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Da tutela jurídica do Estado às crianças e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos

Da tutela jurídica do Estado às crianças e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos

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Grande parte do destaque conferido aos direitos do público infanto-juvenil deve-se aos documentos internacionais, os quais lhes afirmaram a condição de indivíduos com necessidade de proteção integral.

Resumo:  O presente artigo se propõe ao estudo da proteção jurídica conferida às crianças e aos adolescentes sob a tutela dos direitos humanos. Preliminarmente, será abordada a evolução histórica dos direitos humanos, assim como a sua formação e seu conceito. Além disso, voltando-se ao âmbito externo, serão elencados os principais documentos internacionais relativos à proteção das crianças, analisando o seu avanço no contexto histórico. Finalmente, será feita a análise do progresso destes direitos no âmbito interno, ressaltando-se a influência da Lei n. 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente como doutrina de fundamental importância para os direitos da criança e do adolescente no Brasil, com enfoque nos principais aspectos do princípio da proteção integral. Quanto à metodologia, será utilizada a abordagem qualitativa e o procedimento de cunho bibliográfico.

Palavras-chave: Tutela Jurídica do Estado. Crianças e Adolescentes. Direitos Humanos.


1 INTRODUÇÃO

Os direitos das crianças e dos adolescentes conquistam cada vez mais importância dentro da sociedade, vistos como merecedores de um cuidado especial. Entretanto, no passado, o cenário era bem diferente do que se vive nos dias atuais. As crianças e os adolescentes eram vítimas de discriminações, não possuíam praticamente nenhum direito, e a comunidade internacional não voltava a sua atenção a este público. Diante desta situação de descaso, foi surgindo o anseio por mudanças, que obteve força ao se sustentar nos direitos humanos.

Assim, para que se possa compreender essa mudança, faz-se necessária a análise dos direitos humanos, abordando sua origem, evolução e importância, visto que a partir destes, tornou-se possível a consagração dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. No mesmo sentido, é de suma importância analisar o princípio do superior interesse da criança e da proteção integral, evidenciando o avanço interno iniciado com a influência dos documentos internacionais.

Logo, serão apontados os principais documentos internacionais relativos à proteção da criança, que também contribuíram com a construção e a consolidação destes direitos. Tais documentos são considerados essenciais para o surgimento e fortalecimento dos direitos da criança e do adolescente no Brasil.

No ordenamento jurídico brasileiro, a evolução tem início com a Constituição de 1988, com respeito às convenções e aos tratados de ordem internacional ao qual o Brasil faz parte, recepcionando-os na legislação interna. A Constituição de 1988 trouxe uma maior proteção e visibilidade ao público infanto-juvenil, sendo este um dos motivos pelos quais ganhou destaque quanto a este assunto. Outro ponto significativo abordado pela Constituição de 1988, foi a inclusão do Estado como responsável pela proteção concedida às crianças e aos adolescentes, em conjunto com a família e a sociedade.

Além disso, a criança e o adolescente são vistos, a partir deste momento, como sujeitos de direitos, abordando assim, a Doutrina da Proteção Integral, substituindo a Doutrina da Situação Irregular. Tal doutrina foi utilizada como base para as legislações infraconstitucionais. Após o advento da Constituição de 1988, substituiu-se o antigo Código de Menores, e foi elaborada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que trata acerca do Estatuto da Criança e do Adolescente, consolidando uma perspectiva nova sobre os direitos da criança e do adolescente.

Tal legislação, aborda o conceito de criança e adolescente segundo critério fator idade, trazendo assim, de maneira objetiva, os indivíduos considerados crianças e adolescentes. Além disso, foi reafirmada a corresponsabilidade dos pais, da sociedade e do Estado, na defesa desses direitos, além de evidenciar a condição das crianças e dos adolescentes como de pessoa em desenvolvimento, acarretando a prevalência dos seus interesses. Diante desta condição especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente criou uma série de direitos relativos aos menores, corroborando o princípio da proteção integral, garantindo assim, as condições para um desenvolvimento saudável. Destaca-se, entres estes direitos, o direito à vida, à liberdade, à alimentação, à educação, à saúde, ao lazer, à profissionalização, à cultura.

Sendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente é visto como uma constante luta, a fim de mudar a visão da sociedade acerca dos menores, para que assim, possam ser vistos como reais detentores de direito e, contudo, de proteção especial. Busca-se assim, que a proteção formal seja agora material, tornando-se eficaz no dia-a-dia.


2 TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos surgiram após a união de vários ideais de diferentes sociedades e pensadores, e todos convergiam à mesma necessidade de evitar que o Estado abusasse do poder que lhe foi concedido, além de consolidar os princípios de igualdade e legalidade. Os direitos individuais do homem tiveram sua origem no antigo Egito e Mesopotâmia, com o Código de Hamurabi. Este código trazia a proteção individual em relação ao Estado, com direitos comuns relativos a todos os homens.

O Código de Hamurabi é considerado a origem do Direito, uma vez que se trata da legislação mais antiga já conhecida. A Lei de Talião é o ponto principal do Código de Hamurabi, na qual os delitos passamram a ter como sanção punitiva o talião ou a pena de morte. Entretanto, a sociedade que elaborou o Código de Hamurabi consistia em uma sociedade estratificada e baseada na desigualdade, composta por três classes (awilum, mushkenu, wardu), na qual a legislação, apesar de englobar todas as classes, foi criada com total parcialidade em favor da classe superior, os awilum (DHNET, 2020).

Ao analisar a origem dos direitos humanos, encontra-se na antiguidade clássica grega a ideia de direitos relacionados à personalidade humana, direitos estes que não podem ser desconsiderados, nem sequer pelas autoridades ou normas. Esse caráter originário pode ser exemplificado pela peça teatral Antígona, de Sófocles, que trata do conflito social do direito de um cidadão a uma sepultura adequada e digna (SAMPAIO, 2017).

Entretanto, somente em Roma que foi criado um aparato de proteção a esses direitos individuais em face ao Estado, no qual foram elaborados estatutos que reconheciam direitos de liberdade, no futuro representando a primeira geração dos direitos humanos e fundamentais. Como origem dos textos que consagraram a liberdade, a propriedade e a proteção aos direitos do cidadão, pode-se considerar a Lei das Doze Tábuas, resultado da luta por igualdade pelos plebeus (SAMPAIO, 2017).

Na Idade Moderna, o Iluminismo veio a influenciar de forma significativa sobre os direitos humanos, abordando os valores básicos de vida, propriedade e liberdade. Neste período, vieram à existência documentos fundamentais para os Direitos Humanos, quais sejam: Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1689) e a Declaração de Virgínia (1776).

Avançando na linha cronológica, a Idade Contemporânea trouxe sua contribuição para os direitos humanos com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, elaborada na Revolução Francesa (1789-1799). Com inspiração na Declaração da Independência Americana de 1776 e no meio filosófico do século XVII, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 marca o término do Antigo Regime e o começo de uma época nova para os cidadãos (SAMPAIO, 2017).

O Estado passa a reunir indivíduos autônomos, independentes, livres, dotados de igualdade política e jurídica, tornando-se útil e necessário como instrumento de garantia dos direitos individuais. O artigo 4° da declaração francesa delimita a amplitude da liberdade citada, para que esta não venha a violar os demais princípios:

Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei. (DIREITOS HUMANOS, 2020).

Após várias evoluções e aprimoramentos aos direitos humanos e suas formas de proteção, ocorreu a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, no qual foi elaborada uma norma que pretende ser comum a todos os povos, estabelecendo uma proteção universal a todos os indivíduos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948 é considerada o documento mais importante acerca dos Direitos Humanos, visto que consagrou a concretização e universalização dos direitos da pessoa humana. A DUDH acolhe o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (LEITE, 2014).

