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A teoria dos precedentes judiciais e sua eficácia no sistema brasileiro

A teoria dos precedentes judiciais e sua eficácia no sistema brasileiro

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O sistema de precedentes se mostra como uma resposta eficiente para os problemas atuais do Judiciário.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa teve por objetivo compreender a teoria dos precedentes judiciais e sua eficácia no sistema brasileiro.

No primeiro capítulo, trabalham-se os princípios que podem ser úteis na construção de uma teoria de precedentes, dentre os quais se deu maior ênfase ao acesso à justiça, em seguida apresentou-se a duração razoável do processo e, por fim, a efetividade da tutela jurisdicional numa nova perspectiva constitucional.

No segundo capítulo, abordaram-se as diferenças entre os sistemas jurídicos do civil law e commow law. Em seguida trabalha-se a evolução dos precedentes judiciais no direito brasileiro, fazendo-se a distinção entre a ratio decidendi e a obiter dictum.

Nesse contexto, percebeu-se que o direito processual brasileiro tem atravessado um infindável momento de crises e transformações. É nítido que os institutos de que dispõe o atual sistema mostram-se incapazes de prestar uma tutela efetiva, segura e em duração razoável.

De igual modo, o direito processual brasileiro tem experimento diversas reformas legislativas ao longo dos anos.

O último capítulo volta-se para a análise dos precedentes judiciais no NCPC, abordando-se os aspectos processuais da aplicação e superação dos precedentes e as vantagens e desvantagens do uso de precedentes no direito brasileiro.

O NCPC trouxe diversas mudanças, com o objetivo de melhorar a prestação jurisdicional. Uma das mudanças trazidas foi a valorização da atuação dos precedentes na dinâmica do processo judicial. É inegável que que o NCPC reforça a tendência da introdução dos precedentes obrigatórios no Brasil, promovendo com isso uma ampliação da existência de precedentes obrigatórios.

Ademais, o NCPC fez com que se fosse necessária a realização de estudos para se construir uma teoria de precedentes brasileira. Com isso, doravante a decisão tomada a partir de um caso concreto ganha maior importância, de modo a influenciar os demais casos que forem decididos após.

Outrossim, a mudança jurisprudencial deixa de ser algo de menor importância para tornar-se, em sistemática de precedentes, uma decisão paradigmática que irá influenciar outros casos que serão decididos a partir da ratio decidendi extraída do caso anterior.

O método e a pesquisa utilizados partiram da investigação bibliográfica e na análise de precedentes dos tribunais superiores, de modo a compreender como os tribunais têm contribuído para a criação de um sistema de precedentes.


CAPÍTULO I- PROCESSO E EFETIVIDADE

1.1. Acesso à justiça

Modernamente é possível compreender o conceito de acesso à justiça a partir de concepções diferentes ou, o que a doutrina denomina de ondas reformistas do acesso à justiça, não se limitando apenas ao conceito tradicionalmente conhecido de acesso ao Judiciário.

Cappelletti & Garth dividiram o acesso à justiça em três ondas, a primeira, representada pela assistência judiciária aos pobres; a segunda diz respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses difusos e a terceira caracteriza-se pelo acesso à representação em juízo e por um novo prisma de acesso à justiça, cuja concepção é mais ampla. (LIMA JUNIOR, 2009)

Sem dúvida, a terceira onda guarda maior relevância para a ordem jurídica nacional por compreender uma série de medidas, partindo-se da reestruturação do próprio Poder Judiciário, passando-se pela simplificação do processo e dos procedimentos, e findando num sistema recursal mais célere. (LIMA JUNIOR, 2009)

A Constituição da República Federativa do Brasil (CRF/88) ao estabelecer o rol dos direitos e garantias individuais, assegurou a garantia da inafastabilidade da tutela jurisdicional, que significa, em linhas gerais, que o Estado tem o dever de impedir e/ou solucionar toda e qualquer lesão ou ameaça de lesão.

Esse princípio é de extrema relevância para o Estado Democrático de Direito, visto tratar-se de direito fundamental reconhecido e disciplinado pela Carta Constitucional (art. 5º, XXXV, CF/88), a exemplo dos diversos institutos jurídicos. O seu surgimento deu-se em virtude de evolução histórica.

É cediço que na antiguidade não cabia ao Estado a atribuição de resolver os conflitos e dizer a quem cabia o direito. As controvérsias existentes eram resolvidas pelas próprias partes por meio da autotutela. (HASSE, 2013)

Dessa forma, os que se envolvessem em qualquer tipo de conflito, deveriam resolvê-lo entre si e encontrar uma solução, de modo que, na maioria das vezes vencia o mais forte.

Em razão da precariedade e incapacidade de proporcionar uma solução justa e eficaz aos conflitos que eram submetidos ao instituto da autotutela, tornou-se necessário a busca de outros mecanismos de solução das controvérsias, surgindo assim o instituto da arbitragem, na qual um terceiro desinteressado e imparcial, era escolhido pelos litigantes para solucionar a controvérsia. (CÂMARA, 2015)

Com o passar dos tempos, esses institutos mostraram-se incapazes de apresentar soluções para todas as controvérsias existentes, de modo que era necessário buscar novas alternativas para regular as relações sociais.

O Estado então reivindicou para si o monopólio da jurisdição, recebendo assim o encargo de ser o detentor de dizer e aplicar o direito ao caso concreto.

Após a intervenção estatal na solução das controvérsias, o Estado passou a ser responsável por proporcionar meios para que as pessoas tivessem acesso à justiça.

Com o objetivo de assegurar ao cidadão um efetivo acesso à justiça, o Estado promoveu diversas alterações legislativas no ordenamento jurídico. Dentre as alterações legislativas realizadas nos últimos anos destaca-se: a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que tem por finalidade o julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade, bem como as infrações penais de menor potencial ofensivo.

A criação da justiça de paz nas entidades cartorárias com a finalidade de celebrar casamentos, realizar o processo de habilitação dos nubentes e realizar conciliações.

Ainda no que tange às mudanças legislativas é possível dizer que o legislador constituinte inovou ao inserir no texto constitucional a Defensoria Pública como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, conforme disposto no artigo 134 da CRFB/88.

À Defensoria Pública incube realizar orientação jurídica, visando a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados. 

Assim, é imperioso ressaltar que a Defensoria Pública se mostra imprescindível na consolidação do princípio do acesso à justiça, visto que, ao exercer sua função jurisdicional não apenas está garantindo o acesso justiça, mas, buscando que todos aqueles que não possuem condições de financeiras tenham seu direito fundamental de acesso à justiça resguardado.

Denota-se que a garantia constitucional de acesso à justiça surgiu a partir de gradativa evolução histórica e da necessidade social de resolver os conflitos. Dada a sua importância, foi disciplinada na Constituição Federal, sendo elevada à categoria de direitos e garantias fundamentais.

Essa garantia constitucional está disciplinada no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O direito de acesso à justiça também é denominado de princípio da inafastabilidade da jurisdição, por meio do qual busca-se assegurar a todos o acesso a ordem jurídica justa.

Apesar de todas essas mudanças legislativas realizadas ao logo do tempo, percebeu-se que nem sempre elas se mostravam efetivas, pois no dia a dia ainda é possível perceber diversas situações que dificultam o acesso à justiça, sobretudo, para aqueles considerados hipossuficientes.

Dentre as principais situações que dificultam o acesso à justiça é possível perceber o elevado custo de se manejar um processo judicial, além da demora excessiva. Outrossim, apesar da preocupação do constituinte em criar a Defensoria Pública, que é de fundamental importância no Estado Democrático de Direito, é preciso levar em consideração o estado em que se encontram as defensorias públicas estaduais, que muitas vezes, contam com baixo número de defensores e servidores e estrutura física inadequada.

Ademais, outra causa a ser considerada que inviabiliza o efetivo acesso à justiça é a situação do Poder Judiciário que se encontra sobrecarregado com a quantidade de processos, de modo que não consegue solucionar satisfatoriamente os conflitos que lhe são apresentados.  

Nesse contexto, surge como forma de desafogar o Judiciário e fornecer soluções mais ágeis aos jurisdicionados os meios alternativos de resolução de conflitos.

No entanto, a utilização dos referidos meios alternativos de resolução de conflitos requer uma mudança de mentalidade, de modo a diminuir os formalismos jurídicos, tornando a resolução das controvérsias algo mais simplificado.

Impende então dizer, de início, que o Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) – Lei nº 13.105/2015 cuidou de ocupar-se com os meios alternativos de resolução de conflitos, dos quais são exemplos a arbitragem, a conciliação e a mediação, estabelecendo expressamente no artigo 3º, § 3º, que todos que atuam no processo devem estimular a resolução consensual das controvérsias.

Dos meios alternativos de resolução de conflitos, a arbitragem é a que possui maior tempo, sendo regulamentada no ordenamento jurídico no ano de 1996 com o advento da Lei 9307/1996. Na arbitragem as partes elegem um terceiro desinteressado e imparcial (arbitro), conferindo-lhe poderes para solucionar a controvérsia.

O árbitro escolhido pelas partes deve possuir conhecimento técnico do objeto da avença entre as partes, de modo que, possa ofertar uma decisão justa ao eventual conflito, visto que a decisão por ele prolatada possuirá força judicial, não admitindo recurso. 

