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EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais

EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais

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A EC 66/2010 inaugurou uma nova conjuntura de privilégio dos direitos e garantias fundamentais, vez que sobrelevada a privacidade dos consortes que decidem romper um projeto de vida em comum plasmado no casamento.

1. INTRODUÇÃO

A aprovação da “PEC do divórcio”, assim chamado o projeto que deu origem à Emenda Constitucional n. 66/20101, sem sombra de dúvidas, trouxe preciosos novos contornos ao Direito de Família, que passa, a partir de agora, a focalizar com muito mais verdade o ser humano.

Destarte, essa seara jurídica, transpassando o mero discurso fincado na teoria, inaugura um estágio de supremacia e de embate real das implicações oriundas das relações familiares, valorizando, na prática, os sentimentos das pessoas envolvidas nos conflitos cotejados, em detrimento do apego a obsoletos formalismos, exacerbados em sua destituição de sentido.

Assim sendo, enfim, atendeu-se aos reclames de grande parcela da comunidade científica e da sociedade, que há muito não compreendiam a razão de o legislador ordinário conservar procedimento que, traduzindo-se em enormes desgastes e constrangimentos para as partes, era também de inexpressiva relevância em termos de resultados práticos.

Ante a inovação constitucional, o presente trabalho ancora-se na defesa quanto à supressão, do ordenamento jurídico pátrio, do instituto da separação, bem como nos valiosos ganhos advindos.


2. A INSTITUIÇÃO DO CASAMENTO E A DISCIPLINA NORMATIVA QUANTO À SUA DISSOLUÇÃO: ESCORÇO EVOLUTIVO

Assentado historicamente sob dogmas religiosos, o casamento, durante muitos séculos, foi tido como a única forma admissível de constituição da família, razão pela qual era igualmente inconcebível imaginar-se a sua dissolução.

Sendo de grande amplitude a influência exercida pela Igreja Católica em diversos setores da sociedade, a máxima “o que Deus uniu o homem não separa” era defendido com absoluto fervor, de modo que a separação de um casal apenas era tolerada no caso de morte de um dos consortes.

Entre nós, o casamento já esteve arraigado intimamente à disciplina religiosa, sob o império das leis canônicas. Aliás, nada obstante a hodierna explícita natureza civil do casamento, de certa maneira, pode-se dizer que o enlace matrimonial encontra-se interligado, ainda que por via oblíqua, às manifestações religiosas.

Nesse certame, importante consignar que mesmo em Estados laicizados, tal qual o Brasil a partir do advento da República (1891), os avanços na política legislativa em prol da dissolubilidade do matrimônio caminharam a passos lentos.

Com efeito, até a instauração da República, em 1889, a única forma de casamento era o religioso. Sendo assim, de forma completamente discriminatória e desproporcional, os não católicos não tinham acesso ao matrimônio2. O casamento civil só surgiu em 1891, juntamente com o conceito de família, identificado com o casamento indissolúvel.

Inaugurada a era republicana, com a laicização do Estado brasileiro, a influência exclusivamente religiosa cedeu espaço à abordagem tipicamente jurídica, de natureza civil, porém não menos estratificada.

Com a edição do Código Civil de 1916, o casamento foi sacralizado como a única forma de constituição da chamada “família legítima”, que gozava de privilégios distintos. A contrario sensu, fora do casamento a família era reputada “ilegítima”, espúria ou adulterina, e não merecia a proteção do ordenamento jurídico familiarista, projetando efeitos, tão somente, no âmbito das relações obrigacionais3.

À época, a família esboçava feição patriarcal, e as regras legais refletiam essa realidade. Em primeiro lugar, nenhuma outra modalidade de convívio afetivo que não fosse o casamento era aceitável. Por conseguinte, o casamento era indissolúvel. Na verdade, o contorno normativo do casamento naquela Codificação revelava, claramente, a marcante influência religiosa sobre a relação de família, praticamente repetindo a normatividade canônica.

A resistência do Estado em admitir outras espécies de relacionamentos era de tal ordem, que a única possibilidade de romper o casamento era o desquite, o qual, todavia, não dissolvia o vínculo matrimonial e, assim, impedia novo casamento.

Mesmo com a entrada em vigor da Lei do Divórcio, em 1977, a visão matrimonializada da família permaneceu. O desquite transformou-se em separação, passando a existir duas formas de por fim ao casamento: a separação e o divórcio. Na tentativa de conservação da família a todo custo, era exigido o decurso de longos prazos, ou a identificação de um culpado pela separação, o qual não podia intentar a ação para dar cabo ao casamento. Nessa esteira, a perda do direito à percepção de alimentos e a exclusão dos apelidos do marido eram penalidades que atingiam o “culpado” pela separação, assim como aquele que simplesmente tomava a iniciativa da ação de separação, mesmo sem a identificação de responsabilidades4.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, contudo, reproduzindo as ânsias da sociedade em função das vicissitudes constatadas, alargou o conceito de família para além do casamento, quando então passaram a ser reputadas entidades familiares outros tipos de relacionamento. Dessa forma, foi assegurada especial proteção tanto aos vínculos monoparentais – formados por um dos pais com seus filhos – como à união estável – relação de um homem e de uma mulher não sacralizada pelo matrimônio (CF, art. 226, §3º). Sendo assim, deixou de ser o casamento o único marco a identificar a existência de uma família.

Interessante asseverar que o novo contexto constitucional, realmente, trouxe avanços de notável relevo, principalmente por ter mudado consideravelmente a roupagem do instituto casamento. Com efeito, numa análise comparativa, até a superveniência da atual Carta Magna, o casamento sempre havia sido enxergado pela ótica institucionalista, servindo como uma instituição não só jurídica mas também social, através da qual era constituída a família, plena em regulamentações. Nesse diapasão, em contraposição aos cânones humanitários, eram sobrelevadas as formalidades e prescrições legais, em detrimento da proteção e felicidade das pessoas envolvidas. A Constituição da República de 1988, por sua vez, privilegiou valores essenciais à pessoa humana, tais como a dignidade, a solidariedade social, a igualdade substancial e a liberdade.

A vigência do Novo Código Civil, iniciada em 2003, entretanto, não correspondeu às expectativas de coadunação com as aspirações preconizadas pelo constituinte de 88. Nessa linha, sem se atentar à necessária compatibilização com os ditames constitucionais, o legislador ordinário pouco inovou quanto ao amparo das entidades familiares em sua multiplicidade, limitando-se a incorporar a legislação que regulava as uniões estáveis, olvidando das famílias monoparentais.

Assim sendo, na contramão da realidade social, o Código Civil restringiu-se a regulamentar, de forma minuciosa e detalhada, exclusivamente o casamento, como se fosse o destino de todos os cidadãos. Nessa ordem de ideias, como acentuou Marcos Colares, o casamento parece fundar-se em um ideal de estabilidade e institucionalização de papéis fixos5.

A faceta sacralizada do casamento, entretanto, que começou a ser diluída com a dissolução extrajudicial (Lei n.º 11.441/07), agora não mais subsiste, ante a alteração empreendida pela EC 66/2010, que, suprimindo a obsoleta separação, afastou de uma vez por todas a identificação de culpas e o decurso de prazos.


3. A EC 66/2010 E A SUA CONGRUÊNCIA COM O ARCABOUÇO CONSTITUCIONAL

Consoante já aludido, este trabalho tem como viga mestra o notável avanço empreendido pela entrada em vigor da EC 66/2010, a qual conferiu a seguinte alteração ao § 6º do art. 226, da Constituição Federal:

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio6

Desse modo, banido o arcaico instituto da separação, é de se impor o reconhecimento do alinhamento aos ditames da Magna Carta.

