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A causa no negócio jurídico

A causa no negócio jurídico

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Pode-se dizer que a causa do negócio jurídico é o objetivo pretendido pelas partes quando da sua celebração. Conheça os principais aspectos relacionados ao negócio jurídico, sobretudo no que tange ao elemento "causa", compreendendo a diferença entre causa e motivo.

 I - O NEGÓCIO JURIDICO E SEUS ELEMENTOS

Negócio jurídico (art. 104 até o 184 do CC) é uma manifestação de vontade humana que está de acordo com o ordenamento jurídico que produz efeitos jurídicos "ex voluntate", ou seja, que estão de acordo com a vontade das partes. Aliás, o ato jurídico em sentido estrito, que também está de acordo com o ordenamento jurídico,(strictu sensu) a eficácia é "ex lege", ou seja, a eficácia vem da lei, não produzindo os efeitos da mesma maneira que os negócios jurídicos.

Pontes de Miranda(Tratado de direito privado) estabelecia três planos para o negócio jurídico. Assim, devemos observar se, primeiro o negócio jurídico existe, depois, se ele tem validade e depois se ele possui alguma eficácia. 

Assim, com a presença de seus elementos essenciais e acidentais, temos a existência do negocio jurídico; passa-se ao campo da validade, de modo a verificar se há vícios próprios do negócio jurídico, a verificar se há nulidade ou anulabilidade (será o caso de analisar se há incapacidade da parte ou das partes  para o negócio, vício de forma, falta de motivo, de causa, de objeto, de boa fé e ainda  erro, dolo, coação, simulação) e, por fim, há o que se tem como campo da eficácia, num terceiro momento.

 Há elementos essenciais para o negócio jurídico e há elementos acidentais.

vontade que é manifestação do consentimento das partes para a realização do negócio jurídico é um dos elementos essenciais. 

Deve-se verificar a se a vontade foi efetivamente manifestada e se coincide com a vontade real daquele que a declarou. 

Ressalta-se que, o Código Civil de 2002, consagra a idéia de que será mais valorizado para a interpretação do negócio jurídico, a intenção daquele que manifestou a vontade, do que seu sentido literal, conforme preceitua o art. 112 do CCB. 

Ademais, também servirão de auxílio para a interpretação dos negócios jurídicos a boa- fé (de forma que as intenções maliciosas sejam repudiadas ) e os usos do local da celebração. (art. 113 do CCB). 

Outro elemento essencial é que exista um objeto, sobre o qual vai se referir o negócio jurídico. 

Por fim o negócio jurídico deve possuir forma, ou seja, se dar mediante acordo escrito ou verbal. 

Assim, são elementos essenciais, que tornam possível a existência dos negócios jurídicos, a manifestação de vontade, o objeto e a forma. A esses elementos essenciais devemos incluir a causa. 

Por sua vez, são elementos acidentais: condição, termo e encargo ou modo. 

Condição: Subordina a eficácia do negócio jurídico a um evento futuro e incerto, somente existe condição quando termos o evento tanto futuro quanto incerto, se faltar um deles a condição não existe.

A condição pode ser suspensiva ou resolutiva.. Ela suspende o exercício e a aquisição do direito, quando implementada a condição suspensiva, as partes terão de volta o exercício e a aquisição dos efeitos do negócio jurídico . Já a condição resolutiva é absolutamente o contrário da suspensiva, nesse caso, a eficácia acaba quando a condição é satisfeita.

De acordo com Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, p. 158-171, ed. 11ª, 2005:

“Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito jurídico a evento futuro e incerto.

 Condição é a cláusula que subordina o efeito do negócio jurídico, oneroso ou gratuito, a evento futuro e incerto.

Requisitos. Para a configuração da condição será preciso a ocorrência dos seguintes requisitos: a) aceitação voluntária, por ser acessória da vontade incorporada a outra, que é a principal por se referir ao negócio que a cláusula condicional se adere com o objetivo de modificar uma ou algumas de suas conseqüências naturais; b) futuridade do evento, visto que exigirá sempre um fato futuro, do qual o efeito do negócio dependerá; e c) incerteza do acontecimento, pois a condição relaciona-se com um acontecimento incerto, que poderá ocorrer ou não.

Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Condição lícita. Lícita será a condição quando o evento que a constitui não for contrário à lei, a ordem pública ou aos bons costumes.

Condições proibidas. Estão defesas as condições: a)  perplexas, se privarem ao ato negocial de todo o efeito, como a venda de um prédio sob a condição de não ser ocupado pelo comprador; e b) puramente potestativas, se advindas de mero arbítrio de um dos sujeitos (RT, 678:94, 680:115 e 691:206). P. ex., constituição de uma renda em favor se você vestir tal roupa amanhã ou se ficar de pé durante 24 horas; aposição de cláusula que, em contrato de mútuo, dê ao credor poder unilateral de provocar o vencimento antecipado da dívida, diante de simples circunstância de romper-se o vínculo empregatício entre as partes (RT, 568:180).

Urge lembrar que a condição resolutiva puramente potestativa é admitida juridicamente, pois não subordina o efeito do negócio jurídico ao arbítrio de uma das partes, mas sim sua ineficácia. Sendo tal condição resolutiva, nulidade não há porque existe um vínculo jurídico válido consistente na vontade atual de se obrigar, de cumprir a obrigação assumida, de sorte que, como observa Vicente Ráo, o ato jurídico chega a produzir os seus efeitos, só se resolvendo se a condição, positiva ou negativa, se realizar e quando se realizar.

O art. 122 veda a condição suspensiva puramente potestativa. Logo, são admitidas as simplesmente potestativas, por dependerem da prática de um ato e não de um mero ou puro arbítrio. Além do arbítrio requer uma atuação especial do sujeito. P. ex., doação de uma casa a um jogador de tênis, se ele tiver bom desempenho no torneio de Wimbledon.

Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhe são subordinados:

I – as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;

II – as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita;

III – as condições incompreensíveis ou contraditórias.

Condições suspensivas física ou juridicamente impossíveis. As condições fisicamente impossíveis são as que não podem efetivar-se por serem contrárias à natureza. Por exemplo, a doação de uma casa a quem trouxer o mar até a Praça da República da cidade de São Paulo será inválida, visto que a condição suspensiva que subordina a eficácia negocial a evento futuro e incerto é impossível fisicamente.

As condições juridicamente impossíveis são as que invalidam os atos negociais a ela subordinados, por serem contrárias à ordem legal, como, p. ex., a outorga de uma vantagem pecuniária sob condição de haver renúncia ao trabalho, o que fere os arts. 193, 6º, 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, que considera o trabalho uma obrigação social ou de realizar a venda que tenha por objeto herança de pessoa viva (CC, art. 426).

Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. As condições ilícitas ou as de fazer coisa ilícita são condenadas pela norma jurídica, pela moral e pelos bons costumes e, por isso, invalidam os negócios a que forem apostas. Por exemplo, prometer uma recompensa sob a condição de alguém viver em concubinato impuro (RT, 122:606); dispensar, se casado, os deveres de coabitação e fidelidade mútua; entregar-se à prostituição; furtar certo bem; mudar de religião, ou, ainda, não se casar.

Condições perplexas, incompreensíveis ou contraditórias. Se os negócios contiverem cláusulas que subordinam seus efeitos a evento futuro e incerto, mas eivadas de obscuridades ou incongruências, possibilitando várias interpretações pelas dúvidas que levantam, ou pela incoerência de seus termos tais atos negociais invalidar-se-ão. Por exemplo, constituirei Mário meu herdeiro universal, por ato de última vontade, se Ricardo for meu herdeiro universal. Inválida será tal cláusula, visto que a condição não poderá realizar-se.

Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis quando resolutivas, e as de não fazer coisa impossível.

Condição resolutiva impossível. Se for aposta num negócio condição resolutiva impossível (física ou juridicamente) ou de não fazer coisa impossível, será tida como não escrita; logo, o negócio valerá como ato incondicionado, sendo puro e simples, como se condição alguma se houvesse estabelecido, por ser considerada inexistente.

Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.

Condição suspensiva. Será suspensiva a condição se as partes protelarem, temporariamente, a eficácia do negócio até a realização do acontecimento futuro e incerto (RT, 706:151; JTACSP, 108:156 w 138:93). P. ex., adquirirei seu quadro “X” se ele for aceito numa exposição internacional.

Efeito da condição suspensiva pendente. Pendente a condição suspensiva não se terá direito adquirido, mas, expectativa de direito ou direito eventual. Só se adquire direito após o implemento da condição. A eficácia do ato negocial ficará suspensa até que se realize o evento futuro e incerto. A condição se diz realizada quando o acontecimento previsto se verificar. Ter-se-á, então, o aperfeiçoamento do ato negocial, operando-se ex tunc, ou seja, desde o dia de sua celebração, se inter vivos, e à data da abertura da sucessão, se causa mortis, daí ser retroativo.

Art. 126. Se alguém dispuser de uma coisa sob a condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem imcompatíveis.

Irretroatividade da condição suspensiva nos contratos reais. A retroatividade da condição suspensiva não é aplicável aos contratos reais, uma vez que só há transferência pública devidamente transcrita. Esclarece Clóvis Beviláqua que o implemento da condição suspensiva não terá efeito retroativo sobre bens fungíveis, móveis adquiridos de boa-fé e imóveis, se não constar do registro hipotecário a inscrição, ou melhor, o assento do título, onde se acha consignada a condição.

Inserção posterior de novas disposições: a norma não veda a possibilidade de, na pendência de uma condição suspensiva, fazer-se novas disposições, que, todavia, não terão validade se, realizada a condição, forem com ela incompatíveis. A esse respeito, bastante esclarecedores são os seguintes exemplos de R. Limongi França: A doa a B um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, vende ou empenha o mesmo objeto a C; nula será a venda ou a garantia real (penhor). A doa a B o usufruto de um objeto, sob condição suspensiva, mas, enquanto esta pende, aliena a C a nua propriedade do mesmo objeto; válida será a alienação, porque não há incompatibilidade entre a nova disposição e a anterior.

Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

Condição resolutiva. A condição resolutiva subordina a ineficácia do negócio a um evento futuro e incerto. Enquanto a condição não se realizar, o negócio jurídico vigorará, podendo exercer-se desde a celebração deste o direito por ele estabelecido, mas, verificada a condição, para todos os efeitos extingue-se o direito a que ela se opõe. Por exemplo, constituo uma renda em seu favor, enquanto você estudar (RT 433:176, (…)).

Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme os ditames de boa-fé.

Implemento de condição resolutiva. Se uma condição resolutiva for aposta em um ato negocial, enquanto ela não se der, vigorará o negócio jurídico, mas, ocorrida a condição, operar-se-á a extinção do direito a que ela se opõe, retornando-se ao status quo ante. Mas, se tal negócio for de execução continuada ou periódica (p. ex., uma locação), a efetivação da condição, exceto se houver disposição em contrário, não atingirá os atos já praticados (como pagamento de aluguéis ou de encargos locativos) desde que conformes com a natureza da condição pendente e aos ditames da boa-fé (CC, art. 422). Acatado está o princípio da irretroatividade da condição resolutiva, quanto às prestações executadas, pois implemento da condição resolutiva terá eficácia ex nunc, preservando os efeitos negociais já produzidos.

Efeitos “ex nunc” e “ex tunc” da condição. Quanto aos atos de administração praticados na pendência da condição, ela não terá efeito retroativo, salvo se a lei expressamente o determinar, de maneira que tais atos serão intocáveis, e os frutos recolhidos não precisarão ser restituídos. Porém, a norma jurídica estabelece que a condição terá efeito retroativo quanto aos atos de disposição, que, com sua ocorrência, serão tidos como nulos.

