em nosso sistema certa previsão a respeito da força vinculante de decisão judicial, como por exemplo, a possibilidade de criação de súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal – STF, instituto criado pela Emenda Constitucional n. º 45 de 08/12/2004, que por sua vez, não se confunde com o conceito de precedente judicial.

Sobre este tema, assevera Lilese Barroso Benevides de Magalhães que:

Em verdade, pode-se dizer que o CPC/15 organiza as regras já existentes em nosso sistema, (...) associando os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia como pressupostos valorativos da obrigatoriedade do sistema de precedentes judiciais. A ideia é a uniformização da jurisprudência dos tribunais superiores, de modo a dar ao jurisdicionado maior previsibilidade das demandas judiciais e reduzir o nível de insegurança existente pela possibilidade de decisões díspares em casos judiciais em que a semelhança dos fatos materiais indique a aplicação da mesma solução judicial7.

De tal citação corrobora-se que de fato já existia no sistema processual brasileiro uma certa aplicação de regras semelhantes aos precedentes, o que será exposto mais à frente. Entretanto, a melhor estruturação e organização dos precedentes só foram conquistadas com a positivação pelo CPC/15 deste conjunto de técnicas de aplicação de precedente.

É indiscutível que um dos objetivos precípuos da adoção deste sistema é combater a velha conhecida morosidade do Poder Judiciário. Marcos Paulo Pereira Gomes8 é contundente ao tratar desse tema, apontando que o uso dos precedentes favorece o jurisdicionado, se feito com responsabilidade e buscando entregar prestação jurisdicional satisfatória, prezando pela segurança jurídica e pela celeridade processual.

Cristiane Maria de Lima Curtolo9, porém, entende de forma diversa ao afirmar que a introdução do sistema de precedentes judiciais não é capaz de solucionar os problemas da insegurança jurídica e demora na prestação jurisdicional enfrentada pela nossa sociedade, uma vez que não confronta o verdadeiro problema, relativo à qualidade das decisões e, por conseguinte, direitos fundamentais podem vir a ser suprimidos.


2. Microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios: artigo 927 do CPC/15

Conforme já mencionado, o Código de Processo Civil de 2015 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro um sistema de precedentes judiciais estruturado e organizado. Um dos seus aspectos mais notáveis é a criação do mecanismo processual denominado de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que, em conjunto ao Incidente de Assunção de Competência (IAC), que encontra correspondência no CPC/73 em seu artigo 555, §1º10, sendo este remodelado pelo novo Código no artigo 94711, e aos também já conhecidos recursos especial e extraordinário repetitivos, formam o microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios 12.

O IAC, reformulando a regra de mesma essência já existente no Código de Processo Civil de 1973, é instituto processual que visa à uniformização da jurisprudência, evitando que o mesmo tribunal profira decisões divergentes relativas à mesma matéria. Ele possibilita que o colegiado competente de um tribunal o instaure quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos, conforme o artigo 947 do Código de Processo Civil de 2015.

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (2017, p. 603) afirmam que a finalidade do instituto é clara, operando em duas frentes, apesar de destinadas a um mesmo objetivo. A primeira é relativa à consolidação da compreensão do tribunal a respeito de relevante questão de direito, por meio de análise feita por órgão com atribuição para tanto. A segunda objetiva a prevenção de divergência de interpretação entre seus órgãos fracionários a este respeito, que ficarão vinculados ao acórdão proferido, segundo o artigo 947, §3º do CPC/1513, bem como aclarar a orientação para a população. É, portanto, técnica de compatibilização das decisões complementar ao incidente de resolução de demandas repetitivas14.

Ante a evidenciada complementariedade entre o IRDR e o IAC, temos que a diferença mais relevante entre esses dois institutos é a existência ou não de repetição em múltiplos processos em que se controverta questão de direito. Assim, existindo referida repetição, é adequado que se instaure o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Neste sentido, mais uma vez merece ser colacionado o ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:

Ademais, é requisito para a aplicação do instituto – a fim de não sobrepô-lo a outros instrumentos com função semelhante e, em particular, ao incidente de resolução de demandas repetitivas (...) – a inexistência de repetição da questão a ser submetida ao incidente em outros processos. A questão objeto desse incidente, portanto, deve ser isolada, sem efetiva condição de repetir-se em diversos outros processos. Assim é porque, havendo essa repetição, é caso de instaurar-se o incidente de resolução de demandas repetitivas, que tem como pressuposto essencial exatamente a efetiva repetição da questão em várias demandas (art. 976 e seguintes)15.

Também deve ser mencionada a semelhança entre os institutos acima tratados, que repousa na inequívoca força vinculante do acórdão proferido no âmbito do incidente de assunção de competência, – uma vez que vincula os juízes e os órgãos fracionários do tribunal – do mesmo modo como ocorre com a decisão que julga o incidente de resolução de demandas repetitivas. É expressa previsão do artigo 927, III, do CPC/1516, que também se aplica ao julgamento de recursos excepcionais repetitivos.

O julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/1517, é técnica de julgamento por amostragem em que, diante de multiplicidade de recursos que versem sobre idêntica questão de direito, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça fará a seleção de recursos representativos da controvérsia, permitindo que seja proferida decisão que será aplicada a estes recursos que foram afetados para julgamento paradigmático e aos demais recursos que foram sobrestados nos tribunais de origem. Necessário apontar que é incabível a instauração do IRDR quando um dos tribunais superiores no âmbito de sua competência já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão repetitiva, conforme artigo 976, § 4º do CPC/1518.

O novo Código reforça o prestígio à força vinculativa do precedente ao prever o cabimento de reclamação quando inobservado o acórdão em IAC e IRDR, na forma prevista no artigo 988, IV do CPC/1519. Enfatize-se, desde logo, que a desobediência à súmula vinculante também desafia a reclamação, sendo nítido que já existia previsão a respeito da força vinculante no direito brasileiro.

Com isso, constata-se o esforço do legislador em combater a divergência jurisprudencial excessiva, criando o IRDR e repaginando as técnicas processuais já existentes, sobretudo, ao prever a força vinculante obrigatória do precedentes emanados através da utilização das referidas técnicas, a fim de uniformizar a jurisprudência, cumprindo o que manda o artigo 926 do Código de Processo Civil vigente20.

2.1 O PRECEDENTE JUDICIAL VINCULANTE OU OBRIGATÓRIO

Precedente judicial é toda decisão judicial que tem por característica o amplo debate a respeito de certa questão jurídica, de modo a restar bem delineada a tese jurídica nela estabelecida, tornando-se apta a ser aplicada no julgamento de casos futuros e semelhantes, dada a relevância e abrangência da sua análise.

Sobre o tema, Daniel Mitidiero aduz que:

O novo Código de Processo Civil introduziu o conceito de precedentes no direito brasileiro. Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial e colabora de forma contextual para a determinação do direito e para a sua previsibilidade21.

Todo precedente judicial é dotado de força vinculante, isto é, ao se falar em precedente, pressupõe-se a existência da sua vinculatividade. Por outro lado, na concepção de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero22, é errôneo referir-se a decisões de Tribunais de Justiça e de Tribunais Regionais Federais como precedentes, posto que somente o STF e o STJ, Cortes Supremas, produzem precedentes. Os autores esclarecem a corriqueira confusão entre os termos “precedente” e “jurisprudência”, apontando sucintamente que “apenas o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça formam precedentes. Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dão lugar à jurisprudência”.