3.1 Concretização da dignidade da pessoa humana

De matriz constitucional, o princípio da dignidade humana é categorizado como verdadeiro axioma fundante do Estado Democrático de Direito, do qual irradiam todos os demais corolários esculpidos no ordenamento jurídico pátrio, tais como: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, eticidade, solidariedade, dentre outros.

Sua ingerência pode ser catalogada em todos os ramos do Direito, não sendo diferente, pois, no regramento concernente às relações familiares, conforme se observa na menção expressa verberada no art. 226, § 7º7 e no art. 2278, ambos da Constituição Federal de 1988.

Nada obstante, tendo em vista que o nosso sistema normativo não é direcionado apenas por prescrições escritas, mas sobretudo alinhado às hermenêuticas sistemática e teleológica, o princípio da dignidade da pessoa humana traduz-se em real vetor interpretativo, a ser manejado em múltiplas searas, inclusive no que atine à dissolução da sociedade conjugal.

Com efeito, partindo-se da premissa de que o Estado não apenas deve se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade concernente a cada indivíduo, porém, principalmente, deve promover essa dignidade através de condutas positivas, é de se concluir ser irretorquível o direito de todo cidadão de não suportar maiores óbices à desarticulação de uma união que chega ao fim, que não o próprio desgaste que já é imanente a essa situação.

Nessa esteira, antes mesmo de ser introduzida a brilhante inovação representada pela EC 66/2010, não eram poucos os juristas que já apregoavam, com acerto, a facilitação do divórcio como instrumento direto de concretização da dignidade humana. Isto é, nessa visão, vanguardista – levando-se em conta as disposições legais – e, ao mesmo tempo, contemporânea – haja vista o foco humanista do ordenamento jurídico e as vicissitudes sociais – se se constituiria prerrogativa da pessoa humana constituir núcleo familiar, igualmente, lhe é intangível o direito de não manter a entidade formada, sob pena comprometer-lhe a existência digna.

Na mesma linha, para Pablo Stolze Gagliano9, a Emenda Constitucional 66/2010 não estaria privilegiando o fim do matrimônio, mas a dignidade da pessoa humana, constitucionalmente protegida:

O que estamos a defender é que o ordenamento jurídico, numa perspectiva de promoção da dignidade da pessoa humana, garanta meios diretos, eficazes e não-burocráticos para que, diante da derrocada emocional do matrimônio, os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido, partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida.

Nas palavras de José Moacyr Doretto Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo10, que elogiam a mudança, haveria economia patrimonial e moral:

Além de desburocratizar a desconstituição do enlace matrimonial, a mudança vai gerar grande economia para o brasileiro, que não mais terá que gastar por duas vezes com despesas processuais, cartorárias e honorários de advogado. Ophir Cavalcante, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), destacou essa vantagem dizendo que: "Não há sentido algum que o cidadão tenha que despender custos com a separação judicial e depois gastos adicionais com o divórcio em si. É como se o Estado cartorializasse uma relação que já poderia ter sido encerrada em um primeiro momento". A economia também é moral, pois o divórcio imediato evitará dor e sofrimento para as partes e para os filhos, os maiores prejudicados com a situação.

Destarte, se a desunião é para muitos o caminho em prol da felicidade, e se tal “estado de graça” deve prescindir da demonstração de motivos perante terceiros, nada justificaria a resistência do Estado, ao impor prazos e exigir a identificação de causas para pôr fim ao casamento.

Portanto, ao conduzir o interessado a uma conjectura de bem estar não mais vivenciada na experiência a dois, o divórcio direto instituído pela EC 66/2010 está amparado pelo princípio da dignidade humana.

3.2 Concretização da liberdade

O princípio da liberdade, encartado no art. 5º, II, da Magna Carta11, constitui verdadeira garantia fundamental, cuja supressão é expressamente vedada pelo texto constitucional12.

No âmbito civil, por sua vez, o axioma enfocado é objeto de contemplação em algumas passagens, dentre as quais se inclui: art. 42113, que preconiza a liberdade de contratar.

No contexto das relações familiares, a relevância do princípio da liberdade mostra-se de maneira ainda mais marcante, asseverado, destarte, na liberdade de escolha quanto à constituição ou não de uma entidade familiar, e se tal se dará através do casamento ou da união estável, sendo defesa, pois, a intervenção de pessoa pública ou privada nessa comunhão (art.1.513, CC14); na livre decisão do casal acerca do planejamento familiar (art. 1.565, § 2º, CC15), só intervindo o Estado para propiciar recursos educacionais e informações científicas; na opção pelo regime de bens (art. 1.639, CC16) e na possibilidade de alteração das regras disciplinadoras do regime patrimonial, durante a vigência do casamento (art. 1.639, § 2º17), desde que não se trate de hipótese vedada18; na liberdade de opção entre as vias judicial e extrajudicial para a viabilização do divórcio, uma vez satisfeitos os pressupostos erigidos na Lei n.º 11.441/200719

Nada obstante todos esses exemplos de ingerência do princípio da liberdade, a separação e o divórcio, outrossim, eram categorizados como medidas jurídicas de inspiração garantista, vez que proporcionadoras da própria liberdade de autodeterminação quanto ao direito de não permanecer casado.

Nessa Linha, o ato de casar e o de não se manter casado constituiriam o verso e o reverso da mesma moeda: a liberdade de autodeterminação afetiva. Sob essa perspectiva, Luiz Edson Fachin20 assinala: “Uma história construída a quatro mãos tende ao sentido da permanência. Todavia, a liberdade de casar convive com o espelho invertido da mesma liberdade, a de não permanecer casado”.

Entretanto, malgrado a separação estivesse galgada ao status de instrumento viabilizador da ruptura de um projeto afetivo que não prosperou, em verdade, aquela ferramenta não repercutia com grande ensejo a eficácia dissolutória reclamada. Ocorre que, sendo imanente à separação a imposição de lapso temporal e a indagação sobre outras causas, traduzia-se em perniciosa restrição à obtenção da ruptura da vida conjugal, o que redundava na convolação de estruturas familiares enfermas, casamentos malogrados, convivências conjugais em crise, corrosivas e atentatórias às garantias de cada uma das pessoas envolvidas.

O divórcio, por outro lado, sempre representou, por excelência, a aspiração dos interessados em dar cabo a uma conjectura que, já estando falida de fato, intencionava a sua desintegração por um meio jurídico que não afrontasse a privacidade dos cônjuges, com a discussão sobre a culpa na dissolução do casamento ou exigência de prazos mínimos.

Assim sendo, com a vigência da EC 66/2010, enfim está concretizado o meio mais humanizado e condizente com a liberdade do indivíduo, que não mais encontrará óbices estatais ao término da união conjugal, vez que esse evento, assim como deve ser, estará plasmado unicamente no desaparecimento da confluência de interesses.

Dessa forma, será privilegiada a autodeterminação de cada um para decidir, por si próprio, que a ausência de escopo de comunhão plena de vida é o exclusivo motivo fundante da desunião, razão pela qual essa deve ser facilitada pelo Estado.


4. DUALIDADE DE REGIMES DISSOLUTÓRIOS: SOCIEDADE CONJUGAL VERSUS VÍNCULO MATRIMONIAL-A QUESTÃO DA SEPARAÇÃO

O art. 1.571 do Código Civil elenca as causas terminativas da sociedade conjugal, ao dispor:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

Complementarmente, o § 1º do dispositivo enfocado assim assevera:

§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

Esse acréscimo esposado no § 1º supra reflete o inócuo sistema que elegia duas formas de ruptura do liame marital, ao prescrever a distinção entre término da sociedade conjugal e dissolução do vínculo matrimonial.

