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As inovações da lei nº 11.277/2006

o julgamento antecipadíssimo da lide

As inovações da lei nº 11.277/2006: o julgamento antecipadíssimo da lide

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RESUMO

O presente artigo, resultado de minuciosa pesquisa bibliográfica e de conceitos elaborados por diversos autores, aborda as inovações trazidas pela Lei nº. 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, que, ao inserir no Código de Processo Civil o artigo 285-A, descreve e explica os requisitos, procedimentos e efeitos dessas inovações. O objetivo é alertar para a importância do tema em epígrafe, pois o dispositivo legal estudado pode causar afronta ao princípio do devido processo legal, vilipendiando os princípios da ampla defesa e do contraditório, de forma absolutamente inconstitucional. Desse modo, este trabalho corrobora com idéias para a solução ou, pelo menos, para a ampliação da discussão da referida inovação na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE

Lei nº. 11.277 de 2006; Art. 285-A do CPC; Julgamento antecipadíssimo da lide; Inconstitucionalidade.

ABSTRACT

This paper is the result of an elaborated research which goal is to overview the law 11.277 of February, 7th, 2006, that inserts the arcticle 285-A in The Civil Process Code, also describing the procedure and it effects. The objective is to alert for the importance of the subject in epigraph, therefore the studied legal device can cause confronts the beginning of due process of law, slandering the principles of legal defense and the contradictory, of absolutely unconstitutional form. In this manner, this work corroborates with ideas for the solution or, at least, the magnifying of the quarrel of the related innovation in the society.

KEYWORDS

Law 11.277 of February, 7th, 2006; Arcticle 285-A in The Civil Process Code; Unconstitutionality.


1. INTRODUÇÃO

O tema escolhido neste trabalho identifica-se com a crescente evolução e amadurecimento do Direito Processual Civil e encontra justificativa na calorosa discussão acerca da sua constitucionalidade.

O dispositivo em exame demonstra a preocupação social com a celeridade do processo e com o atraso na prestação de tutela jurisdicional, gerado pelo congestionamento do Poder Judiciário, em razão de demandas repetitivas. Dessa forma, combateria a ociosidade que acomete o processo, ao propiciar que o pedido possa ser julgado ainda no nascedouro da demanda, desde que preenchidos os requisitos do artigo 285-A.

Sem pretensão de esgotar matéria tão vasta, este trabalho traz como proposta uma análise das inovações trazidas pela Lei nº. 11.277 de 2006, investigando quais seriam os requisitos, procedimentos e efeitos, do acrescentado artigo 285-A, com base na doutrina e na legislação brasileira.

No âmbito social e jurídico, podemos dizer que em nenhum outro momento da história a celeridade processual foi tão discutida como agora.

O tema, mesmo ante a escassez doutrinária, instiga nossa curiosidade, pois nos deparamos com casos práticos que espelham limpidamente situações onde alguns juízes utilizam demasiadamente o subjetivismo e arbitrariedade em suas decisões, provocando, invariavelmente, danos irreparáveis às partes. Tais danos, aliás, não são auscultados pelos operadores do direito, demasiadamente preocupados com a celeridade do processo à custa das garantias asseguradas pela Constituição da República.

Destarte, primamos com esta pesquisa, acima de tudo, destacar e discutir sobre a constitucionalidade do art. 285-A do CPC, com ênfase para as questões jurisdicionais. É um trabalho que, sem a pretensão de esgotar a matéria, procura dar sua contribuição ao cenário legislativo brasileiro.

Entrementes, insta ressaltar que a Lei nº. 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, ao inserir no Código de Processo Civil o novo artigo 285-A, criou uma modalidade de julgamento imediato do mérito de natureza negativa. O citado artigo recebeu a seguinte redação:

Art. 285-A - Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1° Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2° Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

Trata-se de um quadro nefasto, na medida em que a referida norma concede ao magistrado o poder de extinguir o processo com julgamento de mérito (artigo 269, I, do CPC), in limine litis e inaudita altera parte, fiando-se em teses dominantes da própria vara (sejam elas suas ou de outrem), desde que estejam presentes os seguintes requisitos: (a) matéria exclusiva de direito; (b) tese de improcedência; (c) aplicação de duas decisões no mesmo sentido e em casos idênticos.

A norma em testilha afronta não só o princípio do devido processo legal, bem como vilipendia as garantias de defesa, revelando, assim, sua patente inconstitucionalidade.

