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Execução de débitos de pequeno valor

análise pós-Emenda Constitucional nº 37

Execução de débitos de pequeno valor: análise pós-Emenda Constitucional nº 37

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1. Introdução

Tivemos a oportunidade de expressar a nossa opinião sobre a impossibilidade de aplicação imediata do [IRI] §.3º. do Art. 100 da CF, que possibilita a execução de débitos de pequeno valor pela Fazenda Pública, decorrente de decisões judiciais com trânsito em julgado, sem o mecanismo de precatório, ante a inexistência de lei específica regulamentando a matéria, dado a especial natureza da execução contra os entes públicos [1].Porém, tais reflexões realizadas antes da emenda constitucional 37, quealterou o art. 100 da Constituição Federal, acrescentando a este o § 4º. e, ainda, os arts. 86 e 87 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, emenda de 12.06.2002, e publicada no D.O.U. 13.6.2002, dando nova regulamentação à matéria, tornam aquela leitura em muitos pontos inadequada, pois hoje já não é de todo impossível a aplicação do novo modo executivo, porém, têm alguns condicionantes específicos, que aqui procuraremos realizar um inventário, e que vão em acordo em ponto fundamental de nossa reflexão, qual seja, regulamentar o novo processo executivo em observância a especial natureza da Fazenda Pública.


2. Natureza da execução contra a fazenda pública

A "execução" contra a Fazenda Pública não se realiza mediante a atividade substitutiva da vontade do executado, que deveria cumprir voluntariamente a obrigação e não o fez, como ocorre na execução contra os particulares, pois não temos nesta modalidade "executiva" a invasão do patrimônio público, mas pagamento voluntário, dado a especial natureza dos bens públicos.

Tradicionalmente a forma de realização do pagamento dos débitos judiciais, transitados em julgado, apresenta-se especialmente regulado em LEI para que seja possível e compatível contra o erário público. Isto decorre do fato de que é essencial que exista um procedimento fixado de forma clara e insofismável para a normal análise e cumprimento dos créditos definidos em decisão judicial e que realizará o pagamento a coletividade, seja qual for o valor a ser requisitado.

Para a administração é impossível realizar qualquer ato e especialmente realizar um determinado pagamento, mesmo que definido em decisão judicial, sem um procedimento especialmente definido em Lei, dado o normal entrave da sua atividade administrativa, decorrente direto da dicção constitucional, art. 37, Caput, e Art. 5º. II, previsto num dos princípios norteadores da Administração que é o da Legalidade, sob pena do administrador público ser responsabilizado por esta violação.

Antes da Emenda 37, os tribunais que admitiam a possibilidade de imediata aplicação do dispositivo do §3º, do Art. 100 da CF, o faziam mediante a aplicação analógica do art. 128 da Lei 8.213/91, que já apontamos a citada Lei trata inequivocamente de regular a modalidade da forma de aferição e mesmo de execução de débitos previdenciários [2].Assim, refletindo o princípio da legalidade, têm âmbito de aplicação restrito e determinado, e não poderia ser aplicado, sob pena de se contrariar além do princípio da Legalidade, e o art. 126 do CPC.A matéria sequer podia ser regulada mediante Medida Provisória, ainda que presentes os requisitos constitucionais de RELEVÂNCIA e URGÊNCIA, previstos no art. 62 da CF, pois o art. 246 da CF, veda "a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995".

Neste sentido, urgia uma regulamentação legal para afastar esta forma equivocada de interpretação, e foi este problema que a EC 37 veio resolver, apresentando além da definição do que seja débito de pequeno valor, as regras básicas do processo, que vem a ser completada com as regras do CPC, que tratam da execução por quantia certa contra a fazenda pública.


3. Processo do pagamento de débitos de pequeno valor.

3.1. Definição

Os malabarismos de outrora não são mais necessários, dado que a Emenda 37 acrescentou ao ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o art 87, que nos incisos I e II, define o que são débitos de pequeno valor para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, são considerados com tais os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a quarenta salários mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal(atualmente no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) 40 x R$ 200,00), e trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios (atualmente R$ 6.000,00 (seis mil reais) 30 x 200,00)).Verifique-se a redação literal do dispositivo:

Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:

I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;

II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.

(grifos nosso)

Superada a definição do que seja pequeno valor pelo Art. 87, incisos I e II do ADCT, resta apenas analisar a aplicabilidade procedimental da nova modalidade de pagamento de débitos da Fazenda Pública.