Nessa esteira, por sociedade conjugal tinha-se o complexo de direitos e obrigações que formavam a vida em comum dos cônjuges. O casamento, por sua vez, criaria a família legítima ou matrimonial, passando os cônjuges ao estado de casados, como partícipes necessários e exclusivos da sociedade que então se constitui. Dessa forma, o estado de casado seria aquele que gerava direitos e obrigações, de cunho moral, espiritual e econômico, fundados esses preceitos não só nas leis, mas também na moral, na religião e nos bons costumes21.

Destarte, o diploma civil, prescrevendo no § 1º do art. 1.571 que o casamento válido apenas se dissolve por meio da morte ou do divórcio, faz menção ao vínculo matrimonial, ao passo que o caput, conforme já aludido, refere-se à sociedade. Sendo assim, a separação judicial, em que pese colocasse termo à sociedade conjugal, mantinha intacto o vínculo matrimonial, redundando, assim, na vedação de que fossem contraídas novas núpcias.

Nesse certame, durante muito tempo, foi preservada em nosso ordenamento normativo a dualidade de procedimentos com vistas ao encerramento do mesmo matrimônio. Isto é, não sendo a hipótese de morte, anulação ou nulidade, aos consortes era imposta uma desnecessária e desgastante obstaculização. Ocorre que, mesmo estando as partes convencidas da inviabilidade de se manterem unidas, buscando a tutela estatal para se desvencilharem juridicamente uma da outra, aquelas eram obrigadas a enfrentar uma burocracia insuportável, que tinha início a partir da exigência de que, em primeiro lugar, fosse operada a dissolução da sociedade conjugal, através da separação, para que só depois, mediante a apresentação de outro requerimento oficial, o enlace pudesse ser rompido definitivamente, com a dissolução do vínculo matrimonial. Evento esse operado com o divórcio.

Tal se devia à manutenção, em nosso sistema jurídico, de uma etapa intermediária, representada pela separação, cuja finalidade consistia em que, ao obstar a dissolução direta do vínculo conjugal, pudesse ser dada aos consortes a oportunidade de refletirem melhor sobre a decisão de término do casamento.

Desse modo, o referido instituto subsistia ancorado na vaga expectativa de reconciliação dos casais, mas cujas estatísticas de recomposição de pares legalmente separados sempre denotaram números bastante reduzidos, de modo que não se mostrava prático impor primeiramente o pleito da separação22.

Na realidade, antes mesmo da inovação constitucional, a existência da separação no sistema normativo pátrio já era alvo de ferrenhas críticas, ante a sábia compreensão de que aquela figura sobrepujava diretamente o poder de autodeterminação dos cidadãos.

Nesse esteio, assim como o Estado não poderia se opor à escolha dos nubentes de se atarem pelo liame do casamento, igual inteligência deveria ser aplicada quando chegado o momento de constatação quanto ao desaparecimento do espírito afetivo da comunhão plena de vida. Em outras palavras, a liberdade de escolha havia de imperar sempre, devendo ser garantido às pessoas a implementação facilitada tanto do direito de decidir se casar quanto o de não permanecer casado.

Nessa esteira, Maria Berenice Dias23 já considerava totalmente dispensável a separação judicial, por ser essa fruto de um incompreensível conservadorismo já não mais condizente com as substanciais modificações ocorridas no Direito de Família. E, com efeito, nenhuma razão justificaria uma duplicidade de procedimentos a constranger e dificultar a liberdade de ação dos casais, “cujo desejo separatório deve ficar restrito às suas próprias deliberações, e respeito à dignificação das suas relações afetivas”.

Sendo assim, por dissolução da sociedade conjugal era tido o resultado exitoso alcançado em requerimento (judicial ou extrajudicial) de separação. Essa, uma vez obtida, produzia efeitos limitados, na medida em que apenas desobrigava os consortes dos deveres recíprocos conjugais, quais sejam fidelidade e coabitação, além de colocar fim ao regime de bens (art. 1.576,CC24), sem que as partes estivessem libertas da relação jurídica formada pelo casamento, razão pela qual não podiam estabelecer novo matrimônio.

Portanto, os cônjuges separados viam-se imiscuídos em situação extremamente anacrônica e mitigadora de sua liberdade, vez que, se por um lado não mais estavam obrigados a comungarem a lealdade marital, por outro, não podiam casar-se novamente, posto que, destituídos do status de divorciados, mantinham-se vinculados, ainda que a compreensível contragosto.


5. AS MODALIDADES DE SEPARAÇÃO

Não obstante o presente trabalho tenha como pedra de toque o acerto do legislador constituinte em suprimir do cenário normativo a separação, a sua apreciação mostra-se necessária, justamente com o viés de que não restem dúvidas quanto ao despropósito da manutenção, por tantos anos, de instituto tão arcaico e desarrazoado.

De repercussão restrita ao rompimento dos deveres de coabitação e fidelidade e das regras do regime de bens, a separação podia ser categorizada em diferentes grupos, a saber: judicial ou extrajudicial; consensual ou litigiosa.

Dentro da categoria litigiosa, a seu turno, destacam-se as seguintes subespécies: “separação falência”, “separação remédio” e “separação sanção”. Passemos, então, ao cotejo de cada uma dessas classificações.

5.1 As vias administrativa e judicial

Com a entrada em vigor da Lei n. 11.441, de 4 de janeiro de 2007, facultou-se a realização das separações, divórcios e partilhas consensuais por meio de escritura pública lavrada em cartório de notas, afastando, assim, a obrigatoriedade do procedimento judicial.

Para tanto, devem todos os interessados serem capazes e concordes com os termos do ajuste. Com efeito, o art. 3º da referida lei acresceu ao Código de Processo Civil o seguinte dispositivo:

Art. 1.121-A – A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contraentes estiveres assistidos por advogado comum ou advogado de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial

§ 3º A escritura e demais atos notariais serão àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. (grifos acrescidos)

Como se vê, o regramento legal em tela tem por escopo proporcionar a desburocratização, simplificando a vida jurídica dos cidadãos, e, em última análise, minimizar a intervenção daninha do Estado nas relações privadas.

Também discriminando os pressupostos para se recorrer ao mecanismo mais célere, dentre os quais se inclui serem os cônjuges capazes e plenamente concordes, a lei em apreço gerou questionamento quanto à suposta ausência de interesse de agir na hipótese de o casal reportar-se ao procedimento judicial, quando preenchidos os requisitos da formalização em cartório da ruptura. Entretanto, seja em relação à separação, à época em que era admitida, seja com foco no divórcio, não há que se sustentar a aludida carência de ação, uma vez que a opção pela esfera jurisdicional pode ser justificada pelo interesse das partes em que os termos do acordo permaneçam cobertos pelo segredo de justiça25, o que não ocorrerá se o rompimento se realizar por escritura pública.

Ainda a respeito da Lei n.º 11.441/2007, outro ponto que merece referência consiste na revogação tácita da parcela destacada do texto, haja vista a desnecessidade de que qualquer lapso temporal seja esperado para fins de desfazimento do vínculo conjugal, agora viabilizado diretamente pelo divórcio, independentemente de prazo, já que não mais subsiste a famigerada separação.

Por outro lado, a separação judicial era aquela que se aperfeiçoava mediante chancela estatal, como produto de um doloroso embate processual, no qual feridas eram expostas e fortalecidas, ao se reviver as mágoas na busca de causas para o fim.