A importância dada a igualdade e dignidade é percebida no artigo 1º da DUDH que diz:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros em espírito de fraternidade (NAÇÕES UNIDAS, 2020).

Além disso, percebe-se que a igualdade é reafirmada no artigo 2°, repudiando todo e qualquer tipo de discriminação:

Artigo II 1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania (NAÇÕES UNIDAS, 2020).

Sendo assim, nota-se que o conceito de direitos humanos foi sendo aprimorado com o passar do tempo, até chegar ao que se conhece hoje, ou seja, um estudo integrado dos direitos individuais, sociais, econômicos e políticos fundamentais. Os direitos humanos consistem nos direitos inerentes a todos os seres humanos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, classe social, nacionalidade. Os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros.

Ao conceituar os direitos humanos Dalmo de Abreu Dallari, leciona:

Uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida (1998, p. 7)

Os direitos humanos possuem uma posição hierarquicamente superior aos demais direitos, logo, possuem características próprias e que asseguram maior segurança diante de possíveis violações. Tratam-se de direitos inalienáveis, indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é impossível respeitar apenas alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violar um direito vai consequentemente afetar o respeito por outro.

Além do conceito de direitos humanos, outro conceito bastante utilizado é o de Direitos Fundamentais. Muitos consideram se tratar do mesmo direito, entretanto, há quem considere diferentes. Aqueles que defendem a diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, afirmam que no momento em que os direitos humanos são incorporados pela Constituição, eles passam a ser considerados direitos fundamentais, uma vez que o legislador pode elencar os direitos humanos que estarão presentes na Constituição. Desta forma, os direitos humanos antecedem os direitos fundamentais, e estes dependem do reconhecimento daqueles.

Logo, parte da doutrina conclui que direitos humanos definem aqueles direitos estabelecidos em tratados internacionais sobre o assunto, e por sua vez, direitos fundamentais seriam aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo ordenamento jurídico interno de um determinado Estado. Dessa forma, pode-se concluir que os direitos humanos são a base para qualquer outro direito, essenciais para a existência de uma vida digna, assegurados os meios de proteção inerentes a estes. Evidenciam-se como direitos que se materializam pelo simples fato do indivíduo existir, sendo intrínsecos a todo ser humano.


3 ASPECTOS HISTÓRICOS DA TUTELA JURÍDICA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Desde a antiguidade, nota-se a presença das crianças e adolescentes nas normas legisladoras de cada sociedade. Entretanto, realizando uma breve análise histórica das normas antigas, nota-se que os costumes da época violavam o que, hoje, denomina-se direitos humanos, não sendo considerados como indivíduos que necessitassem de proteção especial. Nívea Barros assinala que:

No Oriente Antigo, o Código de Hamurabi (1728/1686 a.C.) previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse voltar à casa dos pais biológicos (art. 193). Caso um filho batesse no pai, sua mão era decepada (art. 195). Em contrapartida, se um homem livre tivesse relações sexuais com a filha, a pena aplicada ao pai limitava-se a sua expulsão da cidade (art. 154) (2005, ps.70-71).

Na sociedade romana, a situação não era muito diferente. Assim como Maria Regina de Azambuja explica:

Em Roma (449 a.C), a Lei das XII Tábuas permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme mediante julgamento de cinco vizinhos (Tábua Quarta, nº 1), sendo que o pai tinha sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los (Tábua Quarta nº2). Em Roma e na Grécia Antiga, a mulher e os filhos não possuíam qualquer direito. O pai, o chefe da família, podia castigá-los, condená-los e até excluí-los da família (2006, p.12).

Outro exemplo pode ser evidenciado na civilização Esparta, onde as crianças eram consideradas objeto do Estado para fins políticos, visto que eram utilizadas nos contingentes de guerra. Tavares afirma que se tratava de ver a criança por uma perspectiva de servidão, anulando aquele aspecto sentimental de infância, merecedora de proteção e atenção:

entre quase todos os povos antigos, tanto do Ocidente quanto do Oriente, os filhos durante a menoridade, não eram considerados sujeitos de direito, porém, servos da autoridade paterna (2001, p. 46).