Existe como meio alternativo de resolução de conflitos ainda a conciliação, está por sua vez será realizada por um conciliador, que também deve manter-se equidistante das partes, podendo apenas sugerir meios, propor acordos para que as partes cheguem a um acordo.

A conciliação normalmente é utilizada em situações em que não há um vínculo anterior entres as partes, apenas surgiu em razão da controvérsia. Normalmente a conciliação é utilizada em disputas materiais em que se busca com maior celeridade um acordo.

Por fim, há ainda a mediação como meio alternativo de resolução de conflitos. Diferentemente da conciliação, na mediação há entres as partes um vínculo estabelecido antes da controvérsia, aqui o mediador apenas tem a função de intermediar a comunicação entre as partes, sendo-lhe em regra, vedado fazer sugestões ou propor acordos.  

Importante ainda frisar que o Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) – Lei nº 13.105/2015, tratou de replicar essas garantias constitucionais na parte reservada as normas fundamentais, nos seguintes termos:

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1o É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

É preciso, porém, observar que a garantia constitucional de acesso à justiça ganha contornos distintos no Estado Democrático de Direito. Para que se possa pensar em acesso à justiça não basta apenas que o indivíduo seja ouvido por algum órgão jurisdicional, não obstante é necessário que haja uma tutela justa e efetiva.

O NCPC tem como finalidade precípua, reduzir os obstáculos de ordem temporal, econômicos e social que dificultam o acesso à justiça, através da abstenção de formalismos, suprimindo-se procedimentos, bem como através da implantação de novos princípios, tais como o princípio da cooperação, do princípio da igualdade e da paridade de armas. 

Modernamente, fala-se que o princípio de acesso à justiça deve ser compreendido em sentido amplo, ou seja, em conformidade com os demais princípios basilares que regem o Estado Democrático de Direito, impedindo, assim, que de algum modo sejam obstados e limitados o acesso a ordem jurídica, e consequentemente o direito de receber do Poder Judiciário resposta aos questionamentos que lhe são submetidos.

Ademais, impende ressaltar que a garantia de acesso à justiça guarda intima relação com os demais princípios constitucionais, tais como, o princípio da igualdade, previsto no artigo 5º, caput, CRFB/88, haja vista não está adstrito a nenhuma característica especial do indivíduo o acesso a jurisdição. (RIBEIRO, 2015)

É possível perceber ainda que o referido princípio guarda estreita relação com o princípio do devido processo legal, estampado no art. 5º, LIV, da CRFB/88, pois o Judiciário deverá observar as garantias previstas na legislação inerentes ao Estado Democrático de Direito, de modo a assegurar a cada um o que é seu por meio de um processo devido. (CÂMARA, 2015)

Outrossim, o princípio do acesso à justiça é corolário do princípio do contraditório, em razão da dupla finalidade desse princípio de cientificar os réus, acusados e interessados acerca da existência do processo e facultar-lhes participar do processo afim de que possam influenciar no convencimento do juiz, alcançando-se resultado justo.

Dada a relevância, o direito de acesso à justiça possui previsão expressa no art. 8º da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificado pelo Brasil mediante Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, in verbis:

Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.

Logo, percebe-se que o direito de acesso à justiça excede uma garantia constitucional, tratando-se de prerrogativa de direitos humanos, inerente a toda e qualquer pessoa.

Mostra-se incontestável que a garantia constitucional de acesso à justiça representa uma garantia fundamental de todas as pessoas, incumbindo ao Estado disponibilizar mecanismos efetivos para que se possa reclamar tutela para toda lesão ou ameaça a direito.

Destarte, ao Estado não basta pura e simplesmente prestar a tutela jurisdicional, é necessário viabilizar e facilitar o acesso à justiça.

1.2. Razoável duração do processo

O princípio da razoável duração do processo surgiu no ordenamento jurídico brasileiro em meados de 2004 com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, denominada “Reforma do Judiciário”.

Todavia, cumpre ressaltar que alguns expoentes da doutrina processualista, como a Professora Ada Pelegrini Grinover, durante algum tempo sustentou que o referido princípio não ostentava a qualidade de novidade, visto que, o Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, já o mencionava, tendo a legislação pátria apenas ratificado. Em sentido contrário, Didier Junior sustenta que esse princípio nasceu como sendo corolário do princípio do devido processo legal. (DIDIER JR, 2015, p. 18)    

Fato é que durante muito tempo tem-se discutido na seara do direito, bem como entre os jurisdicionados, sobre o princípio da duração razoável do processo e acerca da morosidade da justiça no Brasil, e nos efeitos que uma má e tardia prestação jurisdicional pode causar.

Em virtude dessa preocupação e com o objetivo de solucionar os problemas que ocasionam a morosidade do Judiciário e buscar novamente a confiança dos jurisdicionados, foram realizadas diversas reformas legislativas.

Dentre as principais mudanças realizadas destaca-se a Emenda Constitucional nº 45/2004, que inseriu no ordenamento jurídico diversos institutos tais como, a súmula vinculante, o instituto da repercussão geral e dos recursos repetitivos.

A referida reforma do Judiciário trouxe mudanças paradigmáticas, criando institutos e instrumentos que teriam o condão de alterar a atual conjuntura do Poder Judiciário, no que diz respeito ao tempo e qualidade da prestação jurisdicional. (DIDIER JR, 2015, p. 16)

Ademais, foi inserido no artigo 5º, o inciso LXXVIII que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Esse inciso consagrou a garantia fundamental a razoável duração do processo.

É cediço que, durante muito tempo, a principal preocupação do legislador no que tange ao Judiciário, referia-se a morosidade e a demora no julgamento dos processos. (DIDIER JR, 2015) 

Dentre as principais causas que são apontadas como causadoras da morosidade da justiça, estão conforme aponta o Professor Alexandre Freitas Câmara, problemas relacionados com uma legislação ultrapassada, falta de servidores para atuar nos cartórios, demora excessiva para a juntada de petições, excesso de processos a serem examinados para cada magistrado e, por fim, advogados que se utilizam de recursos meramente protelatórios.

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara ensina:

É certo que alguns dos problemas relacionados à morosidade processual com que se convive no Brasil resultam da legislação. Nem todos, porém, têm esta origem. Eu até arriscaria dizer que a morosidade resulta principalmente de fatores que não tem qualquer vinculação com a lei. Falta de servidores para atuar nos cartórios; demora excessiva para a juntada de petições (não é incomum ouvir reclamações no sentido de que em algumas serventias a juntada de uma simples petição pode demorar entre nove meses e um ano); excesso de processos para serem examinados para cada magistrado (no ano de  2010, por exemplo, segundo o relatório Justiça em Números do CNJ, havia em média seis mil processos para cada Juiz Estadual em primeira instância no Brasil); são muitos os fatores que contribuem para a lentidão do processo, e que não têm qualquer ligação com a legislação processual”. (CÂMARA, 2015)

A respeito do tema, a professora Maria Tereza Sadek se manifesta nos seguintes termos:

A situação da Justiça brasileira é dramática. Seus tempos superam os limites da razoabilidade. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 60% dos casos não são analisados no ano em que são protocolados. A movimentação processual é extraordinária. O volume de processos em todos os ramos e instâncias é notável, assinalando altos índices de litigiosidade. As taxas de congestionamento são significativas, apesar do expressivo número de decisões, indicando que a Justiça não tem conseguido responder às demandas da sociedade. (CRISTO, 2009)

Ainda sobre o tema, Marcelo Ribeiro vai dizer que:

Por muitos e longos anos a estrutura rudimentar dos poderes constituídos vedou o acesso da população carente. Custas elevadas, a falta de procedimentos mais céleres e informais, assim como desvalorização da Defensoria são alguns dos exemplos de uma realidade defasada e superada pela atual conjuntura da ciência processual. No entanto, mudar este anacrônico quadro de desigualdades para garantir e efetivação do acesso à ordem jurídica justa e o correlato exercício da cidadania trouxe desafios contemporâneos para o ordenamento jurídico.  (RIBEIRO, 2015)

Muito se discute sobre quais seriam as causas que inviabilizam uma maior celeridade processual, dificultando a duração razoável dos processos. Atualmente, atribui-se essa morosidade a fatores como, comportamento das partes, inúmeros recursos enviados aos tribunais, complexidade da causa, ao Estado que é considerado atualmente o principal litigante, falta de aparelhamento estatal, entre outros.

Não obstante, é possível perceber que boa parte das alterações legislativas concernentes a legislação processual, nos últimos anos, tem como finalidade buscar soluções mais rápidas para os litígios, de modo que, os processos tenham tramitação mais céleres.

É possível inferir, a partir da leitura do artigo 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/88, que se deve buscar com a maior economia possível de tempo e despesas, os melhores resultados possíveis.

Entre as possíveis soluções para diminuir a morosidade do Judiciário, pode-se sugerir uma preparação dos profissionais do direito, de modo que estes passem a comportar-se como conciliadores, já que é preciso a mudança cultural. Deve-se incentivar que as partes recorram aos meios alternativos de solução de controvérsias, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem.

Ademais, pode-se buscar a criação de Câmaras Especializadas nos julgamentos de conflitos e por fim um maior investimento no aparelhamento Estatal, certamente essas medidas, teriam o condão de contribuir significativamente para uma maior solução do grave problema da morosidade do Judiciário brasileiro (RIBEIRO, 2015).

