Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/102950
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A manifestação da extrafiscalidade sob o prisma do princípio da seletividade

A manifestação da extrafiscalidade sob o prisma do princípio da seletividade

Publicado em .

O princípio da seletividade foi estabelecido para minimizar a transferência da carga de tributação do IPI e do ICMS, a fim de resguardar a capacidade contributiva e possibilitar um sacrifício menor dos mais pobres.

1. INTRODUÇÃO

O Estado moderno apresenta um papel mais atuante, não se trata essencialmente de um Estado intervencionista, eis que a interferência não é total, todavia, foge do modelo de Estado liberal, ideia de estado mínimo, que não intervém na economia da sociedade, modernamente foram superadas estas duas formas de Estado: o Estado moderno, como um terceiro modelo, surgiu como uma síntese destes, buscando a eficiência na governabilidade, com atribuições oriundas das necessidades da população.

Neste contexto vemos o Estado brasileiro, sendo a tributação um dos meios pelo qual o Estado demonstra seu poder. Mas como todo poder, a aptidão para tributar pertencente às pessoas políticas também possui limites, que aparecem na forma de regras, princípios e valores a serem seguidos. Os entes públicos possuem uma série de restrições, sendo o Direito um sistema composto de normas jurídicas, que abrange regras e princípios, a Constituição Federal como tal também dita critérios a serem adotados, diretrizes que limitam qualquer forma de poder que o Estado venha a exercer.

Podemos afirmar que o Estado a fim de efetivar direitos depende dos recursos financeiros advindo da tributação, que fazem frente às despesas primárias que auxiliam e financiam a estrutura de todo o sistema público.

Contudo, para a estruturação da sociedade moderna, reflexo deste tipo de Estado, não basta apenas os investimentos em estrutura do país, depende de diversas ações positivas refletidas em políticas econômico-financeiras e sociais, uma tributação utilizada como indutor de comportamentos, conhecida como extrafiscalidade, ao passo que os tributos deixam de ter tão somente uma finalidade arrecadatória, dita fiscal.

Neste contexto, o presente artigo tratará do instituto da extrafiscalidade, uma regra estabelecida pela Constituição Federal de 1988, a qual surgiu como mecanismo de atuação a fim de promover a justiça fiscal e social.

No entanto, o foco principal a ser esclarecido e analisado será o instituto da extrafiscalidade sob o prisma do princípio da seletividade, uma de suas limitações, sendo analisados aspectos referentes e necessários para elucidação do tema. Obviamente, não pretendemos esgotar todo o tema pertencente à extrafiscalidade, pois a sua dissecação completa seria trabalho para uma dissertação de mestrado ou, até mesmo, uma tese de doutorado. Por isso, a pesquisa será trabalhada sobre pontos essenciais ao tema, demonstrando como seria aplicado o princípio da seletividade frente à extrafiscalidade.


2. A EXTRAFISCALIDADE

2.1 Origem histórica da extrafiscalidade

Pouco registro há em livros sobre a origem do instituto da extrafiscalidade, mas como precursor no tema, tratando-o de forma direta, encontramos os ensinamentos de Klaus Vogel, em 1977, o qual reconheceu a função dupla das normas tributárias; a primeira função se refere às normas fiscais, correspondentes à necessidade financeira do Estado, que parte de critérios da justiça distributiva. Quanto à segunda função, é a perseguição de determinada finalidade político-econômica, chamada de função dirigista1.

É possível encontrar algumas passagens históricas em que a indução de prática econômica pode ser vista por meio dos tributos, como no Império romano, em 184 a.C, onde havia o chamado imposto sobre o luxo, com o fim de frear a influência helênica na cidade, eis que era de praxe na época residências com fachadas de obras de arte grega, o que afetava a própria arquitetura da cidade romana.

Ainda, neste período podemos citar a Lex Papia Poppaea, que previa a cobrança de um imposto mais alto para cidadãos solteiros, e mais baixos para casados, incentivando a formação de família com três ou mais filhos2.

Num período mais recente, há registros de incentivos fiscais pelas Coroas portuguesas e espanholas, com o intuito de impulsionar as viagens que propiciavam novas descobertas e conquistas. No mesmo sentido, as coroas inglesas e holandesas incentivavam fornecendo benefícios fiscais àqueles que colonizassem as novas terras descobertas além da Europa3.

Na Europa, no período pós-guerra, o uso do imposto extrafiscal foi utilizado de forma a incentivar a reconstrução dos países após o fim da guerra, a fim de propiciar o crescimento econômico, equilíbrio na balança de pagamentos, estabilidade monetária e emprego.

Mas foi com a criação do chamado Estado social, e a necessidade de um Estado mais intervencionista frente aos anseios da população, que a utilização do tributo extrafiscal foi claramente debatida. Nesse contexto, cabe ressaltar, em síntese, a luta entre as classes sociais, que se tornaram mais afloradas com a modernidade, bem como as relações que o sistema capitalista originou4.

Atualmente, no direito comparado, há diversos países que se utilizam deste recurso, pois como ressaltado, o Estado intervencionista refere-se à própria criação do Estado moderno e social, principalmente em ênfase após o final da Segunda Guerra Mundial, em substituição ao modelo de Estado Liberal.