3.2. Condicionantes específicas do pagamento

Observar-se pela leitura do caput do Art. 87 do ADCT, como grifamos, que antes da lei definir o que são débitos de pequeno valor para a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios, e que aos débitos da Fazenda Federal, entendemos deve ser a mesma regra do DF, a regra cria condicionante específica da sua aplicação imediata e na forma regulada, que passamos a analisar.

3.2.1- Inexistência de Lei definindo o que seja débito de pequeno valor.

A sua primeira condição para aplicação do Art. 87 do ADCT, é que a sua definição de débito de pequeno valor é válida "até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação" o que significa dizer que nos casos dos entes federados que já possuem lei específica definindo o que é débito de pequeno valor não se aplicam os valores ali consignados, sejam maiores ou menores, ou no caso de virem a definir no âmbito de sua competência, deixa de ser aplicada a regra constitucional.

De fato, esta regra além de observar o princípio federativo, reforça o previsto no § 5º. do Art. 100 da CF, que preceitua que a lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º do Art. 100 da CF, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.

3.2.2. – Observância das regras do § 4º. do Art. 100 da CF.

A regra do Art. 87, determina que para a sua aplicação deve ser "observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal" ou seja, o débito de pequeno valor não pode ter origem em precatório complementar ou suplementar de valor pago, pois referido dispositivo constitucional veda a expedição de precatório nestes casos, o que significa dizer que o débito deve originariamente ser de pequeno valor, não devendo ser sobra de débito anterior.

O § 4º. do Art. 100 da CF, primeira parte, apresenta a mesma inteligência do antigo enunciado 193 do Colendo TST, cancelado pela Resolução TST nº 105/2000 – DJ 18.12.2000, que tinha a seguinte redação: Nos casos de execução de sentença contra pessoa jurídica de direito público, os juros e a correção monetária serão calculados até o pagamento do valor principal da condenação. A compreensão do antigo enunciado tomava como escopo o princípio da legalidade, para a vedação da prática de expedição de novo precatório.Assim, pago o principal, atualizado na data de apresentação do precatório, em 1º. de julho, para sua inclusão no orçamento, para pagamento até o final do exercício seguinte, não poderia o ente público ser obrigado a pagar um valor extra, decorrente não da sua recalcitrância, mas da própria índole do instituto do precatório, pois que tal deságio era decorrente tão somente do próprio mecanismo, fato decorrente da anterior redação do §1º. do art. 100 da CF, antes da EC no. 30.

Hoje a atualização monetária do débito ocorre no momento do pagamento, que deve ser realizado até o final do exercício seguinte ao da inclusão dos precatórios apresentados até o dia 1º. de julho, como preceitua o § 1º. do Art. 100 da CF, com redação dada pela EC 30, assim, o dispositivo, § 4º. do Art. 100, vem colocar-se de acordo com a redação do § 1º. do Art. 100 da CF, e exclui a possibilidade de pagamento de eventuais diferenças decorrentes de precatórios anteriormente pagos e que possam ser enquadrados como de pequeno valor, mediante a expedição de precatório complementar ou suplementar.

Outrossim, aproveitando o ensejo seria de se indagar se no caso de o débito restante a ser pago mediante precatório complementar ou suplementar não se enquadrar como de pequeno valor, se também seria o caso de aplicar a vedação de expedição de precatório suplementar ou complementar para pagamento do débito? Compreendemos que uma vez que a regra constitucional embora faça expressa referência apenas aos débitos judiciais de pequeno valor, ele se coaduna aos motivos que fez o legislador alterar o mecanismo do precatório, ressalvando-se, como visto, o principio da legalidade, assim, entendemos que se aplica a todo e qualquer débito judicial, seja de que valo for. Mantendo-se, assim, a unidade da regra constitucional que regulamenta o pagamento dos débitos judiciais com trânsito em julgado pela Fazenda Pública.

Da leitura do § 4o. do Art. 100, na sua parte final, observa-se, ainda, que o dispositivo veda o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de evitar que seu pagamento se faça parte como de pequeno valor e parte mediante expedição de precatório, ou seja, veda a divisão, para que este se enquadre no limite legal que permite a dispensa de precatório, de débito que deveria ser pago integralmente pelo mecanismo tradicional. Não sendo de pequeno valor o débito deve ser pago na forma tradicional.

