Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/25259
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A execução de sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer

A execução de sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer

|

Publicado em . Elaborado em .

A sentença estrangeira é um paradigma interessante, tendo em vista as previsões legais e regimentais expressas de que será ela executada pela mesma sistemática adotada para as sentenças nacionais da mesma natureza.

Resumo: Trata, em geral, dos meios de efetivação da sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer. Parte do tratamento genérico dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Analisa as sentenças estrangeiras passíveis de homologação, pelo Superior Tribunal de Justiça. Refere, em termos gerais, as características das sentenças nacionais que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer. Cuida da controvérsia a respeito dos meios hábeis à efetivação das sentenças estrangeiras da mesma natureza. Analisa, perfunctoriamente, a problemática dos meios de defesa do executado, em ações dessa natureza.

Palavras Chave:Execução de Sentença – Sentença Estrangeira – Obrigação de Fazer.

Sumário: 1 Introdução; 2 Títulos Executivos; 3 Sentença Estrangeira; 4 Execução de Sentença que Reconhece Obrigação de Fazer ou Não Fazer; 5 Execução de Sentença Estrangeira e Defesa do Executado; 6 Conclusão; Referências.


1 INTRODUÇÃO.

Os artigos 483 e 484, do Código de Processo Civil, determinam que a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno, terá eficácia no Brasil, e que a sua efetivação deverá obedecer “as regras estabelecidas para a execução de sentença nacional da mesma natureza”.

É de se destacar, todavia, que após o advento da Emenda Constitucional de número 45, em dezembro de 2004, a competência para homologar sentenças estrangeiras foi deslocada para o Superior Tribunal de Justiça, na forma da nova redação do artigo 105, I, i, da Carta Magna.

A referida modificação, todavia, não implica em substancial alteração das disposições dos art. 483 e 484, do Código de Processo Civil, cuja redação não foi alterada.[1]

Ocorre que, com o advento da Lei 11.232, de 2005, que introduziu uma série de importantes inovações no Código de Processo Civil, a execução de sentença deixou de se efetivar por meio de um processo autônomo, para se consubstanciar em uma nova fase de um processo sincrético – que engloba, também, em geral, uma fase de conhecimento.

O art. 475-I, caput, do Código de Processo Civil, com a redação definida pela Lei 11.232/2005, determina que o cumprimento das sentenças que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer deve observar o disposto no art. 461, daquele mesmo diploma legal.

Coloca-se, todavia, o problema de se saber quais os procedimentos a serem observados quando o título executivo judicial em questão for sentença prolatada por órgão jurisdicional de outro país, dado o fato de que o art. 461, do Código de Processo Civil, encontra-se encartado no Livro que trata do Processo de Conhecimento, e que não prevê especificamente, pelo menos de forma expressa, os procedimentos de execução, após a prolação de sentença.

O tema que se propõe é de destacada importância, no cenário contemporâneo, haja vista o relevo que se dá, no cenário das relações internacionais, à efetivação de comandos jurisdicionais legitimamente prolatados.

É de se salientar, desde o início, que o artigo que ora se apresenta não tem pretensões exaustivas, mas, sim, o escopo de incentivar a análise do tema, por parte dos estudiosos das Ciências Jurídicas e, quiçá, também, das Relações Internacionais.


2 TÍTULOS EXECUTIVOS.

É por demais conhecida a regra geral de que não existe execução, sem o respectivo título executivo que lhe seja subjacente.

Aliás, Medina refere que

O título executivo é tradicionalmente definido como a condição necessária e suficiente para a realização do processo de execução, permitindo que se satisfaçam os atos executivos independentemente de averiguação judicial quanto à efetiva existência do direito que lhe é subjacente (2008, p. 43).[2]

Assis esclarece, a seu turno, que o título executivo não é condição da ação ou fato constitutivo, mas “pressuposto do processo válido” (2007, p. 100).

Assim, segundo o autor, “deverá o credor invocar e exibir o título executivo, ou seja, documento incluído no rol exaustivo dos arts. 475-N e 585 do CPC, sob pena de inépcia da inicial” (ASSIS, 2007, p. 100).

Cabe frisar, a partir disto, que há, basicamente, duas espécies distintas de títulos executivos: judiciais e extrajudiciais.

Os títulos executivos judiciais estão previstos no art. 475-N, do Código de Processo Civil, dentre os quais pode se destacar, no inciso sexto, a sentença estrangeira, objeto deste artigo.[3]

Os títulos executivos extrajudiciais encontram-se relacionados no art. 585, do Código de Processo Civil – que traz a disposição expressa, aliás, de que a legislação específica poderá criar outros títulos daquela natureza.[4]

Mencionada esta primeira distinção, é de se esclarecer que ela implica, também, em procedimentos e meios igualmente distintos de execução.

Isto porque há, também, respectivamente, duas grandes sistemáticas de execução: uma para os títulos judiciais e outra para os títulos extrajudiciais.

É de se destacar, por exemplo, que as formas de execução provisória de títulos judiciais (art. 475-O, do Código de Processo Civil) e de títulos extrajudiciais (art. 587, do Código de Processo Civil) são consideravelmente diversas.[5]

Além do mais as formas e prazos recursais e para defesa, e as conseqüências da inércia do devedor, por exemplo, são, também, diferentes, conforme se trate de execução de título judicial ou de título extrajudicial.

Dentro desta primeira subdivisão há, também, outras várias que podem ser mencionadas.

Assim, podem ser destacadas as várias formas específicas de execução (tanto de títulos judiciais, quanto de títulos extrajudiciais; cada uma de acordo com a sua própria sistemática), como, por exemplo, a execução para pagamento de quantia, a execução para entrega de coisa e a execução da obrigação de fazer e de não fazer; dependendo, por óbvio, do próprio teor do título que lhes dá fundamento.

Aos fins a que se destina este trabalho, interessam, mormente, os títulos executivos judiciais que prevejam obrigação de fazer ou de não fazer, especialmente as sentenças estrangeiras que reconheçam a existência de tal obrigação, e que sejam passíveis de homologação e posterior execução, junto ao Poder Judiciário brasileiro.


