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Multiparentalidade e suas consequências

Multiparentalidade e suas consequências

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PRINCIPAIS TRANSFORMAÇÕES ATÉ O ADVENTO DA MULTIPARENTALIDADE

Os novos arranjos familiares foram os grandes responsáveis por trazer à tona o fenômeno da multiparentalidade e seus efeitos, principalmente quando tal realidade passa a ser questão de registro civil, formalizando o que até então era pressuposto apenas verbal e afetivo em direito reconhecido juridicamente pelo Estado. 

Nesse sentido, Cassetari (2013, p.157) comenta que, no modelo familiar atual, e desde o início, sempre existiu a exigência de que o indivíduo fosse registrado por duas pessoas de sexos opostos. Contudo, esse cenário foi mudado com a adoção de pessoas por casais homossexuais e, apesar de a jurisprudência ter demorado em aceitar a adoção conjunta de casais do mesmo sexo sob o prisma de que o Estatuto da Criança e do adolescente (lei 8069/90) exigia, para tal, que os adotantes estivessem casados ou convivessem sob o regime de união estável, e também pelo preconceito e pela ideia de que uma criança criada por esse tipo de arranjo familiar optaria pela opção sexual destes, é que foram surgindo julgados que, por consequência, abriram precedentes.

Não obstante isso, Cassetari (2013, p.157) menciona que era desprezada a condição de fato da criança ou adolescente que já se encontrava nessa situação, já que homossexuais adotavam individualmente, e eles conviviam com o companheiro/companheira do adotante na mesma casa, tendo eles um tratamento muitas vezes de madrasta ou padrasto.

Nesse sentido, vale citar o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual foi pioneiro ao decidir a respeito da adoção conjunta por casais do mesmo sexo:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. (TJRS, AC 70013801592, 7ªC. Cív., Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 5.4.2006).

É importante observar que o julgado levou em consideração os vínculos afetivos entre o adotante e o adotado, bem como o princípio Constitucional da absoluta prioridade da criança e do adolescente, previsto pela magna carta de 1988, afastando por consequência todo e qualquer preconceito que pudesse interferir na relação afetiva construída , tendo em vista que seu interrompimento causaria grande prejuízo no desenvolvimento social e psicológico dos infantes.

Não obstante isso, Cassetari (2013, p.158) menciona que a adoção conjunta feita por casais homossexuais ainda era rechaçada pela falta de reconhecimento da união estável, o que só veio a ocorrer cinco anos mais tarde, no ano de 2011, no julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, pelo Supremo Tribunal Federal, estendendo a essas uniões os mesmos efeitos jurídicos da união entre casais héteros, possibilitando assim também a adoção conjunta.

Assim, percebe-se que a legislação restou ultrapassada em regularizar tais situações, cabendo ao judiciário interpretar e resolver as situações de fato em que muitos casais homossexuais viviam, possibilitando a adoção e o registro civil do adotado com o nome dos pais ou das mães.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2017,p.21) expõe que a partir dessa revolução surgiram inúmeras situações, haja vista que após o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas, houve também aceitação da homoparentalidade , sem se importar se o filho foi adotado ou gerado por meio de técnicas reprodutivas. Além disso, o surgimento da participação e o envolvimento de mais pessoas, não somente na concepção, bem como pelo vínculo de convivência, fez emergir a necessidade de ampliar cada vez mais o conceito de filiação.

Nesse cenário, a justiça não teve alternativa senão admitir essa possibilidade, pois na realidade já existiam filhos que possuiam mais de dois pais e negar  o reconhecimento dessa situação violaria um princípio fundamental da Constituição Federal de 1988, que assegura a absoluta prioridade e proteção das crianças e adolescentes. Aliás, negar a imposição dos encargos e deveres a quem exerce função como pai ou mãe é não assegurar direitos daquele que é tratado e reconhecido e amado como filho dentro das entidades familiares. A partir disso, surge a multiparentalidade (DIAS, 2017, p.21).

Desse modo, serão abordados os principais conceitos trazidos pela doutrina a respeito da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos, a qual tem sido alvo de grande debate  pela jurisprudência.

Portanto, as diversas transformações nos arranjos familiares fizeram com que o Judiciário viesse a criar soluções para assegurar proteção e segurança jurídica a esses núcleos, tendo em vista que apesar de existentes na realidade fática, eram excluídos de toda e qualquer assistência da legislação.


CONCEITOS E SUA APLICABILIDADE

Segundo Maria Berenice Dias (2017, p.21), o reconhecimento da filiação socioafetiva adveio da brecha da lei, a qual admite o parentesco de outra origem (CC,1593), podendo inclusive prevalecer sobre a filiação consanguínea, tendo em vista que a filiação em si pode ser comprovada com a existência de presunções de fatos certos ( 1605,II, CC), a posse de estado de filho acaba por consequência gerando a filiação, principalmente quando o filho   possui o nome, fama e trato, ou seja, torna-se na pratica conhecido como filho e reconhecido como tal. .