Desse modo, com edição da lei que autoriza a operação dissolutória em cartório, o processo passou a consistir instrumento subsidiário, manejado quando existente interesse de incapaz ou quando verificado algum ponto de divergência entre os cônjuges, seja em relação à intenção de ruptura, seja no que toca à partilha dos bens comuns e/ou definição de pensão alimentícia.

5.2 As espécies consensual e litigiosa

Também chamada amigável, a separação consensual era o desenlace (parcial) apaziguado, calcado no mútuo consentimento entre os cônjuges.

Em que pese constituir medida promovida por ambos os cônjuges, razão pela qual prescindia de motivação, exigia-se, para sua validade, a chancela estatal, através de homologação judicial (perante o juiz da vara de família) ou de registro público, efetivado pelo tabelião.

Como se percebe, a separação consensual desdobrava-se em duas etapas: primeiramente, dava-se o ajuste de vontades entre os consortes, para o fim de verem desfeita a sociedade conjugal; depois, a ratificação do Estado, por intermédio de decisão judicial homologatória ou registro face ao tabelião, com o viés de se preservar interesses de terceiros e dos próprios cônjuges.

Segundo prescreve o art. 1.574 do Código Civil26, exigia-se o prazo mínimo de 1 (um) ano de casamento para que pudesse ser admitida a separação consensual. Esse “período de carência” constituía requisito de ordem objetiva, comprovável mediante a apresentação de certidão de casamento. Antes desse interregno, somente era possível a dissolução nupcial por meio da separação litigiosa, na qual se enfrentava um processo judicial em que eram trocadas acusações entre os cônjuges, imputando-se culpa por violação aos deveres matrimoniais.

Com efeito, esse lapso de 1 (um) ano era tido como verdadeiro “tempo de prova” que, segundo a doutrina mais tradicional27, baseada em elementos jurídicos de outros tempos nos quais o casamento era a única forma de constituição de família (a chamada família legítima), tinha a finalidade de proporcionar tempo suficiente para uma melhor apreciação da vida comum, coibindo, assim, decisões precipitadas. Tratava-se essa imposição, na verdade, de mais uma intervenção desnecessária do Estado, mitigadora da privacidade dos cidadãos.

Por outro lado, se os separandos já haviam sido casados anteriormente, isto é, se se cuidava de segundas núpcias entre as mesmas pessoas de um casamento antes dissolvido pelo divórcio, era despicienda a espera pelo prazo, de forma que era admitida a separação consensual desde logo, antes mesmo do advento do período de 1 (um) ano, pois a eles não se aplicaria o prazo de espera.

Segundo já assinalado, até a superveniência da Lei n.º 11.441/2007, a separação consensual também se desenvolvia por meio de processo judicial. Desde 2007, contudo, com a introdução no ordenamento jurídico da disciplina normativa enfocada, esvaziou-se a alternativa consensual processual, desde que, frise-se, não houvesse filhos menores ou incapazes.

Litigiosa, a contrario sensu, era a separação que envolvia algum tipo de conflito, cuja dirimição havia de ser providenciada pelo Poder Judiciário, através de um processo, marcadamente traumatizante.

5.2.1 Separação falência

Esboçada no art. 1.572, § 1º do Código Civil28, a separação falência decorria da ruptura da vida conjugal há, pelo menos, um ano, com impossibilidade de reconstituição do estado em comum, independentemente da arguição de motivo. Por conseguinte, nesse modelo separatório não se admitia a discussão da culpa, bastando, assim, a comprovação da cessação da conjugalidade.

Estava-se diante de uma verdadeira perturbação do casamento, culminada pelo rompimento da vida em comum, donde avulta o aspecto objetivo dese tipo de separação. Isso porque era suficiente a prova de ruptura da vida em comum por mais de um ano, para fins de superveniência do decreto separatório, pouco interessando a insuportabilidade, ou não, da convivência.

Face à atual conjectura de crises econômicas, questão de interesse singular consistia na possibilidade de decretação da separação falência se o casal, embora não mais estivesse convivendo faticamente, ainda permanecia sob o mesmo teto. Nesses casos, em que pese a evidente dificuldade probatória, era viável a obtenção da separação, desde que provado o esfacelamento da comunhão plena de vida, pelo prazo exigido por lei.

Nesse diapasão, Caio Mário da Silva Pereira29, assevera:

A ruptura da vida em comum não exige, obrigatoriamente, afastamento físico ou material. Tal seja o ambiente doméstico e os relacionamentos pessoais dos cônjuges, seja lícito configurar a ruptura não obstante permaneçam os cônjuges residindo sob o mesmo teto. Trata-se, portanto, de matéria de prova.

Destarte, o prazo ânuo prescrito em lei devia ser computado de maneira ininterrupta, sem solução de continuidade, o que implicaria interrupção e necessidade de retomada do lapso temporal do seu início30. Todavia, a retomada da vida em comum havia de ser comprovada pelo reatamento da conjugalidade com intenção clara e induvidosa, de modo que meros encontros esporádicos não caracterizavam a vida em comum31.

Nesse esteio, ao prescindir-se da perquirição de culpa, à primeira vista, poder-se-ia dizer ser defensável esse sistema dissolutório. Contudo, a separação falência ainda não representava com absoluta propriedade as expectativas mais condizentes com os valores constitucionais. Isso porque, se por um lado não se perfazia a aferição de causas, por outro, a intervenção do Estado na vida privada verificava-se na exigência de que fosse comprovado tempo mínimo de não coabitação. Desse modo, acabava-se por recair no mesmo reducionismo mitigador da liberdade individual dos consortes.

5.2.2 Separação remédio

Estampada no art. 1.572, § 2º do Código Civil32, a aludida modalidade de separação litigiosa tinha cabimento quando um dos cônjuges estivesse acometido de enfermidade mental, de cura improvável ou impossível, manifestada após o casamento, durante, pelo menos, dois anos, tornando insuportável a vida conjugal.

Infere-se, pois, que a legislação exigia uma causa (a existência de doença mental de cura improvável, notabilizada após as núpcias) e um prazo (dois anos, no mínimo, de manifestação da enfermidade mental).

Como não poderia deixar de ser, o ônus probatório acerca da insanidade mental competia ao cônjuge que acionou o Poder Judiciário, o que deveria se dar mediante a realização de perícia médica, e considerando as condições pessoais do paciente. Em tal hipótese, a perícia médica é obrigatória, consoante se extrai dos arts. 231 e 232 do Código Civil33.

Na demanda, o cônjuge doente é representado em juízo por seus parentes (CC, art. 1.576, parágrafo único34) ou até pelo Ministério Público, se o seu curador for o autor da ação.

Da leitura dos dispositivos concernentes à temática, depreende-se que o legislador ordinário visou desestimular tais pedidos de separação, ante a imposição de sanções a quem assim agisse. Dessa forma, ficava o autor da ação sujeito a perder a meação dos bens remanescentes que o enfermo levou para o casamento35. Cuida-se, aí, de anômala possibilidade de alteração do regime de bens. Dita transferência patrimonial, contudo, apenas ocorreria se o casamento havia sido celebrado pelo regime da comunhão universal de bens, o que diminui sensivelmente o alcance da norma36. Registre-se que a comunicabilidade do patrimônio adquirido, na constância da sociedade conjugal, já constitui, por si só, nuance que decorre dos regimes da comunhão parcial e da comunhão final dos aquestos, inviabilizando, assim, o referido confisco. A separação total de bens, por sua vez, desautoriza a meação de bens adquiridos, não ficando o cônjuge sujeito a sofrer qualquer retaliação de ordem patrimonial.

