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O instituto do parto anônimo como obstáculo da concretização do direito ao conhecimento da origem biológica

O instituto do parto anônimo como obstáculo da concretização do direito ao conhecimento da origem biológica

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Fazemos um apanhado histórico e legal sobre as origens do instituto do parto anônimo e reflexões acerca dos direitos fundamentais que seriam violentados com sua inserção no ordenamento jurídico pátrio.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO..1 BREVE RELATO HISTÓRICO ACERCA DO PARTO ANÔNIMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA ...1.1 Breve Histórico do Parto Anônimo: Abandono e a Roda dos Expostos..1.2 A Doutrina dos Direitos Fundamentais da Criança..2 DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA SOBRE A ÉGIDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO.2.1 Projetos de Lei do Parto Anônimo e os Direitos de Personalidade da Criança .2.2 O Direito Fundamental da Criança ao Conhecimento da sua Origem Biológica na Ordem Jurídica Brasileira: Análise da CF, ECA e demais normas vigentes.3 APLICAÇÃO PRÁTICO JURÍDICA DO DIREITO À ORIGEM BIOLÓGICA..3.1 Tutela do direito ao conhecimento da origem biológica .3.2 Outras ponderações jurisprudenciais referentes ao conhecimento da origem biológica.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Os projetos de lei relacionados ao instituto do parto anônimo oferecem propostas de abolirem o abandono desumano de recém-nascidos, bem como um tratamento prioritário às gestantes que, de fato, não possuem condições ou, simplesmente, não querem assumir seus filhos.

O tema gera grandes discussões por estar associado à matéria de direito de família, poder familiar, adoção e, principalmente, com os direitos e garantias fundamentais resguardados pela Constituição Federal de 1988, em especial o direito do filho de conhecer a sua ascendência genética, como inerente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da CF/88, e aos Direitos de personalidade, constantes no Código Civil de 2002.

O grande ponto a ser discutido neste projeto é quanto a limitação trazida pelo instituto aos direitos já garantidos pela Constituição e demais normas infraconstitucionais ao menor. Nesse contexto, a problemática proposta é a seguinte: pode o direito ao conhecimento da origem biológica ser mitigado pelo instituto do parto anônimo?

Sendo assim, o objetivo deste artigo é expor que, apesar de não estar previsto de forma expressa, o direito ao conhecimento da origem biológica é um direito fundamental protegido pelo ordenamento jurídico, não podendo ser desconsiderado, conforme entendimento doutrinário, legal e jurisprudencial a ser desenvolvido no decorrer deste trabalho.

No primeiro capítulo, será realizado um breve resumo histórico a respeito do abandono infantil e a roda dos expostos, apresentando argumentos doutrinários que contextualizam o panorama histórico com as propostas do parto anônimo. Além disso, serão conceituados e caracterizados, conforme doutrina, os direitos fundamentais da criança.

No segundo capítulo, o conhecimento da origem biológica será abordado à luz do arcabouço legal, isto é, será demonstrado como ocorre a proteção dos direitos de personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, relacionando-os com os 8 projetos de lei do parto anônimo. Haverá a análise de dispositivos da CF/88, Código Civil e Estatuto da Criança e Adolescente.

No terceiro capítulo, serão apresentados alguns julgados relacionados ao direito do filho de conhecer a sua origem, análise prático jurídica, a fim de demonstrar como esse direito vêm sido defendido nas Cortes Superiores e demais tribunais.

Para realizar a pesquisa, será utilizado método bibliográfico, como artigos e doutrina, bem como análise da legislação constitucional e infraconstitucional vigente e da jurisprudência.


1 BREVE RELATO HISTÓRICO ACERCA DO PARTO ANÔNIMO E DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA

Preliminarmente, antes de adentrar no assunto principal deste trabalho, que é o direito à origem genética e sua proteção diante do ordenamento jurídico, é importante que se esclareça sobre a origem do Parto Anônimo e sobre as garantias fundamentais da criança.

1.1 Breve Histórico do Parto Anônimo: Abandono e a Roda dos Expostos

O Parto Anônimo consiste na possibilidade da mãe entregar seu filho para adoção, logo após o parto, com o direito de manter sua identidade em sigilo e de não ser responsabilizada civil ou penalmente, além de poder ter acesso a todos os cuidados médicos possíveis para a manutenção de sua saúde e a do recém-nascido.

Apesar de o instituto ainda não ser regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro, sua prática possui origem ainda na Idade Média, aproximadamente no ano de 1198, onde o número de crianças abandonadas já era preocupante, e ficou conhecido, inicialmente, como “Roda dos Expostos” ou “Roda dos Enjeitados” no Brasil e em outros países afora.

A chamada Roda dos Expostos teve início em Roma, no século XII, onde o Papa Inocêncio III, preocupado com o número alarmante de crianças rejeitadas, estipulou uma maneira que pudesse salvar a vida dos recém-nascidos. Desse modo, determinou um local onde as crianças pudessem ser deixadas, evitando de serem assassinadas (BRITO; DICKOW, 2009).

O artigo “Do Parto Anônimo”, das autoras Andryelle Vanessa Camilo e Valéria Silva Galdino Cardin (2010) explica:

Essa roda constituía-se em um cilindro de madeira que ligava a rua ao interior do imóvel (igrejas ou hospitais). Após o bebê ser colocado na roda, tocava-se um sino para alertar que mais uma criança havia sido ali deixada.

No Brasil, a roda dos enjeitados foi introduzida por influência de Portugal, no período colonial, nas Santas Casas da Misericórdia, sendo a primeira inserida em Salvador (1726), a segunda no Rio de Janeiro (1738) e a terceira em Recife (1789). 10 Após o período colonial, foi inserida uma roda na Santa Casa da Misericórdia em São Paulo, que à época possuía uma das taxas de exposição de crianças mais elevadas do país (MARCILIO, 1997). Diversas capitais brasileiras implantaram a Roda dos Expostos com o intuito de criar as crianças abandonadas, mas as condições precárias e ausência de verbas dificultaram o trabalho. Andryelle Camilo e Valéria Cardin (2010) retratam, em seu artigo, que as rodas chegaram a acolher cerca de 50 mil bebês, mas a taxa de mortalidade alcançou 90% em razão das condições sanitárias.