Ademais, com a consolidação do conceito de parentalidade socioafetiva, é possível permitir a possibilidade de coexistência da filiação biológica e da filiação construída pela afetividade. A propósito, não  existe  outra maneira de compreender a realidade do que permitir a existência do fenômeno da multiparentalidade ( DIAS, 2017,p.21) .

Nesse sentido, Cassetari ressalta:

A multiparentalidade ou pluriparentalidade constitui-se como fato jurídico contemporâneo, comumente existente nas famílias reconstituídas, nas quais tantos os pais biológicos quanto os padrastos e madrastas exercem parentalidade socioafetiva na vida dos seus enteados, colaborando com a criação e desenvolvimento destes, bem como nas hipóteses de filho de criação, na qual uma pessoa acolhe criança, conhecendo ou não seus pais biológicos, para dedicar-lhe os cuidados e funções da paternidade e ou maternidade, sendo tais relações marcadas pela afetividade e convivência comum (CASSETTARI, 2015, p. 55).

Por usa vez, Priscila Araújo de Almeida define o conceito de multiparentalidade como sendo a possibilidade jurídica do genitor (biológico ou socioaafetivo) invocar o princípio da Dignidade da Pessoa Humana para fim de estabelecer ou efetuar manutenção dos vínculos parentais (ALMEIDA, 2012, s.p). Ademais, isso se justifica na existência conjunta de vínculos biológicos e afetivos, não se revelando apenas como um direito, mas também como dever, de forma que venha a preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos. A propósito, tal ocorrência se dá excepcionalmente nos casos em que é possível somar a parentalidade biológica e socioafetiva, sem que  ambas se excluam.

Assim sendo, percebe-se que o fenômeno da multiparentalidade só se justifica em decorrência da doutrina da proteção integral, previsto pelo art.227 da CF/88, tendo como premissa também assegurar à criança e ao adolescente a garantia de seus direitos fundamentais, tal como o direito a convivência familiar, prevista no art.4º do ECA ( lei 8069/90), no qual o termo “família” deve ser interpretado em sentido amplo. Além disso, visa proteger os laços de afeto formados por todas as pessoas envolvidas.

Não obstante a falta de previsão legislativa, a CF/88 trouxe no art. 226, §7º, a livre iniciativa para o planejamento familiar, considerando que em situações específicas o judiciário vem aplicando a multiparentalidade e permitindo a manutenção no registro de nascimento de do nome de mais de um pai ou de uma mãe.

Aliás, sobre isso Maria Berenice Dias observa:

A falta de expressa permissão legal de inclusão do nome de mais pais no registro de nascimento não pode ser óbice para que se assegure a proteção integral a quem tem garantido constitucionalmente o direito à convivência familiar. Como alerta Christiano Cassettari, o juiz do nosso século não é um mero leitor da ei e não deve temer novos direitos. Haverá sempre novos direitos e também novos séculos. Deve estar atento à realidade social e, cotejando os fatos e o ordenamento jurídico, concluir pela solução mais adequada.

Contudo, é preciso muita cautela, a fim de  que tal aplicação não deva ser feita de qualquer forma, mas venha a ser baseada na avaliação da equipe multidisciplinar, como a análise psicológica e social da criança ou adolescente, para que se tenha certeza de que tal hipótese atende o melhor interesse da criança ou adolescente. Nesse sentido, vale ressaltar que o prisma balizador de tudo isso é a afetividade, prevalecendo, muitas vezes, a paternidade socioafetiva em face da paternidade biológica. Aliás, Cassetari (2011, p.169) comenta no sentido de que “a parentalidade afetiva prevalece sobre a biológica”, consagrada pela jurisprudência em casos de negatória de paternidade, deve ter aplicação ponderada, pois acreditamos que ambas as espécies podem coexistir, formando, assim, a multiparentalidade”.

Do mesmo modo, Luiz Edson Fachin traz o raciocínio  no sentido de “que a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade, em que se cogita a verdade socioafetiva, sem exclusão da dimensão biológica da filiação”( FACHIN, 2003, p. 255-256).

Corroborando a isso, Maria Berenice Dias também destaca a seguinte premissa:

Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. Já sinalizou o STJ que não pode passar despercebida pelo direito a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social. Esta é a tendência da Justiça que vem admitindo o estabelecimento da filiação pluriparental quando o filho desfruta da posse de estado, mesmo quando não há a concordância da genitora. Também na hipótese da adoção unilateral é possível o reconhecimento da multiparentalidade (DIAS,2016, p.656).

