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Redutor etário na aposentadoria por idade

Redutor etário na aposentadoria por idade

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O produtor rural e o pescador artesanal, para terem direito ao redutor etário, para efeitos de aposentadoria por idade, terão de provar que exercem suas atividades em regime de economia familiar, quer como segurado especial ou como contribuinte individual.

RESUMO

Este artigo tem por finalidade fazer considerações sobre um tema inexplorado pela doutrina do Direito Previdenciário, que é a redução em cinco anos para fins de requisito etário para a aposentadoria por idade do Regime Geral de Previdência Social. A Constituição é bem clara em definir os beneficiários dessa dádiva previdenciária. No entanto, predomina interpretação administrativa esdrúxula, a qual, contrariando o texto constitucional, confere o favor fora dos limites traçados pela Carta Política. Por outro lado, o tema não foi ainda objeto de análise acurada pela doutrina nem levado ao conhecimento da jurisprudência, razão por que não se têm opiniões maturadas sobre o assunto. Assim, far-se-á uma pormenorização, à luz da Constituição, da matéria atinente ao redutor etário na aposentadoria por idade.

Palavras-chaves: Aposentadoria por idade. Requisito. Redução da idade. Interpretação administrativa. Contrariedade à Constituição.


1 INTRODUÇÃO

Para efeitos de aposentadoria por idade, no regime geral de previdência social, a Constituição do Brasil confere a algumas pessoas, em situações singulares, o direito de antecipação da aposentadoria por idade. O limite normativo é de sessenta e cinco anos para as pessoas do sexo masculino e sessenta anos para as do sexo feminino, havendo exceção para redução de cinco anos, em ambos os sexos, desde que sejam atendidas algumas condições subjetivas.

Observa-se que os manuais de direito previdenciário têm passado ao largo dessa questão, a qual merece aturada análise hermenêutica, em virtude de grandes consequências práticas decorrentes da determinação do alcance dessa exceção. O seu alargamento, sem base constitucional, implica desnecessário peso nas contas públicas.

Esse tratamento diferenciado foi posto no inciso II do §7º do artigo 201 da Lei Maior, cuja transcrição é a seguinte:

sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Impende destacar que, na redação original da Constituição, esse dispositivo estava inserido, com redação distinta, no inciso I do artigo 202. Tinha a seguinte redação:

aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

O deslocamento desse dispositivo e a sútil e desprezível modificação da redação não trouxeram consequências hermenêuticas para essa regra.

Por outro lado, por trás desse dispositivo, existem causas históricas que devem ser analisadas, bem como demais dispositivos constitucionais, que com ele guardam relação semântica, a fim de que se tenha uma compreensão acertada do preceptivo, que, à primeira vista, não comporta muitas dúvidas. Todavia, quem não é versado em Direito Previdenciário ficará um tanto quanto surpreso em virtude da corrente interpretativa preponderante sobre o alcance da referida exceção.


2 DO ALCANCE DA EXCEÇÃO POSTA NO INCISO II DO §7º DO ARTIGO 201

Pois bem, nota-se claramente que a exceção aludida contempla duas hipóteses facilmente destacáveis. Ei-las:

i)                    trabalhadores rurais de ambos os sexos e

ii)                  para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Assim, os trabalhadores rurais de ambos os sexos têm direito de aposentar-se por idade com a redução do limite etário em cinco anos. Todavia, surge uma pergunta aparentemente insignificante, qual seja: quem é trabalhador rural? Quais pessoas podem ser consideradas trabalhadores rurais? O que significa o termo “trabalhador rural”? Qual o seu limite semântico dentro da Constituição? De modo que a resposta a essa pergunta é de capital importância, porquanto grassa corrente interpretativa asseverando que esse termo abarca as figuras do produtor rural, do garimpeiro e do pescador artesanal, de sorte que inexistiriam duas exceções para a hipótese do redutor. Com efeito, apenas uma hipótese haveria: a dos trabalhadores rurais. No entanto, essa única hipótese teria uma abrangência muito maior que as duas acima delineadas, haja vista que o termo “trabalhador rural” incluiria qualquer pessoa que laborasse no campo, bem como o garimpeiro e o pescador artesanal.