Contudo, Sofia Temer diverge neste ponto, sobretudo no tocante ao tratamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, o que parece restar claro no seguinte trecho da sua obra intitulada “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”:

Parece-nos, então, que ao pretender distanciar o IRDR do “precedente” [...] criou-se uma simples negação de questões basilares do novo instituto, notadamente da sua pretensão de garantir previsibilidade na resolução de conflitos, orientando a sociedade [...] É que, sendo essas características ou consequências do “precedente”, limitado às Cortes Supremas, Marinoni nega sua importância para o IRDR, com o que discordamos23.

É imperioso distinguir o efeito vinculante do precedente da eficácia erga omnes. Como se sabe, a vinculação do precedente não se limita a sua parte dispositiva, abrangendo as razões determinantes presentes na fundamentação, isto é, a Ratio Decidendi, que é o que verdadeiramente forma um precedente. A eficácia erga omnes, por sua vez, se limita à parte dispositiva da decisão. Traduz-se em eficácia que é válida contra todos. Refere-se, portanto, à validade da lei ou de decisão judicial, que deve ser observada por qualquer pessoa.

No que tange o IRDR e o efeito vinculante de seu precedente, destaque-se a esclarecedora doutrina de Humberto Theodoro Júnior:

Por não ocorrer composição de lide, o acórdão pronunciado pelo tribunal na resolução do incidente de demandas repetitivas não faz coisa julgada material. Terá, porém, força vinculativa erga omnes, fazendo que a tese de direito assentada seja uniformemente aplicada a todo aquele que se envolver em litígio similar ao retratado no caso padrão. Por outro lado, embora o enunciado paradigmático seja de observação obrigatória nos diversos processos individuais similares, não se pode cogitar de força executiva na espécie. É que nele não se procedeu à certificação da existência do direito ou da obrigação de ninguém. No incidente, enfim, “o que vincula é o próprio precedente que dali se origina. A projeção erga omnes não é dos efeitos da coisa julgada, mas da ratio decidendi”24.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS PRECEDENTES NO SISTEMA DA COMMON LAW E DA CIVIL LAW

É seguro afirmar que a common law é produto de circunstâncias histórico-políticas diversas daquelas vivenciadas pelos países da tradição romano-germânica. A França pré-revolucionária estava inserida em um contexto no qual os juízes, pertencentes à classe aristocrática da época e alinhados ao Estado Absolutista, utilizavam da atividade jurisdicional para fins de manutenção dos privilégios que o clero e os nobres possuíam. Insatisfeita com o excesso de privilégios conferidos à aristocracia, a classe revolucionária dá início à Revolução Francesa, que culminou no fim do Antigo Regime.

Dentre as demais consequências de cunho econômico, político e social, verifica-se também o surgimento de um modelo jurídico novo em que o monarca perde o poder absoluto e o Parlamento ganha destaque, uma vez que atua como representante da vontade do povo, elaborando as leis que são a expressão dessa vontade. Já a figura do juiz se enfraquece, visto que fica adstrito à determinação legal, tornando-se simples aplicador do texto preciso da lei, com vedação a qualquer atividade interpretativa.

Dessa forma, é criada uma imagem de segurança jurídica, assegurada pela norma escrita, capaz de garantir a igualdade entre todos os cidadãos, posto que representa a vontade do povo, bem como pela consequente limitação da atuação do juiz.

Nascido na Inglaterra, o sistema da common law, por sua vez, teve uma formação lenta, conforme a apreciação dos casos que eram submetidos às cortes e a própria formação dos precedentes, que, vale afirmar, se amoldavam às modificações sociais. Os costumes eram, evidentemente, a principal fonte do direito inglês. De forma contrária ao que ocorria na França, depositava-se confiança no juiz inglês, pois este também se opunha, junto ao Parlamento, ao poder absoluto do rei.

Assim, nota-se que o civil law sofreu uma forte transformação política que alterou o seu ordenamento jurídico, enquanto a common law foi construída de maneira mais linear, sem grandes rupturas.

Nessa esteira, a didática lição do doutrinador Hélio Ricardo Diniz Krebs, em sua obra Sistema de Precedentes e Direitos Fundamentais (2015, p. 85):

Com efeito, uma das grandes características do direito inglês, que tanto fascina os estudiosos, é o fato de que a Inglaterra nunca experimentou uma reviravolta política capaz de caracterizar um rompimento com o sistema tradicional, tal como ocorreu na França, com a Revolução de 1789, onde se assistiu a derrota do antigo regime (ancien régime), que foi substituído por um sistema radicalmente novo, (...).25.

No decorrer da evolução do direito inglês, por volta do século XIX, edificou-se a doutrina do stare decisis, que pode ser entendido como o respeito obrigatório aos precedentes. Se durante muito tempo o direito inglês valorizava a experiência judicial na construção do seu sistema jurídico, não é de se espantar que, a partir de certo ponto, os precedentes, recorrentemente citados pelos juízes em suas decisões, atingiram um grau de importância que fora reconhecida a sua força vinculante, criando-se, portanto, a doutrina dos precedentes. Em suma, os precedentes deixam de ser persuasivos e tornam-se vinculativos, horizontal e verticalmente.

Embora as duas tradições tenham origens distintas, há na atualidade uma expressiva comunicação entre elas, facilitada pelo fenômeno da globalização. O exemplo mais pertinente é a valorização da jurisprudência na civil law, bem como dos precedentes. Contudo, não é só a tradição romano-germânica que é influenciada pelo direito anglo-saxão, aquela também exerce influência sobre esta. A common law produz mais leis do que costumava em sua origem, enxergando a codificação como apta a prover segurança jurídica, assim como os precedentes o fazem.

Portanto, merece destaque o que expõe Sérgio Gilberto Porto:

Cumpre, outrossim, registrar que, hodiernamente, em face da globalização (...) observa-se um diálogo mais intenso entre as famílias romano-germânica e a da common law, onde uma recebe influência direta da outra. Da common law para civil law, há, digamos assim, uma crescente simpatia por algo que pode ser definido como uma verdadeira “commonlawlização” no comportamento dos operadores nacionais (...) a chamada “commonlawlização” do direito nacional é o que se pode perceber, com facilidade, a partir da constatação da importância que a jurisprudência, ou seja, as decisões jurisdicionais vêm adquirindo no sistema pátrio, particularmente através do crescente prestigiamento da corrente de pensamento que destaca a função criadora do juiz26.

Não restam dúvidas quanto à existência, vale dizer, histórica, de um sistema de precedentes obrigatórios na common law, tendo em vista que ele, conforme demonstrado, foi construído culturalmente, sem qualquer necessidade da atuação do legislador para fundá-lo. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, houve a introdução dos precedentes vinculantes através de lei. Diante das dissemelhanças na incorporação dos precedentes aos dois sistemas jurídicos destacados, seria possível afirmar que a doutrina dos precedentes é igual em ambos?

De acordo com Georges Abboud, o artigo 927 do CPC/15 apresenta um rol de provimentos vinculantes, como exemplo, o acórdão proferido no julgamento do IRDR, que não correspondem ao genuíno precedente da common law 27.