Embora tais conceitos sejam de certo modo perfeitos no campo do “dever ser”, tal situação na realidade no campo do “ser” nem sempre se amolda na forma esperada e depende de uma maior cautela, devido as grandes consequências que podem ser geradas, que quase sempre são irreversíveis e irremediáveis.

Nesse ponto, pode-se observar o direito ao nome, que é direito da personalidade e que se assenta junto à dignidade da pessoa humana, tendo a justiça admitido a multiplicidade de vínculos parentais e que, através disso, pudesse ser incluído no registro de nascimento o nome de mais de um pai ou de uma mãe, contudo, sem excluir o nome dos pais biológicos ( DIAS, 2018, s.p).

Destarte, é importante salientar que esse fenômeno não se resume na existência de dois pais ou duas mães no registro civil, pois para que se configure sua existência são necessárias três pessoas ou mais constando no registro de nascimento como pai ou mãe (CASSETARI, 2013, p.159).

Nesse aspecto, é necessário fazer uma breve diferenciação entre os conceitos, a fim de que não exista confusão para sua definição, sendo a espécies de parentalidade conceituadas da seguinte forma, conforme explana Cassetari (2013, p.160):

  • MULTIPARENTALIDADE PATERNA: três ou mais pessoas como genitores, com dois ou mais pais do sexo masculino.
  • MULTIPARENTALIDADE MATERNA: três ou  mais pessoas como genitores, com duas ou mais mães do sexo feminino.
  • BIPARENTALIDADE: um pai e uma mãe de sexos distintos.
  • BIPATERNIDADE (ou Biparentalidade Paterna): dois pais do sexo masculino apenas.
  • BIMATERNIDADE (ou Biparentalidade Materna): duas mães do sexo feminino apenas.

Portanto, torna-se mais fácil compreender as diferenças entre outras espécies de parentalidade em relação à multiparentalidade, sendo possível depreender que a bipaternidade e a bimaternidade são as hipóteses de uma pessoa ter dois pais ou duas mães no registro de nascimento, presentes nos casos dos homossexuais que adotam uma criança ou adolescente. Ressalte-se ainda que a dupla paternidade ou maternidade somente viesse a surgir com a permissão da adoção conjunta por casais homossexuais através dos julgados dos tribunais (CASSETARI,2013, p.166).

 Assim, faz-se necessário verificar a possibilidade de se ter dois pais ou duas mães, totalizando entre três e quatro pessoas no assento de registro civil. Sobre isso, Prada (2008, p. 217) afirma que “o filho dessa espécie de família pode ter dois pais biológicos, dois padrastos, irmãos de sangue, meio irmãos, até oito avós e inúmeros parentes”.

Em decorrência disso, percebe-se que tal fato não se resume apenas  na multiplicidade de vínculos e quantidade de parentes, pais, avós ou irmãos, mas sim a multiplicidade de direitos advindos das relações familiares que vai desde aos direitos da personalidade, como no caso do nome, e se arrasta por direitos de assistência e de prestar alimentos, bem como os direitos hereditários e patrimoniais.

Veja-se que as consequências se tornam bem maiores do que alguém inserido em um modelo familiar tradicional, pois os direitos e os deveres passam a não ser apenas de um ator na relação familiar, mas de todos os envolvidos, tornando assim um complexo a ser decifrado nas relações jurídicas e sociais, tendo em vista que a lei por si só não alcança tais fenômenos e se torna ultrapassada para regular o direito, cabendo a o aplicador do direito usar dos princípios que regem todo o ordenamento jurídico a fim de resolver os problemas desses novos arranjos familiares, o que faz emergir a judicialização através dos precedentes e da jurisprudência.


PRINCIPIOS NORTEADORES DO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE

Com o advento da Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se grandes valores à dignidade da pessoa da pessoa humana, de forma que os princípios decorrentes dessa valoração trouxe efetividade nos direitos e garantias, inclusive em relação à família e, na falta da lei, a aplicação dos princípios se torna necessária à garantia de proteção dos cidadãos, ante ao avanço desacelerado das mudanças sociais.

Assim, entre os diversos princípios constitucionais e os princípios  existentes no direito de família, alguns são os mais citados para fundamento, quando na análise do reconhecimento da multiparentalidade. São eles:

1 Princípio da dignidade da pessoa humana:

É o princípio base de toda a Constituição Federal de 1988, do qual decorrem os direitos fundamentais, sendo o mesmo previsto no art.1º, inciso III, da magna carta. Dessa maneira, como reflexo de seu alcance em relação à seara familiar, depreende-se que o seu principal objetivo é assegurar a dignidade da unidade familiar e a realização pessoal de seus membros, de forma que o bem estar de todos seja fundamental para a constituição familiar (VIEGAS, 2017, s.p).