Nesta loada, há as ilustrações de Fernando Auréllio Zilveti, o qual cita alguns exemplos da prática da extrafiscalidade na Alemanha, dentre eles, a Constituição Federal Alemã autoriza a criação de contribuições especiais (Sonderabgaben), a fim de dirigir a economia e as atividades sociais. Diante desta previsão, há no país uma contribuição social que custeia programas de auxílio às pessoas portadoras de necessidades graves. Ainda, há um imposto sobre cães, cobrado de todo cidadão que possui um cão, tal imposto tem a função extrafiscal, eis que um dos seus objetivos é desestimular a superpopulação canina. Outro exemplo na Alemanha, visando desestimular a especulação imobiliária, é a existência de um imposto sobre a segunda moradia, uma vez que a oferta de moradias é muito reduzida em determinadas cidades5.

Desta forma, o que se verifica com estes registros históricos, é que desde que se descobriu o tributo, há registros de seu uso além dos fins meramente arrecadatórios, o uso extrafiscal dos tributos surgiu como forma de estímulos e desestímulos de comportamento do cidadão dentro de uma sociedade, a fim, pelo menos no que era a visão de cada época, de beneficiar a coletividade como um todo.

2.2 O tributo extrafiscal

No Brasil a extrafiscalidade foi abarcada pela Constituição de 1988, pois, apesar de não ser citada expressamente, visualizamos a sua manifestação através de vários dispositivos constitucionais que serão ao longo deste trabalho mencionados, sendo a sua legitimidade constitucional amplamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência.

Com efeito, o uso extrafiscal de tributos pelo Estado passou a existir frente às crescentes responsabilidades para com a população, suprindo deficiências e necessidades coletivas. Por conta disso, o uso do tributo extrafiscal é um dos instrumentos para a realização das atribuições políticas, legais, econômicas e sociais.

A possibilidade do Estado fazer o uso da extrafiscalidade, em que os fins vão além do meramente arrecadatório, vem do exercício da competência tributária do Estado brasileiro, com o seu poder de criar e alterar tributos, outorgado pela Constituição Federal para a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Muitas vezes manipulando o próprio exercício do direito à liberdade, eis que a elevação tributária é tão alta que mesmo não proibindo, torna de modo indireto um comportamento proibido, afetando na opção de escolha.

As lições de Geraldo Ataliba também são esclarecedoras no entendimento da função da extrafiscalidade: “(...) instrumentos tributários para a obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados (...)”6.

Como muito bem leciona Fabio Brun Goldschmidt: “O tributo extrafiscal pode ser encarado como um mecanismo, além daqueles que o Estado ordinariamente dispõe, para a consecução de suas atribuições constitucionais, como a igualdade, o bem estar geral e outros ideais”7.

E Sacha Calmon Navarro Coêlho:

A extrafiscalidade, basicamente, é o manejo de figuras tributárias, diminuindo ou exasperando o quantum a pagar com fito de obter resultados que transcendem o simples recolhimento do tributo, muito embora a instrumentação extrafiscal não signifique, necessariamente, perda de numerário. Muitas vezes redunda em maior receita, como em certos casos de agravamento de alíquotas, visando a inibir determinados comportamentos, hábitos ou atividades inconvenientes8.

Com base nisso, serão diferenciados os conceitos de tributos fiscais e extrafiscais.

Os ditos fiscais são aqueles que são cobrados com finalidade de arrecadar dinheiro aos cofres públicos para custeio das despesas do Estado, sem que outros fatores sociais, políticos ou econômicos interfiram na sua organização jurídica.

Os extrafiscais são tributos que têm como finalidade o estímulo ou desestímulo de certos comportamentos com base no interesse social, econômico ou político, objetivos que vão além do meramente arrecadatório, de acordo com as prioridades da sociedade, intervindo e regulando; tributo o qual pode se manifestar através de alíquotas fixas, ou por meio da tributação progressiva e regressiva.

Doutrinariamente, ainda são destacados os tributos parafiscais, que como a extrafiscalidade, teriam uma função secundária na tributação. Na parafiscalidade o tributo é arrecadado por pessoa diferente do Estado e em benefício deste terceiro.

De maneira geral, a extrafiscalidade pode ser utilizada tanto para fins econômicos, estruturando a economia, quanto sociais, desestimulando determinadas condutas, por exemplo, influenciando no comércio de bebidas alcoólicas e de cigarros, ou de produtos supérfluos, de acordo com a sua essencialidade, outras vezes desestimulando a compra de produtos importados, ou ainda estimulando determinadas ações, como a compra de veículos.

Neste tema são de grande importância as palavras de Aliomar Balleiro:

Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais9.

Ainda, podemos dizer que a extrafiscalidade quando utilizada pelo estado em sua política fiscal muitas vezes visa à justiça social, que preponderam sobre os fins simplesmente arrecadatórios de receitas, desenvolvendo setores da economia que são mais utilizados e essências ao cidadão, ou fomentando determinados ramos ou atividades de acordo com os preceitos constitucionais, esta política da extrafiscalidade pode não trazer uma justiça fiscal, pois há clara tributação maior de um produto em desfavor do outro, contudo, esta intervenção na economia faz se necessária no Estado moderno, que figura como agente transformador de uma sociedade, ao incentivar ou desincentivar a compra de determinada mercadoria ou uso do serviço.