3 SENTENÇA ESTRANGEIRA.

A sentença estrangeira,[6] como visto, figura, em termos expressos, no rol de títulos executivos judiciais, do art. 475-N, do Código de Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei 11.232/2005.

É de se mencionar, a título de esclarecimento histórico, que, mesmo antes de dezembro de 2004, era, já, também, admitida a execução de sentenças estrangeiras, no Brasil, desde que devidamente homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, observados os requisitos pertinentes aplicáveis à matéria.

Com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, exatamente em dezembro daquele ano, passou a competência para homologação de sentenças estrangeiras a ser do Superior Tribunal de Justiça, por determinação da nova redação do art. 105, I, i, da Constituição Federal.

Destaque-se, desde logo, que, via de regra, a sentença estrangeira só é considerada título executivo quando devidamente homologada, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Cabe, aqui, a menção à regra excepcional contida no art. 20, do “Protocolo de Las Leñas”,[7] que confere eficácia extraterritorial às sentenças judiciais e às sentenças arbitrais proferidas nos Estados integrantes do Mercosul, em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, assim como em matéria de reparação de danos e restituição de bens pronunciados na esfera penal.

Segundo observa, Magalhães, a este respeito,

Ao dotar as sentenças judiciais e laudos arbitrais emanados dos países do Mercosul de eficácia extraterritorial, o Protocolo atribui-lhes efeitos plenos nos territórios dos Estados-Partes, independentemente de homologação pelo Judiciário do país onde deve ser executada (1999, p. 286).

Assim é que a sentença – judicial ou arbitral – prolatada em Estado Parte do Mercosul será executada, no Brasil, por carta rogatória, cujo processamento depende apenas de exequatur, e não de homologação, por conta do disposto no art. 105, I, i e no art. 109, X, ambos da Constituição Federal.[8]

Na inexistência de tratado específico de cooperação, a execução de sentenças provenientes de outros países depende de prévia homologação.[9]

Vale salientar, assim, que os requisitos específicos e os procedimentos para homologação de sentença estrangeira – mesmo diversos anos após o advento da Emenda Constitucional 45/2004 – continuam constando do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e não do Superior Tribunal de Justiça – que, todavia, editou a Resolução 09/2005, que dispõe, “em caráter transitório”, inclusive sobre a homologação de sentença estrangeira, basicamente nos mesmos termos que já constavam do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Feitas estas observações preliminares, cabe esclarecer que, conforme destacado por Leite, não cabe à corte brasileira “julgar novamente a demanda já decidida e julgada no exterior, mas somente apreciar os requisitos necessários para que se homologue a sentença alienígena” (2005).

Isto porque, aliás, segundo a referida autora, “a homologação da sentença estrangeira é instrumento destinado a reconhecer a sentença proveniente de Estado estrangeiro, permitindo a esta, a eficácia em solo brasileiro” (LEITE, 2005).

Não cabe, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça, realizar um exame sobre o mérito, propriamente dito, da demanda, para pronunciar uma nova decisão em substituição daquela outra estrangeira já existente.

Presentes os requisitos, é a própria sentença estrangeira que é homologada, para que produza os seus efeitos, em território nacional.

Ausentes tais requisitos, nega o Superior Tribunal de Justiça a homologação, independentemente do mérito da sentença estrangeira, até, pelo menos, que, verbi gratia, sejam regularmente eles preenchidos.[10]

Os requisitos para a homologação da sentença estrangeira constam, ainda, como já mencionado, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, entre os art. 215 e 224, no Título que trata dos “processos oriundos de Estados estrangeiros”, e da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça.[11]

A primeira observação do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, já no art. 215 – e, ademais, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça, no art. 4° –, é de que a sentença estrangeira não terá, absolutamente, eficácia, a menos que devidamente homologada, pela Corte Competente.[12]

No art. 216, o Regimento Interno determina que não será objeto de homologação sentença estrangeira que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes – o que está previsto no art. 6°, da Resolução 09/2005.[13]

Em seguida, no art. 217, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal trata dos chamados “requisitos indispensáveis” à homologação da sentença estrangeira, que são: a) haver sido ela proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) estar transitada em julgado[14] e revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida; e d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial – o que se encontra espelhado no art. 5°, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça.[15]

O art. 220, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e o art. 8°, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça, determinam que deverá ser o requerido citado para, querendo, contestar[16] o pedido de homologação da sentença estrangeira, no prazo de quinze dias.

Se, por um lado, a determinação do caput dos art. 220 e 8°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e da Resolução 09/2005 do Superior Tribunal de Justiça, dão vigência ao princípio constitucional e garantia fundamental do contraditório, os seus parágrafos, a seu turno, fazem valer o princípio da instrumentalidade do processo.

Isto porque o art. 220, § 2°, daquele Regimento Interno, prevê a possibilidade de se realizar a citação por edital, quando devidamente constatado que o requerido se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível – o que, todavia, não se encontra previsto na Resolução 09/2005.[17]

Mencione-se, ainda, que tanto os art. 483 e 484, do Código de Processo Civil, quanto o art. 224, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, determinam que a sentença estrangeira, regularmente homologada, pela Corte Superior competente, deverá ser executada segundo a sistemática estabelecida para os julgados nacionais de mesma natureza.[18]


4 EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE RECONHECE OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER.

Conforme mencionado no capítulo anterior, a execução da sentença estrangeira deve se dar, em território nacional, conforme a sistemática estabelecida para as decisões nacionais da mesma espécie, por determinação expressa dos dispositivos legais e regimentais já referidos.

Assim, é útil – antes de adentrar à problemática específica pertinente à execução da sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou não fazer – que se trate, ainda que em termos bastante gerais, dos principais pontos atinentes à execução de sentenças nacionais.[19]

O cumprimento de sentenças nacionais é, hodiernamente, regulado pelo art. 475-I e seguintes, do Código de Processo Civil.

O próprio dispositivo legal mencionado, todavia, determina que os artigos do capítulo no qual se encontra inserido aplicam-se às obrigações por quantia certa.