O tratamento punitivo em tela verberava como uma resposta à aparente crueldade de quem pedia a separação estando o cônjuge acometido de grave e incurável mal. Assim sendo, pune-se quem, imoral e perversamente, quer se livrar do cônjuge doente37.

5.2.3 Separação sanção

Enfim, é chegada a hora de nos debruçarmos sobre a figura que, sem sombra de dúvidas, constituía-se no maior entrave à priorização de valores atinentes ao foro íntimo dos consortes, vez que esses tinham as minúcias de sua vida conjugal desproporcionalmente expostas. Essa exposição, destarte, não raras vezes era marcada pela troca de ofensas e imputação de culpas, até porque tal desgaste, em última análise, consistia exigência da própria norma, para fins de obtenção do decreto dissolutório.

Era este o regramento legal:

Art. 1.572, CC. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

Com efeito, a separação sanção fundava-se na imputação de culpa ao outro cônjuge pelo esfacelamento do projeto matrimonial. Tal culpa revelava-se no ensejo de comportamento que representasse ao mesmo tempo grave violação dos deveres do casamento (art. 1.56638) e impossibilidade de prosseguimento da vida em comum (art. 1.57339). Importante registrar que se tratava da única espécie de dissolução matrimonial que independia de lapso temporal, podendo ser utilizada antes mesmo do decurso do prazo de um ano de casamento.

Manejada a ação pelo cônjuge dito “inocente”, esse intencionava que do consorte considerado “culpado” fossem subtraídos direitos como forma de sancionar sua atitude reputada transgressora. Nesse esteio, as penalidades previstas gravitavam em torno da mudança da natureza dos alimentos (art. 1.704, parágrafo único, CC40) e da perda do direito de uso do sobrenome de casado (art. 1.578, CC41).

Interessante pontuar que não podia haver um reconhecimento judicial de culpa somente para efeitos morais. Assim sendo, a separação sanção havia de estar sempre voltada para a produtividade de um dos (dois) efeitos jurídicos supra, além da possibilidade processual de condenação do cônjuge vencido (“o culpado”) nas despesas processuais – honorários advocatícios e custas processuais42

No que toca às consequências advindas da certificação da culpa pelo fim do casamento, passemos à sua análise. Em primeiro lugar, a possibilidade da perda do sobrenome de casado já era alvo de críticas da abalizada doutrina. Nessa esteira, argumentava-se que, uma vez adquirido o sobrenome pelo matrimônio, operar-se-ia a incorporação do patronímico à personalidade do consorte, passando a contar com a proteção dos direitos da personalidade, expressa nos arts. 16 a 19 do Código Civil43.

Como corolário do reconhecimento da natureza personalíssima do direito ao nome de casado, a culpa pela dissolução do matrimônio havia de desvincular-se da eventual perda ou manutenção do sobrenome adquirido após as núpcias. O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já havia fixado entendimento nesse sentido44.

Em segundo lugar, o outro efeito do reconhecimento de culpa, até então previsto na legislação, era a alteração da natureza dos alimentos a serem prestados ao cônjuge culpado. Partindo-se da premissa de que a obrigação alimentar é de cunho constitucional, assentada na solidariedade social e familiar guiada por sentimentos humanitários (art. 1º, III, c/c art. 3º, ambos da Constituição Federal), incumbe compreender a possibilidade de fixação de alimentos em favor do cônjuge “responsável” pela ruptura do casamento.

Ora, se a prestação alimentícia decorre da necessidade do alimentando, como projeção da afirmação constitucional da solidariedade social, já era de se admitir a desarticulação dessa necessidade à improdutiva discussão da culpa pelo término do sonho da vida em comum. Como percebia Maria Berenice Dias45, impor-se cruel sanção a quem foi reconhecido como “culpado pelo fim do amor” significaria violar a dignidade daquele que não dispunha de condições de subsistência. “Negar alimentos – ou mesmo diminuí-los – ao ex-cônjuge que deles necessita, ainda que culpado pela ruptura, é condená-lo a morrer de fome. A pena é perpétua. Quiçá imponha a realização de trabalhos forçados. A depender das condições do apenado, será cruel. Talvez lhe imponha a pena de banimento, nem que seja para outra vida.” Nessa linha, já havia decidido o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia:

“Sem embargo do novo Código Civil ainda preservar o princípio da culpa como um de seus fundamentos, para o pleito separatório, quando, a exemplo do que já ocorre com o divórcio, poderia ter se limitado à circunstância fática da ruptura da convivência, a orientação jurisprudencial mais atualizada, em face da dificuldade de, na maioria dos casos atribuir a culpa pelo fracasso do matrimônio a qualquer dos cônjuges, tem, mesmo quando fundado o pedido na separação sanção (caput do art. 5º da Lei do Divórcio, atual art. 1.572, CC), pela simples constatação da situação fática que aponta para a inconveniente permanência da sociedade conjugal, o que não afasta o direito a alimentos pelo cônjuge que deles necessitar.”

(TJ/BA, Ac.2ª Câm.Cív., ApCív.25.644-1/2004 – comarca de Senhor do Bonfim, rel. Desa. Maria José Sales Pereira).

Como se vê, a oposição ao modelo separatista fulcrado na verificação de culpa, com a decorrência de efeitos negativos ao ex cônjuge declarado “culpado”, já se faz atuante há algum tempo. Na verdade, como não poderia ser diferente, clamava-se pela concretização dos postulados constitucionais a partir da realidade social emergida, donde despontava a discussão de culpa como insensata e atentatória aos direitos fundamentais da pessoa humana, haja vista a dificuldade de se atribuir a um só consorte a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo, além de indevida a intromissão do Estado na intimidade da vida das pessoas.


6. DIVÓRCIO CONVERSÃO E DIVÓRCIO “DIRETO”

Prescrevendo o Código Civil (art. 1.571, § 1º46) que o casamento válido somente seria desfeito pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, não eram permitidas novas núpcias enquanto não verificados um desses eventos.

Por conseguinte, não sendo caso de viuvez, somente restava aos cônjuges uma única alternativa para se verem inteiramente desapegados da situação matrimonial pretérita, e, portanto, livres para dedicar-se a uma nova vida ao lado de outra pessoa. Trata-se do divórcio, o qual não podia ser efetivado de plano, assentado tão somente na vontade de não continuar casado.

É que o nosso Estatuto Civil (art. 1.571, §2º47), prevendo duas modalidades de divórcio, o divórcio por conversão e o divórcio “direto”, estabeleceu para ambas requisitos autorizadores que extrapolavam a simples convicção pessoal dos cônjuges.

A primeira espécie, conforme o próprio nome já sugere, resultava da transmudação de um estágio anterior, a saber: a separação. Essa convolação, por sua vez, dava-se por meio de um segundo requerimento oficial (judicial ou administrativo), após um ano, contado do trânsito em julgado da separação, da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos ou da lavratura da escritura pública de separação (rito extrajudicial). Com efeito, é esta a dicção do art. 1.580 do Código Civil:

Art. 1.580 – Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

A esse respeito, Carlos Roberto Gonçalves48 adverte que também a separação obtida pela via administrativa, por escritura pública, seria passível de ser convertida em divórcio, perante o cartório, e não apenas a decretada pelo juiz, uma vez igualmente respeitado o prazo de 1 (um) ano de sua formulação.