Outros elementos acidentais são o termo e o encargo.

termo: cláusula que subordina a eficácia do negócio jurídico à um evento futuro e certo (data- evento futuro e certo)

-Suspensivo: termo inicial- dá início aos efeitos do negócio jurídico. Gera direito adquirido

-Resolutivo:termo final- quando verificado põe fim aos efeitos do negócio jurídico.

Encargo ou modo: prática de uma liberalidade subordinada à um ônus.Por exemplo, a doação de um terreno com o encargo de que nele seja construído uma escola. O encargo deve ser cumprido, caso não seja, a pessoa que praticou a doação poderá pedir a revogação ou o cumprimento do encargo.

A doutrina civilista usa a expressão ato jurídico entendendo que se trata de manifestação de vontade destinada a constituir, modificar ou extinguir um direito subjetivo, através da objetivação de um fim protegido pelo sistema jurídico.


II – A CAUSA COMO ELEMENTO DO NEGÓCIO JURIDICO E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO ROMANO

Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 86 e seguintes) que “as partes do ato jurídico procuram atingir um objetivo prático que é precisamente a função econômico-social do ato que estão praticando. Esse objetivo prático, socialmente útil, recebe a proteção do direito. Chama-se causa do ato jurídico. A causa não pode ser impossível nem ilícita”.

Há profundas diferenças entre a causa e o motivo. Os motivos impelem a vontade à consecução da causa conservando, porém, o caráter subjetivo, a causa se exterioriza no mundo dos fatos através de um ou outro ato jurídico, mas sempre consoante um tipo. Exemplificou Ebert Chamoun(obra citada, pág. 87) que na venda de uma coisa, a causa do procedimento do vendedor é o recebimento do preço do comprador: esse recebimento teve que se enquadrar num tipo de ato jurídico, a compra e venda. Os motivos, sendo individuais, variam conforme as partes; a causa, no ensinamento de Ebert Chamoun, sendo objetiva, só varia conforme o tipo de negócio, sendo uma única para cada tipo. A causa é digna de proteção do direito que nela encontra o titulo justificativo dos efeitos aquisitivos, modificativos ou extintivos dos atos jurídicos, os motivos lhe são irrelevantes, a não ser que se manifestem no ato sob a forma de cláusula acessória.

No direito romano, vários eram os remédios jurídicos que eram utilizados para anular os efeitos do ato jurídico realizado sem causa, como a condictio, ou ação de repetição de indébito, a actio doli, a querela non numeratae pecuniae.

O pagamento sem causa feito pela stipulatio podia, no direito clássico, ser repetido mediante a condictio indebiti. A execução de uma stipulatio através de uma exceptio doli mali e o pagamento feito em vista de sua execução podia ser repetido pelo promitente não envolvido na torpeza, mediante uma condictio ob turpem causam.

No direito imperial, facultava-se à pessoa que reconhecera num documento haver recebido uma quantia que, em verdade, não recebera, negar-se ao seu pagamento, defendendo-se com a querela non numeratae pecuniae. Ela operava a inversão do ônus normal da prova: o pretenso credor é que devia provar a existência do empréstimo. No direito de Justiniano não se podia suscitar a querela quando a causa da numeratio era revelada no documento e era admissível dentro de dois anos, mas inclusive acerca de débitos de coisas diferentes de dinheiro e do dote quando ao madido que não o recebeu era exigida a sua restituição, se intentada de forma temerária, importava a pena do dobro.


III – A CAUSA NO CÓDIGO CIVIL DO BRASIL E EM OUTROS DIREITOS: DIVERSAS DOUTRINAS

O código civil brasileiro não menciona expressamente a causa ou o motivo como elemento essencial do negócio jurídico, mas determina que o falso motivo, quando expresso como razão determinante ou essencial, vicia o ato negocial  bem como prevê que, quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito, o negócio jurídico será nulo.

Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 343) afirmou que ¨toda ação humana se prende a uma razão. Todo ato é precedido de motivação mais ou menos complexa. Toda declaração de vontade decorre de um motivo, que ora pode ser puramente interior e psíquica, ora exterior e objetivo. É na pesquisa da determinação do ato que vai asentar o problema da causa do negócio juridico".