É inegável que o NCPC, promoveu inúmeras mudanças que buscam garantir uma maior celeridade processual. A primeira e principal mudança trazida pelo novel dispositivo foi a extinção da divisão que havia entre os procedimentos comum e ordinário no CPC/73, o NCPC nos termos do artigo 318 disciplinou apenas o procedimento comum (CÂMARA, 2015).

Ademais, é possível perceber outra mudança nas formalidades processuais, a exemplo do que consta no artigo 319 em que se exigir que o autor indique na petição inicial informação do correio eletrônico (e-mail) em que poderá ser usado para futuras intimações, o que sem dúvida contribuirá sobremaneira para celeridade processual.

Ainda no que tange às mudanças trazidas pelo NCPC é possível notar uma maior importância aos meios consensuais de resolução de conflitos, isso porque o legislador asseverou no artigo 3° que todos os participantes da relação processual têm o dever de privilegiar a solução consensual, devendo ser incentivado pelos advogados, juízes e demais serventuários.

Por fim, existem outros mecanismos que denotam que o NCPC buscou ir de encontro aos problemas enfrentados e que obstam que se tenha uma razoável duração do processo, por exemplo, o princípio da cooperação previsto no artigo 6° do NCPC, que estatui que as partes devem cooperar mutuamente de modo que se obtenha uma decisão mais célere e mais efetiva.

O artigo 321 trouxe a obrigatoriedade de que os magistrados indiquem especificamente o que deve ser corrigido nas manifestações iniciais das partes.

Além disso, pode-se ainda citar a observância de um sistema de vinculação a precedentes, notadamente o julgamento de causa repetitivas, mecanismos de antecipação de tutela de urgência e evidência, a melhoria do sistema recursal, certamente essas mudanças contribuíram para a duração mais razoável do processo. (CÂMARA, 2015)

Vale destacar, porém, que a garantia fundamental da razoável duração do processo não implica em uma busca desenfreada por celeridade processual a qualquer preço. É importante resguardar o direito de que todos tenham um processo que dure apenas e tão o tempo suficiente para formar o convencimento do julgador, de modo que este possa ao final entregar uma tutela jurisdicional justa e efetiva, mas sem se descuidar das garantias processuais constitucionalmente asseguradas, tais como o contraditório e ampla defesa (MACÊDO, 2016) .

Em outros termos, o sistema que é comprometido com o princípio da duração razoável do processo, não é aquele que não existe nenhuma demora, ao contrário o processo que respeita o devido processo legal e as garantias fundamentais é, por sua natureza, um processo que demora algum tempo.

Com arrimo na previsão do artigo 5º, inciso LXVIII da CF/88, o NCPC inseriu no capitulo destinado às normas fundamentais, no art. 4º, o princípio da razoável duração do processo, in verbis: as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. 

O NCPC além de reforçar o princípio da razoável duração do processo, preconiza que não basta obter uma sentença em tempo razoável, mas que essa resposta jurisdicional deve ser tempestiva e capaz de proporcionar a solução integral do mérito. De acordo com Alexandre Freitas Câmara, a garantia de duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento. (CÂMARA, 2015)

De mais a mais, é necessário reconhecer o esforço do legislador em criar instrumentos com a finalidade de buscar um processo mais célere e justo. O NCPC foi estruturado com esse escopo.

É certo que as inovações trazidas pelo NCPC não se mostram capazes de sozinhas eliminar todos os problemas do Judiciário, já que os problemas são de variadas ordens. Todavia, é inegável que contribuirão para diminuir a morosidade e melhorar significativamente a prestação jurisdicional.

1.3. Efetividade da tutela jurisdicional – uma nova perspectiva constitucional

A nova concepção do direito processual, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, conforme mencionado alhures, trouxe mudanças paradigmáticas aos diversos institutos do processo.

Ocorre que, na verdade, essas transformações deram-se em razão de um fenômeno denominado de neoconstitucionalismo, que em apertada síntese, trata-se de um fenômeno e ou movimento que surgiu nos idos do século XX , após o positivismo, proclamando a superioridade e a imperatividade do texto constitucional. Nessa perspectiva, a constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, servindo de paradigma de interpretação para todas as demais normas inferiores, de modo que, todas as normas hierarquicamente inferiores devem ser concebidas à luz da Constituição.

Sobre o tema, Leandro Vilela Brabilla afirma que:

Neoconstitucionalismo trata-se de um movimento teórico de revalorização do direito constitucional, de uma nova abordagem do papel da constituição no sistema jurídico, movimento este que surgiu a partir da segunda metade do século XX.

O neoconstitucionalismo visa refundar o direito constitucional com base em novas premissas como a difusão e o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da constituição, objetivando a transformação de um estado legal em estado constitucional. (BRABILLA, 2009)

Sob as influências desse movimento contemporâneo, o direito processual civil, sobretudo com o advento do NCPC, promoveu significativas mudanças em seus institutos, fenômeno esse denominado de neoprocessualismo.

Acerca da evolução histórica do direito processual civil, Didier Jr. leciona que esta pode ser sintetizada em três fases, a saber: (DIDIER JR, 2015)

  1. Praxismo ou sincretismo: Nessa fase não havia distinção entre o processo e o direito material. O processo era estudado apenas como um instrumento prático.
  2. Processualismo: Nesta inicia-se a separação entre o direito processual e o direito material, de modo que o direito processual passaria a ser vista e estudada doravante como ciência.
  3. Instrumentalismo­: Nesta fase o direito processual passa a ser compreendido como instrumento de efetivação do direito material, de modo, que torna - se necessário o estudo do direito processual com ciência autônoma.

No entanto, parece adequado, segundo as lições de Didier Junior, afirmar que se está diante de uma quarta fase, haja vista a conservação dos institutos do processualismo e do instrumentalismo. Todavia, é inegável o avanço da ciência processual, passando-se a estudar e aplicar o direito processual a partir do marco estabelecido pela Constituição.

Ainda sobre o tema, Alexandre Freitas Câmara leciona que

o processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da República. É o chamado modelo constitucional de processo civil, expressão que designa o conjunto de princípios constitucionais destinados a disciplinar o processo civil (e não só o civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil. (CÂMARA, 2015)

Além disso, o primeiro artigo do NCPC deixa claro essa nova perspectiva, in verbis:

Art. 1o O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Em arremate a essas alterações postas por esses movimentos, o legislador atento percebeu que a tutela jurisdicional prestada pelo Estado deve ser efetiva e eficaz. Essa percepção surge a partir da compreensão do princípio do devido processo legal, construção do direito inglês, que prevê no art. 5º, inciso LIV, CRFB/88 que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Demais disso, é possível perceber que o princípio da efetividade emana da cláusula geral do devido processo legal, pois só é possível afirmar que a tutela foi efetiva se houver um processo devido, produzindo resultados no plano fático, o que se traduz evidentemente em efetividade da tutela jurisdicional. 

Os estudiosos da ciência do direito processual se utilizam de teorias distintas para explicar o princípio da efetividade da tutela jurisdicional.

O professor Cândido Dinamarco filia-se à teoria da relação jurídica e apresenta a efetividade no viés do Estado Social. Este realiza o estudo da efetividade relacionando-a com o “acesso à justiça.” Afirma que o “acesso à justiça” é mais do que o ingresso no processo e aos meios que ele oferece, é antes, o único modo de se alcançar um bem da vida que por outro caminho não poderia ser obtido. (CRISTO, 2009)

No mesmo sentido Humberto Teodoro Junior:

filia-se à teoria do processo como relação jurídica e desenvolve o estudo da efetividade numa vertente do Estado Social do Direito, ligando o termo efetividade à celeridade do procedimento.

Afirma que a primeira grande conquista do Estado Democrático de Direito foi a de oferecer a todos uma “justiça” confiável, independente e imparcial, assumindo a função de um dos poderes soberanos do Estado. (HASSE, 2013)  

Por sua vez Calmon de Passos, trabalha a efetividade do processo relacionando-o com a cidadania, afirma que ambas as expressões em nossos dias são dotadas de intensa energia mobilizadora e forte carga simbólica. (HASSE, 2013)

Neste contexto, discute-se se o princípio da efetividade da tutela jurisdicional estaria vinculado a adequação do provimento, ou seja, se o provimento elegido mostra-se adequado para alcançar a satisfação do direito. (RIBEIRO, 2015)

Outrossim, fala-se que a efetividade da tutela jurisdicional pressupõe um contraditório efetivo, de modo que se garanta igualdade de oportunidades a todos os participantes da relação processual.

Em síntese, para que haja efetividade da tutela jurisdicional, não basta apenas que oferecer as partes acesso à justiça, é preciso, porém, que as decisões e os julgamentos oriundos da análise meritória sejam úteis e aptos a produzir os efeitos esperados. (CÂMARA, 2015)

No plano infraconstitucional também é possível perceber a preocupação do legislador em elencar o princípio da efetividade da tutela jurisdicional como norma fundamental. Todavia o NCPC, no art. 4º[1], disciplinou o princípio da efetividade da tutela jurisdicional como direito à atividade satisfativa, logo, o novel código preconiza que a tutela jurisdicional só pode ser considerada efetiva se esta compreender a tutela satisfativa e executiva.