Sob outra perspectiva, a introdução do sistema de precedentes no Brasil é encarada de forma mais otimista por Hélio Ricardo Diniz Krebs, que afirma que o novo Código de Processo trouxe um sistema de precedentes à brasileira, distinto daquele que existe na Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo louvável essa positivação do que já ressoava na doutrina, considerando que durante décadas o Poder Judiciário falhou em conferir segurança jurídica28.


3. A crescente valorização da força vinculante do precedente judicial

O ordenamento jurídico brasileiro, filiado à tradição da civil law, produz, em sua maioria, precedentes judiciais de eficácia persuasiva. Isto porque esta tradição jurídica tem a lei como fonte formal e primária do direito e a jurisprudência considerada como fonte subsidiária ou indireta do direito.

Inobstante a jurisprudência não constar como fonte secundária na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, em seu artigo 4º, parte da doutrina, afastando-se da visão tradicional, reconhece-a como tal29.

Nessa perspectiva, o renomado jurista Miguel Reale (2009, p. 169) observa que não se pode negar à jurisprudência a categoria de fonte do Direito, uma vez que a norma legal é, no fundo, a sua interpretação, isto é, o entendimento da lei pelo magistrado. Desarrazoado é, então, que a jurisprudência ou o costume continuem a ser classificados como fontes acessórias ou secundárias30.

O precedente persuasivo é o precedente que se volta à formação do convencimento do magistrado, isto é, não há imposição em seu decidir, no sentido de observância obrigatória, mas sim potencial capacidade de influência no julgamento, podendo ser adotado se assim entendido como aplicável ao caso.

Patrícia Perrone Campos Mello e Luís Roberto Barroso ao tratarem dos tipos de eficácia dos precedentes judiciais no direito brasileiro assim delineiam a eficácia persuasiva:

Esta é a eficácia que tradicionalmente se atribuía às decisões judiciais em nosso ordenamento, em razão de sua própria raiz romano-germânica. Os julgados com essa eficácia produzem efeitos restritos às partes e aos feitos em que são afirmados, são relevantes para a interpretação do direito, para a argumentação e para o convencimento dos magistrados; podem inspirar o legislador; e sua reiteração dá ensejo à produção da jurisprudência consolidada dos tribunais. São, contudo, fonte mediata ou secundária do direito31.

A norma positivada, despontando como principal e imediata fonte do direito no cenário brasileiro, pautava a atuação do juiz restringindo a sua discricionariedade, revelando-se este um mero aplicador da lei.

Em que pese a preponderância da legislação como fonte primária do direito e a subsidiariedade da jurisprudência no nosso sistema jurídico, esta foi amplamente utilizada e desenvolvida ao longo da experiência jurídica, o que permitiu, consequentemente, o próprio desenvolvimento do precedente judicial no nosso sistema.

O processo civil brasileiro, durante muito tempo, comportou jurisprudência de eficácia meramente persuasiva, já que, conforme explanado, o cenário era de supremacia da lei. Entretanto, é necessário sinalizar a diferença entre os conceitos de precedente judicial e jurisprudência para então destacar a evolução do papel da jurisprudência ao longo das últimas décadas. Em seguida, será demonstrada a crescente valorização do precedente judicial.

O precedente judicial é proveniente de uma decisão judicial que trate de uma questão de direito de forma ampla e bem fundamentada. Já a jurisprudência não é sinônimo de precedente, pois aquela, na verdade, se refere a uma série de decisões proferidas em assonância por um tribunal. Destarte, a primeira diferença entre os dois conceitos é a pluralidade de decisões.

O precedente sempre possui eficácia vinculativa, enquanto a jurisprudência possui eficácia persuasiva. Saliente-se, todavia, que em certas hipóteses o novo Código empresta a força vinculante própria dos precedentes à jurisprudência das Cortes de Justiça, por exemplo, aos acórdãos em incidente de assunção de competência.

A criação das súmulas jurisprudenciais, entendidas como enunciados de caráter geral, no ano de 1963, através de alteração no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, já acusava a ascensão da jurisprudência, que se tornou importante mecanismo para combater o grande volume de processos que sobrecarregavam os julgadores. Tornou-se, logo, um verdadeiro método de trabalho32, posto que proporcionava de maneira fácil e rápida a consulta ao entendimento dominante da Corte Suprema pelos seus próprios ministros. De outro lado, apresentou tal ferramenta a função de promover a unidade do direito, própria das Cortes de Precedentes, de forma repressiva, uma vez que já houve interposição de recurso.

Desse modo, no momento histórico citado, tendo em vista a ausência de técnicas processuais preventivas codificadas para a uniformização do direito, o papel da jurisprudência ainda se revelava um tanto quanto acanhado. Porém, a instituição das súmulas de jurisprudência no âmbito do STF foi um marco da evolução da jurisprudência, que, decerto, fertilizou o solo para os vindouros avanços, especialmente os legislativos, de técnicas mais aptas e efetivas no combate à divergência jurisprudencial e à uniformização do direito.

Promulgado sob a ditadura militar, o Código de Processo Civil de 1973 é outro importante marco da valorização da jurisprudência como instrumento de uniformização do direito que, ao lado das já conhecidas técnicas preventivas como as súmulas de jurisprudência, trouxe a previsão de técnicas preventivas para que os órgãos de superposição exerçam sua primordial função de dar unidade ao direito, também conhecida como função nomofilácica33.

Acerca dessas inovações trazidas pelo Código Buzaid, leciona Daniel Mitidiero:

O Código de 1973, cuja vigência testemunharia uma paulatina transformação na teoria da interpretação judicial do direito, não só manteve técnicas repressivas para a uniformidade do direito, mas também instituiu técnicas preventivas para tanto. Além de conviver com o sistema de súmulas e de repetir o recurso de embargos infringentes (art. 530) e o recurso extraordinário (art. 541), incorporando ainda posteriormente o recurso especial e o recurso de embargos de divergência (art. 546), o Código de 1973 instituiu o incidente de uniformização de jurisprudência (art. 476), cuja função estava em viabilizar um “pronunciamento prévio” a respeito da interpretação de uma determinada questão. Vale dizer: obter um pronunciamento prévio que evitasse uma interpretação inadequada da questão pelo órgão encarregado de seu julgamento34.

A súmula vinculante, instituto jurídico criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004, é figura emblemática da batalha travada pelo Poder Judiciário brasileiro em relação ao elevado número de processos que tramitam nos tribunais, sobrecarregando-os, especialmente no âmbito do STF, que busca através do referido instituto alcançar, verdadeiramente, a redução das demandas repetitivas que nele aportam.

Pode-se afirmar que a finalidade da súmula vinculante é assegurar a celeridade da prestação jurisdicional, princípio constitucional previsto no artigo 5º, inciso LXVVIII da Carta Magna35. Seja por trazer como consequência a improcedência liminar do pedido de causa que tenha pedido formulado contrário a enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de dispensa da fase instrutória, conforme artigo 332, inciso I do CPC/1536, seja diante da inadmissibilidade de recurso extraordinário interposto quando a questão constitucional tida por violada não tenha sido debatida no acórdão recorrido, por contrariar direito sumular, conforme estampado na Súmula 282 do STF37, por exemplo, é certo que estamos tratando de um instrumento em que consta orientação jurisprudencial sedimentada da Corte Superior sobre determinada questão para prevenir tanto a disparidade de decisões sobre temas idênticos, promovendo a segurança jurídica, quanto para combater a morosidade do Judiciário, estimulando a celeridade processual.