Pode-se observar uma leve mudança de visão na transição entre o século XVI e XVII. Maria Silveira Alberton (2005, p. 22) explica que, nesta fase, as atenções eram voltadas às crianças até os sete anos de idade, consideradas adultas, após atingirem idade maior a esta, o que acarretava deveres e obrigações. Somente no século XIX, com as ordens religiosas, foi que a criança passou a ser vista como indivíduo, recebendo a atenção e o afeto devidos pela família. Quanto a essa mudança, afirma Antônio Carlos Costa:

O sentimento pela infância nasce na Europa com as grandes ordens religiosas que pregavam a educação separada, preparando a criança para a vida adulta (COSTA, 1993, p. 37).

Muitos atribuem a esse período o nome de era da child-saving, inicia-se, então, a história dos direitos das crianças, vistas agora como vítimas da sociedade e da família. Além disso, o Estado passa a intervir nas relações familiares, controlando-as com o escopo de proteger as crianças. No final do século XIX, o assunto começou a ganhar mais visibilidade e força, obtendo avanços progressivos, como exemplo, na medicina, na qual adotou o termo pediatra, em 1872, demonstrando assim, preocupação com a saúde das crianças. (MONTEIRO, 2010, p. 28).

Na era moderna, o primeiro passo para reconhecer os direitos das crianças foi dado através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que adotou instrumentos jurídicos internacionais que tratavam do trabalho infantil, limitando a idade inicial em que os jovens teriam uma vida economicamente ativa. Os direitos da criança e do adolescente necessitavam de uma atenção, dessa forma, criou-se o Comitê de Proteção da Infância, no ano de 1919, destacando as obrigações da sociedade perante às crianças, no cenário internacional. O primeiro documento de âmbito internacional que se preocupou com o seu reconhecimento foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, promovida pela Liga das Nações, em 1924. Tratava-se da primeira vez que um organismo de âmbito internacional tomava uma posição expressa referentes aos direitos dos menores, definindo o seu posicionamento quanto à recomendação aos Estados no que tange às próprias normas legislativas, destinadas ao benefício das crianças e dos adolescentes.

Após esse importante passo, em 11 de outubro de 1933, realizou-se outra Convenção de Genebra, que por sua vez, veio tratar do combate ao tráfico tanto de crianças quanto de mulheres. A evolução desses direitos era ascendente e seguia em direção a obter cada vez mais meios para se fortalecer. Em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que, reconheceu que a maternidade e a infância necessitam de assistência e proteção especiais, em seu artigo 25:

1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

No mesmo sentido, ocorreu a Convenção de Roma, em 04 de novembro de 1950, que trouxe o assunto da privação da liberdade do menor, no qual seria admitida apenas para fins educacionais. No mesmo ano, em 21 de março, veio a Convenção para Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, que também abordou como assunto a proteção às crianças e às mulheres. Entretanto, foi somente com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que foi marcado o reconhecimento de crianças como sujeitos de direitos, com a evidente necessidade de proteção. Pode ser considerada um dos documentos de fundamental importância para a sociedade, em face da proteção conferida a este público, levando em consideração a maturidade tanto física como mental. Monaco declara que:

O ponto principal dessa declaração (Resolução nº 1.386) relativamente a sua antecessora na proteção da infância é a mudança de paradigma que instala, muito em função da consolidação da Declaração de 1948 que universaliza a proteção dos direitos humanos, uma vez que agora a criança passa a ser vista como sujeitos de direitos e não mais como mero receptor passivo das ações realizadas em seu favor, dando-se início à aplicação de um princípio que trinta anos depois seria inserto na convenção subsequente, que é o princípio do melhor interesse da criança (2004, p.103).