2 Princípio do pluralismo das entidades familiares:

As diversas transformações da sociedade, ao longo dos anos, romperam o conceito patriarcal e restritivo da família fundada somente através do casamento. Além disso, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe de forma exemplificativa outros modelos familiares, formados através do casamento, união estável e da unidade monoparental. A partir de então as entidades familiares começam a ter um caráter plural, não mais como instrumento de preservação de patrimônio, mas fundamentada na afetividade (VIEGAS, 2017, s.p).

Ademais, há o caráter inclusivo da Constituição Federal em relação aos modelos familiares, não se podendo negar o reconhecimento de direitos às famílias não inclusas na norma. Por consequência, em razão disso, não pode haver distinções entre as modalidades de família, sob pena de se violar os princípios constitucionais (VIEGAS, 2017, s.p).

3 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente:

Este princípio está expressamente previsto no art. 227 da CF/88, que dá maior privilégio à criança e ao adolescente devido ao desenvolvimento e amadurecimento em que se encontram, o que implica em maior cuidado em relação aos seus interesses e direitos.

Para Maria Helena Diniz, “o princípio do superior interesse da criança e do adolescente, que permite o integral desenvolvimento de suapersonalidade e é diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas da separação judicial ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, ao direito de visita, etc”. (DIAS,2014, p. 37).

Desse modo, a jurisprudência tem usado o referido princípio como norte nas demandas que envolvem crianças e adolescentes, a fim de resguardar o direito da criança em uma estrutura familiar que garanta  condições mínimas e necessárias para um desenvolvimento sadio e equilibrado (VIEGAS, 2017, p.).

4 Princípio da Paternidade Responsável

O princípio da paternidade responsável trouxe um novo panorama que até então não havia sido expresso até o advento da CF/88.

O Parágrafo sétimo do art .227 da magna carta preceitua que é livre o planejamento familiar do casal. Contudo, incumbe a eles deveres em relação ao cuidado dos filhos, na convivência e no afeto. Destarte, com base nesse princípio, foi regulamentada a lei 12308/2010 (lei da Alienação Parental) que visa a coibir as práticas feitas por um genitor sobre a imagem de outro, para a criança ou adolescente, visando a denegri-lo e afastar a criança ou adolescente de seu relacionamento. Além disso, o princípio da paternidade é aplicável em todas as entidades familiares sem distinção, protegendo a família e a autonomia privada em sua constituição (VIEGAS, 2017, s.p)


MULTIPARENTALIDADE SEGUNDO A ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Necessário é salientar que o reconhecimento da Multiparentalidade acarreta uma série de consequências e efeitos, entre eles, os desdobramentos jurídicos são os que mais refletem em toda a sociedade, tendo em vista que atingem não somente as partes envolvidas, mas também terceiros que não fazem parte dessa relação.

Desse modo, é importante mencionar o Instituto Brasileiro de Direito de Família(IBDFAM), que aprovou em 22 de novembro de 2013, nove enunciados, durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família em Araxá/MG, sendo o resultado de 16 anos de produção de conhecimento e estudo que serve como base para a criação  de nova doutrina e jurisprudência no âmbito do Direito de Família Entre esses enunciados, destaca-se o enunciado nº 09, que diz a respeito da Multiparentalidade, trazendo em seu texto a seguinte frase: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.” ( CASSETARI, 2013, p.171).

Sobre isso, Maria Berenice Dias comenta a respeito do enunciado supracitado:

Consolidado o conceito de parentalidade socioafetiva, imperioso admitir a possibilidade de coexistência da filiação biológica e da filiação construída pelo afeto. Não há outro modo de melhor contemplar a realidade da vida do que abrir caminho para o reconhecimento da multiparentalidade. Nesse sentido, enunciado do IBDFAM. Afinal, não há como negar que alguém possa ter mais de dois pais.Todos assumindo os encargos do poder familiar, a proteção será maior a quem merece tutela com absoluta prioridade (DIAS,2017apud CASSETARI,2015,p.156).

Tal enunciado demonstra um grande avanço, tendo em vista que por muito tempo houve certa resistência por parte da jusrisprudência, devido à matéria ser polêmica e pelo fato de muito tempo se entender a impossibilidade de uma pessoa possuir dois pais ou duas mães (CASSETARI, 2013, p.171).

A exemplo disso, vale mencionar o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no ano de 2009:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. EFEITOS MERAMENTE PATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO AUTOR EM VER DESCONSTITUÍDA A PATERNIDADE REGISTRAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

Considerando que o autor, embora alegue a existência de paternidade socioafetiva, não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico, o pedido configura-se juridicamente impossível, na medida em que ninguém poderá ser filho de dois pais. Impossibilidade jurídica do pedido reconhecida de ofício. Processo extinto. Recurso prejudicado (TJRS; Apelação Cível 70027112192; Oitava Câmara Cível; Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda; j. 2.4.2009).