Nesse sentido, "trata-se de dispositivo que, a nosso juízo, é inconstitucional. Dizemos isto por ver, nesse dispositivo, uma violação do princípio constitucional da isonomia." (CÂMARA, 2007, p.341).

JÚNIOR (2007, p.555) assegura também que o artigo 285-A "é inconstitucional por ferir garantias da isonomia (CF 5° caput e I), do devido processo legal (CF 5° caput e LIV), do direito de ação (CF 5°XXXV) e do contraditório e ampla defesa (CF5° LV), bem como o principio dispositivo, entre outros fundamentos."

A proposta deste trabalho de pesquisa é analisar, por intermédio de fundamentos jurídicos encartados na Constituição da República, no Código de Processo Civil, na legislação vigente e em estudos que tratam da matéria em epígrafe, se há inconstitucionalidade no bojo do art. 285-A do CPC.


2. DESENVOLVIMENTO

O Código de Processo Civil tem sido alvo de inúmeras e sucessivas alterações legislativas, visando adaptá-lo à nova realidade jurídica. Nesse diapasão, vários dispositivos foram recentemente alterados e incluídos neste diploma legal, dentre eles, a Lei nº. 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, cuja redação é a seguinte:

Art.1° Esta Lei acresce o art. 285-A à Lei n° 5.869, de 11 de setembro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil.

Art.2° A Lei n° 5.869, de 11 de setembro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do art.285-A:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

Art.3° Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.

Verificamos que, pela mera leitura desse novel instituto, permitiu-se que, quando o magistrado se deparar com uma ação cuja matéria trate tão somente de direito, ou seja, não dependa da produção de provas para a averiguação da verdade fática, poderá dispensar a citação do réu e proferir sentença imediatamente, desde que já tenha proferido sentença de improcedência total anteriormente em casos idênticos.

Não havia, a nosso ver, qualquer motivo legitimo para a adoção desse dispositivo no CPC. A técnica de julgamento antecipado da lide, estabelecida pelo art.330, I, produzia os mesmos resultados. (WAMBIER, 2006).

2.1. Natureza e escopo

Podemos vislumbrar que, pela mera interpretação filológica do texto supra, intentou o legislador assegurar a celeridade e a economia processual de maneira incondicional. Ademais, o texto em epígrafe tem natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento.

2.2. Nomenclatura

O instituto em baila tem sido denominado de diversas formas: julgamento antecipadíssimo da lide (GAJARDONI, 2006, p.5) ou o julgamento liminar de improcedência do pedido ou sentença inaudita altera parte ou julgamento de improcedência prima facie das demandas seriadas (THEODORO JÚNIOR, 2007 e SANTOS, 2006) ou, ainda, de julgamento super-antecipado da lide e sentença emprestada.

2.3. Requisitos

Interessa-nos analisar mais detidamente os requisitos para aplicabilidade do "julgamento antecipadíssimo da lide". O art. 285-A do CPC destaca que: a) a questão a versar sobre casos idênticos; b) matéria controvertida unicamente de direito; c) total improcedência.

A respeito, o mestre Nelson Nery Júnior assim define as condições para haver a aplicabilidade do art. 285-A do CPC:

A norma permite que o juiz julgue improcedente in limine pedido idêntico àquele que já havia sido anteriormente julgado totalmente improcedente no mesmo juízo. Para tanto é necessário que: a) o pedido repetido seja idêntico ao anterior; b) que o pedido anterior tenha sido julgado totalmente improcedente; c) que o julgamento anterior de improcedência tenha sido proferido no mesmo juízo; d) que a matéria seja unicamente de direito. (JÚNIOR, 2007, p.555).

Da leitura da referida norma extrai-se que esse julgamento só poderá ocorrer "quando a matéria controvertida for unicamente de direito". Perguntamos, então, como há de se falar em matéria controvertida se sequer houve a citação do réu?

Ademais, o despacho saneador é quando o juiz deve fixar os pontos controvertidos da lide. Então, não havendo matéria controvertida fixada no momento processual em que a lei atua, não há sequer que se verificar se essa matéria é de direito ou de fato.

Necessário ventilar, nesta ocasião, que a "norma padece de falta de técnica, pois somente a citação válida torna a coisa litigiosa (CPC, art. 219, caput), isto é, implica situação processual de existência de matéria controvertida. Como a norma prevê decisão do juiz sem citação, a matéria ainda não se tornou controvertida". (JÚNIOR, 2007, p.555).