Aparentemente e a bem da verdade, não se deveria dar atenção a tal interpretação, visto ser totalmente contrária ao texto constitucional. Como já dito, porém, essa interpretação é a hegemônica e a única na via administrativa. Por outro lado, não se pode emprestar valor absoluto ao brocardo latino “in claris cessat interpretatio”, fato que poderia contrabalançar a aparente clareza do dispositivo enfocado e assim prestigiar o entendimento dominante. No entanto, a interpretação não pode ser tão obtusa, a ponto de não guardar nexo com a mera redação do dispositivo que se almeja compreender. E tal interpretação — a de confundir trabalhador rural com pescador — discrepa totalmente da redação do aludido preceptivo constitucional. Está evidente que não foi intenção do legislador constitucional de generalizar o termo “trabalhador rural” para abranger todos os trabalhadores não urbanos. Se tivesse feito isso, era desnecessária a condição posta no indigitado preceptivo constitucional de exigir dos atores beneficiados, tirante trabalhadores rurais, que “exerçam suas atividades em regime de economia familiar”.

A compreensão do intérprete tem de guardar sentido com a literalidade da norma, sob pena de imperar o subjetivismo, o arbítrio de quem está encarregado de dizer o sentido da regra.

Diante do exposto, é necessário explicar, de modo mais exaustivo possível, essa corrente interpretativa um tanto quanto equivocada, mas que é a mais prestigiada.


3 DA INTERPRETAÇÃO PREPONDERANTE

Pois bem, é sustentado que o termo trabalhador rural está usado de modo genérico, englobando todas as pessoas que trabalham no campo, além de abarcar o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

Ora, como se nota pelo preceptivo constitucional destacado, existem duas hipóteses bem delimitadas para a incidência da exceção, como posto acima. Pelas aulas de gramática, é sabido que o conectivo “e” liga dois termos autônomos. Não forma relação de subordinação, mas de coordenação. Assim, têm o mesmo valor sintático os termos “para os trabalhadores rurais de ambos os sexos” e “para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal”, os quais estão insertos no mencionado inciso II do §7º do artigo 201 da Constituição. Logo, é fácil de concluir que se cuida de duas hipóteses autônomas e bem delimitadas.

Por outra banda, se o termo trabalhador rural fosse empregado de forma genérica, de sorte a conter o sentido das expressões “produtor rural”, “garimpeiro” e “pescador artesanal”, haveria palavras inúteis, sobretudo a condição exigida para outorga do redutor etário a essas três figuras, traduzida pela oração “para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar”.

A razão dessa interpretação reside no fato de a Lei nº 8.213, de 24 de junho de 1991, parecer tratar os beneficiários do redutor etário sob a epígrafe de trabalhador rural. Porém, isso é inconcebível, já que uma lei ordinária não pode limitar ou podar o significado de uma norma constitucional, tirando-lhe o sentido. A rigor, como se mostrará adiante, a lei não faz isso, apenas omite-se em disciplinar como deveria ser a prova do garimpeiro e do pescador artesanal para efeitos de redução do requisito etário. A lei só se preocupou com o trabalhador rural. Ora, a omissão em não regrar a prova do trabalho do garimpeiro e do pescador artesanal não significa que a lei equiparou-os a trabalhador rural.

Outro argumento forte, que provocou esse desvio interpretativo, é de natureza histórica, porquanto o antigo regulamento da Previdência Social declinava as figuras que estavam dentro do termo “trabalhador rural”.

Posto que existem tantos argumentos para repelir tal interpretação, além da clareza de seu equívoco, continuar-se-á mencionando tal ponto de vista interpretativo, haja vista que é o preponderante, como destacado anteriormente.


4 DA INTERPRETAÇÃO LEGAL

A Lei nº 8.213, de 24 de junho de 1991, cuida do tema, mediante a redação de seu artigo 48, abaixo transcrito:

A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.

§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.

Eis aí a disciplina legal do redutor etário. A lei só fala de trabalhador rural, deixando de mencionar as figuras do garimpeiro e do pescador.

E menciona o trabalhador rural enquadrado na figura dos seguintes segurados obrigatórios:

i)                    empregado: sendo aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;

ii)                  contribuinte individual: quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;

iii)                 trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviço de natureza urbana ou rural definidos no Regulamento;

iv)                segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor (com os respectivos cônjuges e filhos), pescador (com os respectivos cônjuges e filhos).