Ensinou ainda Caio Mário da Silva Pereira(obra citada, pág. 344) que na pesquisa das razões determinantes do negocio jurídico é necessário fazer uma distinção fundamental, que consiste em destacar a causa do ato, dos motivos que levaram o agente a praticá-lo. Tais motivos se apresentam como uma razão ocasional ou acidental do negócio, e nunca faltam como impulso originário, mas não têm nenhuma importância jurídica. Por isso, o jurista deve relegá-los para o plano psicológico, a que seria então afeta a indagação da deliberação consciente.

Disse, ainda, Caio Mário da SIlva Pereira: "E detém-se apenas na investigação da causa propriamente dita, que dve caracterizar na última das razões determinantes do ato". Na venda de um imóvel a causa do negócio jurídico seria a obtenção do dinheiro, e, como esta constitui a prestação do vendedor, pode-se dizer que a causa do negócio juridico praticado por quem realiza uma venda se situa na obrigação da outra parte, e se configura como o motivo próximo, determinante dele, desprezada assim toda a motivação individual ou razão subjetiva.

Assim, na caracterização da causa é preciso expurgá-la do que sejam meros motivos, e isolar o que constitui a razão jurídica do fenômeno, para  abandonar aqueles e atentar nesta. Isso porque na causa há um fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, uma finalidade objetiva e determinante do negócio que o agente busca além da realização do ato em si mesmo. Distingue-se da causa a motivação, pois que esta, mesmo ilícita, não chega a afetar o ato, desde que àquele nao se possa irrogar a mesma falha, como ensinou Dabin(La teoria de la causa, n. 298).

Roberto de Ruggiero, ao tratar a causa dos negócios jurídicos no direito italiano, afirma que: “A generalidade dos escritores costuma tratar do assunto principalmente a propósito da teoria do contrato (arts. 1.108, 1.133 do cc) seguindo assim o sistema do Código francês e do nosso, que do primeiro, também nesse ponto é uma cópia, salvo a adição do art. 1.121 do cc que naquele não se encontra. No Código francês, o conceito de causa foi introduzido com base nas doutrinas de Pothier e de Domat, mas seria errôneo pensar que constitua uma inovação do direito moderno: o conceito de causa deriva das doutrinas romanistas e, posto que modificado à face do conceito próprio do direito romano, é nele que encontra a sua primeira e mais sólida base.”( Instituições de direito civil. Vol. 1 São Paulo: Bookseller, 2005, p. 357).

Em suas lições, Ruggiero ainda disse:

“Ora, dentre toda a série de motivos que estão entre si indissoluvelmente ligados como os elos de uma cadeia, o direito apenas atende ao último, o mais próximo da ação, o que a determina e que, objetiva e, juridicamente justifica a promessa ou o ato, não se importando dos outros mais remotos, que é certo terem atuado a vontade e a levaram a manifestar-se, mas que por si só não bastam para a determinar e para justificar o ato ou a promessa, isto porque tais motivos são por via de regra irrelevantes para o direito, salvo se foram incorporados de pressuposição, de maneira a constituir parte integrante da mesma declaração. Pois bem, o primeiro é a causa, quer dizer: a razão determinante da vontade, e, para os negócios de conteúdo patrimonial, os segundos são os motivos, isto é: as causas impulsivas, individuais e subjetivas. O primeiro é condição essencial da existência do negócio jurídico, sem a qual a vontade não seria, por si só, capaz de produzir o efeito que pretende: os segundos, a razão ocasional e acidental do negócio, a qual posto que nunca falte, como impulso primordial da vontade, não tem para o direito importância alguma. Se a toda essa série se quer dar o nome de motivos, diremos então que o primeiro é o motivo próximo, que é sempre um e não muda visto ser objetivamente determinado e caracterizado pela natureza e finalidade intrínseca do negócios; e os outros os motivos remotos, correspondentes às representações psíquicas íntimas, que podem ser tão variáveis e infinitas como as circunstâncias individuais que levam os homens a criar relações entre eles”(Instituições de direito civil, volume I, quinta edição, traduzido por Ary dos Santos, pág. 247).