No que se refere às obrigações de fazer e de não fazer, o art. 475-I, caput, determina que a execução de sentença se faça conforme o art. 461, do Código de Processo Civil.[20]

Ocorre, todavia, que o art. 461 está inserido, no Código de Processo Civil, no capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, mais precisamente na primeira seção, que dispõe sobre os requisitos e os efeitos da sentença.

Vê-se, assim, que, salvo melhor juízo, foi o art. 461 inserido no ordenamento jurídico nacional com a função não propriamente de regular a fase de cumprimento de sentença, mas mais exatamente de cuidar de uma fase anterior, qual seja, a da própria técnica sentencial.

De qualquer forma – e, inclusive, por determinação do próprio ordenamento jurídico, mais especificamente no art. 475-I, caput –, o art. 461 tem abalizado as construções doutrinárias e jurisprudenciais no concernente à execução das obrigações de fazer e de não fazer, em geral.

É assim que Bueno afirma que “[...] o art. 461 descreve, a um só tempo, atividades jurisdicionais voltadas à constituição de um título executivo judicial mas também atividades jurisdicionais voltadas à realização concreta do direito nele, título executivo, reconhecido suficientemente” (2008, p. 412).[21]

Cabe, aqui, fazer uma observação de alguma importância teórica e, parece, também, prática.

Pode-se dizer que há, efetivamente, alguma distinção notável no que se refere à efetivação da antecipação dos efeitos da tutela, com base no art. 461, § 3°, do Código de Processo Civil, e a execução definitiva de título judicial conforme o art. 461, do mesmo diploma legal.[22]

De toda sorte, parece cabível afirmar que uma eventual decisão estrangeira, que antecipe os efeitos da tutela, determinando uma obrigação de fazer ou de não fazer, não poderá dar início, no Brasil, a um incidente de genuína execução, mesmo que provisória.[23]

Dito isto, cumpre referir, ainda que de maneira bastante genérica, as características da tutela jurisdicional prestada pelo Poder Judiciário com apoio no art. 461, do Código de Processo Civil.

As tutelas do art. 461 são comumente denominadas de tutelas específicas, em sentido lato.[24]

Essa denominação revela muito da importância que se tem dado, contemporaneamente, a tais tutelas, em contraposição ao que se chama de tutelas genéricas, isto é, das tutelas de pagar quantia.

Tanto é assim que, segundo o regime do art. 461 – mais especificamente por determinação do § 1° – “a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente”.

Há, portanto, uma clara preferência do ordenamento jurídico em vigor pela efetivação da tutela específica, em sentido lato, em detrimento da conversão em perdas e danos – que predominava no sistema anteriormente, inclusive no que diz respeito aos art. 632 a 643, do Código de Processo Civil.

Para que a preferência sistemática pela tutela específica, em sentido lato, tivesse reflexos práticos, foi dada ao juiz a possibilidade de adoção de uma série de medidas coercitivas e subrogatórias.[25]

Tal fato encontra-se estampado na redação do § 5°, do art. 461, do Código de Processo Civil, que menciona “a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, tudo isto inclusive de ofício.

Detalhe importante, ainda, está no fato de o próprio dispositivo legal referido dar conta de que as medidas nele previstas, expressamente, são meramente exemplificativas; podendo, portanto, o juiz adotar outras que se mostrem necessárias e razoáveis, para cada caso concreto, mediante um exercício de proporcionalidade.[26]

É de se repisar, contudo, que o art. 461 está inserido, no bojo do Código de Processo Civil, em seção que trata dos requisitos e dos efeitos da sentença.

Assim, trata o art. 461, basicamente, de processo de conhecimento, com todas as suas fases características, até a prolação da sentença, propriamente dita.

Este panorama contempla, claramente, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela,[27] – desde que preenchidos os requisitos “relevante fundamento da demanda” e de “justificado receio de ineficácia do provimento final” –  inclusive por disposição expressa do art. 461, § 3°, do Código de Processo Civil.[28]

De toda sorte, neste quadro, proposta a demanda e regularmente citado o réu, o meio de defesa deste último, por excelência, é a interposição de contestação.[29]

É por meio da contestação, portanto, que o réu deverá se opor a eventuais fatos impeditivos, modificativos e extintivos dos supostos direitos do autor, também no que se refere às tutelas jurisdicionais a serem prestadas com fundamento no art. 461, do Código de Processo Civil.

É claro, portanto, que o réu, uma vez condenado, por sentença transitada em julgado, não poderá, posteriormente, alegar as matérias que seriam, em tese, objeto de contestação, inclusive por conta do óbice dos art. 473 e 474, do Código de Processo Civil, que vedam a discussão a respeito de questões já decididas, prejudicadas pela preclusão, e que reputam como deduzidas todas as alegações que as partes poderiam opor em relação ao pedido.

Com base neste panorama, a doutrina se posiciona no sentido de que seriam incabíveis, por exemplo, nas ações que pleiteiam tutelas jurisdicionais com fundamento no art. 461-A, a oposição de “embargos de retenção por benfeitorias”, que seriam espécie do gênero “embargos à execução”, inexistentes, no caso; devendo, portanto, mesmo a pretensão de retenção por benfeitorias constar, desde logo, da própria contestação, sob pena de preclusão (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 568 e 569).[30]

Isto não quer dizer, todavia, por óbvio, que fatos supervenientes não podem ser argüidos pelo réu, de outras formas, que não especificamente a própria contestação.

Tanto é verdade, que o art. 462, do Código de Processo Civil, determina, em termos expressos, que, “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”.

É claro, contudo, que nem todos os fatos supervenientes modificativos, impeditivos e extintivos de direitos surgirão antes da sentença.

Assim é que, por força, mesmo, das garantias constitucionais fundamentais da ampla defesa e do contraditório – alçadas, aliás, à categoria de cláusulas pétreas – deve o réu ter oportunidade de se defender, inclusive na fase de cumprimento de sentença.