A lei realmente apresenta redação deveras confusa, pois se distancia, em demasia, do texto constitucional, haja vista que sua redação deixa de fora o pescador artesanal da lista dos contemplados com o redutor etário. A rigor, não custava ao legislador ordinário ter repetido a norma constitucional, a fim de inserir as figuras jurídicas favorecidas com a mercê da redução do requisito etário. Todavia, essa omissão não autoriza que se excluam as figuras do pescador artesanal e do garimpeiro da benesse redutora. Também, por outro lado, não permite que se vá além do permissivo constitucional para incluir hipóteses não almejadas pela Constituição.

Diante do exposto, nota-se que o legislador andou muito mal no disciplinamento da matéria, porquanto não explicitou a contento as hipóteses previstas na Constituição. Houve silêncio quanto ao garimpeiro, além de oferecer dificuldade de incluir o pescador artesanal como beneficiário do favor de antecipação da idade para a aposentadoria por idade.


5 DA INTERPRETAÇÃO REGULAMENTAR

Como sabido, o Chefe do Poder Executivo tem o poder regulamentar, o qual consiste em expedir regulamentos para fiel execução de lei (vide inciso IV do artigo 84 da Constituição), de modo que foi expedido o Decreto 3048, de 6 de maio de 1999, o qual baixou o regulamento da Lei nº 8.213/91, o que é conhecido pela sigla RPS.

A matéria em estudo encontra-se disciplinada no artigo 51 do RPS. A redação está disposta da seguinte forma:

A aposentadoria por idade, uma vez cumprida a carência exigida, será devida ao segurado que completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, ou sessenta, se mulher, reduzidos esses limites para sessenta e cinquenta e cinco anos de idade para os trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "j" do inciso V e nos incisos VI e VII do caput do art. 9º, bem como para os segurados garimpeiros que trabalhem, comprovadamente, em regime de economia familiar, conforme definido no § 5º do art. 9º.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício ou, conforme o caso, ao mês em que cumpriu o requisito etário, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 8º do art. 9º.

§ 2º Os trabalhadores rurais de que trata o caput que não atendam ao disposto no § 1º, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos, se mulher. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 3º Para efeito do § 2º, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado na forma do disposto no inciso II do caput do art. 32, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo do salário-de-contribuição da previdência social.

§ 4º Aplica-se o disposto nos §§ 2º e 3º ainda que na oportunidade do requerimento da aposentadoria o segurado não se enquadre como trabalhador rural.

O regulamento extrapola a lei que regulamenta, porquanto, obedecendo diretamente à Constituição, inseriu o garimpeiro como beneficiário da redução de idade para efeitos de aposentadoria por idade. No entanto, silenciou quanto ao pescador artesanal.


6 DA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA

A interpretação histórica do termo trabalhador rural é dada sobretudo pela legislação. Com efeito, grande parte das pessoas que trabalhava na agricultura era excluída da tutela trabalhista e previdenciária. Todavia, pouco a pouco, foram surgindo diplomas normativos cuidando da proteção dos rurícolas.

Marco inicial da proteção ao trabalhador rural é a Lei nº 4.214, de 2 de março de 1963, conhecida como Estatuto do Trabalhador Rural. Essa lei definia o termo “trabalhador rural”, em seu artigo 2º, da seguinte forma:

Trabalhador rural para os efeitos desta lei é toda pessoa física que presta serviços a empregador rural, em propriedade rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou in natura, ou parte in natura e parte em dinheiro.

De modo que o conceito de trabalhador rural confundia com o de empregado rural. No entanto, essa lei foi revogada completamente pela Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, a qual não mencionou o termo “trabalhador rural”. Apenas fez referência ao termo “empregado rural”.

Apesar de a Lei nº 4.214/63 ter-se preocupado com a parte de seguridade do trabalhador rural, é o Decreto-Lei nº 276, de 28 de fevereiro de 1967, que vai ser mais incisivo nesse sentido, visto que, em seu artigo 1º, cria o Fundo de Assistência e Previdência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), destinado ao custeio da prestação de assistência médico-social ao trabalhador rural e seus dependentes.

Esse diploma normativo continuava com o conceito da Lei nº 4.214/63, porquanto apenas inseria modificação na redação daquela lei. E numa dessas modificações, referia-se como segurados da Previdência Social Rural o trabalhador rural e os pequenos produtores rurais, na qualidade de cultivadores ou criadores, diretos e pessoais, definidos em regulamento (vide redação modificada do artigo 160 da aludida lei).

Essa produção normativa não foi suficiente para tutelar os direitos de seguro social do trabalhador rural, sendo necessário o surgimento de novos diplomas normativos. Por força disso, no início da década de 1970, surge a Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, cuja epígrafe dizia que se prestava a instituir “o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural”.