A única possibilidade de um débito que originariamente não se enquadraria como de pequeno valor, e, portanto deveria ser pago via o mecanismo o precatório tradicional, está prevista no Parágrafo Único do Art. 87 do ADCT, que permite que se o valor da execução ultrapassar o valor definido pelo legislador como de pequeno valor, faculta-se à parte exeqüente renunciar ao crédito do valor excedente, optando pelo pagamento do saldo sem o precatório. No caso, a parte reduz o seu débito ao patamar legal de débito de pequeno valor, renunciando a qualquer outra diferença, para quitação integral do débito sem o mecanismo do precatório tradicional.

3.2.3. Processo do Precatório Judiciário como procedimento do pagamento.

A mais importante regra do novo sistema previsto no Art. 87, e que consolida um processo executivo em acordo com a natureza dos bens públicos, é a que manda aplicar os valores que define como de pequeno valor aos "débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário".

Ora, mas o que significa o legislador prever que devem os valores que define servir para ativar o mecanismo para pagar débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário que sejam de pequeno valor, se a regra visa justamente regulamentar o que seja débito de pequeno valor para fins de aplicar-se o § 3º. do Art. 100 da CF, e que prevê exatamente a dispensa de precatório para pagamento de tais débitos?

Teríamos duas formas de encarar o problema: 1- Interpretar a regra apenas como um erro de redação, devendo de todo ser desconsiderada as regras que regulam o procedimento do precatório nos tribunais, para a execução de quantia certa contra a Fazenda Pública ou; 2- Interpretar que a regra sinaliza que embora haja a dispensa de proceder-se o pagamento na forma do precatório tradicional, ou seja, mediante a inclusão no orçamento da entidade pública, para ser pago em outro exercício, mantém o mecanismo do processo administrativo de cobrança do débito judicial, em procedimento semelhante ao atual, apenas diferenciando-se que não há necessidade de inclusão no orçamento, mas pagamento direto do débito, ou seja, do valor consignado no precatório judiciário.Somos pela última e vamos explicar porque, e apresentar uma construção do procedimento.

Com efeito, como se verifica do preceito constitucional do art. 100 § 3º. da CF/88, ao prever as espécies de demandas em que deverá haver a dispensa do precatório, não adota automaticamente, o modus executivo previsto para a execução por quantia certa contra devedor solvente, prevista no art. 646 e seg’s do CPC, como alguns juízes vem interpretando, mas, sim mais coerente é de ser aplicada as regras do Art. 730 do CPC, apenas com a exceção de que o precatório judiciário expedido será pago diretamente, sem necessidade de inclusão orçamentária para pagamento em exercício seguinte.

Devemos sempre ter em mente ao operacionalizar o direito uma interpretação integrada e sistematizada, e neste caso é essencial se observar a natureza e princípios que cercam o executado, no caso da Fazenda Publica [3]. De fato, a regra legal, do Art. 87 do ADCT, que prevê o mecanismo do precatório judiciário apresenta-se como instrumento que serve para instrumentalizar o princípio constitucional da harmonia entre os poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal. O procedimento do precatório dá densidade a este princípio, e, assim, vem sistematicamente sendo considerado pelos tribunais pátrios como procedimento meramente administrativo, justamente por que não se tratar de verdadeira invasão no patrimônio público.

Devemos observar, que a referida natureza administrativa reconhecida pela jurisprudência pátria no que concerne aos atos do presidente em precatórios, se liga ao fato justamente de refletir o princípio da harmonia entre os Poderes, que deve e vigora no Estado de Direito.Com efeito, não seria verossímil que se negasse o Estado a cumprir e, portanto ser coagido a pagar um débito por mera relutância ou recalcitrância, e isto permitir uma expropriação dos seus bens, daí se lembrar, como dito ao norte, que na realidade não se trata de verdadeira Execução Contra a Fazenda Pública.

Corolário do respeito à harmonia de poderes, que os Requerimentos de Precatórios são realizados por PRESIDENTE DOS TRIBUNAIS E NÃO PELOS JUIZES TITULARES DE VARAS, demonstrando justamente o reflexo desta harmonia e respeito entre os poderes da República, onde autoridade Administrativa do judiciário é que realiza o requerimento do pagamento do débito do Estado, como se verifica do Regimento Interno do TST [4], justamente seguindo modelo previsto no art. 730 a 731 do CPC, na Seção III do Capítulo IV, que prevê a execução por quantia certa contra a Fazenda Publica.