Merece ser destacada a diferença entre o instituto da súmula vinculante e o instituto do precedente judicial, na medida em que aquele possui a característica própria de representar uma jurisprudência já consolidada e, ao mesmo tempo, gerar efeitos vinculantes de observância obrigatória, identicamente ao precedente.

Sobre a referida diferença, os autores Michel Roberto Oliveira de Souza e Juliana Sípoli Col explicam o que segue:

[...] nota-se a relação entre SV e o precedente judicial, já que aquela se trata de enunciado resultante de reiteradas decisões no mesmo sentido acerca de matéria constitucional, sendo tal entendimento de seguimento obrigatório para os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta.

No entanto, o instituto da SV delineia-se de modo peculiar, pois, se por um lado possui a característica da observância obrigatória, tal como o precedente judicial, por outro, sintetiza diversas decisões reiteradas, o que a aproxima do conceito de jurisprudência[...].38.

Desse modo, é patente no decorrer das últimas décadas a promoção de diversas alterações legislativas, inclusive de índole constitucional, como a Emenda Constitucional nº 45/04, na busca da concretização da segurança jurídica e celeridade processual, subsidiando-se para tais fins do efeito vinculante do precedente, mormente com a instituição da súmula vinculante e com a adoção do microssistema de formação concentrada de precedentes no Código de Processo Civil de 2015.


4. O incidente de resolução de demandas repetitivas

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, ou, de modo abreviado, IRDR, é um novo instituto processual inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015, com previsão no capítulo VIII, nos artigos 976 ao 987. É uma nova modalidade de solução de conflitos repetitivos, em que se busca resolver seriadas controvérsias que contenham questões de direito idênticas, tendo ainda como finalidade a estabilidade e coerência das decisões judiciais.

Inspirado pelo instituto do Musterverfahren do direito alemão, conforme asserido na Exposição de Motivos do CPC/1539, em que se tem um procedimento-modelo que vai gerar uma decisão “modelo” (Muster), destinada à resolução de diversos processos semelhantes.

Assim, o IRDR é o incidente processual criado pela nova legislação processual civil que possibilita, diante da efetiva repetição de demandas que contenham controvérsia sobre uma mesma questão exclusivamente de direito e da existência de risco à isonomia e à segurança jurídica, o cabimento de sua suscitação perante o Presidente do Tribunal.

É preciso ainda que se tenha ausência de afetação de recurso em tribunal superior para definição de tese sobre questão de direito repetitiva (requisito negativo de admissibilidade). Esta é a previsão do artigo 976, incisos I e II e § 4º do CPC/1540.

Ainda sobre os requisitos para que seja cabível o IRDR, especificamente o primeiro requisito, previsto no artigo 976, inciso I do CPC/1541, é importante apontar que o Código Processual exige que, efetivamente, se tenha multiplicação de processos com a mesma questão de direito controvertida, material ou processual, o que justifica a exigência cumulativa dos requisitos, sobretudo da existência de risco à isonomia e à segurança jurídica, visto que não se vislumbra risco a este último princípio se não há repetição de demandas de fato.

Logo, o Código descartou a possibilidade de que a potencial repetição de processos permitisse o cabimento e a instauração do IRDR, o que afastou o instituto de um caráter preventivo, revestindo-o, na verdade, de uma natureza repressiva, posto que a mesma questão jurídica precisa ter sido decidida em várias ações.

Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero42 sucintamente explicam que “não basta o potencial risco de multiplicação. Ou seja, não basta que a questão de direito tenda a repetir-se em outras causas futuras. É necessário que a reprodução dessa questão seja concreta, efetiva, existente já no momento em que é instaurado o incidente”.

Outro ponto em que há divergência na comunidade jurídica é o cabimento ou não do IRDR que se origina de processo com tramitação na primeira instância. Parte da doutrina entende que o instituto somente é cabível diante da existência de recurso ou processo no tribunal, até mesmo em razão da literalidade do parágrafo único do artigo 978 do novo CPC43.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer44defendem essas duas possibilidades, discorrendo sobre as vantagens e desvantagens de cada interpretação. Os autores entendem que o cabimento somente perante o tribunal permite que haja um amadurecimento nos debates, tendo-se algumas decisões judiciais proferidas da questão, favorecendo o exercício do contraditório e a ampla defesa, e, assim, alcançar-se-ia um excelente padrão decisório. No entanto, critica-se o tempo de espera necessário para que se tenha a repetição de processos e para que alguns dentre eles cheguem ao tribunal, o que não traz nenhuma novidade em comparação aos recursos excepcionais repetitivos, além da redução da potencialidade do IRDR. Por outro lado, argumentam que a instauração a partir da primeira instância evita a multiplicação de processos, que se prolongam, sendo esta uma de suas características mais relevantes.

Já o processualista Daniel Amorim Assumpção Neves45 se filia à corrente que entende pela necessidade da existência de processo em trâmite no tribunal para o cabimento do incidente, porque, para ele, é um requisito não escrito que resulta da escolha do legislador em elaborar o já citado parágrafo único do artigo 978 do CPC.

No cenário jurisprudencial, ressalte-se que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem debatido a questão no Recurso Especial nº 1.631.846/DF, e a ministra Fátima Nancy Andrighi, em seu voto, afirmou que a causa pendente não é condição indispensável para instauração do IRDR, sendo tal dispositivo uma regra de prevenção, conforme notícia veiculada no site Migalhas46. Não há, até o momento, a divulgação da posição adotada pela Corte.

O rol dos legitimados para requererem a instauração do incidente perante o presidente do tribunal encontra-se no artigo 977 e incisos do CPC47. São eles o juiz ou o relator, as partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública. O parágrafo único do artigo 977 do CPC48 determina que o ofício ou a petição deve ser instruído com a documentação necessária a comprovar o preenchimento dos requisitos da instauração. Os legitimados que efetuem o pedido de instauração não se sujeitam ao recolhimento de custas, conforme o artigo 976, § 5º do CPC.

A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública no incidente pode ocorrer mesmo quando essas instituições essenciais à função jurisdicional do Estado não figurem como parte do processo, conforme se depreende da leitura do artigo 977 do CPC. Logo, temos que quando o Ministério Público atuar sem ser parte, será como fiscal da ordem jurídica. A Defensoria Pública, por sua vez, atuará na representação dos direitos e interesses dos necessitados. Para os dois órgãos, portanto, sua atuação é orientada segundo suas atribuições constitucionais.

O cabimento do IRDR no âmbito dos Juizados Especiais é mais um ponto que gera controvérsias. Sabe-se que os Juizados Especiais formam um subsistema próprio, não se sujeitando à jurisdição dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. Os recursos contra as decisões advindas dos juizados são encaminhados a uma Turma Recursal, composta por juízes de primeiro grau. A discussão é legítima, uma vez que parcela da doutrina entende que o IRDR não foi pensado para ser aplicado nos juizados, e sim nos tribunais.

Nessa linha, pontua Mozart Borba49 que “O IRDR foi pensado para completar o microssistema de demandas repetitivas. Enquanto o REsp e RE repetitivos dão ao STJ/STF uma abrangência nacional, os TJs/TRFs teriam o IRDR como ferramenta de uniformização similar”.