Os ensinamentos de André Folloni são destacáveis neste sentido: “A "Curva de Laffer" demonstra-o. O aumento na alíquota de um tributo pode, num primeiro momento, produzir crescimento de arrecadação. Contudo, em momento posterior, se o tributo for aumentado de forma excessiva, a arrecadação pode decrescer, porque a realização do fato gerador se revela inviável economicamente”10.

O autor Flávio De Azambuja Berti apresenta uma série de atribuições aos tributos extrafiscais:

Assim, por exemplo, o combate ao desemprego ou a preservação do nível de emprego, a utilização racional a fim de que a mesma cumpra com a sua função social, a preservação do meio ambiente e de condições fitosanitárias mínimas para a sobrevivência do homem, a preservação da saúde das populações urbana e rural, a segurança pública, o desenvolvimento da indústria, os interesses individuais, coletivos e difusos dos consumidores, o aumento do saldo da balança comercial no comércio exterior, o estímulo ou desestímulo às importações, o exercício de poder de polícia sobre o mercado financeiro, o monitoramento e controle do câmbio e das operações de grandes investidores etc.11

Serão exemplificados alguns tributos que podem ser vistos com a finalidade extrafiscal.

Os Impostos de Importação e Exportação são extrafiscais à medida que visam contribuir com as necessidades de regulação do comércio exterior e políticas monetárias, ou com a proteção de empregos em indústrias nacionais e preservação da balança comercial do país. Como ocorre com a tributação mais elevada em face de automóveis importados do exterior, privilegiasse a indústria automobilística nacional. Ou ainda, quando se aumenta o Imposto de Exportação para inibir que o sujeito passivo (empresário) exporte seu produto, aquecendo de tal maneira mais o mercado nacional, desestimulando a prática da exportação.

Os Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) estão relacionados às questões de indústria e de comércio exterior, sendo extrafiscais porque visam à estimulação de comportamento, como se observa quando se estimula a venda de automóveis, reduzindo o IPI, como aconteceu no ano de 2012 e 2013, ou desestimulam-se o consumo de cigarro, aplicando alíquotas 300% sobre este bem.

O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de modo genérico, visa regular o fluxo de moeda, podendo, nas operações de câmbio, estimular ou desestimular a procura, à medida que a compra se torne mais onerosa. Outra forma que o IOF também pode assumir a forma de extrafiscalidade, é no mercado financeiro, desestimulando investimentos, para influenciar investimentos diretos no ramo de produção.

O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural terá caráter extrafiscal quando suas alíquotas forem fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, conforme dispõe o art. 153, §4º, da Constituição Federal.

Situação semelhante verifica-se no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, revelando seu caráter sancionatório, o chamado IPTU progressivo no tempo: a extrafiscalidade é aplicada em alíquotas progressivas, ano após ano, nas propriedades que não estejam cumprindo com a função social, tentando induzir o proprietário a dar utilização do solo urbano, ou estimulando a aliená-lo para que outro realize a função social (o que pode acontecer com o ITR também - art. 182, §4°, II, da CF).

Por fim, um último exemplo esclarecedor, refere-se à legislação pertinente ao Imposto de Renda (IR), conforme ensina o ilustre Professor Paulo de Barros Carvalho:

A legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) permite o abatimento de verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de reservas florestais no país, (...) que caracterizam, com nitidez, a extrafiscalidade.12(grifo do autor)

Outrossim, normas indutoras ainda podem ser verificadas em outros âmbitos além do tributário, como quando se garante descontos em meios de transportes que são mais sustentáveis e menos poluidores.

Apesar destes exemplos, acreditamos que o estímulo e o desestímulo de comportamento podem ser aplicados em qualquer imposto. O que nos leva a dizer que os impostos possuem estruturas compatíveis com a extrafiscalidade.

Contudo, para as taxas, para as contribuições de melhoria e para os empréstimos compulsórios, devido às próprias características estipuladas em lei, não parecem ser passíveis de atribuir o caráter extrafiscal. Vejamos resumidamente.

As taxas se apresentam na forma de contraprestação, tendo assim como base de cálculo o valor empreendido pelo Estado (seu custo) para prestar o serviço ou fornecer o “poder de polícia”, por isso não se pode falar em alíquotas elevadas ou reduzidas com a finalidade de estímulos de comportamentos.

As contribuições de melhoria, da mesma maneira, têm como limite a valorização do imóvel do contribuinte, não podendo a pessoa política utilizar-se desta espécie tributária para estimular algo, pois sua finalidade é meramente fiscal.

Os empréstimos compulsórios têm a sua arrecadação com base numa finalidade já pré-especificada (conforme o art. 148, da CF), e, assim, vinculada a uma despesa ligada a sua instituição. De tal modo que inviabiliza o caráter extrafiscal.

Para as demais contribuições, em especial aquelas previstas como contribuições de intervenção no domínio econômico, visualizamos uma ação claramente intervencionista dada ao Estado, pois a extrafiscalidade, conforme dispõe o art. 149, da CF13, manifesta-se na tributação que incentiva ou desincentiva determinadas atividades, intervindo, como o próprio nome diz, no meio econômico.