A questão, todavia, é que o art. 475-I, do Código de Processo Civil, determina que o cumprimento das sentenças que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer deve se dar conforme o art. 461; e, em uma leitura apressada, reserva as disposições do capítulo no qual está inserido, exclusivamente, à execução de sentenças condenatórias de pagamento de quantia.

Ocorre que o art. 461 – inserido, como visto, em seção que trata da sentença e de seus efeitos, e não propriamente de sua execução, conforme já esclarecido – não faz menção às formas de defesa do executado, na fase de cumprimento de sentença.

Uma leitura simplista dos arts. 461 e 475-I, caput, do Código de Processo Civil, pode levar à conclusão de que a questão da defesa do executado, na fase de cumprimento de sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer é uma verdadeira aporia.

É precisamente por conta deste problema que surgem os posicionamentos doutrinários como o de Castagna, que afirma que a execução desta espécie de sentença deve se dar pelo regime dos art. 632 a 643, do Código de Processo Civil (2008, p. 269), que, todavia, disciplinam a execução de títulos extrajudiciais.

É bem verdade que tal tese parece encontrar apoio, inclusive, no disposto no art. 475-R, do Código de Processo Civil, que determina a aplicação subsidiária, ao cumprimento de sentença, no que couber, das normas que regem o processo de execução de títulos extrajudiciais.

Ocorre, todavia, que esta teoria diminui a importância da sentença frente à decisão que antecipa os efeitos da tutela, nos processos em que se pleiteia a tutela específica.

Isto porque submete a execução da sentença a um regime reconhecidamente menos efetivo do que aquele que se sugere para efetivação da tutela antecipada, o que constitui, salvo melhor juízo, uma grande inversão de valores.

Parece, portanto, que a interpretação sistematicamente mais correta – e que respeita, claramente, não só o disposto no art. 475-I, caput, do Código de Processo Civil, mas também a proeminência da sentença sobre a decisão que antecipa os efeitos da tutela – é aquela segundo a qual deve a sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer ser cumprida conforme o art. 461, do Código de Processo Civil.

Persistiria, todavia, em tese, o problema da defesa do executado, na fase de cumprimento desta espécie de sentença.

Ocorre, todavia, que uma interpretação sistemática do regime de execução vigente permite afirmar que é dado ao executado opor impugnação ao cumprimento de sentença, com fundamento no art. 475-L, do Código de Processo Civil, naquilo em que não houver incompatibilidade.

A este respeito, elucidativas as observações de Marinoni e Arenhart, que asseveram, ao tratar da sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer, que

[...] as defesas substantivas supervenientes à sentença executável devem ser apresentadas ao juiz de primeiro grau de jurisdição e não diretamente ao tribunal. Por tal razão, não há como se eliminar a possibilidade de o réu apresentar defesa, ao juiz de primeiro grau, na fase de execução (2008, p. 185).

Assim, afirmam os autores que

Na verdade, diante da ausência de procedimento definido pelo legislador, a defesa do réu, no caso de sentença que reconhece obrigação de não fazer ou de fazer, deve observar, no que for aplicável, as normas que tratam da impugnação à execução da sentença que reconhece obrigação de pagar quantia (MARINONI e ARENHART, 2008, p. 186).

No mesmo sentido, ao tratar da defesa do executado, no âmbito do art. 461, pontua Bueno que “o executado deve defender-se dos atos executivos que sofre valendo-se do disposto nos arts. 475-L e 475-M, que tratam da ‘impugnação’” (2008, p. 430), e observa:

É certo que aqueles dispositivos, pela sua redação e localização, parecem supor uma “execução por quantia” nos moldes do art. 475-J. Contudo, como conseqüência necessária da incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa à hipótese, não há como recusar a aplicação daqueles dispositivos como forma de o executado exercer escorreitamente sua defesa, nem que sejam como referenciais necessários (2008, p. 430).[31]

Em apertada síntese, é de se destacar que, por determinação expressa do próprio art. 475-I, do Código de Processo Civil – e, também, por interpretação sistemática da ordem jurídica em vigor – devem, em geral, as sentenças que reconhecem a existência de obrigação de fazer ou de não fazer ser executadas conforme o art. 461, do Código de Processo Civil – o que inclui, é claro, a possibilidade de utilização de todas medidas pertinentes, de acordo com a necessidade e a razoabilidade, em cada caso concreto.

Como o ordenamento jurídico não prevê, expressamente, as formas de defesa do executado, na fase de cumprimento desta espécie de sentenças, é de se concluir que – inclusive por força das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório –, devem ser aplicadas, no que couber, as disposições dos art. 475-L e 475-M, do Código de Processo Civil, o que, aliás, não deverá prejudicar a aplicação dos art. 473 e 474, do mesmo diploma legal.


5 EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA E DEFESA DO EXECUTADO.

A grande controvérsia a respeito dos meios de execução que deveriam ser utilizados, junto ao Poder Judiciário brasileiro, para o cumprimento de sentenças estrangeiras que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer[32] está, na realidade, como sugerido no capítulo anterior, muito mais ligada aos meios de defesa do executado do que à iniciativa executiva propriamente dita.

Isto porque existem garantias constitucionais fundamentais – alçadas, aliás, à classe de cláusulas pétreas – de que serão observados, nos processos judiciais, em geral, o contraditório e a ampla defesa.

Não se poderia admitir, portanto, que fosse executada uma sentença estrangeira, sem se garantir ao executado a possibilidade – dentro dos limites aplicáveis à espécie, obviamente – de se defender.

Neste panorama, parte da doutrina desposa a tese de que, desta forma, a sentença estrangeira devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça deve servir como mera prova documental, em um processo de conhecimento, pela sistemática do art. 461, do Código de Processo Civil.

Esta tese, que respeita os direitos constitucionais de ampla defesa e ao contraditório, do réu, nega vigência às determinações do Código de Processo Civil, tendo em vista que submete a sentença estrangeira a sistemática, em última análise, completamente diversa da sentença nacional.

Outra parte da doutrina entende, ainda, que a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça deve ser executada de acordo com o procedimento dos art. 632 a 643, do Código de Processo Civil, isto é, na prática, como se título extrajudicial fosse.