Vale fazer menção ao julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 1.508.273/SC50, que foi negado provimento por unanimidade pelos Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em que essa questão foi discutida, tendo os ministros entendido que instituto é dirigido aos tribunais locais, concluindo pela sua inaplicabilidade nesta Corte Superior.

De outro lado, há entendimento de que o IRDR é plenamente cabível nos juizados especiais. Nesse sentido, assevera Fredie Didier Jr. que “A tese fixada no IRDR aplica-se aos processos dos Juizados Especiais, conforme estabelece o inciso I do art. 985 do CPC. Não parece haver inconstitucionalidade nisso”51.

A doutrina chegou a solução de que o IRDR deve ser processado e julgado pelo órgão colegiado de uniformização do próprio juizado. Sofia Temer52, entretanto, aponta que esta solução é passível de críticas, ao dizer que “não parece aconselhável haver dois órgãos diversos, com competências muitas vezes coincidentes, aptos a uniformizar a jurisprudência através do IRDR, porque isso pode resultar na quebra de isonomia que o incidente pretende evitar”.

O novo Código Processual, entretanto, alude que a tese jurídica fixada será aplicada também no âmbito dos juizados especiais, em seu artigo 985, inciso I53. Considerando a estrutura própria e a independência do subsistema dos juizados especiais em relação à jurisdição comum, o que se constata é a falta de harmonia entre os dois sistemas quanto à questão da uniformização da jurisprudência, que poderia ter sido arquitetada pelo novo Código. Esta é a conclusão de Sofia Temer54, atestando que “não é aconselhável, sob a perspectiva do sistema jurídico e da integridade do ordenamento, desenhar esferas impermeáveis no que se refere aos juizados e aos demais processos”.

Cabe colacionar, no sentido da aplicabilidade do IRDR no âmbito dos juizados especiais, os enunciados do Fórum da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM55:

Enunciado nº 21: O IRDR pode ser suscitado com base em demandas repetitivas em curso nos juizados especiais.

Enunciado nº 44: Admite-se o IRDR nos juizados especiais, que deverá ser julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema.

A competência para o processamento e julgamento do incidente é do órgão indicado pelo Regimento Interno do tribunal, órgão este representativo da função uniformizadora da jurisprudência. Claro que se a questão debatida resvalar em inconstitucionalidade de norma, a competência passa a ser do órgão especial ou plenário, em obediência à cláusula de reserva de plenário estabelecida pelo artigo 97 da Constituição Federal56.

É de grande relevo a publicidade e a ampla divulgação que deve ser dada ao IRDR desde o momento da sua instauração, com a ampla e específica divulgação e publicidade nos bancos de dados dos tribunais e do CNJ, conforme definido pelo artigo 979 do CPC57.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer58 asseguram que a publicidade viabiliza que a sociedade tenha a informação sobre quais temas estão sendo analisados pelo Poder Judiciário, possibilitando-se o acompanhamento do julgamento e a participação democrática no debate do IRDR pelos meios adequados, assim como a divulgação do precedente, que servirá de padrão para casos futuros.

Note-se, portanto, que esta previsão é coerente com a tônica de dar publicidade aos precedentes judiciais concebida pelo novo CPC, o que se revela no artigo 927, § 5º59.

4.1 AS FASES DO IRDR

Demonstrados inicialmente os requisitos exigidos para a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, é mister prosseguir com a elucidação do seu processamento, dividido em quatro fases, para sua melhor visualização.

São elas: instauração e admissibilidade, instrução, julgamento, aplicação e revisão da tese jurídica.

4.1.1 INSTAURAÇÃO E ADMISSÃO

Para que o incidente seja instaurado, é imprescindível que estejam presentes os requisitos de instauração. São requisitos cumulativos a efetiva repetição de demandas com controvérsia sobre a idêntica questão de direito, o risco à isonomia, à segurança jurídica e a não afetação de recurso repetitivo sobre a mesma questão em tribunal superior, como exige o artigo 976, incisos I e II do CPC60. Um dos legitimados, então, juntando os documentos pertinentes que demonstrem a presença dos requisitos exigidos para a instauração, irá requerê-la perante o presidente do respectivo tribunal. Este, por sua vez, encaminhará o requerimento ao órgão competente indicado pelo regimento interno do tribunal.

Registrado e distribuído o pedido de instauração do IRDR no órgão colegiado competente, este passará a realizar o juízo de admissibilidade. Se ausentes os pressupostos de admissibilidade, o juízo será negativo e por consequência o incidente não será admitido. Se, posteriormente, os requisitos restarem devidamente preenchidos, poderá ser suscitado novamente o incidente.

Estando presentes os pressupostos, tem-se juízo positivo de admissibilidade, e o incidente prosseguirá regularmente. Na hipótese de desistência ou abandono do processo originário, não haverá qualquer prejuízo ao prosseguimento do incidente, em função do interesse público nele existente. Portanto, quem assumirá a titularidade é o Ministério Público, que também tem o dever obrigatório de intervenção quando não é o seu suscitante, atuando como custus iuris.

A decisão de admissão implica ao relator a adoção das providências elencadas no artigo 982 do CPC61, dentre as quais se destaca o dever de determinar a suspensão dos processos repetitivos pendentes, individuais ou coletivos, em tramitação no âmbito da competência territorial do tribunal em que foi instaurado o IRDR, podendo ainda a suspensão se estender nacionalmente, desde que requerida ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal por aquele que seja legitimado, em processo individual ou coletivo, que contenha como questão de direito o mesmo objeto do IRDR.

O prazo de suspensão é de 1 ano, período em que o incidente deve ser julgado. Tal prazo pode ser prorrogado por decisão fundamentada do relator.

Caso entenda necessário, poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo em que se discute o objeto do incidente, nos termos do art. 982, inciso II do CPC. O relator deverá intimar o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 15 dias, conforme o artigo 982, inciso III, tendo em vista ainda ser o Parquet o guardião dos interesses da sociedade.

Os competentes órgãos jurisdicionais serão comunicados da mencionada suspensão (art. 982, §1º, CPC62). Enquanto esta perdurar, não ficarão obstados os pedidos de tutela de urgência, que deverão ser dirigidos aos juízos nos quais tramitem os respectivos processos (art. 982, §2º, CPC63).

Ademais, a partir deste momento efetuar-se-á a definição do objeto do IRDR, que, seguramente, é uma das consequências mais importantes da decisão de admissibilidade, visto que a clara delimitação da questão jurídica debatida favorece o exercício do direito ao contraditório pelos interessados.

4.1.2 INSTRUÇÃO

Pode-se afirmar que a fase de instrução já está em curso quando os órgãos requisitados transmitem informações e o Ministério Público eventualmente se manifesta, consoante exposto no tópico anterior. Esta fase é bem elucidada no artigo 983, caput, do CPC64, porque prevê a atuação dos sujeitos, admitindo que relator ouça as partes, demais interessados, incluindo-se pessoas, órgãos e entidades interessadas na controvérsia.

Essa ampliação do contraditório é essencial para que a questão objeto do incidente seja bem delineada e, portanto, que seja fixada uma boa tese jurídica.