Novamente, invocando as lições de Didier Junior apud Kazuo Watanabe, tem-se que processo efetivo

“[...] deve ser entendido não como garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente bater as portas do Poder Judiciário, mas, sim, como uma garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma prestação jurisdicional tempestiva, adequada, eficiente e efetiva. O direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa o direito à efetividade em sentido estrito”. (DIDIER JR, 2015)

Por todo exposto, é possível concluir que a nova concepção do direito processual se mostra muito além da garantia do acesso a ordem jurídica. Busca-se na verdade garantir o direito fundamental de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, justa e em prazo razoável. Com isso não significa dizer que o acesso à justiça ocupe menor importância no ordenamento jurídico, ao contrário, ela é de fundamental importância, pois de nada adianta se esta é ineficaz.

Está-se a dizer, porém, que a eficácia e a efetividade da tutela jurisdicional são as principais responsáveis pela satisfação e produção dos efeitos almejados.  


CAPÍTULO II- PRECEDENTES JUDICIAIS

Sistemas jurídicos civil law e commow law

O presente tópico tem como objetivo esclarecer as principais diferenças acerca dos sistemas jurídicos civil law e common law, sem ter a pretensão de exaurir o conteúdo.

Para conhecer qualquer instituto é necessário antes compreender o seu surgimento e o seu desenvolvimento ao longo do tempo. Para tanto, é indispensável verificar o contexto histórico no qual o referido instituto foi concebido, perpassando pelos fenômenos sociais, econômicos e culturais que impulsionaram o seu surgimento.

Os sistemas civil law e common law formam os dois principais sistemas jurídicos existentes no mundo. Ademais, verifica-se que esses institutos formam sistemas opostos, em virtude da origem e circunstâncias do surgimento de cada instituto. (GALIO, 2014)

O civil law originou-se nos idos do século XII e XIII, durante o período do Renascimento da Europa Ocidental e teve forte influência do Direito Romano nos países da Europa Continental e suas colônias.

Durante o período do Renascimento da Europa Ocidental as cidades europeias atravessavam enormes mudanças, sobretudo, no que diz respeito ao comércio, de modo que, as controvérsias eram cada vez mais comuns. Nesse contexto, viu –se então que o direito local se mostrava insuficiente para resolver todos os conflitos. Com o avanço cada vez mais constante do comercio, os europeus perceberam que apenas o direito tinha o condão de assegurar a ordem e a segurança para o promissor crescimento. (OLIVEIRA, 2014)

Nesse sentido, o direito local passou a ser fortemente influenciado pelas regras e princípios próprios do Direito Romano, de modo que, os europeus começaram a se preocupar com a elaboração de leis, códigos e constituições, ocorrendo uma codificação do direito.

Anota-se que a positivação das normas preconizou a separação entre o direito e a religião, passando o direito a ser compreendido de forma autônoma. (GALIO, 2014)

Por fim, verifica-se que o sistema jurídico civil law influenciou durante muitos anos a codificação e a positivação do direito em diversos países, dentre os países influenciados cita-se o direito brasileiro.

Em oposição ao sistema jurídico apresentado surge o common law, que pode ser traduzido como “direito comum” e teve sua origem nos séculos X e XI. Trata-se de sistema jurídico que tem sua origem no direito inglês, que utiliza como fonte principal o direito consuetudinário (direito comum), criando precedentes a partir das demandas solucionadas pelos tribunais.  

É interessante observar que o sistema jurídico common law, diferentemente do civil law, caracteriza-se pela inexistência de normas jurídicas escritas, de modo que as lides ocorridas nas relações sociais são superadas com base em costumes, tradições e regras de conduta dos indivíduos que compõem aquela sociedade.

Segundo Guido Fernandes o common law, consiste no

“direito comum”, ou seja, aquele nascido das sentenças judiciais dos Tribunais de Westminster, cortes essas constituídas pelo Rei e a ele subordinadas diretamente, e que acabaria por suplantar os direitos costumeiros e particulares de cada tribo dos primitivos povos da Inglaterra (este, portanto, antes da conquista normanda em 1066, denominado direito anglo-saxônico), enquanto a Equity, direito aplicado pelos Tribunais do Chanceler do Rei, originado de uma necessidade de temperar o rigor daquele sistema e de atender a questões de equidade. (OLIVEIRA, 2014)

Interessante observar que o sistema common law manteve-se sem expressivas mudanças durante todo o tempo, mesmo em meio a um ambiente de enormes e rápidas mudanças. (GALIO, 2014)

Por fim, ultimamente tem ocorrido uma junção entre os referidos sistemas jurídicos, sendo que a doutrina abalizada atribui essa miscigenação a diversos fenômenos, entre eles a criação de organismos internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Tribunal Penal Internacional (TPI), entre outros, que visam garantir os direitos dos cidadãos (OLIVEIRA, 2014).

Assim é possível perceber institutos jurídicos de um sistema sendo utilizado no outro sistema, orientando assim um afastamento dos modelos tradicionais. (GALIO, 2014).

No Brasil, segundo Didier Junior, tem-se um sistema jurídico com características dos dois sistemas, com peculiaridades que fazem com que o sistema não seja puramente civil law e nem common law, de modo que é possível encontrar no ordenamento jurídico pátrio, institutos dos dois sistemas, tais como o controle de constitucionalidade e o devido processo legal que exsurgem dos sistemas civil law  e, institutos como súmulas vinculantes, precedentes judiciais que possuem sua origem nos países que adotam o common law. (DIDIER JR, 2015, p. 60)

 2.2. A Evolução dos precedentes judiciais no direito brasileiro

É inegável que o direito processual brasileiro tem vivenciado nos últimos anos uma enorme evolução, de modo que, percebe-se uma maior utilização dos precedentes judiciais.

Essa evolução tem como marco inicial a década de 90, impulsionada em sua grande maioria pelas diversas reformas legislativas, dentre as quais destacam-se a extinção do reexame necessário em situações de decisões semelhantes entre os juízes de primeiro grau e o entendimento dos tribunais, o aumento do poder de decisão dos relatores nas matérias que os tribunais já tenham se manifestado anteriormente, entre outras.

Ademais, destaca-se que a atuação dos tribunais superiores tem contribuído significativamente para o fortalecimento da utilização dos precedentes no direito brasileiro.

Antes, porém, de se adentrar na evolução dos precedentes no direito brasileiro, faz-se necessário apresentar o seu conceito, bem como esclarecer algumas questões iniciais. A primeira, é que os precedentes estão presentes em qualquer ordenamento jurídico, seja ele da família commow law ou do civil law (PEIXOTO, 2015). A segunda diz respeito a importância dos precedentes nos referidos sistemas jurídicos, nos países que adotam o commow law nota-se uma maior relevância na utilização dos precedentes.

Outrossim, existe no direito brasileiro alguns institutos que em muito se assemelham com os precedentes, não obstante não podem ser confundidos. Para tanto faz-se alguns esclarecimentos iniciais e diferenciações necessárias.

No que diz respeito ao conceito dos precedentes Didier Junior explica que “em sentido lato, o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos” (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015, p. 441).

Para Raxi Peixoto, “o precedente é a decisão de um caso singular apta a, pelo menos, influenciar o julgamento de um caso posterior (PEIXOTO, 2015, p. 157).”

Demais disso, podem ainda ser identificados dois conceitos e/ou aspectos para os precedentes. O primeiro conceito denominado de próprio, contempla todo o ato decisório, compreendendo o relatório, a fundamentação e o dispositivo. Logo, o precedente é todo o texto emanado pelo poder judiciário. De modo que, toda essa decisão servirá doravante de norma geral para as demais decisões posteriores. O segundo conceito denominado de impróprio, diferentemente do anterior faz referência como sendo precedente apenas a ratio decidendi, que, em síntese, é a norma jurídica a ser extraída da decisão.  (RIBEIRO, 2015)

Isto posto, conclui-se, que os precedentes são decisões judiciais que, partindo ou não da análise de um caso concreto, assenta uma questão de direito a partir de uma ratio decidendi e que terá o condão de influenciar e vincular os juízes e tribunais nas decisões futuras. (CRISTO, 2009) 

Existem no direito brasileiro alguns institutos que embora se assemelhem com os precedentes, não podem ser confundidos.

Não se pode confundir o termo precedente com jurisprudência, já que esta serve para designar um conjunto de decisões reiteradas, e só apenas a partir desse conjunto de decisões reiteradas e que ela poderá ser considerada fonte do direito. No entanto, basta apenas um precedente para que este possa ser considerado como fonte do direito.

Outro instituto que não pode ser confundido com precedente é a súmula, seja ela comum ou vinculante. A súmula no direito brasileiro possui a função de servir como forma de destacar a ratio decidendi (razão de decidir), ou seja, a súmula evidencia a ementa extraída da interpretação da norma, de modo que os julgadores possuem identificar facilmente o entendimento dominante do órgão a que estão vinculados.

O precedente não pode, por outro lado, ser confundido com as ementas extraídas dos julgamentos dos tribunais. As ementas nada mais são do que resumos das decisões, e servem apenas como forma de facilitar a compreensão e busca das decisões pelos temas expostos.

Conforme mencionado alhures, desde a década de 90 é possível perceber a evolução dos precedentes judiciais na legislação infraconstitucional, há por exemplo comandos legislativos que impedem o julgamento de demandas pelos tribunais em casos que já haja posicionamento firmado pelos tribunais superiores.

A primeira manifestação de adoção a teoria dos precedentes no direito brasileiro consta da Lei 8.038 de 28 de maio de 1990 que institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. No artigo 38 da norma em comento, hoje revogado pelo NCPC, aduziu em síntese que o tribunal deveria negar seguimento ao pedido ou recurso que contrariasse o entendimento do referido tribunal.