Insta salientar que, no Brasil, foram instituídas 13 rodas, conforme expõe Maria Luiza Marcilio (1997, p. 64) no texto “A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil”:

Assim, encontramos treze rodas de expostos no Brasil: três criadas no século XVIII (Salvador, Rio de Janeiro, Recife), uma no início do Império (São Paulo); todas as demais foram criadas no rastro da Lei dos Municípios que isentava a Câmara da responsabilidade pelos expostos, desde que na cidade houvesse uma Santa Casa da Misericórdia que se incumbisse desses pequenos desamparados.

E continua a autora explicando que:

Neste caso estiveram as rodas de expostos das cidades de Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas (RS), de Cachoeira (BA), de Olinda (PE); de Campos (RJ), Vitória (ES), Desterro (SC) e Cuiabá (MT). Estas oito últimas tiveram vida curta; na década de 1870 essas pequenas rodas praticamente já haviam deixado de funcionar. Subsistindo apenas as maiores. (MARCILIO, 1997, p. 64)

No século XIX, foram iniciados movimentos em favor da abolição da roda dos enjeitados, partindo, principalmente, de médicos “horrorizados com os altíssimos níveis de mortalidade reinantes dentro das casas de expostos” (MARCILIO, 1997), e também de juristas em prol da criação de novas leis que amparassem os menores. Somente no século XX foram desativadas todas as rodas, sendo a última de São Paulo no ano de 1948.

Os índices de abandono no Brasil sempre foram muito preocupantes. As notícias de que um recém-nascido é encontrado em latas de lixo acabam por se tornar corriqueiras e influentes na busca por uma solução. Defensores do Parto Anônimo vão aduzir que o instituto seria uma forma de abrandar o abandono ilegal, além da prática de abortos clandestinos.

É certo que, desde sempre, se ouve falar em histórias de abandono e, consequentemente, a sociedade espera uma atitude, ou ao menos um posicionamento, do Estado. Contudo, somente práticas de políticas públicas de atenção às famílias e o planejamento familiar não eliminariam inteiramente os casos, sendo que a maioria se dá por ordem particular, razões sociais, morais e até econômicas (PEREIRA, 2008).

Diante da grandiosa estatística do desamparo familiar, diversos países implementaram a prática do Parto Anônimo como uma forma legal de renunciar à maternidade. Países como Áustria, França, Itália, Luxemburgo, Bélgica e 28 de 50 estados norte-americanos. O artigo “Parto Anônimo no mundo” do Instituto Brasileiro de Direito de Família (2008) explica:

Esses países oferecem opções que além de salvar a vida do bebê eximem as genitoras de qualquer responsabilidade judicial. Depois da criação das famosas ‘janelas-camas’, em hospitais austríacos e alemães, onde a mãe pode depositar de forma anônima o recém-nascido, que posteriormente será dado em adoção, os hospitais da França e de Luxemburgo institucionalizaram o chamado parto anônimo.

É certo que esses países possuem uma realidade muito diferente do Brasil, tanto étnica, cultural, econômica e socialmente. A regulamentação do instituto na Itália ocorreu em um cenário de legalização do aborto, depois de um amplo debate social. Na França, o aumento de casos de abandono mutualmente com o clamor público foram fatores essenciais (PENALVA, 2008).

Na Alemanha, a prática do abandono em anonimato se deu de forma diferente: o Parto Anônimo não fora regulamentado no país, mas utilizou-se da roda dos expostos para criar um mecanismo com o objetivo de reduzir o desamparo e o assassinato de recém-nascidos. Em 1999, estabeleceu-se a chamada “portinhola para o bebê” ou "janela de Moisés”, que consiste em mantenedoras vinculadas às Igrejas, que, em conjunto com hospitais, garantem uma espécie de guichê para que a mãe possa depositar o neonato, sem ser identificada (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2008).

Baseados no modelo alemão, países como Japão, Índia, Paquistão, Áustria, República Tcheca, África do Sul, Hungria, com altos índices de abandono em 12 parques e depósitos de lixo, instalaram certas “janelas” em hospitais, onde as crianças podem ser deixadas. Consiste em uma espécie de incubadora adequada para o bebê, com uma porta acessível de fora do hospital (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 2008).

No Brasil, o Parto Anônimo surge como uma forma de resguardar a vida dos recém-nascidos e, sobretudo, da mãe, tendo como uma das diversas críticas o desamparo aos direitos fundamentais da criança, tema que será abordado mais a fundo neste trabalho, especificamente quanto ao direito ao conhecimento da origem genética.

1.2 A Doutrina dos Direitos Fundamentais da Criança.

Entende-se por Direitos Fundamentais, todas aquelas garantias indispensáveis à pessoa humana, essenciais para assegurar uma vida digna, livre e igual, cabendo ao Estado reconhecê-los formalmente e, sobretudo, concretizá-los (PINHO, 2018).

Rodrigo César Rebello Pinho (2018) considera o termo “direitos fundamentais” como sendo gênero, cujas espécies são: direitos individuais, coletivos, sociais, nacionais e políticos.

Os Direitos Fundamentais possuem as seguintes características: historicidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, concorrência, efetividade, interdependência e complementariedade. Entende-se por historicidade o contexto no qual esses direitos foram inseridos no ordenamento jurídico, isto é, segundo Rodrigo César Rebello Pinho (2018), são produtos de uma evolução histórica. Os direitos fundamentais são imprescritíveis pelo fato de não possuir prazo para pleitear, isto é, não deixam de ser exigíveis. A irrenunciabilidade significa que, de modo algum, essas garantias podem ser abdicadas, da mesma maneira que jamais podem ser violadas ou desrespeitadas. Dizer que são universais significa que todo ser humano, sem distinção, possui direitos e garantias fundamentais, podendo ser exercidos de forma concorrente. O Poder Público possui o dever de garantir e efetivação desses direitos, de modo que não se choquem com as normas constitucionais e infraconstitucionais, em razão da sua interdependência, visando sua realização absoluta, assim como explicita Nayara Beatriz Borges Ferreira (2010), em seu artigo “Parto anônimo e os direitos fundamentais”.

A autora ainda expõe:

Assim, pode-se perceber que os Direitos Fundamentais são uma criação de todo um contexto histórico-cultural da sociedade, desta forma é necessário que à medida que a sociedade se transforme os direitos fundamentais sejam preservados em sua integridade, bem como com a atenção que merece. (FERREIRA, 2010, p. 14)

Neste trabalho, busca-se dar enfoque aos direitos fundamentais e de personalidade da criança, e examinar como a instituição do Parto Anônimo influenciaria na concretização dessas garantias.