Os motivos individuais, assim, não devem se confundir com a causa.

Causa é o fim econômico e social reconhecido e garantido pelo direito; é a própria função do negócio objetivamente considerado, a condição que justifica a aquisição excluindo o fato de ser lesiva do direito alheio e que, de certo modo, representa a vontade da lei face à vontade privada.

Há o entendimento de que a causa é a motivação típica do ato, critério objetivo, caracteriza pelo fim econômico ou social reconhecido e garantido pelo direito, na qual se procura o fim prático a que todo negócio se destina. A causa é o motivo juridicamente relevante, motivo gerador de consequências jurídicas.

Diante do problema relacionado com a indagação causal, a doutrina se divide. Uns estudiosos dão-lhe grande importância sustentando a sua unidade conceitual, embora admitam a varidade de aspectos que pode revestir. Caio Mário da SIlva Pereira(Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 346) bem estudou o problema ao dizer: "Outros, porém, negam-lhe a relevância, e ainda outros vão mais longe, desprezando-a, por entenderem que a distinção causal nada mais é do que uma desnecessária duplicação dos elementos integrantes do negócio jurídico. Nos onerosos, argumentam os não-causalistas, se a causa está na contraprestação dada ou prometida ao agente, ela coincide com o objeto do ato,  sendo mera sutileza argumentar que se não confunde propriamente com a prestação da outra parte, porém, prende-se à bilateralidade da obrigação: nos gratuitos, se se situa na liberalidade ou no benefício proporcionado pelo agente, confunde-se então com a sua intenção, e, em última análise, com a própria vontade, não passando de preciosismo sustentar que a causa donandi difere da vontade geradora do contrato."

Realmente, essa controvérsia não se resolve no estudo dos escritos que ocupam posição contrária, seja no campo causalista, com Domat, Pothier, Aubry et Rau, Cenzi, Cariota-Ferrara, Ruggiero, Bonfante, Messineo, seja com relação aos chamados anticausalistas como Planiiol Laurent, Demongue, Dabin, Carvalho de Mendonça e Clóvis Beviláqua.

Contra o conceito de causa há objeções e críticas conhecidas na doutrina. Há uma série de escritores que contesta a sua existência como elemento separado e distinto e que, referindo-se aos contratos, afirmou ser inútil a adição de um quarto elemento. A objeção seria baseada na aparente falta de unidade conceitual da causa; se ela é nos negócios onerosos a contraprestação prometida ou recebida, pareceria estranho que, para os gratuitos, onde falta uma contraprestação, a ela se deva recorrer para preencher a lacuna da intenção liberal. Entendem que a causa se identificaria com a vontade, não sendo, pois, um elemento distinto, pelo que vários foram levados a eliminar a causa dos chamados negócios gratuitos, admitindo a sua existência apenas para os onerosos.

A causa não se confunde com o objeto ou com o consenso.

A corrente subjetivista, que predominou entre os juristas franceses, sustenta que a causa é a razão determinante, a motivação típica do ato que se pratica, objetivamente relacionada à espécie do negócio jurídico praticado, e que não pode ser tomada como seu motivo. Tal concepção entende que a causa deve ser compreendida como a representação psicológica que fazem as partes concluir o negócio ou fim próximo para referida conclusão. Os fins remotos são simplesmente os motivos ou móveis do ato (móvel subjetivo), irrelevantes para o Direito. O fim próximo (motivo determinante é relevante) é justamente a causa. 

O Código Civil de 2002 não deixou de admiti-la (arts. 166, III e 140). Para alguns autores optou-se pela teoria subjetivista.