Em seguida, no ano de 1995 foi editada a Lei nº 9.139/95 alterou a redação do art. 557, do CPC/73, permitindo que, no julgamento de recursos, o relator negasse seguimento quando, a pretensão contrariasse súmula do respectivo tribunal ou de tribunal superior.

No ano de 1998 o mesmo dispositivo legal (art. 557) sofreu novas alterações, através da lei 9.756/95 que passou a estabelecer no caput, que o relator poderia negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Já o § 1º passou a prever expressamente a possibilidade de julgamento monocrático do mérito do recurso quando a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

A lei 9.756/98 trouxe ainda outras mudanças no mesmo sentido, incluiu o parágrafo único ao art. 120, CPC/73, prevendo que no julgamento de conflitos de competência poderá o relator decidir de imediato caso já tenha jurisprudência dominante do tribunal sobre em debate.

Outrossim, instituiu que os órgãos fracionários dos tribunais não precisariam mais enviar ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade, quando estes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal já tivessem decido sobre a isso anteriormente (art. 481, § único).

A mesma lei ainda conferiu nova redação ao parágrafo 3º do art. 544, do CPC/73, passando a permitir que o relator negue seguimento a recurso especial ou extraordinário, nas situações em que o acórdão recorrido esteja em desacordo com a súmula ou jurisprudência dominante. (SANTOS , 2014)

Um pouco mais adiante, foi editado a Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2.001, que alterou a redação do art. 475, passando a não mais exigir o reexame necessário nas sentenças que estiverem fundadas em jurisprudência dominante do STF ou de Tribunal Superior (art. 475, § 3º).

Já em 2006 foram editadas duas leis, a lei 11.276/2006 e a lei 11.277/2007, a lei 11.276/2006 teve como principal objetivo estender aos tribunais de primeiro grau a mesma possibilidade trazida pela lei 10.352/2001, incluindo o art. art. 518, § 1º, CPC/73, possibilitando o exame da admissibilidade do recurso de apelação, facultando ao juiz negar seguimento quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF.

A lei 11.277/2006 inseriu o art. art. 285-A no CPC/73, este por sua vez, permitiu ao juízo de primeiro grau a possibilidade de julgar liminarmente de mérito da demanda quando a matéria debatida versar unicamente sobre questões de direito e já houver sido proferida sentença de improcedência em casos semelhantes.

Por fim, a EC 45/2004 inseriu o § 3° no artigo 103 da CRFB inserindo no ordenamento jurídico a obrigatoriedade de se demonstrar a repercussão geral no julgamento do recurso especial e extraordinário.

Porém, mesmo após a previsão dessa obrigatoriedade na CRFB, esse instituto ainda carecia de normatização em legislação especial. Em 2006 foi editado a lei 11.418 que alterou o CPC/73 passando a prevê expressamente os seguintes institutos: repercussão geral em decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal; o relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado; nega a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos; (SANTOS , 2014).

Ademais, foi editada a Lei nº 11.672/2008 que disciplina o julgamento de recursos repetitivos, estabelecendo que os recursos terão seguimento negado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ ou serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do STJ (SANTOS , 2014).

    Por conseguinte, é possível notar que o principal objetivo das alterações legislativos nos últimos anos é o de maior celeridade processual e segurança jurídica, para isso o legislador suprimiu institutos que emperravam o sistema, tornando-o mais lento.

Nesse diapasão, nota-se que a adoção a uma teoria dos precedentes foi pensada de modo a garantir maior coerência nas decisões judiciais bem como maior segurança jurídica, de modo a se evitar decisões contraditórias sobre as mesmas matérias.

2.3. Distinções entre ratio decidendi e obiter dictum

Conforme mencionado no tópico anterior nem toda decisão judicial é um precedente, além disso cumpre relembrar que não é toda a decisão que possui o condão de vincular.

Em razão desses e outros questionamentos acerca do que seria um precedente e quais as partes da decisão de fato possui força vinculante, faz-se necessário examinar os institutos da ratio decidendi e obiter dictum.

A diferença entre ratio decidendi e obiter dictum tem como função precípua exatamente separar a parcela obrigatória de um precedente da não obrigatória (MACÊDO, 2016).

A separação entre a ratio decidendi e a obiter dictum mostra-se de extrema importância, pois possui o condão de regular a produção de normas pelo Poder Judiciário, visto que nem toda regra desse poder servirá de paradigma para julgamentos futuros.

Inicia-se o estudo desses institutos apresentando a concepção de ratio decidendi, terminologia adotada nos países de origem common law, sobretudo, no direito inglês. Já no direito norte-americano o termo utilizado para designar esse instituto é holding, enquanto no direito brasileiro utilizam-se os termos razões de decidir ou motivos determinantes.

A ratio decidendi, para Macedo é a parcela obrigatória do precedente (MACÊDO, 2016, p. 233).

De acordo com Peixoto a ratio decidendi é o resultado da interpretação das soluções adotadas nas decisões de casos análogos anteriores como um passo suficiente para alcançar a sua conclusão para o ponto ou questão em análise (PEIXOTO, 2015, p. 175).

Ainda sobre o tema, Didier Junior conceitua a ratio decidendi como sendo os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015, p. 442).

Das lições apresentadas acima é possível depreender que a ratio decidendi será a norma jurídica extraída dos precedentes.

Nesse contexto, incumbe aos interpretes da norma jurídica identificar, a partir de uma análise minuciosa dos precedentes emanados dos tribunais, os fatos, os fundamentos e a conclusão, para só depois conseguir identificar a ratio decidendi aplicável ao caso concreto.

A partir destas lições tem-se que a ratio decidendi não se confunde como o texto integral do precedente, tampouco com a sua fundamentação.  

Portanto, a ratio decidendi pode ser conceituada como sendo a norma jurídica extraída a partir de uma determinada decisão, esta norma após extraída passa a ostentar a qualidade de regra, tendo em vista decorrer das razões ou motivos que foram suficientes para solucionar questões jurídicas.

Contudo, urge salientar que mesmo após a compressão de que a ratio decidendi não se trata do texto integral do precedente nem de sua fundamentação, mas possui o caráter de regra jurídica, não se está a dizer que os demais elementos da decisão devem ser ignorados.

Nesse sentido, Lenio Streck afirma que “a norma jurídica extraída do precedente jamais pode ser considerada de forma isolada, estando a sua análise vinculada à questão fática-jurídica por ela solucionada (STRECK, 2013, p. 43).

No Brasil a compreensão de ratio decidendi como norma jurídica, ainda parece um pouco obscura, gerando entendimentos dissonantes. É possível perceber, por exemplo, a partir da nomenclatura, que o Supremo Tribunal Federal utiliza para referir-se a ratio decidendi.

Para contribuir com a compreensão da ratio decidendi, de modo, a se obter uma maior propriedade na aplicação do instituto, Macedo apresenta três formas de argumentação, a partir dos precedentes, com foco na ratio decidendi:

Um modelo de analogia particular, segundo o qual o precedente serve como modelo para a decisão do caso concreto, especialmente a partir da identidade do caso com os fatos substanciais analisados no precedente;

Modelo de afirmação de regra, conforme o qual uma regra é compreendida do precedente, tentando precisar sua hipótese fática e aplicar ao caso concreto sob análise, exceto quando é possível fazer uma distinção entre eles;

O modelo de afirmação de princípio, extrai-se de um princípio do precedente que pode ser relevante para a solução do caso concreto, especialmente se houver similitude fática entre os fatos substanciais do precedente e do caso subsequente (MACÊDO, 2016, p. 228-229)

O STF tem utilizado o termo eficácia transcendente dos motivos determinantes, para identificar um precedente obrigatório, essa nomenclatura traz uma impressão equivocada de que é o texto integral da decisão que possui força vinculante, o que não é verdade.

Portanto, a conceituação da ratio decidendi ainda não é consenso na doutrina pátria, não obstante nota-se dificuldades quanto a sua identificação bem como no diz respeito a sua aplicação.

Passa-se agora, ao estudo da obiter dictum ou apenas dictum como as vezes é encontrado na doutrina.

O obiter dictum pode ser conceituado como sendo todas as questões postas a julgamento e que devem ser objeto de apreciação, mas que em regra não são necessárias para a solução das questões ou pontos relevantes.

Para Macêdo, obiter dictum é a parte das razões que não possuem importância para a solução do caso e, por isso, pode-se afirmar que é a parte do precedente obrigatório imprestável para a construção de sua norma (MACÊDO, 2016, p. 235).

Das lições conceituais esposadas acima percebe-se que a obiter dictum trata-se de elemento incidental que se mostra irrelevante para o deslinde da causa. Esse é o posicionamento adotado Didier Junior, que afirma que

obiter dictum é o argumento jurídico, consideração, comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convala em juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015, p. 444).

 Após a compreensão do conceito da obiter dictum faz-se necessário delinear o método utilizado para sua definição e identificação, o método mais apropriado para realizar essa tarefa é o denominado caráter residual, ou seja, por meio da exclusão, de modo que tudo que não for ratio decidendi será considerado obiter dictum.