O paragrafo 1º do artigo 3º dessa lei trazia novamente o conceito legal de trabalhador rural e o fazia de modo mais amplo, em relação à legislação pretérita.

Assim, entediam-se como trabalhador rural as seguintes figuras, previstas nas alíneas a e b do referido dispositivo:

a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie.

b) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

De modo que se tinha um conceito positivo de trabalhador rural a abranger tanto o empregado rural e o produtor rural. Portanto, esses dois atores jurídicos eram os beneficiários do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL).

Essas leis complementares foram regulamentadas. Primeiramente, veio a lume o Decreto nº 69.919, de 11 de janeiro de 1972, baixando a regulamentação do programa de assistência ao trabalhador rural, referindo-se expressamente que o tema havia sido instituído pela Lei Complementar nº 11. Esse regulamento versou o conceito de trabalhador rural, em seu artigo 2º. O inciso I desse artigo tinha a seguinte redação:

São beneficiários do PRO-RURAL:

I - Na qualidade de trabalhadores rurais;

a) a pessoa física que presta serviços de natureza rural diretamente a empregador, em estabelecimento rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte "in natura" e parte em dinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que, embora não constituídos em empresa, utilizem mão-de-obra para produção e fornecimento de produto agrário "in natura";

b) o produtor, proprietário ou não, que, sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração.

Observe-se que a redação do regulamento não apresentava diferença quanto à norma legal, apenas esmiuçava um pouco o conceito de empregado rural. Enfim, manteve, como era de esperar-se de um regulamento, a definição legal.

No entanto, esse decreto foi revogado pelo Decreto nº 73.617, de 12 de fevereiro de 1974, que baixou o novo regulamento do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Esse regulamento inovou a lei, pondo dentro do conceito de trabalhador rural a figura do pescador.

Deve-se atentar bem para isso, porquanto nenhuma norma de hierarquia maior vai pôr no conceito de trabalhador rural a figura do pescador.

Para melhor compreensão, transcreve-se o artigo 2º do referido regulamento, onde ficava explicado o alcance do termo trabalhador rural para efeitos do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRO-RURAL):

I - Na qualidade de trabalhadores rurais:

a) a pessoa física que presta serviços de natureza diretamente a empregador, em estabelecimento rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte in natura e parte em dinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que embora não constituídos em empresa utilizem mão-de-obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;

b) o produtor, proprietário ou não que, sem empregado trabalha na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável a própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração;

c) o pescador que, sem vínculo empregatício na condição de pequeno produtor, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar, faça da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida e esteja matriculado na repartição competente.

No entanto, apesar de o novo regulamento ter estendido o PRO-RURAL ao pescador, fê-lo apenas para o pequeno pescador, já que o pescador empregado estaria amparado pela previdência social urbana.

Todavia, esse regulamento é modificado, em parte, pelo Decreto nº 81.563, de 13 de abril de 1978. O Regulamento, indo muito além da lei, agora insere a figura do garimpeiro dentro do conceito de trabalhador rural. Assim, ficou vigendo a seguinte redação regulamentar:

I - Na qualidade de trabalhadores rurais:

a) a pessoa física que presta serviços de natureza diretamente a empregador, em estabelecimento rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte in natura e parte em dinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que embora não constituídos em empresa utilizem mão-de-obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;

b) o produtor, proprietário ou não que, sem empregado trabalha na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável a própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração;

c) o pescador que, sem vínculo empregatício na condição de pequeno produtor, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar, faça da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida e esteja matriculado na repartição competente.

d) o garimpeiro autônomo, assim entendido o trabalhador que, em caráter individual e por conta própria, exerça as atividades de garimpagem, faiscação e cata e esteja matriculado no órgão competente do Ministério da Fazenda.

É importante ressaltar que essas normas regulamentares visavam, ao estender o sentido jurídico do termo trabalhador rural, a incluir alguns trabalhadores que estavam desamparados do sistema de tutela do seguro social.