Tal tese, que pretende submeter a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça a um processo de execução, propriamente dito, nega vigência ao disposto, em termos expressos, no art. 475-N, VI, do Código de Processo Civil, que determina que tal documento constitui título executivo judicial, e também nos art. 483 e 484, que determinam que deve ser ela executada conforme a sistemática adotada para sentenças nacionais da mesma espécie.[33]

Seria possível afirmar que tal controvérsia repousa sobre equívocos de interpretação a respeito dos procedimentos que devem ser seguidos na própria execução das sentenças nacionais que reconheçam obrigação de fazer ou de não fazer, e dos respectivos meios de defesa do executado, nesta espécie de execução.

Vale lembrar, a este respeito, a solução proposta por Marinoni e Arenhart (2008, p. 185 e 186) – já referida, mais especificamente, no capítulo anterior – no sentido de que deve, realmente, a sentença que reconhece a obrigação de fazer ou de não fazer ser executada segundo a sistemática do art. 461, do Código de Processo Civil, oportunizando-se ao executado oferecer impugnação, com fundamento nos art. 475-L e 475-M, no que couber.

Tal sistemática parece, também, perfeitamente aplicável às sentenças estrangeiras da mesma natureza,homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça – conforme determinam, aliás, em termos expressos, os arts. 483 e 484, do Código de Processo Civil.

Assim é que Marinoni e Arenhart esclarecem, especificamente a respeito das sentenças estrangeiras, que

Porque o título se sujeita a prévio exame do Superior Tribunal de Justiça, não poderá o executado se defender alegando defeitos no título ou nos procedimentos de sua formação (no estrangeiro) e de homologação (perante o Superior Tribunal de Justiça). Não tem cabimento, portanto, a alegação de falta e nulidade de citação no processo de conhecimento – já que isto teria sido argumento a ser utilizado para negar homologação à sentença estrangeira (art. 5°, II, da Resolução 9/2005 do STJ), estando a questão preclusa – ou inexigibilidade do título – que também é matéria que apenas o Superior Tribunal de Justiça poderia apreciar. Enfim, é fundamental que o juízo da execução note a necessária cisão existente na apreciação de eventuais defeitos na execução, ao valor da dívida (apenas se por ele o título foi liquidado) e à responsabilidade patrimonial. Os demais temas já foram apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Poder Judiciário estrangeiro, de onde é oriundo o título (2008, p. 418).

Na mesma esteira, Bueno assevera que

[...] é irrecusável o entendimento de que as técnicas executivas extraídas do art. 461 devem ser empregadas para a concretização de quaisquer outros direitos, mesmo que retratados em títulos executivos judiciais constituídos fora do ambiente do art. 461 [...] (2008, p. 413).

Conforme se depreende do exposto até este ponto, submeter a sentença estrangeira, devidamente homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, ao regime aplicável aos títulos executivos extrajudiciais é negar a sua própria natureza de título executivo judicial.

Por outro lado, pretender que ela funcione como mera prova documental, em processo de conhecimento, a ser futuramente sentenciado nos termos do art. 461, do Código de Processo Civil, é negar a sua própria qualidade de título executivo, de qualquer natureza.

Para funcionar como mera prova documental, aliás, salvo melhor juízo, a sentença estrangeira sequer precisaria ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Desta forma, o único meio de garantir vigência às determinações legais e regimentais pertinentes, é a de se admitir que a execução da sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer se dê segundo a sistemática do art. 461, do Código de Processo Civil, e que se oportunize a defesa do executado, segundo o regime dos art. 475-L e 475-M, no que couber.


6 CONCLUSÃO.

A sentença estrangeira, devidamente homologada, pelo Superior Tribunal de Justiça, constitui título executivo judicial, conforme previsão do art. 475-N, VI, do Código de Processo Civil.

O procedimento para homologação, todavia, continua sendo regulado pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, mesmo após o advento da Emenda Constitucional 45/2004, tendo em vista a inexistência de previsão específica, ainda, no respectivo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Os arts. 483 e 484, também do Código de Processo Civil, determinam que tal título judicial deve ser executado segundo a sistemática adotada para sentenças nacionais, da mesma espécie.

As sentenças nacionais que reconhecem obrigação de fazer ou de não fazer devem ser executadas segundo a sistemática do art. 461, do Código de Processo Civil, inclusive por determinação expressa do art. 475-I, do mesmo diploma legal.

Desta forma, devem as sentenças estrangeiras, desde que devidamente homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça, ser executadas, também segundo a sistemática do art. 461.

É claro que o executado deverá ter a seu dispor meios de defesa, e isto será fundamentado, no que couber, pelos art. 475-L e 475-M, do Código de Processo Civil.

Não se pode admitir, todavia, que seja o portador de título judicial obrigado a executá-lo como se extrajudicial fosse, ou como se fosse mero documento, destituído de exeqüibilidade.

Parece, de todo o exposto, ademais, que seria possível afirmar que o raciocínio aqui exposto pode ser aplicado aos demais títulos judiciais que não resultam, propriamente, de um processo judicial com efetiva cognição plena e exauriente.[34]

A sentença estrangeira, todavia, como visto, é um paradigma interessante, tendo em vista as previsões legais e regimentais expressas de que será ela executada pela mesma sistemática adotada para as sentenças nacionais da mesma natureza.

Pode-se dizer que o tema é vasto, importante e instigante, e que merece maiores reflexões por parte dos juristas, em geral, e da comunidade acadêmica, em particular.


7 REFERÊNCIAS.

ANTUNES, Thiago Caversan. Homologação de Sentença Arbitral Estrangeira. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2746, 7 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18223>. Acesso em: 4 dez. 2012.ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11 ed. São Paulo: RT, 2007.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, vol. 3: tutela jurisdicional executiva. São Paulo: Saraiva, 2008.

CÂMARA, Alexandre Freitas.Lições de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CASTAGNA, Ricardo Alessandro. Tutela de Urgência: análise teórica e dogmática. São Paulo: RT, 2008.