As possibilidades de participação dos sujeitos, para Sofia Temer, é um aspecto relevante, posto que assim expressa sua visão sobre a questão:

A apresentação de informações, dados e argumentos, o debate em torno das “teses” propostas, a realização de audiências públicas e o envolvimento da sociedade são indispensáveis para a qualidade da decisão construída no incidente, porque, quanto mais profunda e detalhada a cognição realizada pelo órgão julgador, melhor será a tese jurídica ali fixada65.

Assim, temos que, posteriormente à admissibilidade pelo colegiado, ao relator incumbe a sistematização do procedimento do IRDR com a decisão de organização, que, segundo Fredie Didier Jr. e Sofia Temer66, “corresponde à formalização do que foi decidido pelo órgão colegiado no que diz respeito à admissibilidade e aos limites objetivos do incidente, notadamente quanto à definição da questão jurídica".

4.1.3 JULGAMENTO

Finda a fase instrutória, com a devida organização do incidente, o relator solicitará dia para julgamento, conforme o art. 983, §2º do CPC/1567, que ocorrerá no órgão colegiado competente em que houve sua tramitação.

No artigo 984 do CPC68 encontramos as etapas do seu julgamento, que iniciará, conforme o inciso I do referido dispositivo, com a exposição da questão de direito de que trata o incidente pelo relator. Cabe apontar que neste momento também serão expostos os resultados das diligências feitas na fase de instrução, conforme lista Rodolfo de Camargo Mancuso:

A exposição do relator deverá noticiar outros eventos de interesse na espécie, tais os debates na audiência referida no §1º do art. 983; os subsídios aportados pelos intervenientes, a convite ou espontaneamente, inclusive os trazidos por eventuais amicus curiae; a documentação juntada aos autos; o parecer do Ministério Público ou da Defensoria Pública, conforme o caso69.

Após, será concedido às partes do processo originário a realização da sustentação oral, bem como ao Ministério Público e aos demais interessados, por trinta minutos para cada, sendo exigido a estes últimos a inscrição com dois dias de antecedência. Também é possível a intervenção do amicus curiae, com direito também a sustentar oralmente suas razões, assim como os assistentes litisconsorciais.

Se houver grande número de inscritos, haverá a dilatação do prazo para a sustentação oral, conforme previsto no artigo 984, §1º do CPC.

Mais uma vez, em respeito ao princípio do contraditório, o conteúdo do acórdão deverá abranger a análise de todos os fundamentos ventilados a respeito da debatida tese jurídica, sejam eles favoráveis ou não (art. 984, § 2º, CPC)70.

Finalizado o julgamento, será fixada a tese jurídica, em que já poderá ser interposto Recurso Especial ou Recurso Extraordinário, que neste caso terá efeito suspensivo, em virtude de regra específica neste sentido, expressa no artigo 987, §1º do CPC71. O Recurso Extraordinário interposto contra decisão proferida no incidente tem presunção de repercussão geral, conforme dispõe o referido artigo.

Vale destacar que a figura do amicus curiae tem legitimidade para recorrer da decisão proferida no julgamento do IRDR, conforme artigo 138, § 3º do CPC72.

4.1.4 APLICAÇÃO E REVISÃO DA TESE JURÍDICA

O acórdão de mérito no IRDR, portanto, soluciona a controvérsia de direito e estabelece uma tese jurídica, que será aplicada a: (a) todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; (b) casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986 (artigo 985, incisos I e II do CPC73).

Logo, temos que a tese é fixada e, posteriormente, nos processos individuais, o juiz de primeira instância a aplicará aos casos sob judice. Para Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, não se destina tal incidente a julgar as pretensões de casos concretos individualizados, consoante expôs em palestra ministrada na sede do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, em 13 de março de 2015:

Aplicação da tese jurídica no incidente. Na minha opinião – há quem pense em sentido contrário -, não há o julgamento do pedido, portanto, da causa, do pedido formulado nos processos individuais, mas sim da tese jurídica, porque se decide apenas o incidente, e, portanto, há necessidade do julgamento do pedido pelo órgão de Primeiro Grau, mesmo no processo em que foi suscitado o incidente74.

Essa eficácia vinculante do precedente originado do julgamento do incidente resulta da previsão contida no artigo 927 do CPC de que os juízes e os tribunais observarão os precedentes previstos nos incisos do mencionado artigo, dentre eles, os acórdãos em IRDR (artigo 927, inciso III)75.

Rodolfo de Camargo Mancuso vai além, pontuando outras razões pelas quais o acórdão em IRDR é vinculante:

Embora no art. 927 não tenha o legislador empregado os termos vinculante ou obrigatório, a interpretação sistemática, iluminada pelo ideário revelado na Exposição de Motivos, leva a se inferir pela eficácia impositiva dos produtos judiciários otimizados, relacionados nos incisos do art. 927, inclusive o acórdão em IRDR (inciso III)76.

Devem ser citados alguns dos efeitos provocados pela decisão de mérito no IRDR contemplados no CPC: possibilidade de concessão de tutela provisória de evidência (artigo 311, inciso II, CPC77); julgamento monocrático pelo relator de recurso contrário a entendimento firmado no incidente no sentido de desprovimento (artigo 932, inciso IV, alínea “c”, CPC78); nulidade da decisão por não fundamentação a respeito do precedente vinculante (art. 489, §1º, V e VI79).

Poderá ainda a tese jurídica sofrer revisão perante o mesmo tribunal que a estabeleceu, conforme determina o artigo 986 do CPC80. Importante destacar que o rol dos legitimados para requerer a revisão é restrito, cabendo somente ao tribunal, de ofício, ao Ministério Público e à Defensoria Pública fazê-lo.

Cassio Scarpinella Bueno (2016, p. 650) explica os motivos que ensejam a revisão das questões jurídicas fixadas, referindo que o dispositivo legal supracitado é bastante pertinente para a dinâmica do direito jurisprudencial, sendo crucial que tais questões, mesmo que fixadas para os casos presentes e futuros, sejam passíveis de revisão conforme surjam novas circunstâncias fáticas ou jurídicas. Isso ocorre com a criação de novas leis e não haveria razão para ser diferente com os precedentes judiciais, inclusive os brasileiros81.

4.2 NATUREZA JURÍDICA DO IRDR

Parece ser evidente que sua natureza jurídica seja a de incidente processual, o que se depreende da sua própria nomenclatura. No entanto, esta questão é permeada de controvérsias e divergências doutrinárias, que consistem essencialmente na incerteza de estarmos diante de uma causa-piloto ou de um procedimento-modelo.

Se admitirmos tratar-se de uma causa-piloto, o que se terá é o julgamento do caso concreto que ensejou a instauração do IRDR e a definição da tese jurídica.

Alexandre Freitas Câmara entende que o IRDR julgará também a causa principal, afirmando que:

Este órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único. Daí a razão pela qual se tem, aqui, falado que o processo em que se instaura o incidente funciona como verdadeira causa-piloto82.

Em outra linha, existem aqueles que sustentam que o IRDR é procedimento que apenas estabelece tese jurídica sobre a questão de direito, distanciando-se do caso concreto que originou o incidente. Tratar-se-ia, portanto, de um procedimento-modelo, assemelhado ao Musterverfahren do sistema jurídico alemão.

Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer83 adotam este último entendimento, asseverando que se trata de “procedimento incidental autônomo, de julgamento abstrato – ou objetivo – das questões de direito controvertidas, comuns às demandas seriadas, a partir da criação de um procedimento-modelo”.

Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, é categórico ao destacar o caráter coletivo do incidente, distinguindo-o, porém, das ações coletivas:

Trata-se, portanto, de remédio processual de inconteste caráter coletivo. Não se confunde, entretanto, com as conhecidas ações coletivas, que reúnem num mesmo processo várias ações propostas por um único substituto processual em busca de um provimento de mérito único que tutele os direitos subjetivos individuais homogêneos de todos os interessados substituídos. O incidente de resolução de demandas repetitivas não reúne ações singulares já propostas ou por propor. Seu objetivo é apenas estabelecer a tese de direito a ser aplicada em outros processos, cuja existência não desaparece, visto que apenas se suspendem temporariamente e, após, haverão de sujeitar-se a sentenças, caso a caso, pelos diferentes juízes que detêm a competência para pronunciá-las. O que, momentaneamente, aproxima as diferentes ações é apenas a necessidade de aguardar o estabelecimento da tese de direito de aplicação comum e obrigatória a todas elas. A resolução individual de cada uma das demandas, porém continuará ocorrendo em sentenças próprias, que poderão ser de sentido final diverso, por imposição de quadro fático distinto. De forma alguma, entretanto, poderá ignorar a tese de direito uniformizada pelo tribunal do incidente, se o litígio, de alguma forma, se situar na área de incidência da referida tese84.

Vinicius Silva Lemos85 compartilha do mesmo entendimento, aduzindo que “o órgão colegiado competente ao incidente, não realiza o julgamento da ação, da demanda repetitiva, somente a análise das questões de direito repetitivas”.

Nessa compreensão, tem-se, portanto, que o objetivo do incidente é fixar uma tese jurídica, sendo ele uma técnica processual objetiva86.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível afirmar que a massificação do consumo e a democratização do acesso à justiça, direito de índole constitucional garantido aos cidadãos trazida pela Constituição Cidadã há cerca de 30 anos, foram um dos fatores preponderantes a ocasionar o excessivo demandismo observado nos dias atuais, assoberbando o Poder Judiciário.

Este problema gera diversos prejuízos, uma vez que a multiplicação de demandas pode ensejar tratamentos distintos para idênticas situações jurídicas, e, de outro lado, estende demasiadamente o tempo para que os jurisdicionados obtenham uma resposta do Judiciário. De tal fato, então, decorre a forçosa necessidade de se diminuir a quantidade de ações que tramitam no país, dando efetividade ao princípio da duração razoável do processo, da celeridade processual e da isonomia.

Criou-se, portanto, dentre outras técnicas de formação de precedentes, o incidente de resolução de demandas repetitivas, destinado a solucionar questão comum de direito controvertida, fixando-se tese jurídica a ser aplicada aos processos que versem sobre a mesma questão.

Desse modo, destacou-se o contexto de valorização da jurisprudência e dos precedentes judiciais em que tal instituto processual foi criado, apontando-se seus principais marcos no processo civil brasileiro, culminando na instituição do sistema de precedentes pelo novo Código de Processo Civil.

Comparou-se, também, a evolução dos precedentes nas tradições da common law e da civil law, pontuando as principais diferenças dos precedentes de cada sistema, sinalizando a divergência doutrinária a respeito da existência de semelhança entre os precedentes do sistema jurídico brasileiro e os precedentes oriundos da common law.

Foram vistos os principais aspectos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e que, essencialmente, o seu procedimento é dividido em quatro fases, a primeira delas englobando a instauração e seus requisitos, seguida da decisão de admissibilidade pelo órgão colegiado competente. A segunda, a fase instrutória, em que ocorre o indispensável debate da questão. A terceira, a fase de julgamento, em que os sujeitos podem participar e, então, fixa-se a tese jurídica pelo acórdão, que deve analisar todos os fundamentos que foram suscitados. Na quarta e última fase, aplica-se a tese jurídica a todos os processos que apresentem a mesma questão de direito, podendo, no entanto, ser revista, se constatada e demonstrada a superação de seu entendimento.

A respeito da natureza jurídica do incidente, demonstrou-se as opiniões doutrinárias divergentes, tendo em vista que até o momento atual não está pacificado esse entendimento sobre seu aspecto basilar.

Conforme aqui foi tratado, o incidente de resolução de demandas repetitivas é um dos instrumentos capazes de solucionar os problemas que contribuíram para que ele fosse idealizado e criado no cenário jurídico, não sendo demais afirmar que ele representa o importante papel adquirido pelos precedentes judiciais em um ordenamento jurídico que há muito elegeu a norma escrita como principal fonte do direito. Para cumprir esse desiderato, faz-se necessário o aprofundamento dos estudos sobre o tema, para que o incidente seja bem compreendido e, portanto, bem aplicado pelos órgãos jurisdicionais, de modo a efetivamente promover isonomia e segurança jurídica.


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Reclamação nº 4335/AC. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Data do Julgamento: 20/03/2014. DJ: 22/10/2014. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630101>. Acesso: 21 de junho de 2019.

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Notas

  1. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2019; ano-base 2018. Brasília: CNJ, 2019, p. 32. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf>.

    Consulta em: 03 de novembro de 2019.↩︎

  2. Conselho Nacional de Justiça. Relatório do Banco Nacional de Dados de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios. Brasília: CNJ, 2018, p. 19. Disponível em:

    <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/02/03a6c043d7b9946768ac79a7a94309af.pdf>. Consulta em: 24 de agosto de 2019.↩︎

  3. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. v.2. p. 441.↩︎

  4. GOMES, Marcos Paulo Pereira. O sistema de precedentes judiciais vinculantes no Novo CPC: uma busca por uniformização, segurança jurídica e celeridade processual. Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre: Editora ADVOCEF, v.1, n.26, 2018. p. 132.↩︎

  5. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    [...]

     LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.     ↩︎

  6. Enunciado nº 170 do FPPC: As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos jurisdicionais a eles submetidos. Disponível em: <https://institutodc.com.br/wp-content/uploads/2017/06/FPPC-Carta-de-Florianopolis.pdf>. Consulta em: 07 de setembro de 2019.↩︎

  7. MAGALHÃES, Lilese Barroso Benevides. O reflexo do sistema de precedentes na teoria da decisão judicial à luz do Código de Processo Civil de 2015. Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre: Editora ADVOCEF, v.1, n.26, 2018. p. 197.↩︎

  8. GOMES, Marcos Paulo Pereira. O sistema de precedentes judiciais vinculantes no Novo CPC: uma busca por uniformização, segurança jurídica e celeridade processual. Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre: Editora ADVOCEF, v.1, n.26, 2018. p. 132.↩︎

  9. CURTOLO, Cristiane Maria de Lima. O emplasto Brás Cubas – Breves considerações sobre a incorporação dos precedentes judiciais no novo Código de Processo Civil. Revista de Direito Privado. São Paulo, vol. 71, 2016. p. 24.↩︎

  10. Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo voto de 3 (três) juízes.

    § 1º Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso.

  11. Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

  12. Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha lecionam que “o microssistema de formação e aplicação de precedentes obrigatórios é formado pelo IRDR, pelos recursos repetitivos e, ainda, pelo incidente de assunção de competência. A formação de precedentes é o objetivo desse microssistema.” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 591).

  13. Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

    [...]