Antes de adentrar no direito à origem genética, é de suma importância que sejam citados os direitos fundamentais do menor, resguardados na Constituição Federal e nas demais normas infraconstitucionais.

Os direitos fundamentais da criança e do adolescente surgem como uma ideia de resguardar esses seres em desenvolvimento e também de limitar e controlar os abusos do próprio Estado e suas autoridades, garantindo efetividade ao direito da Dignidade da Pessoa Humana (MULLER, 2011).

Dentre diversas garantias protegidas pela Constituição, estão o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, todos elencados no artigo 227 da Carta Constitucional (BRASIL, 1998).

O ordenamento jurídico brasileiro incorporou a Doutrina da Proteção Integral na infância e adolescência, por meio da Constituição Federal de 1988. Esta doutrina teve crescimento mundial, por meio da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança em 1989 (MULLER, 2011).

Crisna Maria Muller (2011), autora do texto “Direitos Fundamentais: a proteção integral de crianças e adolescentes no Brasil” explica:

A convenção definiu a base da Doutrina da Proteção Integral ao proclamar um conjunto de direitos de natureza individual, difusa, 14 coletiva, econômica, social e cultural, reconhecendo que criança e adolescente são sujeitos de direitos e, considerando sua vulnerabilidade, necessitam de cuidados e proteção especiais.

A proteção integral é ônus não só do Estado como um todo, mas também da sociedade a da família na qual a criança está inserida. Atrelado à proteção integral, encontra-se o princípio do melhor interesse da criança, consolidado, principalmente, no âmbito do Direito de Família e amparado na doutrina da paternidade responsável.

Diante desse cenário, onde a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo um novo modelo, onde crianças e adolescentes possuem proteção e prioridade absoluta, destaca-se a grande importância do seio familiar no desenvolvimento e resguardo do menor, refere-se aqui a outro princípio constitucional, o direito à convivência familiar, sendo a família considerada imprescindível para o crescimento e formação do infante.

Segundo Dalva Azevedo Gueiros e Rita de Cássia Silva Oliveira, autoras da obra “Direito à convivência familiar”:

É fundamental defender o princípio de que o lugar da criança é na família, mas é necessário pensar que essa é uma via de mão dupla – direito dos filhos, mas também de seus pais – e, assim, sendo, deve ser assegurado à criança o direito de convivência familiar, preferencialmente na família na qual nasceu, e aos pais o direito de poder criar e educar os filhos que tiveram do casamento ou de vivências amorosas que não chegaram a se constituir como parcerias conjugais. (GUEIROS; OLIVEIRA, 2005, p. 118)

Sendo assim, primeiramente, é um direito da criança o de ser cuidada e criada por seus pais biológicos, assim como é direito e, preponderantemente, um dever de seus pais, conceder-lhe uma vida segura, educação de qualidade e saúde, dando efetividade às garantias constitucionais. Em segundo lugar, cabe ao Estado propiciar meios para que o infante não seja retirado do convívio da família, fornecendo acesso a bens e serviços indispensáveis à cidadania (GUEIROS; OLIVEIRA, 2005).

Dessa forma, pode-se afirmar que as crianças e adolescentes possuem uma proteção especial do Estado, conforme garantido na Convenção, na Constituição, bem como nas demais normas vigentes no Brasil. Proteção essa que deve ser especializada, diferenciada e integral (MULLER, 2011).

É discutível se a regulamentação do Parto Anônimo é medida hábil a assegurar a proteção dos direitos e garantias fundamentais da criança, falando-se, aqui, especificamente, do direito à vida, à dignidade, à convivência familiar e ao acesso a condições mínimas de sobrevivência. Destaca-se ainda o direito do infante de conhecer a sua origem biológica, intrínseco aos direitos de personalidade, também como garantia fundamental, assunto este que será abordado em tópico específico. Destarte, questiona-se: como o Estado garantiria a proteção integral da criança e ao mesmo tempo permitiria que ela fosse abandonada por sua mãe no hospital em que nasceu? Ainda seria possível falar em assistência total e diferenciada aos direitos fundamentais da criança, diante de um instituto que, de certa forma, mitiga a concretização dessas garantias? São perguntas sem respostas e objetos de diversas teorias.

Não é possível responder a todos os questionamentos, e, nesta apresentação, busca-se dar enfoque à origem biológica da criança e sua proteção no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, sob a perspectiva do parto anônimo, iniciando com a análise dos direitos de personalidade, no capítulo a seguir.


2 DIREITO AO CONHECIMENTO DA ORIGEM BIOLÓGICA SOBRE A ÉGIDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Neste capítulo, passa-se à análise das normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, com o fim de demonstrar o amparo garantido aos direitos fundamentais da criança, em especial o direito de conhecimento da origem biológica, como intrínseco aos direitos de personalidade e mantenedor da Dignidade da Pessoa Humana, princípio supremo constante da Constituição Federal de 1988, não podendo ser confrontado pelas normas infraconstitucionais, afirmando a teoria de Kelsen de que o ordenamento jurídico é único e escalonado por hierarquia de valores de normas (LOURENÇO, 2017).

No texto “Teoria Pura do Direito (segundo o pensamento de Hans Kelsen)”, do autor Lúcio Augusto Pimentel Lourenço (2017), exprime-se o seguinte:

A norma jurídica é, antes do mais, um modelo, uma fórmula ou uma regra de comportamento humano que se manifesta por sinais exteriores, que se impõe com carácter obrigatório, uma vez que o seu respeito pode ser exigido pela força democrática e organizada do Estado, nos termos da Constituição.

Continua explicando ainda que:

As normas jurídicas não têm todas o mesmo valor, havendo que diferenciar as normas jurídicas fundamentais, tais como, por exemplo, as de natureza constitucional ou mesmo as normas de base de qualquer situação jurídica; para depois surgirem as normas que irão regulamentar em pormenor a execução do seu cumprimento ou que viabilizam a concretização do fim a que se destinam.

[...]

A Teoria Pura do Direito entende a norma fundamental como a consagração de um fundamento do ordenamento, atribuindo a tal norma um sentido de dever estruturante, que se impõe às demais normas e a todos os órgãos e cidadãos, tutelando esse interesse maior, nomeadamente através dos mecanismos e formas de invalidar normas que ofendam tal direito, pela inconstitucionalidade ou mesmo violação de norma hierarquicamente superior, invalidando a norma de grau inferior. (LOURENÇO, 2017)

Sendo assim, sendo a Dignidade da Pessoa Humana uma norma de índole fundamental, deve esta ser tutelada pelas demais normas vigentes, bem como todos os seus desdobramentos.