No que tange ao chamado divórcio “direto”, as aspas aqui utilizadas já antecipam a crítica que se apresenta à denominação empregada pelo legislador ordinário, que preconizou no art. 1.580, § 2º do Código Civil o seguinte teor:

Art. 1.580, § 2º – O divórcio poderá ser requerido por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.(grifos acrescidos)

Como se pode observar, a nomenclatura adotada, definitivamente, não fazia jus à realidade prática, a começar pela exigência desarrazoada do período de 2 (dois) anos de separação de fato. Desse modo, ainda que os consortes estivessem plenamente certos sobre a falência de seu casamento, eram obrigados a esperar tempo tão considerável. Do contrário, haveriam de se submeter a um desgastante processo judicial de separação, e depois deste, a outro procedimento, o divórcio conversão, segundo já explicitado.

Além disso, não bastasse o pressuposto temporal, o preenchimento desse não era garantia de sucesso quanto à desvinculação. Isso porque, conforme expressa letra da lei, o período de separação de fato (dois anos) havia de ser devidamente comprovado, não sendo suficiente, pois, a simples alegação da não convivência prolongada. Estava-se diante, assim, de mais uma intervenção perniciosa do Estado, que, ainda imbuído pela valoração sacramental do casamento, manejava mecanismos para tentar inocuamente manter aquela instituição, ainda que a sacrifício dos particulares.

Nessa mesma ordem de ideias, tampouco era reputado motivo dissolutório somente a pura manifestação de qualquer dos cônjuges no sentido do desaparecimento do afeto, o que, verdadeiramente, representava uma grande impropriedade, vez que o desamor já deveria constituir, por si só, razão mais que apta a promover a desarticulação de um casal.


7. PERSISTÊNCIA DA SEPARAÇÃO – ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

Com a já certificada entrada em vigor da Emenda Constitucional 66/2010, esvaziaram-se as razões que subsidiavam as discussões acerca dos seus méritos e dos benefícios ou desvantagens da facilitação do divórcio. No contexto hodierno, com efeito, a grande problemática que se verifica reside na dúvida no que tange à persistência (ou não) do instituto da separação judicial, haja vista a redação sucinta da inovação constitucional, que não mencionou a separação.

Não obstante a divisão de opiniões, para uma parte da doutrina pátria, a separação judicial teria sido extirpada do nosso ordenamento jurídico, com o que concordamos plenamente. Este é o posicionamento adotado pelo presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Suas palavras foram anotadas por César de Oliveira49: "Esta modalidade não existe mais, é impossível de pedi-la, e aquelas que estão em andamento podem ser convertidas diretamente para o divórcio, independentemente do período."

No mesmo sentido, as lições de Maria Berenice Dias50:

Ao ser dada nova redação ao art. 226, § 6º da Constituição Federal, desaparece a separação e eliminam-se prazos e a perquirição de culpa para dissolver a sociedade conjugal. Qualquer dos cônjuges pode, sem precisar declinar causas ou motivos, e a qualquer tempo, buscar o divórcio. A alteração, quando sancionada, entra imediatamente em vigor, não carecendo de regulamentação. Afinal, o divórcio está regrado no Código Civil, e a Lei do Divórcio manda aplicar ao divórcio consensual o procedimento da separação por mútuo consentimento (art. 40, § 2º). Assim, nada mais é preciso para implementar a nova sistemática.

E Pablo Stoze Gagliano51, que, inclusive, ressalta que as normas referentes à separação judicial não mais seriam recepcionadas pela Magna Carta:

Em síntese, a Emenda aprovada pretende facilitar a implementação do divórcio no Brasil e apresenta dois pontos fundamentais: a)extingue a separação judicial; b)extingue a exigência de prazo de separação de fato para a dissolução do vínculo matrimonial. (...) A extinção da separação judicial é medida das mais salutares.(...) É de clareza meridiana, estimado leitor, que o divórcio é infinitamente mais vantajoso do que a simples medida de separação. Sob o prisma jurídico, com o divórcio, não apenas a sociedade conjugal é desfeita, mas o próprio vínculo matrimonial, permitindo-se novo casamento; sob o viés psicológico, evita-se a duplicidade de processos – e o strepitus fori – porquanto pode o casal partir direta e imediatamente para o divórcio; e, finalmente, até sob a ótica econômica, o fim da separação é salutar, pois, com isso, evitam-se gastos judiciais desnecessários por conta da duplicidade de procedimentos. (...) Nessa linha, a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por consequência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não recepção ou inconstitucionalidade superveniente.

Por derradeiro, o parecer de Denise Damo Comel52:

Será suprimido do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, permanecendo tão somente o divórcio como solução voluntária para o fim do casamento, resolvida, ainda, a dicotomia atualmente existente na dissolução do vínculo conjugal. De conseqüência, serão de se ter por revogados os artigos 1.572 a 1.578, do Código Civil, que tratam das formas de separação judicial e seus efeitos, também o artigo 1.580, que trata da conversão da separação em divórcio e do divórcio direto. A revogação dos artigos 1.572 a 1.578 é evidente, pois desaparecendo a separação judicial, não há mais que se falar nas hipóteses em que tinha cabimento, tampouco nos respectivos efeitos. No que tange ao artigo 1.580, ainda que trate do divórcio, também deve ser tido por revogado, eis que refere especificamente aos prazos para o divórcio direto e indireto (por conversão da separação judicial), estabelecidos na própria norma constitucional objeto da emenda. Suprimida a separação judicial e consolidando-se o divórcio como a única possibilidade de dissolução voluntária do casamento, deixam de existir as figuras do divórcio por conversão e do divórcio direto, não havendo, pois, que se estabelecer regras ou prazos diferenciados para uma ou outra situação.

Por outro lado, há uma parcela de estudiosos que crer que a separação judicial persiste em nosso sistema, sob a justificativa de que o Estado não poderia retirar o direito dos casais de se separarem. É esta a lição de José Moacyr Doretto Nascimento e Gustavo Gonçalves Cardozo53:

É de se indagar se a separação judicial foi, deveras, extirpada do ordenamento jurídico pela superveniência constitucional. A novel norma constitucional preceitua que o casamento será extinto pelo divórcio, silenciando-se quanto à separação; nada diz, nada prescreve. Lança-se, nesse contexto, outra indagação retórica: o casal que passe por crise familiar, querendo buscar um respiradouro, deverá divorciar-se açodadamente ou viver em ligeira ilegalidade, que constrange socialmente muitos, uma vez que presente ainda o dever de fidelidade recíproca? (...) Há que se respeitar a vontade dos indivíduos, ainda incertos quanto ao futuro, mas decididos quanto ao presente. Há que se viabilizar e reconhecer a persistência da separação consensual em nosso sistema. Nem se venha arguir que serão esses casos poucos ou mesmo raros, porque o direito, em sua modernidade, também tutela e promove a felicidade de minorias.

Na mesma perspectiva, a presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), Regina Beatriz Tavares da Silva também afirma que não se pode concluir simplesmente pela extinção da separação judicial. Seus ensinamentos foram transcritos por César de Oliveira, em seu texto "Nova lei do divórcio acaba com a separação judicial"54: "Da forma como foi proposta, sem contemplar algumas modalidades de separação que consideramos importantes, a emenda cria insegurança jurídica. Bastaria ter acrescentado essas situações no texto, e acabaria com problemas de interpretação".