Assim sendo, sem a integração do réu pela citação, não há que se falar sequer em litígio (art. 219, caput CPC), de modo que, se o juiz julgar o pedido improcedente e não houver recurso, a sentença fará apenas coisa julgada formal.

Outro ponto absurdo é que a matéria controvertida deve ser unicamente de direito, ou seja, não haverá instrução do processo, com dilação probatória.

Ocorre que, no processo de conhecimento, é fundamental a colheita das provas que se façam necessárias para contribuir na formação da convicção do juiz a respeito da existência ou não de determinado fato.

Sendo assim, concluímos que o artigo citado é uma aberração jurídica, tendo em vista que afronta direta e literalmente princípios constitucionais da igualdade, da segurança, do acesso à Justiça, do contraditório e do devido processo legal.

A aplicabilidade do artigo 285-A restringe-se aos precedentes do próprio juízo, independentemente de ter sido proferida pelo Juiz, titular ou substituto, uma sentença anterior de total improcedência. A Ordem dos Advogados do Brasil elucidou que:

Na administração do aparelho judiciário, juízes dispõem-se em varas diversas, havendo, em algumas, além do titular, um substituto auxiliar.

Muitas vezes, varas permanecem sem titular por longos períodos, havendo sucessivos juízes substitutos que por elas passam em períodos nem sempre longos.

Proferem os juízes, por outro lado, sentenças aos milhares, cuja publicidade restringe-se, de fato aos litigantes dos feitos nos quais são proferidas, uma vez que, como regra, não são publicadas na íntegra, sem se encontram disponíveis nos meios ordinários de pesquisa de jurisprudência.

A norma atacada permite a utilização de sentença prolatada em outro processo, no mesmo juízo, para dar fim a processo proposto posteriormente. Institui entre nos uma sentença vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau. (ADIN 3695. 2006. p. 05).

Seguramente, podemos afirmar que a norma em testilha atenta contra o princípio da isonomia, como tão bem salientou CÂMARA (2007, p.341):

o fato de haver a possibilidade de se ter juízos em que atuam magistrados com entendimentos diferentes acerca da mesma matéria fará com que para alguns essa regra seja aplicada e para outros não, ainda que estejam em situações jurídicas substancialmente iguais. Não vemos razão para que pessoas iguais sejam submetidas a processos diferentes. (2007. P.341).

Noutra vertente, é indispensável para a aplicabilidade do artigo 285-A a certeza de que a sentença paradigma tem que estar contida no processo em curso. Quando esta for mais ampla que aquela, não poderá ser aplicado o dispositivo em tela. Para JÚNIOR (2007, p.555), o pedido anterior deve ter sido julgado totalmente improcedente: "A improcedência parcial do pedido anterior não autoriza a incidência da norma sob comentário".

Entretanto, "caso haja ajuizamento de vários pedidos, cumulados na mesma petição inicial, é possível a utilização da norma comentada quanto a um deles, desde que estejam presentes os requisitos exigidos pelo CPC 285-A"(JÚNIOR. 2007. p.555).

Outro requisito essencial, frisamos, é a reprodução da sentença paradigma. Deverá o juiz reproduzir a fundamentação e o dispositivo da sentença anterior.

Para aplicabilidade do art. 285-A do CPC é necessário que o pedido repetido seja idêntico ao anterior. Perguntamos, então: o que são casos idênticos? Segundo CHIOVENDA (1969), nosso sistema processual adota a chamada teoria das três identidades ou teoria do tria eadem. Significa dizer que duas demandas são idênticas quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo objeto. Mas, nesse caso, isso seria litispendência ou coisa julgada, conforme o caso.

A lei nº. 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, não menciona o quantitativo de casos idênticos. No entanto, a partir da leitura do artigo 285-A do CPC concluímos que deverá haver mais de um caso, com sentença de improcedência total, para que seja possível o julgamento prima facie, liminar.

Verificamos, portanto, mais uma completa falta de técnica na redação legislativa, o que é lamentável no ordenamento jurídico pátrio.

2.4. Dispensa da citação

É realmente uma aberração jurídica o fato do demandado, sem sequer ter conhecimento de que há uma pretensão em face de seus interesses, ser surpreendido ao saber que já houve resolução de mérito neste litígio, e que a demanda já está em grau de recurso. É a resistência à pretensão do autor feita pela própria jurisdição.

Ademais, o artigo 472 do CPC determina a vinculação da coisa julgada às partes. De acordo com JÚNIOR (2007, p.555), se o réu não tiver sido citado, não se formou a relação processual, não existem partes e, conseqüentemente, não pode haver coisa julgada, nem para o autor. Nesse sentido poderá o autor repropor a ação.