O amparo e proteção ao menor foram introduzidos no Brasil por meio da “Convenção sobre os Direitos da Criança”, qual seja Decreto nº 99.710/1990, o qual traz normas indispensáveis à garantia da Dignidade Humana, reconhecendo-o como um ser de direitos e deveres com a real e especial necessidade de assistência pelo Estado.

A Convenção sobre os Direitos da Criança possui caráter constitucional, assim como expõe o art. 5º, §3º da Lei Maior, vejamos:

Art. 5º: [...] §3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (BRASIL, 1998)

Além disso, seus preceitos foram transcritos de forma expressa na Constituição, nos artigos 226 ao 230, reafirmando a absoluta prioridade concedida à criança e ao adolescente.

2.1 Projetos de Lei do Parto Anônimo e os Direitos de Personalidade da Criança

A personalidade jurídica é atribuída a toda pessoa, sendo intrínseca a própria condição humana, que acarreta em direitos e deveres. Maria Helena Diniz (2012) pontua que a personalidade não pode ser considerada um direito, e sim, um bem da pessoa, onde dela semeiam direitos e deveres. Continua explicando, ainda, que:

[...] é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontre, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. (DINIZ, 2012, p. 134)

Diniz (2012) considera, ainda, os direitos de personalidade como sendo “direitos subjetivos”, com o intuito de proteger aquilo que é próprio do ser humano, isto é, sua liberdade, identidade, honra, reputação e etc., através de ações judiciais.

Lydia Neves Bastos Telles Nunes (2011) segue a mesma linha de raciocínio ao dizer que os direitos de personalidade “constituem bens que embora não tenham um valor economicamente apreciável e, portanto, não patrimoniais, são fontes de interesses patrimoniais”.

Bem como os as garantias fundamentais, os direitos de personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis, impenhoráveis e inexpropriáveis. Significa que são oponíveis erga omnes, não passíveis de aferição econômica; é impossível sua transmissão para outrem, bem como sua disposição e renúncia; não se extinguem e não possuem prazo para pleitear; e, além disso, são inatos e contemplados quando do nascimento, em regra (DINIZ, 2012). Dentre essas características, pode-se afirmar que também são vitalícios.

Vale ressaltar que o Código Civil de 2002 disciplinou os direitos de personalidade do artigo 11 ao 21, onde dispôs sobre algumas espécies, entre elas está o direito à integridade física e à honra, sendo que esse rol não é considerado taxativo. Dentre as características dos direitos de personalidade, a Lei Civil positivou a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade, em seu artigo 11, nos seguintes termos: “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (BRASIL, 2002).

No que se refere à criança, estas possuem uma proteção especial quanto aos seus direitos de personalidade, pelo simples fato de serem considerados mais vulneráveis. Vale frisar o disposto no artigo 2º do Código Civil de 2002: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos no nascituro”, portanto, desde o nascimento, a criança carrega consigo direitos de personalidade, inerentes a sua condição humana (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, o amparo aos direitos da criança deve ocorrer de forma ampla, considerando inteiramente a personalidade. O direito à qualidade de vida decorre do próprio direito à vida que, contudo, desdobra-se no direito à convivência familiar, e, enfim, no direito de conhecer a ascendência biológica (NUNES, 2011).

O respeito aos direitos de personalidade se faz necessário para a proteção do próprio ser humano, para resguardar a dignidade humana. Diante da evolução histórica da sociedade e do homem, não se pode inferir que os direitos se resumem ao que está arrolado na norma, e nem mesmo é possível aferir quais que ainda surgirão (DINIZ, 2012). A propósito, o Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil, com a seguinte redação:

Os direitos de personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação. (AGUIAR JR., 2012)

Dessa forma, revela-se o caráter atípico dos direitos de personalidade, não sendo possível mensurar todas as suas espécies. Portanto, apesar de não estar inserido no ordenamento jurídico de forma expressa, o direito de conhecer a origem genética está inerente ao direito de personalidade, como um resguardo à dignidade da pessoa humana.

Heloisa Helena Barboza (2002), autora do artigo “Direito à identidade genética” expõe que:

Como a mais legítima e concreta expressão da personalidade, a identidade genética é um direito da personalidade, assim como o nome, e tanto ou mais do que os demais elementos da identificação, a informação da origem genética deve ser tutelada. [...] Imperativo reconhecer-se, nesses termos, um direito à identidade genética, como direito da personalidade, inscrito igualmente dentre os direitos fundamentais.

Vale a pena frisar, ainda, o exposto pela autora do texto “O direito fundamental à identidade genética na Constituição Brasileira”:

Quanto ao significado do direito fundamental à identidade genética, está focalizado na acepção individual, ou seja, na identidade genética como base biológica da identidade pessoal, que, em última análise, corresponde ao genoma de cada ser humano, individualmente considerado. A identidade genética é um bem jurídico fundamental a ser preservado, como uma das manifestações essenciais da personalidade humana, o que não significa estar a identidade pessoal reduzida à identidade genética. (PETTERLE, 2007)

Portanto, o direito de conhecer a origem biológica pode ser considerado uma espécie de direito de personalidade e também um direito fundamental, devendo ser preservado e protegido.

Quanto ao Parto Anônimo e a tentativa de o regulamentar no Brasil, foram editados três projetos de lei, arquivados em 2011. Todos possuem um ponto em comum, deixam evidente que a mulher que optar pelo parto anônimo ficará isenta de qualquer responsabilidade civil e criminal, mas apenas dois ressaltam a importância do conhecimento da ascendência biológica.

O primeiro projeto de lei, de número 2.747/2008, fora proposto pelo deputado Eduardo Valverde, em fevereiro de 2008, e tinha como proposta principal “prevenir o abandono materno de crianças recém-nascidas, e instituir no Brasil o parto anônimo nos tempos da presente lei” (BRASIL, 2008a).