Esse tipo de debate é importante. Todavia, a falta de uma posição definida do legislador quanto à eleição dos parâmetros a serem adotados daqui em diante tem gerado insegurança jurídica, dando margem a que o Poder Judiciário tome decisões nos mais diferentes sentidos, em que pese ser observada a prevalência de pronunciamentos tendentes à abolição dos requisitos da separação. Vejamos:

DIREITO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 66/2010. APLICABILIDADE IMEDIATA. ALIMENTOS. CRITÉRIOS FIXAÇÃO. Com o advento da emenda constitucional n. 66/2010, o sistema dual (separação e divórcio) de rompimento do vínculo legal da sociedade conjugal, de matizes indiscutivelmente religiosas, foi suplantado em nosso ordenamento, cedendo espaço ao sistema único, mais condizente com o Estado laico aqui adotado. Deste modo, data vênia às posições contrárias, a partir da modificação supra foi extirpada de nosso ordenamento a figura da separação, existindo, tão somente, o divórcio, que não mais apresenta como requisito prévio a separação de fato por mais de 2 (dois) anos ou a decretação da separação judicial. Destarte, considerando-se tais assertivas e em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual, deve ser decretado o divórcio, ainda que o pedido inicial da ação seja de separação, posto que as normas constitucionais são autoaplicáveis. O critério jurídico para se fixar o montante que deve ser pago a título de pensão alimentícia é a conjugação proporcional e razoável da possibilidade econômica do requerido e da necessidade do requerente, nos termos do que prescreve o artigo 1.694 do Código Civil de 2002. Neste diapasão, demonstrada a necessidade da requerente e a capacidade dos obrigados, hão de serem fixados os alimentos proporcionalmente.

(TJMG. Processo n.º 1.0515.08.034477-0/001(1). Relator: Des.(a) Mauro Soares de Freitas. Data do Julgamento: 25/08/2011. Data da Publicação: 29/09/2011)

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL - EC 66/2010 - APLICAÇÃO AOS PROCESSOS PENDENTES DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM DIVÓRCIO - PEDIDO QUE PODE SER FEITO TANTO PELO AUTOR QUANTO PELO RECONVINTE. As ações de separação antes existentes podem ser convertidas em divorcio em face da EC 66/2010 a pedido do autor ou da reconvinte, não cabendo à parte contrária obstar a conversão. As ações anteriormente existentes e que já surtiram efeitos, seja em relação aos alimentos, bens ou relações interpessoais, como guarda dos filhos ou separação de corpos, não podem ser extintas simplesmente se o autor ou a reconvinte a isso se nega, para que não se crie insegurança e não haja grave lesão à ordem jurídica. A ré-reconvinte tem os mesmos direitos do autor de se opor à extinção da ação, com base no art. 317 do CPC, bem como á pretensão da conversão em divórcio. O texto novo constitucional, que tem a nítida intenção de agilizar os processos de extinção da sociedade conjugal, não pode retroagir para prejudicar processos antigos e que a duras penas estão chegando ao seu final, nem pode retroagir para extinguir processos que já surtiram efeitos quanto aos direitos/deveres subjetivos das partes, devendo ser dada a oportunidade às partes de converter o processo de separação judicial, consensual ou litigioso, em pedido de divórcio.

(TJMG. Processo n.º.1.0701.06.169093-2/009(1). Relator: Des.(a) Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Data do Julgamento: 16/08/2011. Data da Publicação: 14/10/2011)

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. DISSOLUÇÃO DE CASAMENTO. EC 66, DE 2010. DISPOSIÇÕES ACERCA DA GUARDA, VISITAÇÃO E ALIMENTOS DEVIDOS AOS FILHOS. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL SITUADO NO BRASIL. DECISÃO PROLATADA POR AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. OFENSA À SOBERANIA NACIONAL.

1. A sentença estrangeira encontra-se apta à homologação, quando atendidos os requisitos dos arts. 5º e 6º da Resolução STJ n.º 9/2005: (i) a sua prolação por autoridade competente; (ii) a devida ciência do réu nos autos da decisão homologanda; (iii) o seu trânsito em julgado; (iv) a chancela consular brasileira acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado; (v) a ausência de ofensa à soberania ou à ordem pública.

2. A nova redação dada pela EC 66, de 2010, ao § 6º do art. 226 da CF/88 tornou prescindível a comprovação do preenchimento do requisito temporal outrora previsto para fins de obtenção do divórcio.

3. Afronta a homologabilidade da sentença estrangeira de dissolução de casamento a ofensa à soberania nacional, nos termos do art. 6º da Resolução n.º 9, de 2005, ante a existência de decisão prolatada por autoridade judiciária brasileira a respeito das mesmas questões tratadas na sentença homologanda.

4. A exclusividade de jurisdição relativamente a imóveis situados no Brasil, prevista no art. 89, I, do CPC, afasta a homologação de sentença estrangeira na parte em que incluiu bem dessa natureza como ativo conjugal sujeito à partilha.

5. Pedido de homologação de sentença estrangeira parcialmente deferido, tão somente para os efeitos de dissolução do casamento e da partilha de bens do casal, com exclusão do imóvel situado no Brasil.

(SEC 5.302/EX, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 12/05/2011, DJe 07/06/2011) (grifos acrescidos)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVÓRCIO CONSENSUAL. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010. NOVA REDAÇÃO DADA AO ART. 226, § 6°, DA CF/88 QUE ELIMINA OS REQUISITOS À SUA DECRETAÇÃO ANTERIORMENTE PREVISTOS. COMPOSIÇÃO DA DIVERGÊNCIA. Com o advento da EC n° 66/2010 não mais subsistem os pressupostos da separação de fato por mais de dois anos ou da separação judicial por mais de um ano para a decretação do divórcio, razão pela qual deve o pedido ser processado independentemente de emenda à inicial. Entendimento pacificado no 4º Grupo Cível. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM MONOCRÁTICA.

(Agravo de Instrumento Nº 70046187373, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 17/11/2011)

Como se pode observar, nada obstante haja quem sustente não ter desaparecido o instituto da separação pelo só fato de continuar na lei civil dispositivos regulando-o, defende-se a derrogação desses respectivos preceitos infraconstitucionais.

É que, ao ser excluída a parte final do indigitado dispositivo constitucional que asseverava a dualidade de regimes dissolutórios, desapareceu toda e qualquer restrição para a concessão do divórcio, que agora cabe ser concedido sem prévia separação e sem o implemento de prazos. A partir de agora a única ação dissolutória do casamento é o divórcio, o qual não mais exige a indicação da causa de pedir. Dessa forma, eventuais controvérsias referentes à causa, culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda.


8. CONCLUSÃO

De posse de toda a argumentação aqui dispendida, conclui-se ser digna de aplausos a inovação constitucional que, enfim, concretizou os anseios de grande parcela da comunidade jurídica, a qual, há muito tempo, já propalava a impropriedade de se manter no sistema normativo mecanismo de tão inexpressiva viabilidade, e que obstava sobremaneira o alcance da felicidade por pessoas que simplesmente desejavam se realizar mediante o rompimento de uma projeção que se mostrara sem êxito.

Assim sendo, está-se diante de grandioso avanço que afastou a interferência estatal, a qual, de modo injustificado, impunha o desarrazoado fardo de forçar a que as pessoas permanecessem casadas a contragosto.

Neste momento, não se pode olvidar também das repercussões advindas da supressão da separação, dentre as quais se inclui o alcance de processos separatórios em curso, assim como as situações ulteriores de desunião, a serem enfrentadas quando em pleno vigor a EC 66/2010.