LEITE, Gisele. Comentários à Homologação de Sentença Estrangeira. Mundo Jurídico, 2005. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=573>. Acesso em 16 mai. 2009.

LOPES, João Batista. Tutela Antecipada: no processo civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: RT, 2007.

MAGALHÃES, José Carlos de. O Protocolo de Las Leñas e a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Proferidos nos Países do Mercosul. 1999. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/73348298/O-protocolo-de-las-lenas>. Acesso em 4 dez. 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil, vol. 3: execução. 2 ed. São Paulo: RT, 2008.

MEDINA, José Miguel Garcia. Execução. São Paulo: RT, 2008.

RIBEIRO, Flávia Pereira. Impugnação ao Cumprimento de Sentença: de acordo com a lei 11.232/05. Curitiba: Juruá, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Execução e Cumprimento de Sentença. 24 ed. São Paulo: LEUD, 2007.

WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2: execução. São Paulo: RT, 2007.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da Tutela. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.


Notas

[1] A manutenção dos dispositivos legais em questão, com a simples alteração de sentido no que se refere à corte que tem competência para homologar a decisão estrangeira, é o que resulta da aplicação do “princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição”, que tem como um de seus desdobramentos o “princípio da conservação de normas” que, por sua vez, “afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição” (CANOTILHO, 2003, p. 1226).

[2] O autor menciona, ainda, que, em seu entendimento, “a concepção tradicional de título executivo não se conforma, rigorosamente, o sistema jurídico processual posterior às modificações legislativas operadas nos últimos anos. Por exemplo, a decisão que antecipa efeitos da tutela não é dotada daquilo que a doutrina denomina de abstração do título executivo (cf. art. 273, § 4°, do CPC). Tendo em vista, ainda, que as hipóteses em que se permite a antecipação dos efeitos da tutela não são estabelecidas prévia e taxativamente pela norma jurídica, mas pelo juiz, caso a caso, parece-nos que este instituto não se amolda ao conceito tradicional de título executivo [...]” (MEDINA, 2008, p. 45). Com base em tal entendimento, Medina sugere “a modificação do conceito de título executivo, extraindo dele características que são tidas pela doutrina por essenciais, como a eficácia abstrata e a tipicidade legal, para torná-lo mais amplo e capaz de abranger estas novas situações jurídicas” (2008, p. 47). Assis, a seu turno, afirma que “[...] condenado o vencido a prestar obrigação de fazer ou de entregar coisa, através de provimento final ou antecipatório, há título” (2007, p. 99). A polêmica é interessante e importante, mas, obviamente, o seu aprofundamento não cabe nos limites deste artigo.

[3] Apesar de o art. 475-N, do Código de Processo Civil, não prever, em termos expressos, a possibilidade de existência de outros títulos executivos judiciais, que não aqueles que já constam do seu próprio rol, a doutrina esclarece que se pode admitir, sim, a existência de outros títulos dessa natureza, como seria, por exemplo, o caso da decisão que antecipa os efeitos da tutela, com base no art. 461, § 3°, do Código de Processo Civil, e que daria ensejo a um procedimento de efetivação de certa forma equiparado a uma execução provisória. Igualmente, poderiam ser classificados como títulos executivos judiciais, as decisões a que fazem referência o art. 701, § 2° e o art. 733, caput, do Código de Processo Civil (ASSIS, 2007, p. 522 e 523).

[4] Exemplo de título executivo extrajudicial que não está expressamente previsto no art. 585, do Código de Processo Civil, é a chamada “cédula de crédito bancário”, regulada pelos arts. 26 a 45, da Lei 10.931/2004. É de se ressaltar, todavia, que, obviamente, é necessário que o documento obedeça os requisitos estabelecidos no art. 28 e respectivos parágrafos, da referida Lei, especialmente no que diz respeito à liquidez e certeza. Aliás, tal princípio é aplicável aos títulos executivos extrajudiciais em geral. Um cheque “em branco”, v. g., não pode servir de fundamento a uma ação de execução, porque não atende, obviamente, aos mencionados requisitos.

[5] Pode ser mencionado – apenas a título explicativo – que, por força do disposto no art. 587, toda e qualquer execução de título extrajudicial é iniciada como “definitiva”, podendo, eventualmente, assumir as características de “provisória”, quando estiver pendente de julgamento recurso sem efeito suspensivo, quando tiverem sido opostos embargos do devedor, aos quais foi efeito suspensivo; por outro lado, a execução de título judicial que tiver que ser “provisória” nascerá, sempre, já “provisória”, conforme se depreende do art. 475-I, § 1°, do Código de Processo Civil.

[6] A expressão “sentença estrangeira”, todavia, deve ser entendida de forma extensiva, admitindo-se, portanto, também, obviamente, as decisões finais, transitadas em julgado, das cortes de apelação, ou superiores, por exemplo.

[7] O Protocolo de Las Leñas foi promulgado no Brasil por meio do Decreto 2067/1996.

[8] O fato de que os artigos 19 e 20, do Protocolo de Las Leñas, dispensam a homologação da sentença prolatada em Estado-Parte do Mercosul já foi expressamente reconhecida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (cf. AgRg nos EDcl nos EDcl na CR 398/AR, Corte Especial, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe 12/08/2010). Também assim já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, que, contudo, salientou a persistência da exigência do exequatur como requisito de processamento da execução de tais sentenças por carta precatória (cf. HC 105905/MS, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 16/11/2011).

[9] Esta circunstância já foi especificamente reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (cf. Ag. Reg. Na CR 10479/BO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 23/05/2003, p. 30).

[10] É evidente que, em alguns casos, os requisitos não serão, absolutamente preenchidos, quando houver, por exemplo, sentença que tenha sido prolatada por Juízo estrangeiro, em caso sobre o qual a legislação nacional atribua competência exclusiva ao Poder Judiciário brasileiro. Neste caso, será definitivamente negada a homologação da sentença, ficando a apreciação do mérito da causa, em território nacional, sujeita à distribuição da demanda, perante o órgão judiciário competente para sua apreciação, de acordo com as regras de competência interna.