Nesse primeiro projeto, prevê o artigo 6º que a gestante que optar pelo parto anônimo, antes ou no momento do parto, será alertada da importância do conhecimento da origem biológica. Confira-se a seguir:

A mulher que, antes ou no momento do parto, demandar o sigilo de sua identidade será informada das consequências jurídicas desse pedido e da importância para as pessoas em conhecer sua origem genética e sua história. (BRASIL, 2008a)

O segundo projeto de lei foi o de número 2.834/2008, realizado pelo deputado Carlos Bezerra, também em fevereiro de 2008, que, em seu artigo 2º, propõe a mudança do artigo 1.638 do Código Civil de 2002, para adicionar o parto anônimo aos casos de destituição do poder familiar e contém os seguintes fundamentos (BRASIL, 2008b):

[...] Muitas vezes, essas crianças são deixadas em latas de lixo, em banheiros públicos ou outros locais altamente insalubres com grande perigo de morte para esses recém-nascidos. Os motivos são os mais diversos: mães desesperadas, que não dispõem de recursos para criarem seus filhos, outras que buscam esconder a vergonha decorrente de uma gravidez fora da relação matrimonial ou até mesmo uma perturbação psicológica. Nesse caso, é importante que a legislação busque um meio de proteger os recém-nascidos que poderão estar sujeitos a essa cruel realidade.

Em abril de 2008, o deputado Sérgio Barradas Carneiro realizou a proposta do projeto de lei nº 3.220/2008, e possui a mesma justificativa dos outros anteriores, sobretudo quando diz que “a mera criminalização da conduta não basta para evitar o abandono” (BRASIL, 2008c). Além disso, também expõe, em seu artigo 4º, uma ressalva quanto aos direitos do neonato de conhecer a sua origem genética:

A mulher que solicitar, durante o pré-natal ou o parto, a preservação do segredo de sua admissão e de sua identidade pelo estabelecimento de saúde, será informada das consequências jurídicas de seu pedido e da importância que o conhecimento das próprias origens e história pessoal tem para todos os indivíduos. (BRASIL, 2008c)

Isto posto, o que os três projetos de lei têm em comum é que garantem à genitora o total anonimato, o direito de dispor do poder familiar, além de isenção da responsabilidade civil e criminal pelos seus atos, indo em total confronto às normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro. Ora, permitir que a mãe se exima de criar o seu filho, por uma decisão unilateral, tendo em vista que a posição paterna também importa, é sobrepor os interesses da mesma em detrimento aos da criança, em específico ao reconhecimento da paternidade. Outrossim, os projetos de lei propõem que o recém-nascido fique sob custódia do hospital até ser levado a adoção, o que levaria alguns dias, sendo que, nesse ínterim, o infante seria uma espécie de “indigente”, haja vista que não haveria registro, o que fere, ainda, o seu direito de ser registrado imediatamente após o seu nascimento, protegido pela Convenção do Direito da Criança, ratificada pelo Brasil e com égide constitucional.

Vale salientar que o Estatuto da Criança e do Adolescente confere ao menor o direito de ser criado e educado pela sua família de origem e, excepcionalmente, em família substituta, conforme previsto no artigo 19 da citada lei, confira-se:

Artigo 19, ECA: É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (BRASIL, 1990b)

Ademais, as propostas oferecem uma forma de a mãe se destituir do poder familiar, o que somente ocorre em hipóteses especiais, previstas nos artigos 1.635 ao 1.638 do CC/2002. O legislador propôs uma maneira de a mãe se desobrigar da criação de seu filho, de forma quase que informal. Destaca-se que o ECA reitera que a suspensão e a perda do poder familiar devem ser decretadas judicialmente, conforme artigo 24. Para frisar ainda mais o amparo que o sistema normativo oferece à criança, o artigo 23 do ECA prevê que “a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar” (BRASIL, 1990b).

A Constituição Federal de 1988 é bastante ampla quando expõe que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, 22 com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (artigo 227), positivando expressamente o princípio da proteção integral (BRASIL, 1998).

É certo que o instituto tem como objetivo principal a prevenção de abandonos de recém-nascidos. É questionável se essa seria a medida mais certa e eficiente. A entrega da criança de forma anônima caracteriza uma relativização aos direitos de personalidade, como o direito ao nome e à origem biológica, que, como já foi abordado, é uma forma de proteção da dignidade humana. As crianças são seres que possuem atenção especial, tanto é que a Comissão de Seguridade Social e Família rejeitou, por unanimidade, um dos projetos de lei, sob o seguinte argumento:

As propostas contrariam todo o direcionamento das lutas e do trabalho desenvolvido pelos movimentos que por décadas atuam na defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil. Os projetos contrariam a Convenção sobre os direitos das Crianças, ratificada pelo Brasil em 1990, e o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA), que garantem aos filhos o direito de preservarem sua identidade e conhecerem suas origens. (BRASIL, 2008a)

Posto isto, o direito ao conhecimento da origem genética é uma espécie de direito de personalidade, garantido no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, é também garantia fundamental da criança, assegurado no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção sobre os Direitos da Criança. No tópico seguinte, será analisada essa garantia e sua proteção no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro mais a fundo.

2.2 O Direito Fundamental da Criança ao Conhecimento da sua Origem Biológica na Ordem Jurídica Brasileira: Análise da CF, ECA e demais normas vigentes.

A garantia do direito ao conhecimento da ascendência genética tem como base o direito constitucional à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, consignado no art. 1º, inciso III, da atual Constituição Federal.

É um direito fundamental de qualquer indivíduo, compatível com a dimensão da dignidade humana, o direito ao conhecimento da paternidade biológica, ou seja, de ter definida e saber qual é a sua origem genética.

Além disso, a Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, inciso XIV, traz um embasamento ao direito de informação, de forma genérica, mas fundamental. O direito ao conhecimento da origem genética não aparece de forma expressa na Constituição, mas possui uma proteção implícita nas demais garantias e direitos fundamentais. Ainda no art. 5º, inciso XXXIII, a Carta Política estabelece que é direito de toda pessoa receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, com exceção às situações cujo sigilo seja necessário à segurança da sociedade e do Estado (MENEZES; BELTRÃO, 2018).

Na Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990 (Decreto nº 99.710/1990), é possível encontrar embasamento em relação ao direito à identidade do menor, o art. 7º, item 1, expõe que “a criança será registrada imediatamente após seu nascimento e terá direito, desde o momento em que nasce, a um nome, a uma nacionalidade e, na medida do possível, a conhecer seus pais e a ser cuidada por eles” (BRASIL, 1990a). Ademais, no art. 8º, item 1, a Convenção prevê também que “os Estados Partes se comprometem a respeitar o direito da criança de preservar sua identidade, inclusive a nacionalidade, o nome e as relações familiares, de acordo com a lei, sem interferências ilícitas”; o item 2 ainda complementa dizendo que a criança que for privada dos elementos que configuram sua identidade, devem possuir assistência e proteção dos Estados Membros, a fim de restabelecer sua identidade (BRASIL, 1990a).