Assim, apesar dos impostos claramente viabilizarem uma interferência do Estado na economia, incentivando ou reprimindo conduta, eis que são eles os meios para a concretização de políticas governamentais, conforme ditames da Constituição de 1988, a criação das contribuições sociais, em especial a contribuição de intervenção no domínio econômico, também trouxe possibilidade de influência do Estado nas atividades de natureza econômica. Talvez até porque a natureza jurídica dos impostos seja muito próxima a das contribuições especiais, as posições doutrinárias com relação à classificação dos tributos desenvolveram a teoria tripartide, em que os cientistas do direito entendem por três espécies de tributos: impostos, taxas e contribuição de melhoria, sendo as contribuições especiais manifestações da espécie “Imposto”, não constituindo uma espécie de tributo autônoma.

Adotamos a teoria quinquipartide: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais, consideradas tais contribuições uma espécie nova de tributo, uma vez que diferentemente dos impostos há necessidade de se analisar a destinação do produto da arrecadação nas contribuições especiais, mas não cabe a este trabalho a pretensão de discutir estas teorias mais aprofundadamente.

No entanto, isso não significa dizer que ora um tributo terá apenas finalidade fiscal e ora somente extrafiscal, porquanto, as duas finalidades coexistem harmonicamente, pois, também, não se irá negar a receita oriunda de uma tributação extrafiscal. Como se observa nos exemplos citados, a extrafiscalidade se sobrepõe, e em outros casos, o caráter fiscal, sendo que na maioria das vezes os chamados tributos extrafiscais também produzem receitas financeiras para o Estado.

Contudo, pode se observar em alguns casos a função tão somente extrafiscal, como quando há o estabelecimento de isenções, não se vai vislumbrar o objetivo da arrecadação.

Igualmente ocorre nas imunidades, que também são instrumentos da extrafiscalidade, vez que inibe a incidência em determinados setores tidos como prioritários dentro da sociedade; um exemplo são as instituições de educação, sem fins lucrativos, que apresentam imunidade com relação aos impostos a fim de incentivar o desenvolvimento educacional no país.

Realmente, como vemos, a extrafiscalidade pode estar presente quando aplicada a progressividade, o princípio da seletividade, ou mesmo quando proposta determinada isenção, todas situações que aumentam ou diminuem a carga tributária a fim de regular e influenciar em determinado fato jurídico tributário.

Por todo o exposto, cabe destacar que, sendo a extrafiscalidade um instituto jurídico-tributário, toda a sua regulação deve ser pautada no sistema constitucional tributário14, respeitando, desta maneira, os limites impostos pelos princípios constitucionais tributários, implícitos ou explícitos pela constituição, neste caso, presente neste trabalho de forma pormenorizada, o princípio da seletividade, como limitador e ao mesmo tempo regulador do signo da extrafiscalidade, como será a seguir abordado.


3. O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE

Princípio designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas que representam uma “ideia mestre”, um “pensamento chave”, em que todas as demais, inclusive os pensamentos e as normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam. São normas jurídicas de alta carga valorativa, devendo na sua aplicação avaliar o peso e a importância de cada princípio, de modo que passariam por um processo de ponderação entre eles, de acordo com uma análise sistemática da Constituição.

Nesta esteira também ressalta Paulo de Barros Carvalho que “(...) os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas”15.

Na Constituição de 1934 havia uma previsão que lembra o princípio da seletividade: "São isentos de imposto de consumo os artigos que a lei classificar como mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica" (§ 1º do art. 15).

O poder constituinte ao elaborar a atual Constituição foi mais técnico, e dispôs expressamente sobre o princípio da seletividade, podendo ser encontrado no art. 155, §2º, inciso III, que ao dispor sobre o ICMS explicitou: “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”; ainda, quanto à regulação do IPI a Carta Magna em seu artigo 153, §3º, inciso I, apontou: “será seletivo, em função da essencialidade do produto”. Estas previsões pelo constituinte são justamente por se tratarem de tributos que oneram bens ditos como essenciais, que incidem num momento da cadeia de tributação, que oneram indiretamente o empresário, visto que o valor será repassado para o usuário final, o chamado contribuinte de fato, assim, respeitando a capacidade contributiva deste.

Considerando que o princípio da seletividade será aplicado diretamente em face de um tributo, cabe verificar em qual critério da regra-matriz de incidência este afetaria, e fica óbvia a conclusão que a maneira de induzir comportamentos será através da modificação do valor a pagar, assim atingindo o critério quantitativo, de tal forma que a maneira de modificar o resultado de acordo com a essencialidade do produto, mercado ou serviço de forma mais prática será estabelecendo diferentes alíquotas, realizando-se, assim, o princípio da seletividade através da modificação da alíquota. Deste modo, a alíquota é que é seletiva, e não o tributo em si16.

Neste sentido, cabe destacar as considerações de José Roberto Vieira, ao afirmar que o princípio da seletividade se realiza “(...) pelo estabelecimento das alíquotas na razão inversa da necessidade dos produtos”17. Destarte, o modo de se concretizar o princípio da seletividade é através da alteração das alíquotas, na medida da essencialidade do produto, mercadoria ou serviço, de tal modo que quando mais supérfluo o bem, maior deve ser a alíquota, e quanto mais essencial, menor deve ser a alíquota.

Em outras palavras, as alíquotas serão fixadas de acordo com a necessidade do bem, fixando o legislador percentuais maiores para bens de menores necessidades, e estabelecendo alíquotas de patamares mais elevados se o bem for mais essencial.