Tal espécie de sentença, definitiva e passível de produzir coisa julgada formal, agride os imediatos interesses do autor, que busca o Poder Judiciário para sanar, mediante cognição plena, o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida e não para receber um pronunciamento de mérito, sem que ao menos seja o réu citado.


3. SENTENÇA E DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RECURSOS

Continuando a navegação de cabotagem sobre o novo regramento, verificamos que, quando o autor não se conformar com a rejeição liminar da petição inicial, poderá interpor apelação (285-A §1°).

O julgamento de pedido repetitivo, por reprodução de sentença anterior, pode dar-se por nova sentença ou por decisão interlocutória, conforme se trate de a) um pedido só, idêntico ao anteriormente julgado improcedente no mesmo juízo (sentença), ou b) de vários pedidos cumulados na mesma petição inicial e o juiz reproduza a sentença anterior quanto a um ou alguns deles (decisão interlocutória). (JÚNIOR. 2007. p.555).

No entanto, Alexandre Freitas Câmara destaca que:

se tal sentença estiver baseada na súmula da jurisprudência do dominante do STF ou do STJ, a apelação não será recebida (art.518, §1°, do CPC inserido pela Lei n°. 11.276/06). Assim, ter-se-á um caso em que o juiz rejeita liminarmente a petição inicial e não consegue repropor a discussão no grau superior da jurisdição, o que – a nosso juízo – implica uma irracional violação da garantia constitucional do acesso à justiça. (CÂMARA, 2007, p.342).

O Juiz Federal Alberto Nogueira Júnior pondera ainda que:

o réu-apelado, em sua situação jurídica, sem que tenha podido exercer plenamente sua defesa, seja ampliando a matéria objeto da decisão, reconvindo, oferecendo pedido contraposto, ou alegando algumas das hipóteses previstas no art. 269, IV do CPC; seja ampliando a profundidade da cognição exercida, através de sua atividade probatória, delimitada segundo as margens fixadas em sua defesa, e não de acordo com aquelas traçadas pelo Tribunal; no limite, nem mesmo poderá o réu excepcionar o Juízo - absurdo dos absurdo. (JÚNIOR, 2007).

Interposto o recurso, poderá o juízo retratar-se da sentença que proferiu, no prazo de cinco dias, caso em que determinará o prosseguimento do processo, "e não da ação", como absurdamente diz o § 1° do art.285-A. (CÂMARA, 2007).


4. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. CITAÇÃO DO RÉU

Caso seja mantida a sentença, ou seja, não havendo retração do juiz, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso, conforme §2° do art.285-A do CPC. O réu deverá aduzir nas contra-razões toda a defesa que teria contra a pretensão do autor, como se esta fosse contestação.

É de se observar que, além de criar uma figura anômala no âmbito do processo civil – contra-razões recursais em que se resiste à pretensão inaugural do autor –, a lei ainda conseguiu ter o efeito contrário do pretendido.

Melhor dizendo, qualquer autor que tem seu pedido inaugural julgado improcedente de plano, sem qualquer possibilidade de discussão meritória, irá recorrer, abarrotando os Tribunais de segundo grau com recursos, em que haverá toda a discussão que seria deduzida em primeira instância.

Assim, a lei apenas transferiu para os Tribunais o abarrotamento das ações, criando caminho mais difícil para o julgamento de demandas, pois com o provimento de um recurso qualquer desse tipo, a ação volta à 1ª instância para ser discutida. Essa situação gera ainda maior morosidade em se proferir decisões.

A lei nº. 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, se realmente quisesse combater a morosidade da justiça, não deveria atacar a dedução de pretensões perante o judiciário, e sim a quantidade infindável de recursos protelatórios que o Código de Processo Civil coloca à disposição dos demandantes ao longo do exercício jurisdicional.