No artigo “O direito à ancestralidade genética versus a prevenção ao abortamento e aos crimes contra os neonatos: análise com base no parto anônimo”, os autores Renata Oliveira Almeida Menezes e Silvio Romero Beltrão (2018), explicitam, ainda, quanto às disposições da Convenção dos Direitos da Criança:

Desse modo, evidencia a preconização da atuação do Estado na proteção da identidade da criança, argumento este que é utilizado para se priorizar o direito à ascendência biológica e para se repudiar o parto anônimo.

Outrossim, o direito à ancestralidade genética pode ser considerado um bem jurídico fundamental, resguardado não só na Carta Constitucional, mas também nas outras normas vigentes, componente imprescindível para o desenvolvimento pessoal do indivíduo. Vale a pena destacar o pensamento de Selma Rodrigues Petterle, em seu trabalho “O direito fundamental à identidade genética na Constituição Brasileira”:

A identidade pessoal não se resume à identidade genética. A identidade pessoal é noção bem mais complexa e abrangente, com dois componentes: um referencial biológico, que é o código genético do indivíduo (identidade genética), e um referencial social, este construído ao longo da vida, na relação com os outros. É nesse sentido que a doutrina refere-se a duas dimensões do direito à identidade pessoal: uma dimensão individual, que torna cada pessoa humana um ser único, original e irrepetível, diversidade essa que enriquece a humanidade; integrando o núcleo da respectiva dignidade o respeito pelo caráter único e diverso de seus elementos genéticos; e uma dimensão relativa da identidade pessoal, que compreende justamente a ideia de relação com as outras pessoas, ou seja, toda a construção de uma história pessoal, noção bem mais ampla e complexa. (PETTERLE, 2007)

Petterle aduz, contudo, que a definição do direito à identidade biológica está destacado na identidade genética como fundamento da identidade pessoal, que, em resumo, corresponde ao genoma de cada ser vivo, isto é, ao genoma humano de cada pessoa individualmente. Sendo assim, a identidade genética pode ser considerada como semelhante à individualidade genética (PETTERLE, 2007).

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 os menores passam a ter uma proteção especial, sendo a efetivação dessas garantias uma obrigação da família e, sobretudo, do Estado. O estatuto trouxe consigo normas de proteção que dão um respaldo aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Confira-se, no artigo 3º da lei:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 1990b)

Nota-se, mais uma vez, o resguardo dado aos menores, garantindo-lhes uma vida digna e saudável, de modo que os direitos fundamentais não sejam deixados de lado e que prevaleça o melhor interesse para a criança. Direitos fundamentais aqui entendidos como proteção à dignidade da pessoa humana e todos os seus desdobramentos, inclusive o direito ao conhecimento da origem biológica.

No que concerne à importância do direito à identidade, o ECA exprime, no artigo 10, inciso II, o seguinte:

Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:

[...] II – Identificar o recém-nascido mediante registro de impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente (BRASIL, 1990b)

Além disto, o Estatuto da Criança e do Adolescente põe a salvo o direito ao conhecimento da ascendência genética em seu artigo 48, no caso de adoção, o qual pode-se aplicar aqui por analogia. Confira-se a seguir:

Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 1990b)

Insta salientar que o artigo 19-A, §9º, do estatuto garante à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, nos casos de adoção, respeitando, porém, o disposto no artigo 48 da lei. Sendo assim, é de se notar a importância de tal direito, visto que o mesmo é posto de forma preferencial pela norma (BRASIL, 1990b).

A redação do artigo 48 do ECA destaca a transcendência do infante de conhecer sua ascendência biológica, haja vista se tratar de um direito de personalidade defendido pelo Código Civil, como já demonstrado anteriormente, e pela Carta Magna de 1988, como arcabouço da dignidade humana.

Vale frisar, ainda, que o direito ao conhecimento da origem biológica em nada se confunde com o direito de reivindicar a filiação, conforme explica Danielle Dantas Lins de Albuquerque (2008), autora do texto “Parto Anônimo e o Princípio da Afetividade”:

Toda pessoa tem direito fundamental, na espécie direito da personalidade, de vindicar sua origem biológica para que, identificando seus ascendentes genéticos, possa adotar medidas preventivas para preservação da saúde e, a fortiori, da vida. Esse direito é individual, personalíssimo não dependendo de ser inserido em relação de família para ser tutelado ou protegido. Uma coisa é vindicar a origem genética, outra a investigação da paternidade. A paternidade deriva do estado de filiação, independentemente da 26 origem (biológica ou não). [...]. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo.

Sendo assim, o direito da criança de conhecer sua origem biológica possui proteção no ordenamento jurídico brasileiro, no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código Civil, como intrínseco aos direitos de personalidade, e na Constituição Federal de 1988. Garantia de suma importância para o desenvolvimento do ser humano.


3 APLICAÇÃO PRÁTICO JURÍDICA DO DIREITO À ORIGEM BIOLÓGICA

Reconhecendo que o direito à origem genética é um direito fundamental e de personalidade, intrínseco à dignidade humana, é importante ressaltar como que a jurisprudência tem se posicionado quanto ao assunto, o que se fará a seguir.

Não se fala aqui em direito ao estado de filiação, apesar de serem institutos bem próximos, não se confundem, sendo que a filiação possui origem no direito de família e a origem genética está mais ligada à garantia do conhecimento, como forma de preservar os interesses do indivíduo, decorrentes de sua formação genética (CARVALHO, 2019).

Em relação ao parto anônimo, por ser um instituto não regulamentado, não possui jurisprudência específica, mas o ponto aqui discutido diz respeito ao conhecimento da origem biológica e sua importância, diante das limitações trazidas pelas propostas do instituto.

3.1 Tutela do direito ao conhecimento da origem biológica

Em sua maioria, os tribunais vêm decidindo a favor do indivíduo que requer o conhecimento da sua origem biológica, realizando, contudo, a distinção entre a origem biológica e o estado de filiação. Um grande exemplo foi a decisão tomada pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 2014, de lavratura do Desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, em sede de apelação nº 70057505208, no qual foi declarada a maternidade biológica sem alteração no registro civil, em razão da maternidade socioafetiva já configurada.