Considera-se que o ano de 1979 foi um ano de muita importância neste aspecto, sendo assim, foi declarado Ano Internacional da Criança, no qual a Comissão de Direitos Humanos da ONU preparou o texto da Convenção dos Direitos da Criança. Diante do avanço dos direitos fundamentais, observou-se que era indispensável atualizar a referida Declaração, de modo que se encaixasse às necessidades sociais que vinham surgindo. Sendo assim, aprovou-se uma proposta da delegação polonesa para elaboração de uma convenção internacional desses direitos, para atribuir obrigatório valor jurídico.

Logo, foi elaborado o texto da Convenção dos Direitos da Criança, aprovado em novembro de 1989. No cenário mundial, a Convenção é considerada um ponto marcante na evolução histórica dos direitos da criança. Muitos autores reafirmam a importância conferida à esta Convenção, como Albuquerque:

Consiste no primeiro instrumento internacional que vem fixar um enquadramento jurídico completo para a protecção dos direitos da criança (2004, p. 40).

No mesmo sentido, Bolieiro e Guerra também dizem:

A grande diferença entre a Convenção e a Declaração dos Direitos da Criança reside no facto de aquela tornar os Estados que nela são partes juridicamente responsáveis pela concretização dos direitos da criança que a mesma consagra e por todas as acções que adoptem em relação às crianças, enquanto a Declaração impunha simplesmente obrigações de natureza moral que se reconduziam a princípios de conduta para as nações (2009, p. 15).

A X Cúpula Iberoamericana de Chefes de Estado e de Governo, conhecida também como Declaração do Panamá, ocorreu nos dias 17 e 18 de novembro de 2000, na cidade do Panamá. Estavam reunidos os Chefes de Estado e de Governo de 21 países ibero-americanos, para discutir sobre os direitos das crianças e dos adolescentes. O objetivo era o desenvolvimento humano de um modo sustentável, além de atentar-se para a democracia no tocante aos direitos infanto-juvenis, buscava-se assim, a equidade de tratamento quanto à aplicação desses direitos. Muitos foram os princípios e as garantias trazidas por esta Declaração, e alguns princípios referentes aos direitos humanos foram adotados, como o princípio da interdependência, o princípio da universalidade e o princípio da indivisibilidade.

Além disso, foi constituída a Escola Ibero Americana de Governo e das Políticas Públicas, e analisada a futura colaboração na área interuniversitária. Quanto ao que se refere à tecnologia de informação e comunicação, decidiram estimular esse campo, criando assim uma comunidade virtual ibero-americana, a qual denominaram Cibero-América. Foi ainda encomendada a elaboração de uma agenda ibero-americana para a infância e adolescência, para que assim pudessem acompanhar a situação deste público nas nações ibero-americanas, abordando as prioridades as quais devem ser atendidas. Acerca da Declaração do Panamá, Ferrandin diz:

() louvável a iniciativa dos países que formularam a Declaração do Panamá, não somente por tutelar os direitos das crianças e dos adolescentes com políticas promissoras (sem efeito instantâneo e transitório), mas também, e principalmente, por resguardar o bem-estar socioeconômico das gerações supervenientes. (FERRANDIN, 2009, p. 32)

Em suma, a X Cúpula Iberoamericana de Chefes de Estado e de Governo contribuiu muito para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes no âmbito internacional. Reafirmou muitos direitos e garantias essenciais para um desenvolvimento saudável, e estimulou os países a investirem neste público, ao identificar a criança e o adolescente como o futuro de todas as nações.


4 DA TUTELA JURÍDICA DO ESTADO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Na realidade brasileira, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, ao qual recebe a denominação de Estatuto da Criança e do Adolescente, é considerado criança o indivíduo até os doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquele cuja idade está entre doze e dezoito anos incompletos.

Nestas fases de desenvolvimento, tanto as crianças quanto os adolescentes, passam por muitas transformações e descobertas, logo, necessitam de amparo para viverem esses momentos em segurança. Como cidadãos, são também titulares de direitos e merecedores de proteção. É de suma importância deixar evidente que existem algumas previsões no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que determinam diferenciado tratamento para as partes. Como é o caso do seguinte artigo:

Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.