Pois bem, as normas regulamentares previdenciárias foram consolidas num só instrumento, mediante o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, o qual apresentou, repetindo o regulamento anterior, a seguinte conceituação para trabalhador rural, incluídas modificações posteriores:

Art. 275. São beneficiários da previdência social rural:

I - na qualidade de trabalhador rural:

a) quem presta serviços de natureza rural diretamente a empregador, em estabelecimento rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte in natura e parte em dinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que, embora não constituídos em empresa, utilizam mão-de-obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;

b) o produtor, proprietário ou não, que, sem empregado, exerce atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável a própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração;

c) quem, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar ou ainda sob a forma de parceria, faz da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida, compreendendo:

1. o trabalhador por conta própria, sem vínculo empregatício, na condição de pequeno produtor, utilizando ou não embarcação própria ou de terceiro;

2. o homem ou mulher que, sem utilizar embarcação pesqueira, exerce atividade de captura ou extração de elementos animais ou vegetais que tenham na água seu meio normal ou mais frequente de vida, na beira do mar, rio ou lagoa;

3. o produtor que utiliza embarcação de pesca, própria ou de terceiro, de até duas toneladas brutas;

d) o garimpeiro autônomo, assim entendido o trabalhador que, em caráter individual e por conta própria, exerce as atividades de garimpagem, faiscação e cata, e está matriculado no órgão competente do Ministério da Fazenda;

II - na qualidade de segurado-empregador rural, o titular de firma individual rural e a pessoa física, proprietária ou não, que, em estabelecimento rural ou prédio rústico e com o concurso de empregados utilizados a qualquer título, ainda que, eventualmente, explore em caráter permanente, diretamente ou através de prepostos, atividade agroeconômica, assim entendida a atividade agrícola, pastoril, hortifrutigranjeira ou a indústria rural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais (Alterado pelo Decreto nº 87.374 - DE  8 DE JULHO DE 1982 - DOU DE 9/07/82 - Republicação)

a) quem, tendo empregado, empreende a qualquer título atividade econômica rural;

b) quem, proprietário ou não, e embora sem empregado contratado formalmente, utiliza trabalho de terceiros para explorar, em regime de economia familiar, um ou mais imóveis rurais que lhe absorvam toda a força do trabalho e lhe garantam subsistência e progresso social e econômico, desde que a sua área total seja igual ou superior a dimensão do módulo rural da respectiva região;

c) o proprietário de mais de um imóvel rural, desde que a soma das respectivas áreas seja igual ou superior a dimensão do módulo rural da região;

III - na qualidade de dependentes do trabalhador rural ou do segurado empregador rural - as pessoas assim definidas nos termos e nas condições da Seção II do Capítulo II do Título I da Parte I.

§ 1º A dúvida referente a enquadramento na condição de segurado empregador rural é dirimida com base na legislação que dispõe sobre o enquadramento e a contribuição sindical rurais.

§ 2º Os conceitos de imóvel rural e de módulo rural referidos na definição de segurado empregador rural são os da legislação sobre a reforma agrária.

Essas normas regulamentares vão perdurar até o advento da nova ordem constitucional inaugurada em 5 de outubro de 1988. E essa noção de trabalhador rural vai contaminar a interpretação administrativa, a qual continuará aplicando-a do mesmo modo dado pela parte do regulamento acima transcrita. E isso em total dissonância com a nova realidade constitucional, que extinguira a discriminação entre as populações urbanas e rurais para fins de seguro social. Na verdade, não houve atualização da interpretação administrativa.


7 DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

O termo “trabalhador rural” deve ser interpretado sistematicamente dentro da Constituição. A Constituição usa esse termo na cabeça do artigo 7º, ao dizer que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Também ao longo dos incisos desse artigo, a Constituição emprega esse termo, sempre com a conotação de credor de salários ou de retribuição pecuniária ante a prestação de serviço.

Ora, o “termo trabalhador rural” quer dizer, em virtude do exposto ao longo dos incisos e paragrafo único desse artigo 7º, a pessoa que vende sua força de trabalho. É o proletariado. É fácil concluir que dentro do significado do referido termo não está o produtor rural, o garimpeiro ou o pescador artesanal autônomo.

Esse é o mesmo sentido empregado no inciso II do parágrafo 7º do artigo 201 da Constituição. A rigor, como mostrado no início deste artigo, esse preceptivo constitucional abre duas hipóteses para a outorga da benesse em questão.

O artigo 187 do Texto Magno, sendo específico sobre política agrícola, faz alusão a trabalhador (rural) em oposição a proprietário (rural), isto é, o trabalhador rural está no sentido do prestador de serviço aos proprietários rurais.