Outro aspecto importante a ser lembrado é o fato de o obiter dictum de uma decisão, ser algo irrelevante nessa decisão, nada impede que em decisões futuras ela possa ter relevância e se transformar em ratio decidendi para casos futuros. Sobre o tema, Souza traz esclarecedores lições:

“Quando se restringe a ratio decidendi à solução dada ao caso, permite-se que fundamentos anteriormente considerados dictum se tornem ratio no futuro. Por exemplo: são obter dictum os fundamentos sobre questão processual preliminar ou mesmo de mérito que, embora acolhidas, não definem o resultado do julgamento. E aí que as Cortes inferiores podem se considerar obrigadas por essas razões no futuro, as quais deixam de ser vistas como dicta e passam a ser consideras ratio decidendi alternativa (SOUZA JR, 2017).

Através da distinção entre a ratio decidendi o obiter dictum é possível compreender que apenas a ratio decidendi tem força vinculante. Todavia, pode se afirmar que a obiter dictum é importante para a compressão da norma jurídica.


CAPÍTULO III- PRECEDENTES NO DIREITO BRASILEIRO E NOVO CÓDIGO PROCESSO CIVIL

3.1. A proposta do NCPC e sistema de precedentes judiciais

Nesse tópico o principal objetivo é apresentar as influências e aplicações dos precedentes judiciais no direito processual brasileiro.

Destarte, compreender essas transformações no sistema jurídico requer uma visão global e ampla de toda a ciência processual. Para tanto, é imprescindível interpretar os precedentes judiciais como fonte obrigatória do direito, ou seja, como vetores que norteiam o sistema.

Com efeito, dadas as inúmeras transformações, deve-se, a princípio, reconhecer que o processo doravante não pode mais ser compreendido apenas como mecanismo de solução de lides, mas como um meio de construção de um sistema jurídico pautado em uma maior segurança jurídica (MACÊDO, 2016).

O CPC/2015 foi concebido com base na criação de um sistema jurídico-processual firmado na segurança jurídica, fala-se que o princípio da proteção da segurança jurídica, que apesar de não constar expressamente no código, é um dos mais importantes elementos do novo CPC. Esta afirmação pode ser notada a partir da inserção de vários dispositivos no CPC/2015 que possuem o condão de perseguir a segurança jurídica. A maior novidade do código é justamente o regime de precedentes obrigatórios dispostos nos arts. 926 e 927, normatização fundada no princípio da segurança jurídica (MACÊDO, 2016, p. 321).

Para se compreender a proposta do NCPC e o sistema dos precedentes faz-se necessário apresentar um histórico da regulação dos precedentes no trâmite legislativo do NCPC.

Inicia-se, portanto, com o tratamento dispensado aos precedentes judiciais no anteprojeto do NCPC. O anteprojeto do NCPC trazia a obrigatoriedade de os tribunais manterem sua jurisprudência uniforme e estável, para isso o legislador colocou à disposição dos tribunais a possibilidade de editar enunciados de súmulas, a vinculação dos órgãos hierarquicamente inferiores aos enunciados, a jurisprudência pacificada deveria ser observada por todos os órgãos de sua base, a vinculação obrigatória da jurisprudência do STF e STJ.

Em seguida, o anteprojeto foi encaminhado para o Senado Federal sob a designação de PL 166/2010, não sofrendo nessa Casa nenhuma mudança relevante no que diz respeito ao sistema de precedentes.

Após, o projeto seguiu o rito legislativo sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados, sendo designado de PL 8.046/2010. Neste momento o projeto passou por uma mudança importantíssima no que diz respeito aos precedentes judiciais, foi incluído no NCPC um capítulo que trata especificamente dos precedentes judiciais.

Por fim, seguindo o trâmite legislativo que lhe é peculiar o projeto foi convertido na Lei 13.105/2015, contudo a Lei 13.105/2015 trouxe inúmeras mudanças em relação a PL 8.046/2010.

Os precedentes judiciais na Lei 13.105/2015 sofreram enormes mudanças, sendo-lhe extinto o capítulo próprio que lhes fora concedido na versão do Senado, tornando a ser disciplinado dentro das disposições gerais como era na versão da Câmara.

 Ademais, a Lei 13.105/2015 excluiu do texto todas as referências ao termo precedente, o tema passou a ser disciplinado apenas nos artigos 926, 927 e 928[2].

Sobre essas modificações, Macêdo afirma que é perceptível que as modificações enfraqueceram sobremaneira a implantação do stare decisis brasileiro, que agora volta a depender de um forte esforço interpretativo e construtivo, tanto doutrinário como jurisprudencial (MACÊDO, 2016, p. 328).”

O artigo 926 do NCPC em regra não traz especificamente nada acerca dos precedentes judiciais, o dispositivo tem como finalidade orientar os tribunais acerca da uniformização da jurisprudência.

Contudo, apesar de não constar expressamente nada acerca dos precedentes, é inegável que o artigo 926 é o dispositivo mais importante para a construção da teoria dos precedentes no direito brasileiro. Pois não é possível imaginar uma teoria de precedentes sem que haja uma uniformização, integridade e coerência da jurisprudência dominante.

Já o art. 926, § 2º, do CPC trata-se de um dispositivo que impactará sobremaneira na prática judiciária e, ao cabo, no próprio modo de ser das súmulas. Ao exigir que o enunciado sumular guarde correspondência com o precedente, cria-se um requisito de validade da súmula que resvala diretamente em sua eficácia, condicionando sua aplicação. (MACÊDO, 2016, p. 336)

Dessa forma, compreende-se que o art. 926 estabeleceu os deveres específicos de segurança jurídica, sobretudo a segurança nos atos jurisdicionais. Consequentemente, o CPC encerra o tratamento dos precedentes no artigo 927, estabelecendo o rol dos precedentes obrigatórios.

Inicialmente, faz-se necessário compreender a relação entre o artigo 926 e 927, conforme mencionado alhures o artigo 926 foi concebido com a finalidade precípua de uniformizar a jurisprudência, trazendo estabilidade, integridade e coerência, com o objetivo de garantir segurança jurídica (LUCCA, 2015).

Já o artigo 927 inseriu um rol de precedentes no código para disciplinar a forma de se alcançar o que estabelece o artigo 926, de modo que se tenha uma jurisprudência estável e coerente.

Além disso, o artigo 927 trouxe cinco parágrafos com o objetivo de estabelecer a aplicação dos precedentes no direito brasileiro.

Em apertada síntese os parágrafos do artigo 927 apresentam uma sistemática acerca do contraditório na formação e aplicação de precedentes, o dever de fundamentação na formação, aplicação e superação do precedente, a necessidade de ampla participação no procedimento de modificação ou superação do precedente, a superação prospectiva do precedente e por fim o dever dos tribunais de garantir ampla publicidade aos seus precedentes obrigatórios.

Ademais, é notório que existe uma falta de racionalidade na prática jurídica brasileira, de modo que a distribuição de justiça tem atravessado uma grave crise (MACÊDO, 2016, p. 378).

Nesse Sentido, o NCPC percebeu o problema da enxurrada de demandas que são despejadas diariamente nos tribunais com os mesmos argumentos já refutadas em outras demandas.

Desse modo, o legislador traz uma série de aparatos normativos para buscar solucionar e filtrar o número de demandas semelhantes. Sendo instituído assim o incidente de demandas repetitiva.

O incidente de resolução de demandas repetitivas é considerado uma das maiores novidades do CPC/15, e tem previsão expressa no Capitulo VIII, Titulo I no Livro III do CPC que disciplina os artigos 976 a 987. De acordo com Macedo, este instituto pode ser compreendido da seguinte forma:

O mecanismo é apresentado como uma técnica capaz de resolver uma questão jurídica que se apresenta em grande número de processos e, justamente por isso, solucionar um problema capaz de levar a soluções desiguais, ofendendo, assim, a segurança jurídica. Através do incidente de resolução de demandas repetitivas, paralisa-se o processamento das várias demandas, inclusive coletivas, para que, no seu procedimento, concentrem-se os debates e a formação do entendimento que regerá a solução das demandas de massa, devendo ser a tese formada aplicada a todas e cada uma delas. (MACÊDO, 2016, p. 443)

 Assim, percebe-se que o incidente de resolução de demandas repetitivas mostra-se um mecanismo que poderá contribuir efetivamente para a diminuição das demandas no judiciário.

Nos termos do art. 976, incisos I e II, do CPC[3], o procedimento de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas será cabível quando houver uma efetiva repetição de processos que demonstrem similaridade quanto a questão de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Essa repetição que se exige para a instauração do procedimento deve se mostrar no âmbito do tribunal em que se quer instaurar o procedimento de incidente de resolução de demandas repetitivas.

Após a instauração do incidente dar-se-á o seu processamento, de modo que o relator poderá selecionar processos que já tenham sido objeto de apreciação pelo tribunal e que possuam tese semelhante. A essa escolha o legislador denominou de análise de representatividade.

Superadas as fases de instauração e processamento passa-se ao julgamento e aplicação do precedente. O julgamento dar-se-á a partir da análise do relatório, delimitando-se a questão jurídica em discursão e o objeto da demanda que será objeto de julgamento. Demais disso, o instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas ainda admite a intervenção do amicus curiae e a realização de audiências públicas como fatores de ampliação da legitimidade democrática do precedente obrigatório (MACÊDO, 2016, p. 454).

Outro instituto importante, que serve como filtro de exclusão de casos de menor vultuosidade e menor importância para a criação de normas jurídicas é o instituto da repercussão geral.

Esse instituto foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da EC 45/2004, alterando o art. 102, § 3º, em seguida esse instituto foi regulamentado pela lei 11.418/2006.