§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.

§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.

A Constituição de 1988 trouxe mudanças importantes para o ordenamento jurídico brasileiro como um todo. Houve uma grande mobilização de organizações atuantes no âmbito dos direitos da criança e do adolescente, ocasionada pela forte influência internacional, e pelos tratados e convenções aos quais o Brasil era signatário, o que atraiu a atenção do legislador para este público. Sendo assim, entre outros pontos, a Constituição de 1988 foi marcada pela visibilidade e proteção aos direitos da criança e do adolescente, além de acrescentar como responsáveis por assegurar tais direitos, não só o Estado, mas a família e toda a sociedade.

Desde os primeiros artigos, o novo texto constitucional aborda a existência dos direitos da criança e do adolescente, que trazem consigo a necessidade de proteção. Como exemplo, pode-se citar o artigo 6°, que além da identificação, aborda a natureza social do direito, ao garantir a proteção à maternidade a à infância.

Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Diante do impacto causado pelas inovações, a Constituição de 1988 garantiu ao Brasil destaque no âmbito internacional acerca da proteção e garantia dos direitos da criança e do adolescente. A partir deste texto constitucional, as crianças e os adolescentes passam a ser considerados sujeitos de direito, o que corrobora com a doutrina da Proteção Integral. Acerca disso, Naves declara:

De fato, como reflexos das lutas democráticas que já mencionamos, os constituintes, ao definirem os direitos da criança e do adolescente, refletiram no texto, a influência do debate internacional que levaria as Nações Unidas ao consenso da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (2004, p. 74).

A Doutrina da Proteção Integral faz surgir uma nova visão, abandonando a antiga Doutrina da Situação Irregular, que considerava as crianças e os adolescentes como sujeitos de necessidades assistenciais e filantrópicas. Agora, o modelo passa a ser dotado de um caráter participativo, democrático, e sobretudo, universal, unindo no mesmo polo de sujeito passivo do direito a família, a sociedade e o Estado, ressaltando-se que neste momento, não estão asseguradas somente as crianças e os adolescentes carentes, mas sim todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua situação. Sobre esta doutrina, Silveira diz:

No Brasil, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem como marco de origem legal a Constituição Federal de 1988, mais precisamente o seu dispositivo 227. Nele o constituinte estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (2014, online).

Ainda sobre a Doutrina da Proteção Integral, Ferreira explica:

Basicamente, a doutrina jurídica da proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente assenta-se em três princípios, a saber: criança e adolescente como sujeitos de direitos deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos; destinatários de absoluta prioridade; respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (Ferreira, 2020, p.03).

Por serem considerados indivíduos em fase de desenvolvimento, as crianças e os adolescentes necessitam de maiores cuidados para que se assegure a sua saúde mental, física e psíquica, visto que a falta destes pode ocasionar transtornos. Sendo assim, a Constituição trouxe a corresponsabilidade, como forma de assegurar uma maior efetividade dos direitos expressos no ordenamento jurídico, como traz o art. 227, da Constituição Federal.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, o parágrafo 1° do artigo 227, aborda a integral assistência a qual deve ser conferida pelo Estado, atentando-se à utilização de recursos públicos para esta finalidade. Quanto à regulamentação, esta é tratada pelo parágrafo 2°.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Além de determinar a responsabilidade acerca dos direitos da criança e do adolescente, o artigo 227, em seu o parágrafo 3°, estabelece os parâmetros a serem observados para aplicação da proteção. Além disso, aborda também a previsão de punição no parágrafo 4°, demonstrando a adoção da doutrina da Proteção Integral.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No âmbito do Direito Civil, o texto constitucional trouxe os parágrafos 5º e 6º, ao tratar da adoção e da igualdade entre os filhos. Já o parágrafo 7°, atenta-se à prestação da assistência social, a qual deve ser prestada sem depender de contribuição destinada à seguridade social.