[11] Dentre os quais, também, as extradições e as cartas rogatórias.

[12] A bem da verdade, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal faz, sempre, referência, exatamente, àquela mesma Colenda Corte. Em leitura atualizada de tais dispositivos, todavia, mormente por força das determinações da Emenda Constitucional 45/2004, é necessário tomar tais disposições como referentes à “Corte Competente” para o caso, ou seja, o Superior Tribunal de Justiça. É de se admitir que pode haver, obviamente, algum questionamento a respeito de os dispositivos do Regimento Interno de um Tribunal serem aplicáveis, de forma vinculante, a outro Tribunal. Por isso mesmo, acreditamos que, à falta de disposições específicas pertinentes dentro do Regimento Interno do próprio Superior Tribunal de Justiça, deve o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal ser utilizado, ainda que provisoriamente, como “parâmetro”, e não propriamente como limite absoluto.

[13] Tem-se aqui interessante exemplo de marcante atividade “legislativa” pelo Poder Judiciário, com o estabelecimento de norma geral e abstrata, com apoio em conceitos abertos.

[14] Verifica-se, desta forma, que não é viável o pedido de homologação de sentença estrangeira que não tenha transitado em julgado, sendo, também, por via de conseqüência, inviável a “execução provisória” de sentença estrangeira, em território nacional. Isto não exclui, todavia, a possibilidade hipotética de se instalar “execução provisória”, no país de origem da sentença, por exemplo, com a efetivação dos “atos de execução” em território nacional, por carta rogatória, desde que observados os requisitos específicos pertinentes. A análise de tal hipótese, conquanto possa despertar interesse, na esfera acadêmica, não cabe nos limites deste pequeno estudo.

[15] É de se destacar que os requisitos indispensáveis constantes do art. 217, Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal repetem, de certa forma, o que já se encontra no art. 15, da Lei de Introdução ao Código Civil.

[16] Obviamente, não constituirá matéria da contestação o mérito da causa, em sua origem, mas apenas e tão somente os próprios requisitos para homologação da sentença estrangeira. Deve, portanto, salvo melhor juízo, ser interpretada restritivamente a locução “inteligência da sentença”, constante do caput do art. 221, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

[17] Se o requerido tiver endereço certo e sabido, no exterior, não se configurará esta hipótese, e deverá a citação ser efetivada por meio de carga rogatória. Mencione-se, também, que se for constatado, posteriormente, que era falsa a informação de que o paradeiro do requerido era desconhecido, poderá ser declarada nulidade de citação.

[18] Para uma abordagem mais específica da questão da homologação de sentença arbitral estrangeira, cf. Antunes (2011).

[19] Obviamente, esta contextualização será bastante pontual, inclusive por força dos estreitos limites deste artigo.

[20] É de se pontuar que há vozes dissonantes na doutrina, a este respeito. Castagna assevera que, em seu entendimento, “a execução específica da obrigação de fazer ou não fazer, constante de sentença transitada em julgado ou de título executivo extrajudicial deve seguir o rito estabelecido pelo art. 632 do CPC” (2008, p. 269). Segundo o autor, “o art. 461 [...] disciplina a ação de conhecimento e não a de execução stricto sensu” (CASTAGNA, 2008, p. 269). Todavia, salvo melhor juízo, este não é o melhor entendimento a respeito do tema, por basicamente dois motivos. Em primeiro lugar, conforme já apontado, o próprio art. 475-I, caput, do Código de Processo Civil, faz referência expressa ao art. 461, para o “cumprimento da sentença”. Assim, a interpretação do aludido autor estaria, ao que parece, em confronto com determinação expressa do texto legal aplicável à matéria. Além do mais, admitir que as técnicas do art. 461 fossem utilizadas apenas na pendência da “ação de conhecimento” implicaria em verdadeira diminuição da importância do título executivo judicial, que acabaria submetido à adoção de medidas menos eficientes (precisamente pelo regime do art. 632 e seguintes, do Código de Processo Civil), o que significaria verdadeira inversão de valores. Sobre o tema, aliás, observa Theodoro Júnior que para que a “condenação seja dotada de maior efetividade, a norma do art. 461 se afasta do complexo procedimento tradicionalmente observável nas execuções das obrigações de fazer e não fazer (arts. 632 a 643) e recomenda uma providência prática e funcional: na sentença de procedência do pedido, compete ao juiz determinar ‘providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento’” (2007, p. 549).

[21] Neste mesmo sentido, Câmara assevera que “tratando-se de execução de obrigação de fazer fundada em sentença, aplica-se o disposto no art. 461 do CPC. Neste caso, ter-se-á um processo misto, sincrético, composto por uma fase cognitiva e outra executiva. As regras do Livro II do CPC, neste caso, só são aplicáveis em caráter subsidiário, como forma de suprir lacunas do art. 461 (conforme estabelece o art. 644 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei n° 10.444/2002)” (2008, p. 229).

[22] Mencione-se, por transparência acadêmica, que este entendimento não é unânime, e que boa doutrina afirma que “a pretensão de executar obrigação de fazer e de não fazer se baseará em título judicial (art. 475-N, I), aí incluída a decisão liminar contemplada no art. 461, § 3°, conforme o § 5°, deste último dispositivo [...]” (ASSIS, 2007, p. 522). Parece bastante claro, todavia, que ao determinar, em termos expressos, que “a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza [...]” o disposto no art. 461, o art. 273, § 3°, não pretende, absolutamente, salvo melhor juízo, igualar a “efetivação” da decisão que antecipa os efeitos da tutela com o “cumprimento” da sentença final que condena o réu a uma obrigação de fazer ou de não fazer. É de se salientar que a diferenciação se justifica, em termos práticos, inclusive por conta de a sistemática de defesa, v. g., em cada caso, ser completamente diversa.

[23] É claro que isto não exclui a possibilidade de se realizarem, no Brasil, os “atos de execução”, por carta rogatória, de um incidente de efetivação eventualmente iniciado no exterior, por exemplo.