Sendo, portanto, a essencialidade moldura para o princípio da seletividade.

Partindo desta premissa José Eduardo Soares de Melo ensina que o princípio da seletividade deverá “(...) suavizar a injustiça do imposto, determinando o impacto tributário que deve ser suportado pelas classes mais protegidas e onerando os bens consumidos em padrões sociais mais altos”18.

Nesse contexto, Henry Tilbery em seus estudos sobre a tributação classificou os produtos em:

a) bens de primeira necessidade, dos quais precisam todos, mas que são os únicos produtos ao alcance daqueles que se mantém no nível mínimo de subsistência;

b) bens não necessários, que são consumidos por um número bastante grande de pessoas, que vivem em diversos graus de escala econômica, porém todos acima do nível mais baixo;

c) artigos de luxo, disponíveis, principalmente, para as pessoas em nível mais elevado de bem estar19.

Classificação bem apresentada, pois seguindo os ditames constitucionais, apresenta a noção de essencialidade de cada produto, percebendo, assim, que ao aplicar o princípio da seletividade deveremos levar em conta o grau de essencialidade do bem.

Deste modo, com estas breves considerações, o que podemos inferir é que o princípio da seletividade contribui na concretização de justiça na aplicação do tributo, uma vez que contribuintes de uma determinada classe, que precisa de bens de primeira necessidade, terão menos carga tributária para arcar.

A respeito do tema, com o intuito de melhores esclarecimentos, precisamos trabalhar com a noção de essencialidade, visto que em ambas as previsões constitucionais do princípio da seletividade o constituinte teve o trabalho de se referir à essencialidade do produto, mercadoria ou serviço; ademais, o próprio princípio da seletividade leva a esta noção, estando, desta forma, inexoravelmente interligado à noção de essencialidade.

3.1 Considerações Sobre o Conceito de Essencialidade

A noção de essencialidade vem do latim essentialis, significando indispensável, fundamental, imprescindível ou essência.

No dicionário jurídico De Plácido e Silva: “Essencial, assim, mostra-se o que não é dispensável nem suprível, levando à morte, à extinção, ou a ineficácia, tudo o que sofrer de sua ausência”20.

Mas, quais serão os parâmetros que devemos adotar para aplicação da essencialidade?

Esta noção jurídica deve ser encontrada no texto constitucional, devendo assim refletir a integração dos direitos fundamentais do cidadão, garantias constitucionais básicas, necessárias a vida e a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais, compreendendo as normas constitucionais como normas de caráter duplo, como regras e princípios de modo integrado. Em síntese, devem-se analisar direitos que não pode ser negados à coletividade.

Assim, devemos entender que a essencialidade é a determinação do princípio da seletividade, o qual deve estar adequado tanto no ponto de vista econômico, quanto no ponto de vista político de uma sociedade. Devendo ser resguardado menores alíquotas para os bens mais essenciais, e maiores alíquotas para os bens de consumo mais restritos e voluptuosos.

Sem dúvida podemos afirmar que a seletividade é um mecanismo para se proteger o mínimo vital, e consequentemente a dignidade da pessoa humana, sendo este o parâmetro que o estudo da noção de essencialidade nos fornece também.

Destarte, podemos vislumbrar o mínimo existencial como implícito ao direito da dignidade humana, como cláusula do Estado social de Direito, bem como implícito em inúmeras classificações relacionadas aos direitos fundamentais, exemplos são aqueles previstos no art. 7º, IV, da Constituição de 1988, como o salário mínimo dos trabalhadores, tanto urbanos, quanto rurais, aludindo seu valor a uma proporção que seja capaz de atender às necessidades vitais básicas destes trabalhadores, incluindo a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

O mínimo existencial ou mínimo vital diz respeito ao indivíduo e a família, instituto que também é constitucionalmente protegido, referindo-se ao mínimo necessário para a existência dignidade do ser humano. Importante elemento que o Estado deve avaliar ao utilizar-se da extrafiscalidade com base no princípio da seletividade.

Com muita propriedade, Ricardo Lobo Torres destaca que “O mínimo existencial é direito subjetivo protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais”21.

Nesse raciocínio, o festejado Roque Antonio Carrazza trata do assunto de forma mais objetiva, ao declarar que os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital) são garantidos pela Constituição, especialmente em seus arts. 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, saúde, educação, transporte etc.)”22/23.

E Regiane Binhara Esturilio aponta outros dispositivos constitucionais que trazem a ideia da essencialidade e do mínimo existencial:

E há ainda outros artigos do texto constitucional indicando produtos, mercadorias e/ou serviços essências, como por exemplo, as referências aos serviços de telecomunicações, de radiodifusão sonora, de sons e imagens e de energia elétrica (artigo 21 e 22); ao meio ambiente – itens que auxiliem no combate à poluição, na preservação das florestas, da fauna e da flora (artigos 23, inciso VI, e 170, inciso VI); ao gás natural, o petróleo e seus derivados, os combustíveis e os minerais (artigos 155, § 3º e 177)24.

Ainda, da análise do texto constitucional, apesar do conceito de essencialidade estar ligada diretamente aos bens de consumo, vemos uma clara proteção ao meio ambiente, é o que se vislumbra do art. 225, da CF: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Nessa perspectiva, vemos que nosso sistema constitucional não é neutro. O Estado tem o dever de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, devendo este sempre intervir em formas de ações positivas, as quais inexoravelmente refletem no direito tributário.