No que atine às ações em andamento, é forçoso aferir-se que todos os processos de separação perderam o objeto por impossibilidade jurídica do pedido (CPC 267, inc. VI), não podendo seguir tramitando demandas que buscam uma resposta não mais contemplada no ordenamento jurídico. Todavia, como a pretensão do autor, ao propor a ação, era pôr um fim ao casamento, e a única forma disponível no sistema legal pretérito era a prévia separação judicial, passando a inexistir tal instituto, em vez de se extinguir a ação, cabe transformá-la em ação de divórcio. Eventualmente, é até cabível continuar sendo objeto de discussão as demandas cumuladas, como alimentos, guarda, partilha de bens, etc, porém o divórcio pode ser decretado de imediato.

Quanto aos pleitos dissolutórios engendrados após a consumação da reforma constitucional, é de bom alvitre registrar a significativa redução do volume de processos no âmbito do Poder Judiciário, vez que não mais serão manejadas duas demandas voltadas ao mesmo escopo. Desse modo, permitir-se-á que os juízes deem mais atenção ao invencível número de demandas que exigem rápidas soluções.

Portanto, vê-se ser de notável relevo a contribuição havida com a modificação operada pela EC 66/2010. Desta feita, constata-se ter se efetivado uma verdadeira mudança de paradigmas pela supressão da separação, mediante a retirada da injustificável interferência do Estado na vida dos cidadãos. Assim sendo, enfim revela-se respeitado o direito de todos de buscar a felicidade, a qual não se encontra necessariamente na mantença do casamento, mas, muitas vezes, no seu fim.


REFERÊNCIAS

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WALD, Arnoldo. Direito de família. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 1988.


Notas

1 A EC 66/2010 instituiu o divórcio direto, mediante a supressão do instituto da separação.

2 WALD, Arnoldo. Direito de família. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 1988, p. 39.

3 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 108.

4 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 146.

5 COLARES, Marcos. A sedução de ser feliz: uma análise sociojurídica dos casamentos e separações. Brasília: Letraviva, 2000, p. 62.

6 Antes do advento da reforma constitucional, o aludido dispositivo era assim redigido: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

7 § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

8 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

9 GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova emenda do divórcio. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/16969/a-nova-emenda-do-divorcio>. Acesso em 22 de novembro de.2011.

10 NASCIMENTO, José Moacyr Doretto e CARDOZO, Gustavo Gonçalves. A emenda do divórcio: singelas reflexões. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/17011/a-emenda-do-divorcio-singelas-reflexoes>. Acesso em 19 de novembro de 2011.

11 Art. 5º, II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

12 Art. 60, § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(…)

IV – os direitos e garantias individuais.

13 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

14 Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

15 Art. 1.565, § 2º. § 2º O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.

16 Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

17 Art. 1.639, § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

18 Malgrado imperar, em tese, a liberdade dos consortes no que concerne à eleição e alteração do regime patrimonial, existem casos nos quais só é permitida a adoção da separação obrigatória de bens, consoante apregoa o art. 1.641 do Código Civil:

Art. 1.641. Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

19 A Lei n. 11.441/2007 exige como requisitos, dentre outros, para a formalização da dissolução matrimonial em cartório a concordância e ambos os cônjuges, bem como a ausência de interesse de incapaz.

20 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 138.

21 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 185.

22 MADALENO, Rolf. Curso de direito de Família. 3. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 166.

23 DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o Novo Código Civil, 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.), 2003, p.78.

24 Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

25 Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

II – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.

26 Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.

27 Nesse certame, Sílvio Rodrigues ensina que o aludido prazo “visa evitar precipitações”. E continua: “É sabido que os primeiros tempos da vida de casado são os mais difíceis, por envolver uma penosa acomodação e um cônjuge ao outro. Por isso, para evitar que os desajustes superáveis sejam causa de uma dissolução, decerto afastável com alguma transigência, o legislador impede a formulação do pedido de separação consensual antes do transcurso desse prazo.”, cf. Direito Civil, cit., p.233.

28 Art. 1.572, § 1º A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

29 PEREIRA, Caio Mário da Silva, cf. Instituições de Direito Civil, cit., p. 253.

30 Partilhando o mesmo entendimento, Yussef Said Cahali acrescenta que o prazo “não pode sofrer solução de continuidade consequente de eventuais reatamentos da vida conjugal; as reconciliações não provocam simplesmente a suspensão do prazo, para ensejar eventual aproveitamento de períodos anteriores de separação de fato; mas o interrompem definitivamente, de modo a restarem inaproveitáveis os anteriores períodos de separação”, cf. Divórcio e separação, cit., p. 428.

31 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias, 2ª edição. Juris Editora. Rio de Janeiro, 2010. p. 383.

32 Art. 1.572, § 2º. O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

33 Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

34 Art. 1.576, § único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.

35 Art. 1.572, § 3º. No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.

36 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 239.

37 PEREIRA, Sérgio Gischkow. Direito de família: aspectos do casamento, sua eficácia, separação, divórcio, parentesco, filiação, união estável, tutela e curatela. Poto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 66

38 Art. 1.566.São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

II - vida em comum, no domicílio conjugal;

III - mútua assistência;

IV - sustento, guarda e educação dos filhos;

V - respeito e consideração mútuos.

39 Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

40 Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

41 Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial.

§ 1º O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.

§ 2º Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.

42 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010, p. 368.

43 Na lição de ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e, se o cônjuge adota o nome patronímico do outro, “o nome adotado com o casamento passa a ser o nome de família e o seu próprio nome, integrando seu direito à personalidade”,cf. Do nome da mulher casada: Direito de Família e Direitos da Personalidade, cit., p. 138.

44 “Acórdão recorrido que conclui acarretar a supressão do nome da ex-mulher prejuízo à sua identificação. Matéria de fato. Incidência da Súmula 7 do STJ. Preservação, ademais, do direito à identidade do ex-cônjuge. Distinção manifesta entre o sobrenome da mãe e o dos filhos havidos da união dissolvida, não importando que hoje já tenham estes atingindo a maioridade.” (STJ, Ac.unân.4ªT., Resp.358.598/PR, rel. Min. Barros Monteiro, j. 17.9.02)

45 DIAS, Maria Berenice, cf. “Da separação”, cit., p.74.

46 Art. 1.571, § 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

47 Art. 1571, § 2º. Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

48 Idem 21, p.210.

49 OLIVEIRA, César de. Nova lei do divórcio acaba com a separação judicial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2010-jul-17/lei-divorcio-acaba-possibilidade-separacao-judicial. Acesso em 22 de novembro de 2011.

50 DIAS, Maria Berenice. Divórcio já!. Conteúdo Jurídico, 10 jul. 2010. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=152_Maria_Dias&ver=674>. Acesso em 19 de novembro de 2011.

51 GAGLIANO, Pablo Stolze. A nova emenda do divórcio. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/16969/a-nova-emenda-do-divorcio>. Acesso em 19 de novembro de 2011.

52 COMEL, Denise Damo. Divórcio imediato e normas remanescentes. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/13194/divorcio-imediato-e-normas-remanescentes>. Acesso em 22 de novembro de 2011.

53 NASCIMENTO, José Moacyr Doretto e CARDOZO, Gustavo Gonçalves. A emenda do divórcio: singelas reflexões. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/17011/a-emenda-do-divorcio-singelas-reflexoes>. Acesso em 19 de novembro de 2011.

54 OLIVEIRA, César de. Nova lei do divórcio acaba com a separação judicial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2010-jul-17/lei-divorcio-acaba-possibilidade-separacao-judicial. Acesso em 22 de novembro de 2011.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, Manuela dos Santos. EC 66/2010: a regulamentação do divórcio e o direito de não permanecer casado como pura manifestação das liberdades constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7252, 10 maio 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48312. Acesso em: 10 maio 2024.