Destarte, percebe-se pelas razões do julgado que a pretensão de se figurar a existência da paternidade socioafetiva em conjunto com a paternidade biológica era totalmente repelida, por se considerar um pedido impossível, levando à extinção do feito pela falta de uma das condições da ação.

Não obstante isso, tal entendimento foi  mudando e hoje a jurisprudência tem sido em sua maioria no sentido de reconhecer a multiparentalidade, contudo, sem banalizar tal instituto, que deve ser usado com a devida cautela, tendo em vista que nem sempre aos casos concretos pode-se recomendar o exercício da paternidade afetiva em conjunto com a paternidade biológica. Para Maria Berenice Dias, embora não exista lei que preveja a possibilidade de uma pessoa ser registrada em nome de mais de dois genitores, não existe proibição, pois o que não é proibido é permitido (DIAS, 2017, s.p)

Como exemplo disso, pode-se citar a sentença prolatada nos autos nº 0038958-54.2012.8.16.0021 da Vara de Infância e Juventude de Cascavel, no Paraná, em que se reconhece a Multiparentalidade levando em consideração os vínculos do infante com o pai socioafetivo e o pai biológico e os prejuízos que podem ser causados a ele pela ausência de seu reconhecimento, tendo em vista que faria com que o menor tivesse de optar entre um  e outro, trazendo assim grande sofrimento. Aliás, em uma parte da sentença o magistrado  fundamentou no seguinte sentido:

“ Restou evidente que no caso dos autos há duas filiações, nitidamente estabelecidas, uma biológica e registral e outra socioafetiva. Qual delas deve prevalecer? É possível a dupla paternidade? Fico imaginando o sofrimento psicológico pelo qual este jovem passou nos últimos tempos ao ter que tomar uma decisão tão difícil, ou seja, optar um por um ou outro pai. Por outro lado, o pai biológico, para atender ao interesse de seu filho, mesmo contrariado, consente em abrir mão da paternidade que sempre exerceu. Impossível não lembrar do julgamento do rei Salomão (I Reis, 3, 16-28).”, em que a verdadeira mãe, também, para o bem de seu filho e para que este não fosse morto, abriu mão da maternidade. E assim, por ser verdadeira mãe, recuperou o filho.(Sentença, autos nº 0038958-54.2012.8.16.0021).

Ademais, o magistrado norteou sua decisão no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente a fim de demonstrar que sua decisão não esta sem embasamento legal ou principiólogico do ordenamento jurídico.

Não se trata, evidentemente, de criar situações jurídicas inovadoras, fora da abrangência dos princípios constitucionais e legais. Trata-se de um fenômeno de nossos tempos, da pluralidade de modelos familiares, das famílias reconstituídas, que precisa ser enfrentado também pelo Direito. São situações em que crianças e adolescentes acabam, na vida real, tendo efetivamente dois pais ou duas mães. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está em reconhecer, no caso dos autos, a dupla paternidade. (Sentença, autos nº 0038958-54.2012.8.16.0021).

Depreende-se, então, da fundamentação do magistrado, que, nessa situação peculiar, inexiste preferência entre uma paternidade/maternidade ou outra, ou seja, de que a paternidade socioafetiva e a paternidade biológica não se  sobrepõe uma à outra.

A propósito, nessa interpretação também já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO ATRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6o do art.227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. Apelo provido (TJRS; Apelação Cível 70029363918; 8a Câmara; Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda; j. 7.5.2009)

Além desses casos de reconhecimento da Multiparentalidade com a existência da paternidade/maternidade afetiva e biológica, a jurisprudência já entendeu que é possível se estender tal reconhecimento mesmo pós mortem de um dos pais. A propósito, tal hipótese ocorreu em julgado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo no ano de 2012, ao reconhecer a maternidade socioafetiva sem excluir a maternidade biológica.

EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido (TJ-SP – APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012)

Na análise do julgado, é possível observar que a maternidade socioafetiva ocorreu devido ao enteado ter sido criado por sua madrasta como se filho fosse, originando uma relação de maternidade socioafetiva em virtude de sua mãe biológica ter falecido no parto. Contudo, o mais curioso do julgado foi que a preservação da maternidade biológica se deu com fundamento em respeito à memória da mãe falecida.