§ 5º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.

Em 2010, a Emenda Constitucional n° 65, passou a incluir neste artigo, além da criança e do adolescente, o jovem, aumentando o público a ser protegido. A diferença entre os conceitos dos indivíduos protegidos é de grande importância ao analisar a norma infraconstitucional pertinente, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Observa-se a inclusão do jovem no parágrafo 8°:

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.

Os direitos constitucionais da criança e do adolescente, além de previstos no referido artigo, também se estendem pelo texto constitucional. Vale relembrar, que, primeiramente, são pessoas, e desta forma, todos os direitos relativos ao ser humano são aplicáveis aos mesmos. Sendo assim, os direitos fundamentais tratados no artigo 5° da Constituição Federal, destinam-se à criança e ao adolescente.

Uma vez que já são protegidos pela Constituição, de uma forma geral, o artigo 227 da mesma vem para garantir o caráter especial da proteção, diante de todos os aspectos que confirmam a situação das crianças e dos adolescentes. Tal ideia de proteção integral influenciou na elaboração dos textos infraconstitucionais voltados a esta matéria, como pode ser analisado no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Uma vez que a Constituição de 1988 instituiu os direitos da criança e do adolescente, foi promulgada, em 13 de julho de 1990, a Lei n° 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem como instrumento de garantia para estes direitos. Diante da movimentação em torno do assunto, o ECA surge como forma de transformar o tratamento conferido às crianças e aos adolescentes, refletindo, em seu texto, as diretrizes apontadas na Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 1989.

No tocante ao direito fundamental à saúde, além de previsto no artigo 7°, incisos IV e XXII da Constituição Federal, o ECA vem reafirmando tal direito nos artigos 7° e 11 do seu texto, garantindo o atendimento integral à saúde da criança e do adolescente. Sendo assim, ressalta o acesso de forma igual e de caráter universal ao referido direito.

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

Outro direito fundamental expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente, é o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, no qual reforça o conceito de sujeitos de direitos e em desenvolvimento. Quanto à liberdade, o presente documento também trouxe os pontos que devem ser considerados para delimitá-la.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II - opinião e expressão;

III - crença e culto religioso;

IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI - participar da vida política, na forma da lei;

VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

O direito ao respeito visa garantir a integridade da criança e do adolescente de forma ampla, seja esta física, moral ou psicológica. Vale lembrar, que também assegura a preservação dos aspectos ligados a esta.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Quanto à dignidade da criança e do adolescente, esta é a base de todo ordenamento jurídico, com amparo constitucional. Pode-se dizer, que todos os demais direitos fundamentais são unificados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Logo, refere-se a um atributo da pessoa humana, ao qual se torna merecedor de proteção, e sobretudo, respeito, independentemente da sua origem, idade, sexo, estado civil, raça ou condição sócio-econômica.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Trata-se também do direito à educação conferido às crianças e aos adolescentes, que garante desde a igualdade de acesso até a permanência na instituição de ensino. Tal direito, assim como os demais, possui previsão tanto na Constituição Federal quanto no ECA, no seu artigo 53, e além dessas, também é assegurado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Quanto a esta última, traz novamente, a corresponsabilidade entre a família, sociedade e Estado, referentes a frequência dos indivíduos na escola.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. (Redação dada pela Lei nº 13.845, de 2019)

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Sendo assim, diante de todo este rol de direitos fundamentais, além dos demais previstos nos textos legais estudados, é necessário destacar que eles sozinhos não conseguem ser efetivados. Uma vez que são positivados, cabe à família, à sociedade e ao Estado assegurarem as formas de garantia dos mesmos, atentando-se sempre à dignidade humana. O objetivo consiste em garantir a efetivação dos direitos fundamentais elencados tanto na Constituição Federal quanto do artigo 4° do ECA, considerando a situação em que se encontra a criança e o adolescente, ou seja, em desenvolvimento. Além disso, o artigo 4° reafirma que a responsabilidade por assegurar essa prioridade é da família, comunidade, sociedade e Poder Público.

