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Ciclo de artigos sobre Direito Registral e Imobiliário - 2.

Classificação dos sistemas registrais

Ciclo de artigos sobre Direito Registral e Imobiliário - 2. Classificação dos sistemas registrais

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Hoje falaremos sobre o sistema Torrens, fazendo ainda uma comparação entre o sistema Brasileiro e o sistema Australiano.

A) Sistema australiano

Criado por Robert Richard Torrens, nome que originou no Brasil o sistema Torrens, esse sistema objetivou uma maior segurança para os imóveis que não tinham títulos emitidos pela Coroa em seu país, e portanto vulneráveis.

O referido sistema tinha como objeto a matriculização destes imóveis, que uma vez registrados, conseguiam a proteção legal do sistema registral local, criando um título absoluto.

Contudo para conseguir o registro, são necessários diversos tipos de documentos tais como plantas, memoriais e laudos que permitam caracterizar o imóvel e a titularidade do requerente, a serem apresentados juntamente com o requerimento.

Após isso, esse universo de documentos é analisado por engenheiros,

juristas, topógrafos e outros profissionais que se fizessem necessários para garantir a legalidade do ato.

Por fim, ocorre uma publicação para que eventuais interessados ou prejudicados possam impugnar tal registro, dentro de um prazo estipulado, findo o prazo, é emitido o título de propriedade.

Frise-se que a cada transmissão da propriedade duas opções são apresentadas; ou se renova o procedimento, cancelando o título anterior e emitindo novo documento, ou então aceita-se a tradição do título através de endosso.

Márcio Guerra Serpa, em seu livro Registro de Imóveis I, faz a seguinte observação:

“Observe-se que o título é emitido em função do que foi apurado no registro e está registrado de modo que o registro neste caso é constitutivo, sendo o título uma mera prova do que está registrado”

Contudo, me atrevo a discordar de tal afirmação, uma vez que se o registro em questão busca apenas demonstrar determinada situação fática, sua natureza é declaratória e não constitutiva, uma vez que trata-se de aquisição de via originária, tal como a usucapião.

b) Sistema brasileiro

Este sistema é híbrido, sendo uma verdadeira união dos sistemas constitutivos e declaratórios.

Como exemplo da presença do sistema declarativo, temos a aquisição pela via originária e a transmissão causa mortis, tendo sido adotado o princípio do saisine.

Ao contrário do sistema alemão cuja inscrição gera presunção absoluta, o sistema brasileiro permite a decretação da invalidade do registro, caso comprovado vício, possuindo portanto uma presunção relativa.

Esta diferença possui relevância para as possibilidades que o lesado poderá tomar, enquanto no sistema alemão, caso comprovado vício, somente lhe restaria o direito pessoal indenizatório, no sistema pátrio é possível o invalidamento do registro e o efetivo retorno aos status quo ante.

Por fim, uma última curiosidade, enquanto o acesso aos registros imobiliários no sistema alemão são restritos, no sistema brasileiro esses dados são públicos, podendo ser acessados por qualquer pessoa e sem a necessidade de fornecer algum motivo relevante.

g1) Sitema Torrens

Baseado no sistema australiano, o Torrens surgiu como uma das primeiras formas de registro de propriedade, vindo a complementar o sistema rudimentar que existia à época, que não permitia as transmissões judiciais e causa mortis, e ainda declarava que a transmissão não se operava em relação a terceiros, e que esta transcrição não induzia à prova de domínio, conforme previsto no artigo 8º da Lei 1.237/1864.

Esse sistema possuía uma grande vantagem que era a possibilidade de realizar endossos no verso do documento, bem como na própria tradição do documento, sem a necessidade de se registrar o negócio previamente.

Frise-se que o registro nesse sistema, garantia ao proprietário o direito inabalável, inclusive, resguardado quanto à possíveis vícios, que eventualmente comprovados, restaria apenas ao proprietário despojado um direito pessoal, visando indenização.

Ressalte-se que caso comprovada fraude ou erro de limites, é admitida a desconstituição do título, conforme previsto no artigo 76 previsto no Decreto n. 451- B, in verbis:

“Art. 75. Nenhuma acção de reivindicação será recebivel contra o proprietario de immovel matriculado.

§ 1º A exhibição judicial do titulo, ou outro acto de registro, constitue obstaculo absoluto a qualquer litigio contra o conteudo de taes documentos e contra a pessoa nelles designada.