5. PROCESSOS E PROCEDIEMNTOS EM QUE INCIDE A NORMA

Feitas essas considerações, é importante afirmar, de acordo com o trecho a seguir, que o artigo 285-A do CPC, tendo natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, poderá ser aplicado a toda e qualquer ação:

Nada obstante o CPC 285-A se localize topicamente dentro do procedimento ordinário comum, do Livro de processo do conhecimento, a norma comentada tem natureza jurídica de regra geral de processo e procedimento, motivo pelo qual se aplica a toda e qualquer ação, independentemente da competência do juízo e do rito procedimental que se imprima a ação repetida. Assim, pode ser aplicada a regra de improcedência da ação repetida nos processo de conhecimento, cautelar e de execução, nos procedimentos comum (ordinário e sumário) e sumaríssimo (v.g., juizados especiais federal e estadual), assim como nas ações que se processam por rito especial (v.g., CPC890 et seq., mandado de segurança, ação civil pública, ação popular, ações coletivas, ações de locações, ações falenciais, ações de embargos do devedor etc.) É admissível a aplicação do CPC 285-A nos processo de competência da justiça comum (federal e estadual) e da justiça especial e.g., justiça do trabalho-CLT769). A incidência da norma comentada dá-se, também, no âmbito dos tribunais, as ações de sua competência originária. (JÚNIOR, 2007, p.555)

Do que se expôs, é possível concluir, ainda, que as alterações legislativas em tela poderão trazer resultados que vão de encontro ao que se pretende com a reforma.


6. A INCOSTITUCIONALIDADE DO ART. 285-A

A Lei n° 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, que acresceu, desastrosamente, o art. 285-A no Código de Processo Civil cuja redação é a seguinte:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo- se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

A Lei analisada introduziu no Código de Processo Civil a possibilidade de dispensa da apresentação de defesa e a reprodução da sentença em outro feito prolatada, maculando o art. 5º, caput, com os incisos XXXV, LIV e LV da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, á liberdade, á igualdade, á segurança e á propriedade, nos seguintes termos:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ocorre que, os princípios constitucionais devem ser aplicados sempre em primeiro lugar, o que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas. O que parece não ter sido observado pelo legislador.

A Lei em epígrafe atenta contra o princípio da isonomia ao permitir que o juiz se paute em precedentes de sua própria lavra, aumentando o grau de subjetivismo nas decisões de primeiro grau, podendo resultar em arbitrariedade e criando a espécie anômala da "sentença vinculante".

No entanto, há que se afirmar que o Direito brasileiro, por força da ordem constitucional vigente desde 1988, assegurou o princípio da igualdade, também chamado princípio da isonomia. Assim, de acordo com CÂMARA (2005, p.40-41), vale salientar que "Entre outras palavras, o princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas."

A norma atenta ainda contra o princípio da segurança jurídica, no que concerne ao procedimento judicial, posto que o processo será normal ou abreviado, "segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não forma partes naquele feito não existe." (ADIN 3695, 2006, p.6).

O Diploma Legal restringe de forma desarrazoada, sem margem de dúvidas, o "princípio do direito de ação. (...) O direito de ação é, pela norma fustigada, limitado, restringido, ante a eliminação que se faz do processo normal pela pronta prolação da sentença emprestada." (ADIN 3695, 2006, p.7).

Salientamos, ainda, que o princípio do contraditório é, sem sombra de dúvida, um dos mais relevantes entre os corolários do devido processo legal, conforme afirma CÂMARA (2005) "Não há processo justo que não se realize em contraditório (...) Através do contraditório se assegura a legitimidade do exercício do poder, o que se consegue pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional" .

Assim sendo, não pode o magistrado passar por cima de princípios constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, bem como não poderia substituir o réu, dispensando sua citação e, ainda, decidindo sem ouvir sequer o suposto beneficiário da sua decisão. Nada justifica tal impropério.

A garantia constitucional do contraditório deve ser compreendida como um direito de participação no processo judicial que tem por fim legitimar o provimento estatal que nele se forma.

É notório que o dispositivo estudado macula o devido processo legal, quando o feito tem seu curso abreviado com fundamento em sentenças cuja publicidade é inexistente, dando fim ao processo sem examinar as alegações do autor.

Olvidamos, aparentemente, a advertência de Kazuo Watanabe que, em obra clássica, revela que:

o direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito de "devido processo legal", assegurado pelo art. 5º., LIV, da Constituição Federal. "Devido processo legal", é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios. (WATANABE, 2005, p.142-143)

Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, que é pautado pelos direitos fundamentais, propiciando um ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas.

A aplicação dessa nefasta norma atenta, não só contra os valores constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mas ainda desvirtua o devido processo legal que é, sem sombra de dúvida, a verdadeira causa de todos os demais princípios em prol de uma procura desmedida pela aceleração da tutela, pagando-se o preço caro de eventual subversão de garantias individuais.