De tal forma, o meio-ambiente é tido como essencial à sociedade, devendo a tributação extrafiscal também se pautar neste tópico quando do estabelecimento de alíquotas em produtos, mercadorias ou serviços que beneficiem a proteção ambiental ou a prejudiquem, tornando mais custosas atividades que causem maiores danos ao meio ambiente, direcionando as atividades econômicas para um desenvolvimento mais sustentável.

Dadas estas explicações, de acordo com os parâmetros trabalhados da essencialidade os bens ecologicamente corretos deverão ser tributos com alíquotas menores, a fim de influenciar o seu uso no mercado, sendo aqueles nocivos ao meio ambientes, que resultem em degradação, serem tributados com alíquotas maiores, a fim de restringir a sua existência no mercado25.

Uma análise mais atenta do texto constitucional também permite concluir que o constituinte elegeu como parte da essencialidade frente às necessidades da população, o desenvolvimento tecnológico e científico, pois, claramente dispôs que o Estado promoverá e incentivará a tecnologia, a pesquisa e a capacitação tecnológica, conforme se pode conferir nos art. 218 e 219, da Constituição Federal26.

Como rol de atividades ou serviços essenciais, criadas pelo próprio legislador podemos citar ainda a lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o direito de greve, listando, em seu art. 10, uma série de itens que seriam essenciais a população, como tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo; compensação bancária.

Assim, na medida em que tais itens fossem afetados pelo ICMS ou IPI dever-se-ia avaliar a aplicação de alíquotas menores, possibilitando que fossem menos onerados, em função da sua essencialidade, ampliando o acesso à população.

Sobre esta sistemática, a noção do que se entende por essencial deve avaliada ainda por meio de censos demográficos e sociais do Brasil, visto que é sabido que existe uma grande disparidade entre a qualidade de vida da população norte e nordeste versus a população do sul e do sudeste.

Deve ainda haver por parte dos legisladores uma avaliação de tempos em tempos sobre a essencialidade, uma vez que este não é um conceito imutável, é variável de acordo com a sociedade e sua cultura, como ocorreu com relação ao meio-ambiente, o qual, no século passado, não era considerado essencial de acordo com os textos constitucionais.

Observemos que a delimitação do mínimo existencial deve ser a partir de uma análise de todos os direitos dispostos na Constituição para se conseguir a manutenção de uma vida digna.

Portanto, o princípio da seletividade, baseado na essencialidade do bem ou serviço, servirá justamente para avaliar a adequação e necessidade de determinada tributação extrafiscal, surgindo como parâmetro de atuação estatal, partindo de uma análise considerando o princípio da unidade constitucional (avaliando-se todas as normas estruturantes da Constituição, visando aplicá-la de modo integral, de forma simultânea e compatibilizada das normas ali e existentes27), sendo seletivo à medida que avalia as características objetivas da mercadoria, produto ou serviço, variando as alíquotas de acordo com o nível de necessidade e utilidade destes bens, avaliando se o fim a qual foi instituído atende a finalidade constitucional autorizada.


4. O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE NA EXTRAFISCALIDADE

A extrafiscalidade foi criada pelo legislador constituinte, o qual não determinou expressamente no texto constitucional os bens e mercadorias que poderiam ser objeto de sua aplicação, porém, previu na própria Constituição regras específicas para regular este instituto, como através dos princípios constitucionais tributários e das limitações constitucionais ao poder de tributar.

Nesta linha de raciocínio, podemos falar que um dos princípios que foi utilizado como base para a criação da extrafiscalidade figura no direito administrativo: o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, de tal forma que sempre que o interesse da população estiver envolvido, o interesse do particular deve ser colocado de lado, a fim de se preservar o primeiro, com o intuito de gerar maiores benefícios em prol da coletividade.

Nessa diapasão, há de se destacar também a ideia de bem comum, que pode ser extraída tanto da noção de essencialidade, da supremacia do interesse público, e que norteia então a extrafiscalidade aplicada ao princípio da seletividade. De tal forma, promover o bem comum é ter uma atuação voltada a finalidades sociais, que estão diversificados no texto constitucional.

Outras formas de se verificar a extrafiscalidade com origem no princípio da seletividade é quando há pesada tributação sobre os produtos importados que são considerados supérfluos e voluptuários, como acontece com os perfumes, as peles e as joias.

Assim, a extrafiscalidade é a realizada pelo princípio da seletividade à medida que age em fatos econômicos, tornando mais ou menos atrativas determinadas condutas que visa regular.

Ainda, podemos verificar a manifestação do princípio da extrafiscalidade através do princípio da seletividade em determinadas políticas econômicas, quando o Estado isenta ou diminui drasticamente o tributo de determinado produto considerado de extrema necessidade para uma determinada região do Brasil subdesenvolvida geograficamente, deixando o tributo com a carga normalmente aplicada em outras regiões ou polos mais desenvolvidos. Tal interferência é possível devido à aplicação do princípio da igualdade, visto sob o ponto de vista constitucional, vez que aqui deve se analisar seu viés material, isto é, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais de acordo com sua desigualdade, bem como por meio do princípio constitucional tributário da uniformidade geográfica, previsto no art. 151, inciso I, da Constituição Federal28, mas também podendo ser extraído do art. 174, §1º, da CF29, que visa promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico de cada região30, visando corrigir distorções históricas.