§ 2º Todavia, nos casos dos arts. 70 a 73, depois de julgados criminalmente, e no de exhibir o autor titulo anterior, devidamente inscripto no registro, caberá a acção competente para restabelecer o direito violado.

§ 3º Julgada procedente a acção, mandará o juiz annullar os titulos, ou outros actos, indevidamente registrados, e susbtituil-os por novos, averbados na matriz, em nome de quem de direito.

§ 4º O que se achar inscripto na matricula, sendo réo na acção, considerar-se-ha detentor do immovel.

Art. 76. Salvo o disposto no artigo antecedente, o individuo privado de um immovel, ou direito real, por erro ou omissão na matricula, ou fraude de terceiro, póde accionar por indemnização o

que do erro ou fraude se houver aproveitado.”

Sobre o sistema, ensina o mestre Serpa Lopes em sua obra Tratado de Registros:

Finalmente o ponto deveras mais interessante é o valor jurídico desta inscrição. A idéia de todo o sistema Torrens consiste em conferir um direito incontestável a quem se vale do registro e é portador de um certificado. Tem o poder de destruir o titular verdadeiro que se manteve oculto ao público, direito esse que é imolado como direito real e substituído por um simples direito pessoal, consistente numa ação de indenização contra o titular registrado que se aproveitou do erro. No mais, a garantia é imensa. O certificado é um título de propriedade absoluto. Contra o que o possui, a ação de reivindicação não é possível senão no caso de fraude, de erro de limites, ou quando a ação emana de um igual portador de um certificado de título anterior. O certificado, por esse modo, é um título destinado a resistir a toda ação, seja qual for o seu fundamento jurídico.

Faz-se necessário informar que apesar do sistema ter sido utilizado para registro de imóveis urbanos apenas do período de 1890 a 1939, todos os imóveis que foram registrados sob a sua égide, jamais perderão sua inscrição, ou seja, se um imovél que fora registrado nesse sistema sofreu parcelamento, todas as frações também serão registradas no Torrens.

Cumpre ressaltar que o antigo Código Civil de 1916 não revogou o sistema em estudo, apenas tornou-o parte auxiliar ao sistema principal atual, sendo aquele plenamente utilizado para o registro de áreas rurais.

Por fim, em caso de perda ou destruição do título, o artigo 21 do referido Decreto prevê a possibilidade de sua reemissão, desde que cumpridas diversas exigências legais, conforme exposto abaixo:

“Art.21.No caso de destruição, ou perda do titulo, o proprietario, annunciando-a por trinta dias consecutivos no jornaes de maior tiragem, fará, ante o juiz do registro, uma declaração contendo todos os esclarecimentos, que possuir em apoio de sua qualidade e a respeito das hypothecas e demais encargos, que gravarem o immovel.

§ 1º Mandará então o juiz entregar ao proprietario novo titulo com resalva do primeiro, e reproduzir o conteúdo delle no livro da matricula, com especificações das circumstancias em que for entregue.

§ 2º Dessa entrega fará o official menção datada na matriz, declarando as ciscumstancias.

§ 3º O novo titulo terá o mesmo valor do primitivo.”

Assim, fechamos mais um capítulo deste estudo, na próxima parte falaremos sobre Sistema de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

Um abraço e uma excelente semana!


Referências

BALBINO FILHO, Nicolau. Registro de Imóveis: doutrina, Prática e jurisprudência

– 16ª Edição – São Paulo, Saraiva.

FUKASSAWA, Fernando. Regularização Fundiária Urbana, 1º Ed. 2013, São Paulo, Saraiva

LEVY Wilson; Nalini, José Renato. Regularização Fundiária, 2º Edição, 2014, São Paulo, Ed. Forense

SERRA, Marcio Guerra. Registro de Imóveis I: Parte Geral – 1ª Edição – São Paulo, Saraiva, 2013.

SERRA, Marcio Guerra. Registro de Imóveis II: Atos Ordinatórios – 1ª Edição – São Paulo, Saraiva, 2013.

SERRA, Marcio Guerra. Registro de Imóveis III: Procedimentos Especiais – 1ª Edição – São Paulo, Saraiva, 2013.


Autor

  • Roberto Rodrigues

    Advogado Especialista em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUC/RJ. Experiência em operações imobiliárias. Experiência prévia na seara da responsabilidade civil e na análise e revisão de contratos comerciais. Experiência prévia no ramo do Direito do Trabalho com ênfase na responsabilidade por acidentes de trabalho. Sócio do escritório Rodrigues & Singer Advogados Associados

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