Segundo o relatório do acordão, constam os seguintes fatos:

“o autor nasceu em 26/06/1993, perdeu sua mãe biológica, três dias depois do parto, em decorrência de acidente vascular cerebral. Meses após, seu pai conheceu a requerente, e se casaram, quando a criança tinha dois anos, e foi por ela criado como filho, com quem convive até o presente. A madrasta poderia simplesmente adotar o enteado, mas por respeito à memória da mãe, vítima de infortúnio, que comoveu toda a comunidade, que a homenageou, atribuindo seu nome a uma rua e a um Consultório Odontológico Municipal, e por carinho a família dela, com quem mantém estreito relacionamento, optou pela presente via” (Apelação nº 0006422-26.2011.8.26.0286,p.03).

Além disso, consta que, para provar a maternidade socioafetiva, foram juntadas fotos, demonstrando o acompanhamento da madrasta ao enteado em todas as fases da vida do enteado, aniversários, festas, passeios, viagens, etc., até chegar à sua vida adulta.

Por fim, o fundamento adotado pelo relator foi fundado no princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III, CF/88) e na decisão do Superior Tribunal de Justiça no Resp. 889852/RS, que reconheceu a possibilidade de adoção por duas mulheres, diante da existência de “fortes vínculos afetivos”, dando provimento ao recurso de apelação interposto e por consequência o reconhecimento da maternidade socioafetiva, preservando-se a maternidade biológica no caso da madrasta e do enteado.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que no vínculo de afetividade espontâneo, criado entre padrasto e madrasta, prevalece o melhor interesse da criança e do adolescente, ou soma em relação à realidade registral ou biológica quando nesta existir fato que justifique, sendo reconhecida a multiparentalidade via repercussão geral 622, em 21/09/2016.

Nesse aspecto, vale mencionar também que, por último, na data de 25/04/2018, foi publicada notícia no site do Superior Tribunal de Justiça, de que o reconhecimento da Multiparentalidade está condicionado ao interesse da criança.  No referido caso, “a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso por meio do qual uma mulher pretendia assegurar que sua filha tivesse o pai socioafetivo e o pai biológico reconhecidos concomitantemente no registro civil. A multiparentalidade é uma possibilidade jurídica, mas, mesmo havendo exame de DNA que comprovava o vínculo biológico, os ministros entenderam que essa não seria a melhor solução para a criança” (STJ,2018). Além disso, o relator do recurso Marco Aurélio Bellizze fez o seguinte comentário:

“A possibilidade de se estabelecer a concomitância das parentalidades socioafetiva e biológica não é uma regra, pelo contrário, a multiparentalidade é uma casuística, passível de conhecimento nas hipóteses em que as circunstâncias fáticas a justifiquem, não sendo admissível que o Poder Judiciário compactue com uma pretensão contrária aos princípios da afetividade, da solidariedade e da parentalidade responsável” (STJ, 2018).

O processo tramita em segredo de justiça e por esta razão o número do processo não foi divulgado.

Desse modo, é possível perceber que a Multiparentalidade para o STJ tem sido aplicada como exceção da exceção, ou seja, somente em casos excepcionais que justifique tal medida pode ser reconhecida e permitida , sendo o pressuposto essencial o melhor interesse da criança e do adolescente e que a jurisprudência em um todo vem se consolidando à um mesmo sentido, apesar de ainda existirem casos isolados, em que o entendimento ainda é legalista e resistente às mudanças sociais.


EFEITOS JURIDICOS DA MULTIPARENTALIDADE

Após a análise dos julgados anteriormente citados acerca do reconhecimento da Multiparentalidade, serão analisados os pontos cruciais em relação aos efeitos produzidos posteriormente e eventuais problemas jurídicos que podem surgir em caso de conflitos familiares em relação principalmente a o exercício do poder familiar, da guarda e visitas, obrigação alimentar e os direitos sucessórios e previdenciários, bem com a extensão do parentesco a outros parentes, os efeitos registrais e em relação ao nome.

1 Extensão do parentesco a outros parentes

Uma vez reconhecida a multiparentalidade, admitindo a existência conjunta da de mais de duas paternidades socioafetiva e biológica, surge, sem via das dúvidas, a extensão do parentesco aos parentes de ambos os pais, bem como aos filhos desses, da qual resulta na irmandade socioafetiva.

Nessa lógica, incidem as mesmas regras de impedimento previstas pelo Código Civil, não podendo haver casamento entre filhos e pais socioafetivos, assim como aos parentes por afinidade até 3º grau. Desse modo, aplicam-se as mesmas regras do parentesco natural, pois se depreende da interpretação do art.1593 do Código Civil que o termo “outra origem” refere-se ao parentesco socioafetivo, comum nas entidades familiares biparentais, sendo extendido os mesmos efeitos aos vínculos multiparentais, a fim de que exista discriminação e desigualdade (OLIVEIRA, 2017, s.p).