    § 3º O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.

  14. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O Novo Processo Civil. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 603.

  15. Idem, p. 605.

  16. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

    [...]

    III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

  17. Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.

    [...]

  18. Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

    [...]

    § 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

  19. Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

    [...]

    IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência;

  20. Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

  21. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 83.

  22. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. op. cit. p. 592.

  23. TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed, rev,, ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. P. 261.

  24. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. Vol. III. 50. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1127.

  25. KREBS, Hélio Ricardo Diniz. Sistema de precedentes e direitos fundamentais. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 85.

  26. PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre a common law, civil law e o precedente judicial. Estudos de Direito Processual Civil em homenagem ao Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 6. Disponível em:

    < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/sergio%20porto-formatado.pdf>.

    Consulta em: 10 de agosto de 2019.

  27. ABBOUD, Georges. Do genuíno precedente do stare decisis ao precedente brasileiro: os fatores histórico, hermenêutico e democrático que os diferenciam. Revista de Direito da Faculdade Guanambi. Guanambi, ano 2, v.2, n. 01, 2016, p. 62 a 63. Disponível em:

    < http://revistas.faculdadeguanambi.edu.br/index.php/Revistadedireito/issue/view/4/7>

    Consulta em: 10 de agosto de 2019.

  28. KREBS, Hélio Ricardo Diniz. op. cit. p. 179.

  29. Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

  30. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 169

  31. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista da AGU. Brasília-DF, v. 15, n. 03, 2016, p. 19.

  32. LEAL, Victor Nunes. Passado e futuro da súmula do STF. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 145, 1981, p. 1.

  33. Termo usado pelo então Ministro do STF, Teori Zavascki, em seu voto-vista proferido nos autos da RCL 4335/AC, que acuradamente o explicou ipsis litteris: Esse entendimento guarda fidelidade absoluta com o perfil institucional atribuído ao STF, na seara constitucional, e ao STJ, no domínio do direito federal, que têm entre as suas principais finalidades a de uniformização da jurisprudência, bem como a função, que se poderia denominar nomofilácica – entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei, destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma aplicação uniforme –, funções essas com finalidades “que se entrelaçam e se iluminam reciprocamente” (apud CALAMANDREI, Piero. La casación civil. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Editorial Bibliografica Argentina, 1945. t. II. p. 104) e que têm como pressuposto lógico inafastável a força expansiva ultra partes dos seus precedentes.

  34. MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pp. 72 e 73.

  35. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    [...]

    LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

  36. Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

    I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

  37. Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal: É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

  38. DE SOUZA, Michel Roberto Oliveira; COL, Juliana Sípoli. A súmula vinculante e o precedente judicial. Revista Espaço Acadêmico. Maringá, v. 11, n. 126, 2011.

  39. BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável Pela Elaboração De Anteprojeto De Código De Processo Civil. Código de Processo Civil: Anteprojeto. Brasília: Senado Federal, Presidência, 2010, p. 21.

  40. Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

    I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

    II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

    [...]

    § 4º É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

  41. Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

    I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

  42. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. op. cit. p. 610.

  43. Art. 978, parágrafo único. O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

  44. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, vol. 243, maio/2015, pp. 290 a 292.

  45. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 10ª edição. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1497.

  46. MIGALHAS. STJ decidirá se é possível instaurar IRDR diretamente no 2º grau sem causa pendente. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI302782,21048-STJ+decidira+se+e+possivel+instaurar+IRDR+diretamente+no+2+grau+sem>. Consulta em: 24 de agosto de 2019.

  47. Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

    I - pelo juiz ou relator, por ofício;

    II - pelas partes, por petição;

    III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

  48. Art. 979, parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

  49. BORBA, Mozart. Diálogos sobre o Novo CPC. 1ª edição. Recife: Armador, 2016. p. 316.

  50. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 1508273/SC. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201901525618&dt_publicacao=12/09/2019>. Acesso em: 03 de novembro de 2019.

  51. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13 ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 643.

  52. TEMER, Sofia. op. cit. pp. 124 e 125.

  53. Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

    I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

  54. TEMER, Sofia. op. cit., p. 126.

  55. Enunciados da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Disponível em: < https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%c3%83O-DEFINITIVA-.pdf> Consulta em: 25 de agosto de 2019.

  56. Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

  57. Art. 979. A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

  58. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. op. cit., p. 294.

  59. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

    [...]

    § 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

  60. Art. 976. É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

    I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

    II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

  61. Art. 982. Admitido o incidente, o relator:

    I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;

    II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;

    III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.

    § 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.

    § 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

    § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III , poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

    § 4º Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3º deste artigo.

    § 5º Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

  62. Art. 982. Admitido o incidente, o relator:

    [...]

    § 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.

  63. Art. 982. Admitido o incidente, o relator:

    [...]

    § 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

  64. Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

  65. TEMER, Sofia. op. cit., p. 209.

  66. DIDIER JR., Fredie; TEMER, Sofia. A decisão de organização do incidente de resolução de demandas repetitivas: importância, conteúdo e o papel do regimento interno do tribunal. Revista de Processo, São Paulo, v. 258, agosto/2016, p. 259.

  67. Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

    [...]

    §2º Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

  68. Art. 984. No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:

    I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;

    II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:

    a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;

    b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.

    § 1º Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

    § 2º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

  69. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit., p. 263.

  70. Art. 984. No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:

    [...]

    § 1º Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

    § 2º O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

  71. Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

    § 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

  72. Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação.

    [...]

    § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.

  73. Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

    I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

    II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

  74. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro (org.). O novo Código de Processo Civil: Programa de Estudos Avançados em Homenagem ao Ministro Arnaldo Esteves Lima. 1. ed. Rio de Janeiro: EMARF, 2016, p. 304.

  75. Sofia Temer afirma que “a eficácia vinculativa do precedente formado no IRDR decorre da expressa opção do Código de Processo Civil. Os arts. 926 e 927 instituem um regime de eficácia diferenciada para algumas decisões judiciais, proferidas pelas cortes superiores e pelos tribunais estaduais e regionais, conferindo-lhes força vinculativa”. (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed, rev,, ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. p. 226).

  76. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. op. cit. p. 190.

  77. Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

    [...]

    II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

  78. Art. 932. Incumbe ao relator:

    [...]

    IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

    [...]

    c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

  79. Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

    [...]

    1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

    [...]

    V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

    VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

  80. Art. 986. A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.

  81. BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a lei 13.256, de 4-2-2016. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 650.

  82. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil brasileiro, 2 ed. São Paulo: Atlas. 2017, p. 414.

  83. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. op. cit. p. 286.

  84. THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit, pp. 1126 e 1127.

  85. LEMOS, Vinicius Silva. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco. Recife, n. 8, 2015, p. 354.

  86. Essa é a posição adotada por Sofia Temer, indicando a autora que “é possível afirmar que o IRDR se preocupa preponderantemente com a tutela do direito objetivo, com a resolução de um conflito normativo, com a coerência do ordenamento jurídico. [...]Por isso, adotamos o entendimento segundo o qual o incidente de resolução de demandas repetitivas é uma técnica processual objetiva”. (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 3. ed, rev,, ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. p. 82)


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GIBSON, Amanda Gibson Silva Pinto. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Considerações sob a óptica da crescente valorização dos precedentes judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7157, 4 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97079. Acesso em: 9 maio 2024.