Assim, na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, na forma do CPC, citar-se-á a devedora para opor embargos em 30 (trinta ) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras, I - o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II - far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito. Se o credor for preterido no seu direito de preferência, o presidente do tribunal, que expediu a ordem, poderá, depois de ouvido o chefe do Ministério Público, ordenar o seqüestro da quantia necessária para satisfazer o débito.Fica evidente, desta forma, que o requerimento para o pagamento de débitos judiciais de "PEQUENO VALOR", dado o princípio de paridade das formas, deve ser realizado de forma assemelhada aos precatórios, e não como vem se pretendendo consolidar, data vênia, através de simples requerimentos dos Titulares de Vara do Trabalho, com o conteúdo dos mandados alertando que no caso de não cumprido ensejar a ordem de seqüestro dos valores em conta única do Estado, e mesmo com ordens de prisão por desobediência.

De fato, os requerimentos para pagamento dos débitos de pequeno valor, decorrentes de decisão judicial com trânsito em julgado, devem ser dirigidos pelo Titular da Vara ao TRT, para que através da Presidência do Egrégio Tribunal, seja realizado o requerimento de pagamento.

Isto é necessário justamente para que possa o Estado, além de ser observado o princípio da harmonia de poderes, poder estabelecer uma ordem de pagamento dos débitos de pequeno valor, bem como para o E. Tribunal poder controlar esta ordem de pagamento, dado o princípio da impessoalidade da administração pública.

Com efeito, como atividade administrativa entre organismos do Estado, deve ser observado o princípio da harmonia de poderes, devendo o Ato de Requerimento ser realizado e dirigido ao Governador do Estado, no caso da Fazenda Estadual, mediante autoridade de Administrativa do Poder Judiciário, não podendo o Chefe do Executivo ser solicitado por órgão do Estado sem o mesmo patamar de natureza do exercício do poder, como cediço dizer são os Juízes Titulares de Vara.

Aplicar-se os princípios que regem o precatório neste tanto, é o meio mais adequado para que o Mandatário do Poder Executivo Estadual, determine o pagamento independentemente de Precatório em rubrica própria específica e em ordem cronológica de recebimento dos requerimentos de pagamento de débitos de pequeno valor, no prazo que o Presidente do Tribunal assinalar ou de 5 dias após o recebimento.

De fato, o procedimento descrito, apresenta-se correto, pois uma vez não embargada execução ou julgado improcedente, esgotados os recursos realizados pelo órgão de defesa judicial do ente público, formar-ser-á o precatório pelo juízo exeqüente, e que será remetido pelo juízo ao Presidente do Tribunal e este requisitará o valor do titular do órgão executivo, para pagar no prazo que assinalar ou em 5 dias, aplicando-se neste caso a regra do Art. 185 do CPC, que preceitua que não havendo preceito legal nem assinação pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte.

Esta razão para vingar de forma adequada o previsto no art. 87 do ADCT, pois violaria o princípio da harmonia e hierarquia entre os poderes, outra forma de execução, com flagrante violação direta e literal do referido dispositivo e do art. 2º. da CF. Destaca-se, ainda, em reforço da argumentação exposta, que o próprio art. 86 do ADCT, caput e incisos I a II, incluído pela Emenda 37, prevê como condição cumulativa para pagamento de débitos judiciais com trânsito em julgado, e que sejam de pequeno valor na forma do art. 100 da CF: 1 - Ter sido objeto de emissão de precatório judiciário; 2- Enquadrar-se como de pequeno valor; 3- Estar o débito total ou parcialmente pendente de pagamento na data de publicação da emenda 37, ou seja, 13.06.2002.

Registre-se, ainda, que o legislador prevê, no Art. 86, § 1º, que os débitos de previstos no caput, ou seja, de pequeno valor ou os respectivos saldos, serão pagos na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios, com precedência sobre os de maior valor. Por fim o § 3º, do Art. 86, prevê que observada a ordem cronológica de sua apresentação, os débitos de natureza alimentícia terão precedência para pagamento sobre todos os demais.


4. Síntese do texto

A leitura aqui realizada vem resolver o problema crucial que é pretender transformar-se a execução de débitos judiciais de pequeno valor contra a fazenda, numa especial modalidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, o que implicaria na possibilidade de se realizar a penhora de bens públicos, especialmente dinheiro da conta única, por ser fácil de localizar, que independente neste caso ser bem fungível, também é um bem público, que o Estado usa para atender às necessidades da coletividade, como todo bem público, e aqui neste caso é irrelevante se o juízo denominar de "apreensão", "bloqueio" etc, pois nada mais seria que uma penhora, como vêm constando nos mandados recebidos pelo ente público.