2 Efeitos registrais

O registro de nascimento é o documento mais importante para prova de filiação de uma pessoa e, por meio dele, advêm todos os direitos oriundos do estado de filiação. Nesse sentido, vale destacar que uma vez reconhecida a multiparentalidade, o nome dos pais socioafetivos e biológicos devem constar no registro civil, a fim de garantir ao filho todos os direitos decorrentes. Assim, com base no princípio da dignidade da pessoa humana é necessário dar publicidade através da modificação do registro de nascimento (OLIVEIRA, 2017, s.p).

Vale destacar que o Conselho Nacional de Justiça efetuou a padronização de todos os documentos de registro civil, como certidões de casamento, nascimento e óbito, substituindo os campos pai e mãe por filiação e os campos avós maternos e paternos por apenas avós, o trouxe maior segurança e inexistência de impedimento registral da paternidade socioafetiva em conjunto da biológica e evitando qualquer forma que viesse a opor diferenciação à filiação por vínculo multiparental (OLIVEIRA, 2017, s.p).

3 Efeitos em relação ao nome

Em relação ao nome é essencial que a pessoa possa incluir o nome de seus pais no registro de nascimento, não podendo ser negada tal opção. Nesse sentido a  Lei nº 11.924/0 trouxe a possibilidade do registro da dupla maternidade/paternidade, retirando todo e qualquer óbice que pudesse impedir o registo. Ademais, a função desse instituto é de registrar a verdade real e fazer com que se produzam efeitos erga omnes em relação aos direitos do registrado (OLIVEIRA, 2017, s.p).

No que tange às crianças e adolescentes, vale ressaltar que o direito do assento dos nomes dos pais no registro de nascimento é direito fundamental e no caso do reconhecimento da multiparentalidade não é diferente, sendo assegurado ao genitor (a) a inclusão de seu nome no registro do filho, caso esse direito lhe seja violado. Ademais, o art.54 nos itens 7º e 8º da lei de Registros Público determina que no registro de nascimento deve constar os nomes e prenomes dos pais e dos avós maternos e paternos. Destarte, se estende ao vínculo multiparental o mesmo direito, a fim de incluir o nome dos pais socioafetivos, em conjunto dos pais biológicos, bem como os avós e ascendentes, podendo o filho optar pelo uso do nome de qualquer um dos pais (OLIVEIRA, 2017, s.p).

4 Efeitos em relação à obrigação alimentar

A obrigação de prestar alimentos advém da Constituição Federal de 1988, previsto inicialmente no art.229, o qual prediz que cabe aos pais o dever de criar e educar os filhos enquanto menores e, por outro lado, os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Além disso, o Código Civil também prevê no art.1696 que a obrigação de prestar alimentos é recíproca entre pais filhos. Destarte, com o reconhecimento do vínculo Multiparental isso não é diferente, o que obriga a todos os pais ao dever de criar os filhos e de lhes prestar os alimentos. Do contrário, também é gerada a obrigação dos filhos em relação aos pais, caso em que estes necessitem de amparo (OLIVEIRA, 2017, s.p).

Em relação à fixação dos alimentos, é necessário levar em consideração o binômio necessidade/possibilidade, conforme preceitua o art.1694, §1º, do Código Civil, bem como a multiparenalidade é bem mais vantajosa para atender todas as necessidades materiais da criança/adolescente, tendo em vista que o quantum a ser fixado no caso de cada um dos pais poderia ser menor que 1/3 sobre a renda do alimentante, conforme a lei de alimentos prevê e a doutrina e jurisprudência predominamente defendem. Dessa forma, é evidente que a filiação por meio do vínculo multiparental possui maior adequação ao desenvolvimento do menor (OLIVEIRA, 2017, s.p).

Outra indagação importante é com relação a quando esses filhos prestarem alimentos aos pais. Podem eles escolher a qual pai ou mãe devem prestar os alimentos? Ou devem prestar a todos, caso necessitem?

Tal resposta ainda deve ser refletida e construída, tendo em vista que o instituto da multiparentalidade ainda é recente e, por conseguinte, depende do resultado da convivência no dia a dia das novas relações familiares, que ficará a cargo da jurisprudência.

5 Dos efeitos em relação à guarda e direito de visitas

A guarda dos filhos menores é um dever decorrente do poder familiar, conforme previsão do art.1634, II, do Código Civil, podendo ser exercida de forma unilateral ou compartilhada (art.1583, CC).

Vale mencionar que a guarda deve ser definida com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, cabendo ao juiz valer-se do estudo social da equipe multidisciplinar para tomar a decisão mais coerente. Não cabe dizer que o mesmo esteja vinculado ao parecer da equipe, mas deve tomar sua decisão levando em consideração a avaliação. No caso da Multiparentalidade se torna muito mais complexa a análise do caso concreto, o que leva a crer que a guarda unilateral não será o melhor interesse da criança ou adolescente. Contudo, uma vez m concedida à guarda unilateral, cabe aos demais pais exercer livremente o direito de visitas, da mesma forma da família tradicional, que deve ser estipulada de forma que não haja conflito entre os genitores (OLIVEIRA, 2017, s.p).