Do exposto, fica claro que o princípio da razoabilidade31 é um dos princípios que mais norteiam a aplicação do princípio da seletividade na extrafiscalidade, eis que este será parâmetro para a persecução da justiça social, frente às políticas de intervenção do Estado no domínio privado.

Analisando o início do texto constitucional, podemos dizer que a justificativa da criação da extrafiscalidade a partir da ideia de seletividade pelo poder constituinte pode se vislumbrar já nos primeiros artigos, no art. 1º, inciso II, da CF, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana e no art. 3º, do inciso I a IV, da CF, uma vez que se escala como objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

É importante destacar ainda neste tópico, a questão do controle judicial na seletividade da extrafiscalidade. Neste plano, somos adeptos a posição em que considera possível uma análise jurisdicional quando da instituição ou majoração de tributo com base nestes institutos, eis que são institutos que servem de reguladores aos legisladores no momento da elaboração das leis, como um comando constitucional. Assim, como comando constitucional que é, comporta controle por parte do judiciário, a fim de verificar se o instituto foi utilizado dentro dos padrões constitucionalmente estabelecidos, como bem esclarece Regiane Binhara Esturilio:

Não somente não há impedimento como há dever do Poder Judiciário analisar essas questões e se pronunciar, pois é pela intervenção do Estado, do qual o Judiciário é integrante, que se busca a preservação de ditames constitucionais, no momento e no local considerado.32

Neste sentido, há diversos julgados33/34.

O entendimento não deve ser diferente, tendo em vista que o artigo 5º, inciso XXXV, da CF, autoriza o judiciário a emitir controle sobre a essencialidade ou não de determinado bem, ou ainda, se aplicação da extrafiscalidade está ocorrendo dentro das limitações constitucionais. Neste ponto, caberia uma análise aprofundada do pragmatismo jurídico, mas esse tema ficará para um próximo artigo.

Todavia, como ressaltado, o entendimento não é unânime: parte da doutrina e jurisprudência ainda defendem a impossibilidade de se haver o controle judicial das alíquotas que são afetadas pelo princípio da seletividade, defendendo que este princípio é uma diretriz política, cabendo ao legislador a sua definição, estando o judiciário, ao escolher alíquota mais adequada, legislando de forma positiva.

Por sua vez, como destacado, acredito que o controle jurisdicional é possível, pois este princípio como obrigação do Estado, destina-se tanto ao Poder Legislativo, Judiciário, ou Executivo, de tal forma, como freios e contrapesos dos poderes, o Judiciário, quando provocado, tem o dever de zelar por sua aplicação em eventual equívoco que os demais poderes tenham cometido na fixação de alíquotas.

Como bem assevera Roque Antônio Carrazza:

Sem embargos de doutas opiniões em sentido contrário, pensamos que o Poder Judiciário está apto a controlar este princípio constitucional. Embora haja uma certa margem de liberdade para o Legislativo tornar o imposto seletivo em função da “essencialidade das mercadorias e dos serviços”, tais expressões, embora um tanto quanto fluidas, possuem um conteúdo mínimo, que permite se afira se o princípio em tela foi, ou não, observado, em cada caso concreto. (...) o Poder Judiciário não está menos autorizado do que o Poder Legislativo a investigar o alcance das expressões ‘essencialidade das mercadorias e serviços’35.

O que o princípio da seletividade busca, como espelho da ideologia da Constituição Federal, junto com a extrafiscalidade é uma maior justiça na hora de se cobrar o tributo, além da finalidade de arrecadar tributo, uma função primordial de justiça social, a fim de construir uma sociedade mais igualitária, pois como vimos desde o início, o tributo deverá recair na proporção inverdade da sua necessidade/essencialidade. Uma forma mais eficaz de se vislumbrar também a aplicação da capacidade contributiva.

Vejamos o porquê.

4.1 Apontamentos Sobre a Capacidade Contributiva

A capacidade contributiva, como corolário do princípio da igualdade, refere-se à demonstração de riqueza do contribuinte, a aptidão de arcar com os gastos públicos, serve como limite ao efeito confiscatório, ou seja, sempre que a tributação ultrapassa a capacidade contributiva, ocorre o efeito de confisco. A capacidade de contributiva que deve ser sempre respeitada é a absoluta, enquanto a relativa, sempre que for possível auferir a pessoalidade do contribuinte.

Uma observação precisa ser feita, pois há, erroneamente, a ideia de que a extrafiscalidade constitui exceção à aplicação do princípio da capacidade contributiva. Concordamos que sua relação com a extrafiscalidade é delicada, e que envolve, muitas vezes, o limite da capacidade contributiva, tendo em vista que, a partir deste limite, já caracterizaria o efeito de confisco.

Dessa forma, não podemos deixar a extrafiscalidade “sufocar” por completo a aplicabilidade da capacidade contributiva.

A corroborar o exposto acima, insta transcrever o entendimento de Cassiano Menke:

Em relação à extrafiscalidade o Estado deve conciliar a necessidade de realização do valor buscado como finalidade da norma tributária com o valor por ela restringido quando da sua concretização – a propriedade, a liberdade, e a dignidade humana. É que ambos encontram constitucionalmente protegidos, e entre eles não se pode conceber uma relação de hierarquia em nível abstrato36.