No tocante aos recursos públicos, ressalta-se mais uma vez o caráter absoluto do princípio da prioridade, não podendo ser alegada a colisão com os princípios orçamentários. A proteção conferida pode ser exemplificada pelo artigo 212 da Constituição Federal, que diz:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Assim, na elaboração do projeto de lei orçamentária, deverá ser destinada dentro dos recursos disponíveis prioridade para promoção dos interesses infantojuvenis, cabendo ao Ministério Público e demais agentes responsáveis em assegurar o respeito à doutrina da proteção integral fiscalizar o cumprimento da lei e contribuir na sua elaboração.

Passando-se à análise do princípio do superior interesse da criança e do adolescente, disposto no artigo 100, parágrafo único, inciso IV do ECA, é possível afirmar que foi adotado no âmbito internacional através da Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente. Com a adoção da doutrina da proteção integral pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, ocorreu uma mudança em relação a este, que passa a resguardar toda e qualquer criança e adolescente, não apenas aqueles em situação irregular.

Em suma, por tudo que foi exposto, conclui-se que é dever de todos assegurar que se cumpram os direitos da criança e do adolescente, e para que isso se efetive, é necessário que a sociedade como um todo participe de uma forma ativa, tirando do papel e trazendo para o plano fático a proteção prevista.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para chegar ao que hoje se entende por direitos da criança e do adolescente, foi necessário passar por várias etapas de evolução, visto que esses indivíduos sequer eram considerados sujeitos de direitos. Os direitos humanos foram de suma importância para a consolidação dos direitos das crianças e dos adolescentes, uma vez que antes de serem vistos como menores, são sobretudo, seres humanos. A partir deste ponto, foi crescente a evolução, ganhando cada vez mais força e visibilidade.

Grande parte do destaque conferido aos direitos do público infanto juvenil deve-se aos documentos internacionais elaborados, os quais reafirmaram a condição de indivíduos com necessidade de proteção integral. Sendo assim, os signatários dos tratados de âmbito internacional ficavam obrigados a cumprir o estabelecido, consolidando cada vez mais os mesmos.

Além disso, o advento da Constituição Federal brasileira de 1988 foi o marco para este público, uma vez que positivou o princípio da proteção integral, resguardando os direitos referentes às crianças e aos adolescentes de possíveis violações, além de prever a punição caso ocorram. Corroborando com essa mudança de perspectiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente surge com o intuito de modificar a forma como eram assegurados, reestruturando o sistema politicamente e institucionalmente.

Hoje são considerados pessoas em desenvolvimento, ensejando cuidado especial, que garanta seu crescimento digno e saudável, resguardando assim seus direitos e garantias fundamentais. Assumem uma posição a qual enseja prioridade absoluta, perante os demais indivíduos, os quais são responsáveis por garantir o cumprimento desses direitos. No tocante à responsabilidade, outra inovação no âmbito dos direitos das crianças e dos adolescentes, foi a corresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado na sua proteção. Dessa forma, a sociedade como um todo deve buscar com que se cumpram efetivamente todos os direitos infanto-juvenis.

Como forma de garantir a efetiva proteção dos direitos da criança e do adolescente, faz-se necessário analisar, de maneira constante, as medidas assecuratórias, de forma que estejam atualizadas. Logo, a análise aliada à revisão passam a ser das melhores formas de assegurar que os indivíduos em questão estejam protegidos dentro da sociedade. Além disso, uma mudança do ponto de vista cultural também é de grande importância quanto ao cumprimento de todos os direitos expostos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Jhennyfer Moura da; MARINI, Bruno. Da tutela jurídica do Estado às crianças e adolescentes sob a perspectiva dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6785, 28 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95566. Acesso em: 9 maio 2024.