Como destacamos em texto anterior, antes de tudo, a natureza jurídica da Penhora como ato de constrição sobre o bem e que o prepara para a expropriação pelo Estado-Juiz é incompatível com a natureza dos bens públicos, e mesmo plenamente vigente a regra do § 3ª do Art. 100 da CF, não afasta esta impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos. Pois o ATO DA PENHORA, ou outro assemelhado, não é apenas um procedimento que visa garantir a execução, mas é um ato que o fim precípuo é identificar o bem que será EXPROPRIADO pelo Estado-Juiz, identificado mediante a invasão do patrimônio do executado, de forma a satisfazer os créditos do exeqüente, regra geral mediante a alienação judicial do bem.

Logo, fica evidente, que o ato da penhora ou outro assemelhado, sendo apenas preparatório e em sendo admitido contra a Fazenda Pública, se estará ipso facto permitindo a expropriação e alienação de bens públicos. Decorrentes desta lógica teria um caso em que seria de se questionar se os bens públicos podem ser expropriados e alienados, ainda que pelo Estado-Juiz ?.Somos forçados a concluir que não. Com efeito, mesmo com a EC/30, e como demonstramos da Leitura da EC/37, não existe qualquer norma no ordenamento jurídico-constitucional que tenha revogado o artigo 67 do Código Civil que, após o artigo 66, ter definido os bens públicos, expressa que "Os bens que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar nos casos e forma que a lei prescrever". Por isso que o art. 648, I do CPC, decreta expressamente que são absolutamente impenhoráveis os bens inalienáveis, sendo evidente que os bens públicos dado a sua afetação à satisfação dos interesses da comunidade são inalienáveis pelo administrador que não pode dispor deles, senão na forma prevista em lei, temos que eles são também ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS, INAPREENSÍVEIS ETC, pelo Estado-Juiz, pois isto implicaria um caso em que o poder judiciário poderia realizar a expropriação de bens do poder executivo, e, portanto da coletividade que ele representa.

As regras de direito processual não podem violar ou serem interpretadas de forma a violar as regras muito específicas e particulares do direito administrativo, ou que regem o atuar da administração pública e, portanto, as especiais regras sobre a gerência e natureza jurídica dos bens a que o administrador está obrigado e bem gerir como dever-função na salvaguarda do interesse público, ainda mais que não existe regra constitucional que o ampare, e que pelo contrário, há regra constitucional que justamente apresenta o modo como deve ser realizada a execução, compatível com a natureza dos bens públicos.

Portanto, a penhora de bens públicos ou qualquer outro ato de constrição sobre estes bens é incompatível com as regras do direito administrativo-constitucional, que ditam a sua inalienabilidade, que alcançam o próprio estado-juiz que não pode realizar a expropriação de bens públicos, posto isto viola regras básicas de compatibilidade entre os dois ramos do direito público.

Logo, a nossa interpretação, além de salvaguardar os termos da Emenda 37, afastando a violação direta e literal do § 4º. do Art. 100, e, ainda, dos arts. 86 e 87 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, evita a NULIDADE DA PENHORA, APREENSÃO, BLOQUEIO etc de bens públicos de qualquer natureza, para satisfação de débitos judiciais de qualquer valor, por que incompatível com a natureza dos bens públicos, estabelece uma interpretação que torna íntegra e indene de dúvidas o procedimento legalmente previsto, para a quitação dos débitos judiciais de pequeno valor, expresso no § 3º. do art. 100 da CF, que deve realizar-se por meio de requerimento administrativo, precatório judiciário, uma vez inexistente qualquer forma de impugnação judicial, a ser realizado pelo Presidente do Tribunal, após solicitado pelo juízo exeqüente, e dirigido ao titular do poder executivo, para que assim, realize o pagamento devido.


5. Bibliografia consultada

BARROS, Humberto Gomes de Barros: Execução Contra a Fazenda Pública. In 1º. Congresso Brasileiro de Advocacia Pública. Advocacia e Sociedade. Ano 2. n° II, IBAP. São Paulo : Max Limonad. 1998.