Nesse diapasão, merece ser transcrita a lição de NELSON NERY JUNIOR:

O CPC 285-A é inconstitucional por ferir garantias da isonomia (CF 5° caput e I), do devido processo legal (CF 5° caput e LIV), do direito de ação (CF 5°XXXV) e do contraditório e ampla defesa (CF5° LV), bem como o principio dispositivo, entre outros fundamentos, porque o autor tem o direito de ver efetivada a citação do réu, que pode abrir mão de seu direito e submeter-se à pretensão, independentemente do procedente (sic.) jurídico do juízo. Relativamente ao autor, o contraditório significa o direito de demandar e fazer-se ouvir, inclusive produzindo provas e argumentos jurídicos e não pode ser cerceado nesse direito fundamental. De outro lado, oi sistema constitucional não autoriza a existência de "súmula vinculante" do juízo de primeiro grau, impeditiva da discussão do mérito de acordo com o due process. (2007. p.555)


7. AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE N° 3.695/2006

Não tardou para que a norma em testilha fosse acoimada de inconstitucionalidade. Com efeito, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal sob n° 3.695, de 2006.

Para a Ordem, a lei atacada introduziu no Código de Processo Civil, com o artigo 285-A, a possibilidade de dispensa da apresentação de defesa e a reprodução da sentença prolatada em outra demanda e macula o artigo 5º, caput, e seus incisos XXXV, LIV e LV da Constituição da República.

Afirma ainda que o dispositivo em tela instituiu uma sentença vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau. A instituição reforça que o artigo deve ser expurgado do ordenamento jurídico pátrio, haja vista à flagrante violação do princípio da igualdade, da segurança, do acesso à Justiça, do contraditório e do devido processo legal.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi distribuída, em 29 de março de 2006, para o então Ministro Cezar Peluso, que não apreciou o pedido de liminar feito pela OAB, que pretendia que a alteração legal não entrasse em vigor.

O Relator em seu despacho inicial determinou que o presidente da República e o Congresso Nacional prestassem informações, e abriu vista por cinco dias, sucessivamente, ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República.

O Instituto Brasileiro de Direito Processual ingressou como amicus curiae, no feito e manifestou seu apoio integral ao novo artigo, atestando a constitucionalidade da regra, no final de abril de 2006.

Em junho de 2006, o Ministério Público Federal apresentou parecer pela improcedência do pedido, a fim de que seja declarada a constitucionalidade da norma. Os autos estão conclusos com o Relator desde 27 de julho de 2006.

No dia 27 de julho de 2008 fará dois anos que a ADIN está conclusa com o Relator Ministro Cezar Peluso. Então, perguntamos, que celeridade é esta que o legislador tanto busca que permite que um processo fique parado por quase dois anos?

Acreditamos que a lei, embora vigente, será declarada inconstitucional, tendo em vista não estar de acordo com o texto constitucional e com a regras inerentes ao processo.


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de aprimorar nossos conhecimentos jurídicos, o tema escolhido neste trabalho identifica-se com a crescente evolução e amadurecimento do Direito Processual Civil e justifica-se pela a preocupação social com a celeridade do processo.

Ocorre que o atraso na prestação de tutela jurisdicional, não é somente gerado pelo congestionamento do Poder Judiciário em razão de demandas repetitivas, mas, principalmente, pela ociosidade que acomete o processo, ao propiciar que uma demanda fique totalmente parada por anos sem haver nenhuma decisão.

É de se relevar, ainda, a quantidade infindável de recursos a disposição dos operadores do direito, que podem manejar diferentes formas protelatórias do processo judicial.

Imperioso se faz o imediato julgamento da ADIN, a fim de que seja julgada procedente balizada por todo o exposto.

Destarte, pelos argumentos elencados, como resultado de toda a pesquisa efetuada, e principalmente, por macular as garantias da isonomia (CF 5° caput e I), do devido processo legal (CF 5° caput e LIV), do direito de ação (CF 5°XXXV) e do contraditório e da ampla defesa (CF5° LV), bem como o princípio dispositivo, entre outros fundamentos, concluímos que o diploma legal em análise é absolutamente inconstitucional.

De toda essa discussão podemos concluir que cumpre a Ciência Jurídica acompanhar os anseios sociais, sim, mas sem sacrificar as garantias e os direitos encartados na Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3695. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3695&classe=ADI&codigoClasse=0&ORIGEM=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=, acesso em 23/09/2008, às 19h30min.

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DINIZ, Cristiane Caldas. As inovações da lei nº 11.277/2006: o julgamento antecipadíssimo da lide. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1936, 19 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11852. Acesso em: 20 maio 2024.