O Tribunal se manifestou no sentido de ser impreterível a declaração de ascendência biológica, haja vista que é diferente da constante no registro civil. Do corpo do acórdão extrai-se:

O exame de DNA comprovou esse vínculo genético e, portanto, a declaração judicial de sua existência revela-se imperativa, mesmo que não opere efeitos em relação ao assentamento de nascimento de Elaine. Assim, ainda que com o reconhecimento do liame biológico, desautorizada a anulação do registro, porquanto tal providência afetaria sobremaneira a identidade de Elaine e a relação já consolidada, não podendo ela ser prejudicada por atos pretéritos dos quais também foi vítima, e para os quais nada, por óbvio, colaborou. (RIO GRANDE DO SUL, 2014)

O acórdão acima transcrito deu perfeita efetividade ao conhecimento da origem biológica, diferenciando-o do direito à filiação. É certo que, independentemente de um vínculo filial já existente, é direito pessoal do interessado, como um direito da personalidade, de saber suas origens sem, contudo, interferir no vínculo afetivo.

O Supremo Tribunal Federal também já se pronunciou acerca do direito ao conhecimento da origem genética, no sentido de que a paternidade socioafetiva não exclui a responsabilidade biológica. No RE nº 898.060/SC, da relatoria do ministro Luiz Fux, com repercussão geral reconhecida, fixou-se o entendimento de que é possível o reconhecimento simultâneo do vínculo afetivo e do vínculo biológico, desde que essa seja da vontade do filho. Veja a conclusão:

[...] “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais. (BRASIL, 2016).

Destaca-se que a decisão deixou claro que o reconhecimento da origem biológica, simultâneo ao vínculo de filiação afetivo, pode desencadear, inclusive, consequências patrimoniais.

Outro ponto importante a se destacar no acórdão é que reconheceu o direito ao conhecimento da origem biológica como um direito constitucional implícito, além de ser um meio a assegurar o direito à busca da felicidade, cuja origem remonta ao surgimento do novo conceito de Constituição, conforme argumentado pelo eminente ministro relator. Veja a íntegra:

Cuida-se, a busca da felicidade, de preceito que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhecendo-se não apenas as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, mas também que o Estado, então recém-criado, deveria atuar apenas na extensão em que essas capacidades próprias fossem respeitadas. Traduz-se em um mandamento a que o governo se abstenha de eleger finalidades a serem perseguidas nas mais diversas esferas da vida humana, bem assim a que não se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a 29 persecução das vontades particulares. Nenhum arranjo político é capaz de prover bem-estar social em caso de sobreposição de vontades coletivas a objetivos individuais. (BRASIL, 2016).

Dessa forma, o conhecimento da origem biológica, está ligada também, mesmo que de forma indireta, à busca pela felicidade, capacidade do indivíduo de se autoconhecer e determinar, contribuindo, portanto, para o desenvolvimento da sua personalidade como um todo.

Outra jurisprudência de grande relevância para o assunto em questão, é a decisão tomada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 833.712/RS, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, no sentido de que caracterizase violação ao princípio da dignidade da pessoa humana dificultar o direito de conhecimento da origem genética, devendo ser respeitada a necessidade psicológica de se conhecer a verdade biológica, sendo que, nesse caso em questão, se tratava de uma adoção à brasileira.

Insta salientar a decisão do julgamento do RE nº 248.869/SP de 2003, cuja fundamentação fora citada pela ministra Nancy no REsp nº 833.712/RS, no sentido que:

O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana, princípio alçado à fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, inciso III). O nome, por sua vez, traduz a identidade da pessoa, a origem de sua ancestralidade, enfim é o reconhecimento da família, base de nossa sociedade. Por isso mesmo, o patronímico não pertence apenas ao pai senão à entidade familiar como um todo, o que aponta para a natureza indisponível do direito em debate. No dizer de Luiz Edson Fachin 'a descoberta da verdadeira paternidade exige que não seja negado o direito, qualquer que seja a filiação, de ver declarada a paternidade. Essa negação seria francamente inconstitucional em face dos termos em que a unidade da filiação restou inserida na Constituição Federal. Trata-se da própria identidade biológica e pessoal – uma das expressões concretas do direito à verdade pessoal. (BRASIL, 2003b)

As propostas de implementação do parto anônimo no Brasil vieram com a garantia de anonimato total da genitora, o que causa um confronto de direitos fundamentais, quais sejam a liberdade de escolha e a dignidade. Apesar de ser um instituto de “boas intenções”, existem grandes obstáculos jurídicos à sua 30 regulamentação, como foi exposto. O direito ao conhecimento da ancestralidade genética se sobrepõe à garantia do anonimato, por contribuir para o desenvolvimento da personalidade humana, para a autopreservação da própria vida, além de evitar a ocorrência de doenças genéticas.

3.2 Outras ponderações jurisprudenciais referentes ao conhecimento da origem biológica

Um julgado que merece ser analisado é o acórdão proferido pela 5ª Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, o qual fora reformado pelo Supremo Tribunal Federal, como RE nº 363.889.

Ocorre que, houve o trânsito em julgado da sentença que julgou improcedente a ação investigatória de paternidade. Em momento posterior, o interessado entrou com a ação novamente, alegando a viabilidade da realização do exame de DNA. No âmbito da segunda instância, o tribunal entendeu improcedente a ação em razão da coisa julgada já efetuada, argumentando que a eficácia da sentença não poderia ficar comprometida, o que causaria insegurança jurídica.

Ao chegar até o Supremo Tribunal Federal, na relatoria do ministro Dias Toffoli, onde foi reconhecida a repercussão geral do tema, a tese fixada foi a de relativização da coisa julgada, reformando o acórdão proferido pelo tribunal já mencionado. Em seu voto, o eminente relator argumentou no sentido de que “a ideia de coisa julgada como topo argumentativo isolado não se presta a resolver o problema do direito fundamental à identidade genética” (BRASIL, 2011), reconheceu, ainda, a busca da identidade genética como meio de concretização dos direitos de personalidade.

Além disso, ressaltou o ministro relator da importância de o Estado conceder acesso ao exame de DNA aos beneficiários da assistência judiciária e gratuita, como forma de conhecer a verdade sobre sua origem, citando julgados nesse sentido, para tanto.