[24] Isto porque o art. 461, do Código de Processo Civil, trata da tutela específica, em sentido estrito, e do resultado prático equivalente. Há, inegavelmente, entre os dois aspectos diferenças consideráveis; tanto que o próprio art. 461 repete, sempre, as duas expressões, em conjunto (vide caput e §§ 1° e 5°). Assim, pode-se dizer que a “tutela específica”, em sentido estrito, é alcançada quando o próprio devedor cumpre a sua obrigação e o “resultado prático equivalente” se verifica quando o adimplemento da obrigação se dá com a intervenção de terceiros (MEDINA, 2008, p. 269).

[25] A diferenciação entre as medidas coercitivas e aquelas outras subrogatórias, aliás, está intimamente ligada à própria diferenciação entre tutela específica, em sentido estrito, e resultado prático equivalente, sendo, assim, que as medidas coercitivas visam, em geral, a obtenção da tutela específica, enquanto as medidas subrogatórias procuram viabilizar a obtenção do resultado prático equivalente. É de se destacar, todavia, que maiores lucubrações a respeito do assunto não cabem nos apertados limites deste estudo.

[26] Obviamente esta autorização não se estende a medidas vedadas pelo ordenamento jurídico em vigor, mormente no plano constitucional. Fica, assim, obstada, v. g., a utilização da prisão civil como medida coercitiva. A este respeito, elucidativa a lição de Medina, que observa que “Para parte da doutrina, seria possível o emprego da prisão civil como meio de coerção também na tutela dos deveres de fazer ou de não fazer, o que seria autorizado pelo art. 461, § 5°, do CPC. Pensamos que, quando a Constituição Federal veda a prisão civil por dívidas (art. 5°, LXVII), abarca não apenas a possibilidade de prisão como meio de “satisfação” da dívida, mas, também, o emprego da prisão como meio coercitivo, pois também neste caso a prisão civil estaria ocorrendo por causa da dívida” (2008, p. 280).

[27] Que, ademais, seria, de toda forma, aplicável ao caso, pela regra geral do art. 273, do Código de Processo Civil.

[28] Destaque-se que esta peculiaridade, somada ao fato de as tutelas sob análise terem ganhado a denominação de “específicas”, levam boa parte da doutrina a analisar o art. 461, do Código de Processo Civil, como especialmente voltado para as tutelas de urgência. A este respeito, cf. Castagna (2008), Zavascki (2008) e Lopes (2007).

[29] O que não exclui, é claro, a possibilidade de oposição de exceção ou de apresentação de reconvenção, quando cabível.

[30] Nas palavras do autor, “Abolida a ação de execução separada do processo de conhecimento, e transformado o cumprimento da sentença em simples incidente da relação processual unitária, não há mais lugar para se cogitar de embargos à execução de sentença para se pretender a retenção por benfeitorias, diante da condenação à entrega da coisa. Retenção por benfeitorias tampouco pode ser matéria de discussão, de forma originária, em impugnação à execução de sentença. Deve ser debatida na contestação e solucionada na sentença” (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 568). E reforça, ainda, Theodoro Júnior, que “[...] não é por embargos, mas por contestação que se argüi a retenção por benfeitorias nos processos em que se forma o título judicial para a execução de obrigação de entrega de coisa. É antes da sentença condenatória, e não depois dela, que esse tipo de defesa se apresenta exercitável” (2008, p. 569).

[31] É bem verdade que este posicionamento encontra certa oposição doutrinária, como, v. g., Wambier, que afirma que não caberá, nestes casos, “[...] a impugnação ao cumprimento de sentença, instituída pela Lei 11.232/2005 (CPC, arts. 475-J, § 1°, parte final, 475-L e 475-M), admissível”, em seu entendimento, “apenas na execução dos títulos judiciais condenatórios ao pagamento de quantia” (WAMBIER, 2007, p. 328).

[32] O panorama que se apresenta para as sentenças estrangeiras é aplicável, ademais, também, a outros títulos executivos judiciais, como a sentença arbitral, por exemplo. Ocorre, todavia, que a determinação legal expressa de que as sentenças estrangeiras sejam executadas na mesma forma aplicável às sentenças nacionais de mesma espécie não existe – pelo menos não expressamente – para tais outros títulos executivos.

[33] A rigor, tal entendimento pode, em tese, estar coerentemente baseado na tese de que a sentença nacional também deve ser executada pela sistemática dos art. 632 a 643, por não tratar o art. 461, especificamente, de procedimentos de uma “fase de execução”. Este entendimento, todavia, conforme já ressaltado, salvo melhor juízo, implica em uma diminuição da importância da sentença frente à decisão que antecipa os efeitos da tutela, o que constitui grande inversão de valores.

[34] Como é o caso, por exemplo, da “sentença arbitral”. É claro que neste caso poderia, eventualmente, o executado ingressar com demanda autônoma pertinente para questionar aspectos da validade do próprio título judicial e de seu conteúdo. Permitir que toda essa controvérsia se dê no bojo de um processo de execução de título judicial – ou negar ao título judicial os respectivos meios hábeis – é trabalhar contra a efetividade do processo.


ABSTRACT

This work addresses general means of execution of foreign sentences recognizing obligations. Departs of the treatment of generic executive titles, both judicial and extrajudicial, and analyzes foreign sentences subject to approval by the Superior Court. Refers, in general terms, to the characteristics of national sentences that recognize obligations, and aboard the controversy about the skillful means to effect of foreign judgments of the same nature. Analyzes, briefly, the question of the means of defending the executed, in actions of this nature.

Key Words:

Execution of Sentence – Foreign Judgment – Obligations

 

Autores

  • Thiago Caversan Antunes

    Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

  • Vicente de Paula Marques Filho

    Advogado, sócio do escritório Marques Filho Advogados Associados. Doutor em Direito pela PUC/SP. Atua nas áreas do Direito Comercial e Civil, com ênfase em Fusões e aquisições e Recuperação judicial

    Textos publicados pelo autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan; MARQUES FILHO, Vicente de Paula. A execução de sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3723, 10 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25259. Acesso em: 16 maio 2024.