Por fim, no que diz respeito à interpretação constitucional, deve-se salientar que se está vendo uma exceção, a qual deve ser analisada de modo parcimonioso, sem alargamento. Importante ressaltar aqui que há proibição de discriminação entre trabalhadores urbanos e rurais, em virtude do disposto no inciso II do artigo 194, o qual diz que seguridade social será organizada com vistas a atingir a “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais”. Logo, qualquer norma que exacerbe tratamento desigual, deve ser vista e interpretada com restrição.


8 DA INCONSTITUCIONALIDA DA INTERPRETAÇÃO PREPONDERANTE

Como dito nos parágrafos anteriores, não existe sustentáculo constitucional para a interpretação administrativa dominante. Todavia, nesse ponto, falar-se-á de outras normas constitucionais afetadas por esse entendimento.

O primeiro é o inciso II do parágrafo único do artigo 194 da Constituição, o qual assegura a “uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais”. Logo, a regra é que não exista discriminação em virtude de alguém pertencer à população urbana ou à rural. Assim, qualquer norma particular, que imponha exceção à regra geral, como não poderia ser doutro modo, deverá ser interpretada de maneira restritiva.

Outro decorre da própria evolução da sociedade. Sabe-se que pode haver inconstitucionalidade por mutação constitucional. Com efeito, no passado seria plausível a discriminação entre segurados urbanos e rurais, já que a vida em zonas rurais era bem mais difícil. Hodiernamente, a degradação do ambiente nas cidades leva a concluir que o trabalhador urbano tem enfrentado muito mais dificuldades do que anos atrás. Por seu turno, vida no meio rural tem experimentado várias melhorais, como energia elétrica, tratamento de água, melhorias tecnológicas, etc. O que permite concluir que atualmente o segurado rural não está submetido ao ambiente tão insalubre que justificasse uma discriminativa hermenêutica positiva das regras previdenciárias.


CONCLUSÃO

A Constituição é bem clara no que concerne à redução do requisito etário para aposentadoria por idade, deferindo tal favor previdenciário aos trabalhadores rurais de ambos os sexos, sem fazer nenhuma exigência. Assim, basta apenas a qualificação de trabalhador rural para um segurado gozar dessa vantagem em relação aos demais.

Já para o produtor rural, para o garimpeiro e para o pescador artesanal, a Constituição erigiu uma condição obrigatória, verdadeira conditio sine qua non, qual seja, o exercício de suas atividades em regime de economia familiar. De modo que o produtor rural e o pescador artesanal, para terem direito ao redutor etário, para efeitos de aposentadoria por idade, terão de provar que exercem suas atividades em regime de economia familiar, quer como segurado especial ou como contribuinte individual.

A interpretação administrativa é frontalmente contrária ao texto constitucional, porquanto não existe substrato hermenêutico para concluir que a expressão “trabalhador rural” esteja englobando as figuras do produtor rural, do garimpeiro e do pescador artesanal.

Com base na Constituição chega-se inelutavelmente à seguinte conclusão: o que confere o direito à redução do requisito etário não é a qualificação como segurado especial, mas o enquadramento do segurado como trabalhador rural, como produtor rural, como garimpeiro e pescador artesanal, exigindo desses últimos três o exercício de suas atividades em regime de economia familiar.

A simples qualificação do indivíduo como segurado especial não confere automaticamente o direito à redução, de sorte que o segurado especial que trabalhar individualmente, isto é, que laborar sem ajuda ou colaboração dos membros da família, não gozará de tal privilégio.


ABSTRACT

This article aims to make assumptions about an issue unexplored by the doctrine of the Social Security Law, which is a reduction in five years for the age requirement for retirement by age of the General Welfare. The Constitution is very clearin in relation to the recipients of the benefit. However, predominates bizarre administrative interpretation, which, contrary to the Constitution concedes the grace outside the boundaries set by the Policy Letter. On the other hand, the topic has not yet been the object of deep analysis by the doctrine nor brought to the attention of the courts. The matter will be examined in the light of the Constitution to determine the correct interpretation about the reducer in the retirement age.

Keys-words

Retirement by age. Requirement. Reduction of age. Administrative interpretation. Contrariety the Constitution.


REFERÊNCIAS

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários: temas integrais revisados e atualizados pelo autor com obediência às leis especiais e gerais. 4. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito, 2009.

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MARTINS, Raimundo Evandro Ximenes. Redutor etário na aposentadoria por idade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3268, 12 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21985. Acesso em: 17 maio 2024.