Contudo, pelo regramento atual do Código Civil, caso não exista consenso entre os pais acerca do exercício da guarda, esta será compartilhada, de forma que as responsabilidades sobre o menor sejam exercidas de forma conjunta e equilibrada, salvo se um deles não desejar exercer a guarda, nos termos do art. 1584, §5º, do Código Civil (OLIVEIRA, 2017,s.p).

Portanto, os efeitos do exercício de guarda e direito de visitas pode ser aplicado em relação a multiparentalidade de forma igualitária, com a ressalta apenas de uma maior análise e estudo, a fim de que não venha a prejudicar os interesses da criança e do adolescente (OLIVEIRA, 2017,s.p).

6 Dos efeitos sucessórios

Como efeito da multiparentalidade, a aplicação dos direitos sucessórios, por sua vez, decorre de forma igualitária em relação ao do parentesco natural, em virtude do princípio da igualdade de filiação prevista pela magna carta de 1988 (art. 227, VII, §6º).

Assim, o filho do vinculo multiparental é herdeiro necessário de todos os pais e estes, são herdeiros do filho, conforme se estabelece entre os ascendentes e descendentes e colaterais até quarto grau. Contudo, as sucessões dos pais não se comunicam entre si, salvo as do cônjuge e companheiro(a). Vale dizer que os direitos sucessórios se dão na mesma forma da obrigação alimentar já citada anteriormente, de forma que os filhos biológicos e afetivos terão direitos iguais na herança desses dois pais, bem como aos pais a herança desses filhos (OLIVEIRA, 2017, s.p).

Nesse sentido, vale ressaltar que a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1.618.230 que um homem idoso de 70 anos tivesse o direito de receber a herança do pai biológico, mesmo já tendo recebido a herança do pai afetivo. Para o relator ministro Cueva, a decisão do colegiado confirmou o que já havia sido decidido pelo Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral no RE 898060, no qual se fixou o entendimento de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não no registro público, não impede o reconhecimento de filiação concomitante baseada na paternidade biológica, com efeitos jurídicos próprios”.

Não obstante essa decisão do STF, o juiz no caso concreto deve ter bastante cautela, principalmente em relação à convivência dos indivíduos, a fim de evitar o reconhecimento da multiparentalidade à luz apenas dos efeitos patrimoniais.


REFERENCIAS

DIAS, Maria Berenice. Filhos do afeto, questões jurídicas. São Paulo. Revista dos Tribunais.2ª edição em e-book,2017. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/title.html?redirect=true&titleKey=rt%2Fmonografias%2F115597663%2Fv2.3&titleStage=F&titleAcct=i0adc419100000162d88a327bffb63694#sl=e&eid=351ed0e58f4e1c7cfbd2b36e5888e57e&eat=%5Bbid%3D%227%22%5D&pg=&psl=&nvgS=false&tmp=586. Acesso em: 05 de maio de 2018.

CASSETTARI, Christiano: multiparentalidade sócio-afetiva, efeitos jurídicos. São Paulo: Atlas, 2013

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 12ª ed., 2017.

VIEGAS, Claudia Mara de Almeida Rabelo; MATOS, Eliane Maria Ferreira de. O reconhecimento extrajudicial da multiparentalidade como garantia constitucional da igualdade entre as filiações. São Paulo. Revista dos Tribunais, Ano 107 Volume 990, Abril de 2018. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/title.html?redirect=true&titleKey=rt%2Fperiodical%2F92292703%2Fv20180990.3&titleStage=F&titleAcct=i0adc41910000016#eid=35e86e28fcb0d512d39575e1815f0d3a&sl=0&eat=%5Bbid%3D%221%22%5D&pg=&psl=e&nvgS=false&tmp=705. Acesso em: 06 de maio de 2018.

OLIVEIRA, Silvania Silva de. Multiparentalidade: as consequências jurídicas do seu reconhecimento. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,multiparentalidade-as consequencias-juridicas-do-seu-reconhecimento,590164.html. Acesso em: 08 de maio de 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso de Apelação Cível nº70013801592. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Publicação 05/04/2006. Disponível em: http://jij.tjrs.jus.br/paginas/docs/jurisprudencia/Adocao_casal_formado_duas_pessoas_mesmo_sexo.html. Acesso em: 14 maio 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso de Apelação nº 64222620118260286. Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior. Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22130032/apelacao-apl64222620118260286-sp-0006422-2620118260286-tjsp. Acesso em: 08 de maio de 2018.

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