DIAS, Luiz Cláudio Portinho." A Questão da Dispensa do Precatório nas Execuções Contra a Fazenda Pública.". In FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de & NUZZI NETO, José. Temas de Direito Constitucional. Estudos em homenagem ao advogado público André Franco Montoro. Rio de Janeiro: Esplanada.2000.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 4 ed. São Paulo : Malheiros. 1994.

_________Fundamentos do processo civil moderno, Tomo I e II, 4 ed, São Paulo: Malheiros, 1998.

MEIRELLES, Hely Lopes.Direito Administrativo Brasileiro, 19ª Ed.São Paulo: Malheiros, 1994.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de direito administrativo, 10 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

ROCHA, Ibraim.Clamor de um advogado público: execução de débitos de pequeno valor contra a fazenda pública, art. 100, § 3º urgência de uma medida provisória e sua possibilidade art. 246 da CF. In: Síntese Jornal,v.4, n.49, mar., 2001.p. 11 – 14 / In:LTR, v.65, n.7,jul.,2001,p. 801-805;

________Penhora de bens públicos na execução de débitos judiciais de pequeno valor ?, In Síntese Jornal, ano 4, 52, Porto Alegre: Síntese.2001; 4.12 –4.13 ; In.L&C. Revista de direito e administração pública.Ano IV, 37, Brasília: Consulex, Julho 2001;

SANTOS, Moacir Amaral dos.Primeiras linhas de direito processual civil, 3º. vol, São Paulo:Saraiva, 1985.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução, 20 ed, São Paulo: Leud, 2000.


Notas

1. Confira Clamor de um advogado público: execução de débitos de pequeno valor contra a fazenda pública, art. 100, § 3º urgência de uma medida provisória e sua possibilidade art. 246 da CF. In: Síntese Jornal,v.4, n.49, mar., 2001.p. 11 – 14 / In:LTR, v.65, n.7,jul.,2001,p. 801-805; Penhora de bens públicos na execução de débitos judiciais de pequeno valor ?, In Síntese Jornal, ano 4, 52, Porto Alegre: Síntese.2001; 4.12 –4.13 ; In.L&C. Revista de direito e administração pública.Ano IV, 37, Brasília: Consulex, Julho 2001;

2. Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valor de execução não forem superiores a R$ 5.180,25(cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos), por autor poderão, por opção de cada um dos exequentes, ser quitadas no prazo de sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório. (Redação dada pela Lei n° 10.099, de 19.12.00) (grifo nosso)

3. Premissas estas que apresentei no texto Penhora de bens públicos na execução de débitos judiciais de pequeno valor ?, In Síntese Jornal, ano 4, 52, Porto Alegre: Síntese.2001; 4.12 –4.13 ; In.L&C. Revista de direito e administração pública.Ano IV, 37, Brasília:Consulex, Julho 2001; onde aponto a impossibilidade de formas de apreensão direta do patrimônio público, dada a sua inalienabillidade e impenhorabilidade.

4. Regimento Interno do TST: Capítulo III-Da Execução contra a Fazenda Pública-Art. 408 - A execução por quantia certa, fundada em decisão proferida contra a Fazenda Pública, far-se-á mediante precatório de requisição de pagamento das somas devidas em moeda corrente;§ 1º - Em se tratando de condenação da Fazenda Pública -Federal, o precatório será dirigido ao Presidente do TST;§ 2º - Nas condenações da Fazenda Pública Estadual ou do Distrito Federal, o precatório será dirigido ao órgão competente da Pessoa Jurídica de Direito Público condenada, conforme o caso;§ 3º - Recaindo a condenação sobre a Fazenda Pública Municipal, o precatório será dirigido ao Prefeito Municipal;§ 4º - Quando se tratar de condenação de Autarquia ou Fundação instituída pelo Poder Público, o precatório será dirigido à respectiva entidade condenada ou ao órgão competente centralizador das requisições de pagamento; Art. 409 - Nas execuções processadas pelas Juntas de Conciliação e Julgamento ou por Juízo de Direito investido de jurisdição trabalhista, o precatório será encaminhado ao presidente do TRT da jurisdição, que o dirigirá mediante ofício, à autoridade competente ou entidade requisitada;410- No âmbito do Tribunal, o procedimento alusivo ao precatório constará de ato expedido pelo Presidente do Tribunal.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José das Mercês. Execução de débitos de pequeno valor: análise pós-Emenda Constitucional nº 37. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3035. Acesso em: 17 maio 2024.