Ensinou Darcy Bessone(Do contrato: teoria geral, 1997, pág. 102 e seguintes), citando Domat (Domat, Oeuvres complètes – les lois civiles), que a  causa “... É, pois, o fundamento da obrigação, no sentido de que, sempre que alguém se obriga, o vínculo se funda em algo oriundo do credor da obrigação. Pode não haver uma contrapartida ou contraprestação, mas haverá a entrega de uma coisa ou, quando menos, um mérito do donatário (contratos gratuitos) a fundamentar a vinculação de quem assume a obrigação. As perquirições posteriores não afetaram, no essencial, a teoria de Domat. Mas precisaram de uma distinção rica de consequências: a que discrimina entre a causa da obrigação e os motivos determinantes do vínculo. A doutrina de Domat recebeu, algum tempo depois, poderoso estímulo, partido da autoridade de Pothier “Todo ajuste deve ter uma causa honesta. Nos contratos interessados, a causa da obrigação que contrai uma das partes é que a outra lhe dê ou se obrigue a lhe dar, ou se arrisque àquilo de que se encarrega. Nos contratos benéficos, a liberalidade que uma das partes quer exercer para com a outra é causa suficiente da obrigação que aquele contrai para com este (Cód. Civ. Fr. Art. 1.131). Mas quando a obrigação não tem causa alguma, ou quando a causa pela qual foi construída é falsa, é nula a obrigação, e nulo o contrato “

O Código Civil da França,  em seus artigos 1.108 e 1.131 a 1.133 (do Code Civil), e o italiano, especialmente os artigos 1.325 e 1.343 a 1.345, mencionam a causa como elemento do contrato. Outros como o alemão, o suíço, o português e o brasileiro(Código Civil de 1916), omitem-na, ou, referindo-a, não lhe reconhecem o caráter que lhe atribuem os Códigos da França e da Itália, por exemplo. Listam-se os chamados códigos anticausalistas, como o BGB, o suíço e o austríaco.

Na lição de Vicente Ráo (Ato jurídico, 1979, pág. 100 e seguintes) a corrente objetivista, da qual fazem parte Betti, Cariota-Ferrara e Torquato Castro, por sua vez, sustenta não haver relação de investigação da causa com a motivação subjetiva do ato, desvinculando seu aspecto subjetivo, interior, da noção de causa, concentrando-se essa na conotação social do negócio, de forma que ela se configure pela função prática do negócio jurídico, com suas  matizes sociais reconhecidas pelo direito, que somente vem a tutelar atos que se prestem ao atendimento do interesse coletivo, de toda a sociedade.Os objetivistas sustentam que a investigação da causa nada tem a ver com a motivação subjetiva do ato, mas vai confinar com o fim econômico e social do negócio jurídico.


IV – NEGÓCIOS JURÍDICOS CAUSAIS E ABSTRATOS

Há negócios jurídicos causais ou materiais e abstratos ou formais.

Ainda Roberto de Ruggiero(obra citada, pág. 249) explicou que há negócios nos quais a relação é fixa e incindível, estando os dois elementos conjugados de maneira que a vontade revela sem mais nada a causa. Assim é o caso da compra e venda, da doação.

Há, outros, pelo contrário, em que essa relação falta, de modo que se apresentam como independentes da causa. Não porque ela falte, mas porque o negócio não a exprime nem a traz consubstanciada em si, parece que a vontade é por si só suficiente para produzir o efeito que tem em vista, devendo a causa ir procurar-se fora do negócio, numa outra relação entre as partes e podendo, assim, ser vária e diversa, conforme a sua índole.

Ensinou Roberto de Ruggiero que tais são os negócios abstratos que são ainda chamados de formais, visto neles a vontade se dever manifestar, de forma determinada, e às vezes solene, para poder produzir o efeito jurídico, o que levou a dizer que neles a causa é substituída pela forma, ou que esta se identifica com aquela. No direito romano, tinha-se como exemplos a mancipatio, a in iure cessio, que se consideravam perfeitas logo após se terem pronunciado as palavras da sponsio ou cumpridas as formalidades de venda ou do processo. No nosso direito, registramos: os títulos ao portador, os títulos de crédito que não estão vinculados à causa, daí porque se fala em abstratividade.

Os negócios causais não podem produzir efeito algum quando se prove a falta ou ilegalidade da causa. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A causa no negócio jurídico . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5388, 2 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58532. Acesso em: 17 maio 2024.