O CPC/2015 também regulou a repercussão geral no artigo 1035, § 2º, alterando sua sistemática e tornando os seus efeitos ainda mais gravosos.

 Ainda nessa esteira de mudanças trazidas pelo NCPC em matéria de precedentes, menciona-se ainda o incidente de assunção de competência previsto no artigo 947[4], e que é cabível quando houver recurso, remessa necessária ou processo de competência originária, relevante questão de direito a ser resolvida, que detenha grande repercussão social e não configure questão repetitiva.

Desse modo, diz-se que o incidente de assunção de competência possui a função de concretizar o dever de uniformização constante do artigo 927 mencionado alhures.

3.2. A aplicação e superação dos precedentes judiciais

Após a compreensão dos precedentes incumbe delinear os contornos de sua aplicação, bem como as técnicas de superação.

Inicialmente, cumpre ressaltar que a aplicação dos precedentes não pode ser, de forma alguma, mecânica (PEIXOTO, 2015, p. 192). Isso porque, apesar de os precedentes guardarem intima relação com as demais normas do ordenamento jurídico, sua aplicação difere do método de aplicação das normas em geral.

O método de aplicação das leis pressupõe um apurado uso da racionalidade, a fim de se prever os fatos jurídicos que podem ocorrer na sociedade, passando a disciplina-los em normas escritas, positivando, por consequência, o maior número de condutas possíveis. 

Por seu turno, o método dos precedentes requer inteligência crítica na argumentação (MACÊDO, 2016, p. 260), a fim de se encontrar, nas decisões anteriores, fundamentos para exarar uma nova decisão.

Nesse sentido, enquanto no método utilizado para aplicação das normas busca-se uma maior codificação, proporcionando um sistema jurídico coerente e com maior segurança jurídica, o método utilizado para aplicação dos precedentes exige uma constante reconstrução das normas dispostas nos precedentes.

Ao se utilizar um precedente, na resolução de um novo caso, tem-se que a sua ratio decidendi poderá não ser aplicada nos exatos termos em que se encontra, podendo, a depender do caso concreto, sofrer adequações de modo.

De acordo com Macêdo, “trata-se de um processo de balanceamento de razões e normas anteriores que dará razão a novas normas (MACÊDO, 2016, p. 261).

Assim, há dois métodos de aplicação, um método de aplicação e outro de reconstrução de normas, a partir de decisões anteriores. Dessa forma, as normas utilizam-se do método de aplicação, ou, em outros termos, utiliza-se a subsunção do fato a norma posta, caso o fato se amolde a norma, tem-se por necessário à sua aplicação.

Já o método de reconstrução utilizado nos precedentes mostra-se diferente, visto ser um processo mais especifico, no qual em cada caso ao aplicar um precedente faz-se pequenas alterações de modo que este se preste a solução do caso, sempre a partir da interpretação de um precedente anterior.

A esse método de aplicação dos precedentes dá-se o nome de autorreferência.

Em apertada síntese o fenômeno da autorreferência é um dever estabelecido aos tribunais de não desprezar os entendimentos anteriores sobre o tema, de modo que ao decidir um caso o magistrado deve antes olhar se há algum precedente acerca daquela matéria, que possa fundamentar a futura decisão (MACÊDO, 2016).

Nesse sentido, Peixoto afirma que as decisões não podem partir de um grau zero, sem respeito à integridade do direito e aos julgados passados sobre situações fáticas semelhantes (PEIXOTO, 2015, p. 193).

A razão de ser da autorreferência parece muito simples, mas ganha contornos mais relevantes, já que sua importância reside no fato de que esse instituto reforça a compreensão de que os precedentes são uma fonte do direito.

Outro aspecto importante na aplicação dos precedentes diz respeito a técnica da distinção ou distinguishing, por meio do qual opera-se a diferenciação de casos, a fim de aplicar ou não um determinado precedente.

A técnica da distinção consiste numa forma de verificação dos dois casos que estão sob julgamento, nessa verificação observa-se se os casos possuem diferenças relevantes, e se haverá a aplicação do precedente (PEIXOTO, 2015).

Outra informação importante é que a aplicação de um determinado precedente pode ser invocada tanto pelas partes como pelo magistrado. Por isso, a importância da técnica da distinção, porque nem todos os precedentes invocados serão aplicados.

O CPC/15 estabeleceu a necessidade de o magistrado fundamentar a decisão na qual opte ou não pela aplicação de um determinado precedente, ou seja, quando da utilização da técnica da distinção. O § 1º do art. 489 considera não fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Não obstante, urge salientar que quando um dos sujeitos invoca a aplicação de um precedente, deverá demonstrar semelhança entre o caso em análise e o anterior. A parte contrária por sua vez, em caso de não concordar com a aplicação do precedente, deve demonstrar os fatos impeditivos da aplicação do precedente.

A bem da verdade, nenhum caso é simplesmente idêntico ao outro. O que acontece é que há mais semelhanças do que diferenças entre os dois casos, o que permite que um determinado precedente anterior possa incidir, constrangendo ou obrigando que a solução do caso seja semelhante à do anterior (PEIXOTO, 2015, p. 217).

Por fim, pode-se afirmar que essa técnica de aplicação dos precedentes (distinção ou distinguishing) já é utilizada pelos tribunais superiores no Brasil, assim não raras vezes é possível ver vários exemplos em súmulas vinculantes como em súmulas não vinculantes.

Além das técnicas de aplicação dos precedentes há no ordenamento jurídico pátrio a técnica de superação dos precedentes, que também é denominada de overruling.

O overruling ou simplesmente técnica de superação dos precedentes constitui-se em um método de superação de um entendimento anterior sobre o mesmo caso que esteja novamente sob julgamento. Essa técnica é essencial para qualquer sistema de precedentes, permitindo que o sistema possa evoluir (LUCCA, 2015).

A utilização da técnica de superação dos precedentes faz surgir duas importantes regras, a primeira é que a partir daquele momento o precedente que foi superado, passa-se a ser considerado como um entendimento superado, o segundo por sua vez possui natureza processual, e possui o condão de demonstrar que há um novo entendimento sobre aquela matéria, subsistindo uma nova fonte do direito que deverá ser observando doravante (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015).

Outro aspecto acerca da técnica de superação dos precedentes é a impossibilidade de os tribunais inferiores superar os precedentes dos tribunais superiores. Ademais, o Poder Judiciário também não pode superar um precedente deixando de aplica-lo por não concordar com a sua ratio decidendi, exceto em caso de inconstitucionalidade.

Frise-se ainda, que a superação de um precedente pode se dá a partir de uma mudança imediata, abrupta da jurisprudência dos tribunais ou pode ocorrer de forma paulatina, alterando-se em cada aplicação de um precedente, a sua ratio decidendi, essa por sua vez ocorre de forma mais demorada.

Ademias, a superação de um precedente pode ocorrer de forma expressa ou de forma implícita. No entanto, a superação implícita de precedentes traz consigo vários problemas. Dentre eles, é possível citar a falta de clareza da própria superação, que dificulta a atuação das cortes inferiores em interpretar esse novo precedente, sem ter certeza quanto a sua aplicabilidade ou não (PEIXOTO, 2015, p. 199).

Existe ainda o instituto da transformation que é a transformação de um precedente, esse instituto possui enormes semelhanças com a superação implícita. A a única diferença é que na superação implícita surge um novo precedente, na transformação por sua vez o precedente mostra-se totalmente incompatível com o novo, de modo que se faz necessário uma tentativa de harmonização entre os dois (MACÊDO, 2016).

Outrossim, é importante assentar que na maioria das vezes a superação ou transformação de um precedente é precedida por enorme pressão normativa, com isso está-se a dizer que essas técnicas só são utilizadas pelos tribunais como última opção (PEIXOTO, 2015, p. 201).       

Sobre a matéria, o STF se posicionou, por meio da ADIN 4.071, reconhecendo que a superação de precedentes não pode ser uma situação rotineira.

Por fim, O CPC/15 estabeleceu no art. 927, § 4°, a necessidade de fundamentação adequada e especifica” para a superação de precedentes.

3.3. Vantagens e desvantagens do uso dos precedentes no direito brasileiro

Na atualidade, é comum ouvir pessoas dizendo que estão com um processo no Judiciário há vários anos esperando uma resposta e esta não vem, ou pessoas dizendo que simplesmente não acreditam no Judiciário.

Essa triste realidade no cenário jurídico atual tem alavancado o fenômeno da morosidade do Judiciário, em razão do elevado número de demandas que recebe, e que nem sempre consegue entregar uma tutela jurisdicional efetiva e em tempo hábil.

Esse problema conforme apontado ao longo do presente trabalho tem diversos fatores que podem ser apontados como responsáveis pelo atual momento do judiciário.

Dentre os principais problemas estão, por exemplo, a diminuição das receitas repassadas ao Judiciário, em razão enorme crise econômica que o pais atravessa, a exiguidade de serventuários, poucos magistrados, o elevado número de litígios desnecessários e que poderiam ser resolvidos com a aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos (CÂMARA, 2015).

Nesse contexto, os precedentes judiciais podem contribuir significativamente para melhorar o atual cenário do ordenamento jurídico brasileiro, favorecendo a celeridade processual.

A maneira como a teoria dos precedentes funciona permite que demandas novas e, que possuam semelhança com demandas anteriores, possam ter uma decisão baseada na ratio decidendi da norma anterior.