Dá-se tanta relevância às ações de investigação de paternidade que foi editada uma súmula pelo Superior Tribunal de Justiça, no seguinte sentido:

Súmula 301. Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. (BRASIL, 2003a)

Sobre o enunciado sumular, insta salientar o disposto no artigo “O conhecimento da origem genética como direito da personalidade”, da autora Bruna Fernandes Pereira de Carvalho (2019):

Apesar de não possuir força vinculante, como salientado acima, insisto no exame da súmula, pois o judiciário, em sua rotina, de modo geral, não vem analisando os casos com a profundidade devida. Dessa forma, a aplicação direta do enunciado não resolve o aspecto da personalidade do investigante, isto é, o direito de conhecer sua origem genética.

Conforme disposição da autora, é necessário, além da aplicação direta da súmula, a análise sistemática do caso concreto, a fim de evitar decisões errôneas que levam o interessado a acreditar que o investigado(a) é seu suposto genitor(a), sem provas concretas para tal.

Sendo assim, constata-se a importância da origem biológica como um todo, devendo ser viabilizada pelo Estado, de modo que seja efetivada a garantia a dignidade da pessoa humana e o acesso a informação, contribuindo para a própria formação do interessado como detentor de direitos de personalidade. Dessa forma, se existe possibilidade de provar a ascendência genética, não cabe ao tribunal negar este direito, e sim contribuir para uma solução do conflito justa e efetiva, conforme princípio da inafastabilidade da jurisdição e primazia da decisão de mérito, ambos previstos no Código de Processo Civil de 2015, nos artigos 3º e 4º, respectivamente.

A proposta de implementação do parto anônimo é, de fato, uma medida que diminuiria os casos de aborto e abandono, não se nega aqui a possibilidade de dar certo, contudo, não se pode ignorar as garantias que poderiam ser colocadas em risco. No paradigma da Proteção Integral, está inserida a corresponsabilidade entre os pais e o Estado de garantir condições mínimas de existência ao menor, condições estas que deveriam ser inseridas por meio de políticas públicas efetivas, garantindo ao filho nascer e crescer no seio de sua família biológica e, de forma excepcional, em família substituta.

Nota-se que o conhecimento das próprias origens possui uma margem tão grande de importância, que até mesmo pode desconstituir a coisa julgada, na hipótese de não houver sido realizado exame de DNA no primeiro processo, em razão da “ponderação de valores”, como citado no Recurso Extraordinário acima.

Além disso, o parto anônimo confere à genitora o direito de se esquivar da responsabilidade materna, o que não pode ser um pressuposto para a relativização dos direitos do filho. Sobre esse assunto, destaca-se o Recurso Extraordinário nº 248.869/SP, da relatoria do ministro Maurício Côrrea, já mencionado. Nesse ponto, dispõe a ementa:

[...]5. O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição do pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. Essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade. (BRASIL, 2003a)

Não se nega aqui o direito à intimidade, somente se afirma que o mesmo não pode ser utilizado para afastar, por si só, a obrigação da paternidade responsável e o dever dos pais biológicos de conceder condições de crescimento e saúde adequada para seus filhos.

É certo que, quando se fala em direitos fundamentais, é cediço que não existe hierarquia entre eles, e a melhor maneira de solucionar a colisão é por meio de técnicas de ponderação.

Nesse sentido, a autora Bruna Fernandes Pereira de Carvalho (2019) dispõe:

Ponderar significa avaliar qual dos princípios detém o maior peso, porém não significa que um dos princípios deva ser desprezado, uma vez que não há hierarquia entre eles. O que determinará qual princípio deverá ceder serão as circunstâncias (BARROSO, 2008, p. 56).Destarte, para amparar na ponderação, recorre-se ao princípio da dignidade da pessoa humana para a definição do direito que deve se sobrepor ao outro. No tocante ao direito à intimidade do réu em ação de ascendência genética, de fato deverá ser sacrificado um direito fundamental, de maneira que o direito do filho de conhecer sua origem genética prevaleça em relação ao direito à intimidade.

Como retratado pela autora em seu texto, o direito ao conhecimento da origem genética está vinculado diretamente ao conhecimento da dignidade humana, configurando uma qualidade essencial para o desenvolvimento do ser humano, como pessoa dotada de personalidade (CARVALHO, 2019).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho de conclusão de curso teve como objetivo analisar o direito ao conhecimento da origem biológica no contexto das propostas do parto anônimo. Buscou-se demonstrar as limitações trazidas pelo instituto, de modo a elencar as disposições doutrinárias, legais e jurisprudenciais.

Através de um contexto histórico, notou-se que os filhos não eram, de certa forma, priorizados. Os direitos e garantias da criança foram sendo estabelecidos através de uma longa jornada, até que hoje pode-se considerar que possuem uma atenção especializada. Era permitido às genitoras abandonar seus filhos através da roda dos expostos, permitindo aos pais se esquivar da responsabilidade e, consequentemente, quebrar o vínculo familiar.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, ocorreu um grande avanço no que diz respeito à proteção da criança e da família. Por meio do Paradigma da Proteção Integral foi possível reconhecer, finalmente, que a criança é um ser dotado de personalidade e que necessita de assistência especial.

Como foi explicitado, o direito ao conhecimento da origem biológica é intrínseco aos direitos de personalidade, os quais possuem grande importância no desenvolvimento do ser humano como um todo. A dignidade da pessoa humana abarca diversos outros direitos, explícitos e implícitos, que devem ser resguardados de forma integral.

Em se tratando do direito ao conhecimento da origem biológica, a proteção dada pela jurisprudência é referente não só ao direito à informação, mas também está relacionado com a busca do indivíduo pela felicidade, como restou comprovado na análise do RE nº 898.060/SC. Dessa forma, demonstra-se a importância desse direito e o quanto ele interfere na construção da pessoa.

Ante o exposto, é evidente a importância que deve se dar ao direito ao conhecimento da origem biológica, bem como a preponderância que ele tem sobre o direito ao anonimato da genitora. É certo que não existe hierarquia entre direitos fundamentais, porém, na realização da ponderação, é de se observar o peso que um tem sobre o outro, sendo que o direito ao conhecimento da origem biológica está ligado à preservação da própria vida, não se tratando de mera curiosidade. Destarte, conclui-se que o direito à identidade biológica consiste em um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo tutelado, de forma prioritária, na jurisprudência, como ficou demonstrado.

Como já foi afirmado, não cabe ao Estado proporcionar meios que inibam os pais de exercer a paternidade, e sim, dar condições para que a exerçam, de modo que criem seus filhos de forma saudável e digna, efetivando, portanto, o paradigma da proteção integral.


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