Desse modo, a aplicação do sistema de precedentes pode contribuir para a resolução mais rápida de litígios semelhantes, possibilitando ainda, estimular a autocomposição entre as partes, visto que a partir de uma decisão anterior, é plausível se ter um prévio conhecimento do entendimento sobre o objeto da demanda.

Dentre as principais vantagens da utilização dos precedentes no direito brasileiro pode mencionar o tratamento isonômico dos jurisdicionados.

Um problema recorrente na pratica judiciaria refere-se à preocupação do jurisdicionado no momento da distribuição de uma demanda, isso pelo fato de Juízes ou Turma proferirem decisões diversas em demandas semelhantes. Não raras vezes, era possível perceber por parte de patronos das partes manobras com a simples finalidade de direcionar o processo para outro julgador diverso.

É bem verdade, que o CPC/15 instituiu mecanismos com a finalidade de coibir que o jurisdicionado possa direcionar o seu processo, como por exemplo, o jurisdicionado desistiria da demanda para entrar novamente e esta ser direcionada a outro julgador.

Contudo, apesar dos avanços trazidos pelo CPC/15, este instituiu mecanismos que também contribuem para que exista decisões conflitantes, cite-se por exemplo o princípio do livre convencimento motivado.

Dessa forma a lei poderá ser aplicada de forma desigual, em razão da interpretação que o julgador naquele momento conceder a ela, e caso essa decisão seja motivada não há nada de errado.

Em arremate, a aplicação do sistema de precedentes judiciais poderá contribuir sobremaneira para evitar decisões discrepantes, visto que antes de se proferir uma decisão o julgador deverá se certificar da existência ou não da existência de precedente acerca daquela matéria. Caso encontre algum precedente o julgador estará obrigado a aplica-lo.

Assim pode-se dizer que haverá uma maior segurança jurídica para os jurisdicionados, na medida que ter-se-á também uma interpretação uniforme do direito brasileiro.

Outra vantagem da aplicação dos precedentes é uma maior segurança jurídica, pois o jurisdicionado poderá ter uma previsibilidade sobre o posicionamento do órgão julgador sobre àquela situação posta em juízo. Ademais saberá que independente do órgão julgador a decisão será a mesma, evitando decisões dissonantes no mesmo juízo ou em juízos diversos.

Um Judiciário instável, é aquele onde cada juiz decide conforme bem entende, sem uma compreensão de como essa norma vem sendo interpretada pelos Tribunais superiores, causando insegurança aos jurisdicionados e até mesmo injustiças.

Ainda pode ser apontado como vantagem da utilização dos precedentes judiciais, uma maior celeridade processual, e conforme mencionado alhures, contribuindo para solucionar um dos maiores problemas enfrentados pelo Judiciário brasileiro, que é a morosidade processual.

Assim, a aplicação dos precedentes poderá trazer maior agilidade ao Judiciário, na medida em que permitem que processos posteriores que tratam de situações idênticas sejam solucionados de forma mais rápida, pois o magistrado aproveitará todo estudo já realizado pelos Tribunais Superiores (CÂMARA, 2015).

 Ao se identificar a similaridade nos casos, o julgador poderá aplicar o precedente, permitindo-lhe uma melhor gestão do seu tempo, de modo que possa se dedicar aos outros casos que exijam uma maior reflexão.

 Após a apresentação das vantagens da aplicação dos precedentes passa-se a análise das desvantagens, identificadas a partir da aplicação dos precedentes.

Inicialmente tem-se por aspecto negativo da utilização dos precedentes um obstáculo à inovação do direito, de modo que, ao se obrigar que se utilizem sempre os precedentes, poderia com isso diminuir a mudança do entendimento jurisprudencial (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015).

A obrigatoriedade da utilização dos precedentes poderia causar um engessamento da jurisprudência, o que dificultaria a evolução do direito ao longo do tempo, tornando-o indiferente às novas realidades sociais (PEIXOTO, 2015).

Ademais, a obrigatoriedade da utilização dos precedentes poderá mitigar a criatividade judicial, inviabilizando o emprego de um novo posicionamento, diferente do precedente em suas decisões.

Em outros termos, ter-se-ia com os precedentes o mesmo fenômeno que ocorre com as leis, uma revogação gradativa, em razão de seu engessamento, o que não coaduna com a sociedade, que está em constante evolução.

Por fim, tem-se como desvantagem da utilização dos precedentes no direito brasileiro a violação da autonomia judicial. Ou seja, ao exigir que um juiz decida de acordo com um determinado precedente, estar-se-ia por violar a sua independência.

O conceito de independência no ordenamento jurídico brasileiro significa o poder que o julgador tem de interpretar a norma, de modo a extrair dela a melhor aplicação ao caso concreto, sempre de forma fundamentada.

Além das desvantagens mencionadas acima, nota-se que há ainda diversos problemas que podem advir da má aplicação dos precedentes.

A aplicação dos precedentes de forma desordenada pode impedir a formação, pelos tribunais, de uma jurisprudência própria, uniforme e estável, posto que sua formação decorre do julgamento decisões reiteradas sobre uma mesma matéria.

Demais disso, como os casos serão enfrentados a partir da mera aplicação do precedente pelos juízes de primeiro grau, os tribunais dificilmente terão oportunidades de revisitar e atualizar sua jurisprudência (MACÊDO, 2016).

Didier Junior alerta que a má utilização dos precedentes pode inclusive ir de encontro com princípios basilares do sistema jurídico brasileiro.

A utilização acrítica dos precedentes, sem que se faça o devido cotejo das circunstâncias de fato que o motivaram com as circunstâncias de fato verificadas no caso concreto, pode dar ensejo a sérias violações ao princípio da igualdade, haja vista que esse princípio abrange também o direito a um tratamento diferenciado quando se tratar de sujeitos ou circunstâncias diferenciadas. Com efeito, é também violador da igualdade o comportamento do órgão jurisdicional que simplesmente aplica um precedente sem observar que as circunstâncias concretas não permitiriam a sua aplicação, tratando como iguais situações substancialmente distintas (DIDIER JR, OLIVEIRA e BRAGA, 2015, p. 398).

Assim, a má utilização do sistema de precedente pode acarretar um engessamento da atividade jurisdicional, incentivando que o magistrado a não analisar cada caso concreto de forma criteriosa, detalhada e justa.

Por fim, o magistrado, ao julgar determinado caso, deverá verificar a possibilidade de se aplicar um precedente anterior, de maneira que muitos processos terão suas pretensões e características decididas de forma igual ao precedente anterior, ocasionando, em tese, uma maior previsibilidade.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito brasileiro, seja por meios das reformas legislativas, ou através do processo de aplicação dos precedentes na atuação dos tribunais superiores, busca a construção de um ordenamento jurídico que valorize ainda mais os precedentes judiciais.

Evidentemente, a construção de uma teoria de precedentes no direito brasileiro passa por diversos desafios, sobretudo, a dificuldade de se implementar um instituto oriundo de sistemas do direito estrangeiro.

Nesse aspecto, o maior desafio do julgador reside no fato de que precisa desenvolver técnicas específicas para a utilização dos precedentes, de modo que esse instituto possa se adaptar ao direito brasileiro.

É inegável que o NCPC promoveu inúmeras mudanças que reforçam o processo de instauração do sistema de precedentes no direito brasileiro. O CPC/15 trouxe em seu bojo uma regulação especifica para os precedentes judiciais, instituindo deveres gerais com o objetivo de que essa teoria sirva como forma de concretização de segurança jurídica para os jurisdicionados.

Nessa quadra, o CPC/15 avançou sobremaneira, criando mecanismos de tratamento específico para os precedentes. Citem-se, por exemplo, as técnicas de aplicação e superação que foram totalmente remodeladas de forma a se aplicar ao direito brasileiro.

Obviamente, a teoria dos precedentes precisa de aprimoramento, afastando-se eventuais erros e inconsistências.

Outrossim, não se pode esperar que a teoria dos precedentes resolva todos os problemas enfrentados pelo Judiciário brasileiro.

Neste trabalho, buscou-se demonstrar que o sistema de precedentes se mostra como uma resposta eficiente para os problemas atuais do Judiciário. Para tanto, analisaram-se os principais institutos processuais que sofreram impactos com o sistema de precedentes, apresentando sempre as influências dos precedentes nos diversos institutos.

Verificaram-se, ainda, as principais alterações legislativas e, a partir delas, formularam-se proposições interpretativas, de modo a contribuir com a construção de um sistema jurídico mais efetivo.

Ao final de todas essas ilações conclusivas, constata-se que o sistema de precedentes veio para ficar e mostra-se de fundamental importância para a criação de um novo modelo de prestação jurisdicional, sem, contudo, descuidar-se da segurança jurídica.


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Notas

[1] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

[2] Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Art. 928.  Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I - incidente de resolução de demandas repetitivas;

II - recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único.  O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

[3] Art. 976.  É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

[4] Art. 947.  É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.

§ 1o Ocorrendo a hipótese de assunção de competência, o relator proporá, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que seja o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar.

§ 2o O órgão colegiado julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária se reconhecer interesse público na assunção de competência.

§ 3o O acórdão proferido em assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, exceto se houver revisão de tese.

§ 4o Aplica-se o disposto neste artigo quando ocorrer relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre câmaras ou turmas do tribunal.



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