Posição análoga assume Fabio Brun Goldschmidt, o qual declara que é essencial o respeito à capacidade contributiva, à medida que esta serve como controle de fiscalização na cobrança de tributos37.

Em contrapartida, Fernando Aurélio Zilveti acredita que a extrafiscalidade tem como limitadores a razoabilidade, a proporcionalidade, a igualdade, a justiça, o direito de propriedade e o princípio do não-confisco38. Contudo, expõe que “[...] a extrafiscalidade não guarda relação com o princípio da capacidade contributiva”39.

De maneira semelhante, Gustavo J. Naveira de Casanova entende que a capacidade contributiva, na sua vertente relativa, não está relacionada às finalidades extrafiscais, pois esta funciona como critério geral de justiça na distribuição das cargas tributárias, e, assim, não se baseando na capacidade contributiva (relativa), os outros fins constitucionais, que os poderes políticos pretendam alcançar, poderiam se realizar com maior independência, a única barreira seria a não confiscatoriedade40.

Todavia, com todo o respeito a esta posição, acredito que analisando o viés do princípio da seletividade sobre a extrafiscalidade justamente este princípio indica maior capacidade contributiva de quem compra bens tidos como supérfluos.

Neste sentido, Maurício Dalri Timm do Valle destaca: “Entretanto, é necessário firmar a premissa de que o Princípio da Seletividade é, preponderantemente, manifestação do Princípio da Capacidade Contributiva objetiva, que tem seu fundamento no Princípio da Isonomia”41.

Ainda, importantes são os ensinamentos do autor Ricardo Lobo Torres, ao sustentar que subordinar à aplicação do IPI a técnica da seletividade significa cumprir o princípio da capacidade contributiva, eis que o tributo deverá incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos42, de tal forma que o tributo deve recair “(...) sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade”43, argumento que também se aplica ao ICMS, pois como veremos, o princípio da seletividade se aplica da mesma maneira a este.

À vista disso, como impostos indiretos, cabe ao princípio da seletividade diminuir as injustiças da aplicação das alíquotas nos tributos, a fim de respeitar o princípio da capacidade contributiva.

Da análise do princípio da seletividade foi necessária uma rápida abordagem sobre o princípio da capacidade contributiva, e como bem se observa do entendimento assumido, a capacidade contributiva deve ser respeitada quando da aplicação do princípio da seletividade, e de tal maneira, também se aplica à extrafiscalidade, contudo, deve ficar claro que a capacidade contributiva visualizada e aplicada aos tributos que assumam a feição extrafiscal é a chamada capacidade contributiva absoluta, aquela que tem como fonte fatos jurídicos signos presuntivos de riqueza, quando se leva em consideração manifestações objetiva da pessoa, e não pessoais, eis que a extrafiscalidade foge da ideia base de tributo de arrecadar, e não a capacidade contributiva relativa, em que se apura a real capacidade da pessoa, a capacidade econômica real do contribuinte, de forma individualizada e comparada com outros contribuintes no mesmo regime tributário.

Assim, por fim, toda a base principiológica da Constituição deve ser respeitada, de modo aplicá-la de maneira uniforme, e não seus dispositivos isoladamente, sendo a extrafiscalidade uma ferramenta de concretização da capacidade contributiva.

4.2 O Princípio da Seletividade no ICMS

O ICMS é um tributo sobre a circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, de competência dos Estados. Este imposto é repassado ao consumidor através do preço de mercadorias e serviços, por isso é denominado como imposto indireto.

Da leitura literal e isolada se extrai o entendimento que o constituinte facultou ao legislador utilizar do princípio da seletividade frente à instituição das alíquotas do ICMS, de acordo com a essencialidade de cada mercadoria e serviço, conforme dispõe o art. 155, §2º, III, do texto constitucional.

Digo faculdade, pois, diferentemente do que ocorre com o IPI, em que o texto constitucional dispõe que este tributo deve ser seletivo, lhe impondo um dever ao legislador não deixando a possibilidade de se furtar, para o ICMS o texto constitucional se utilizou da expressão “poderá ser seletivo” e não “será seletivo”, demonstrando que sua intenção é que o legislador poderia utilizar-se de base o princípio da seletividade para a imposição das alíquotas do ICMS de forma facultativa.

Assim, o legislador tem a faculdade de distribuir a alíquotas de mercadorias e serviços vinculados ao ICMS conforme sua essencialidade, avaliando se determinada mercadoria ou serviço é essencial, tributando de maneira mais elevada as categorias supérfluas.

Contudo, apesar desta suposta faculdade dada pelo poder constituinte, em uma análise sistemática da constituição, em preservação aos bens de primeira necessidade, ou tido como essenciais pela constituição, parece-me que o legislador ordinário muitas vezes terá o dever de observar o critério da seletividade (e acredito que justamente foi esta a ideia do constituinte, mostrar ao legislador que apesar da não obrigatoriedade, existirá casos em que sua utilização será necessária, avaliando de acordo com o contexto econômico e social da época), sob pena de afetar outros princípios e garantias constitucionais, como o mínimo existencial, igualdade, capacidade contributiva, eis que muitas vezes o legislador não terá a escolha em utilizar ou não, conforme itens dados como essenciais pelo texto constitucional, como saúde pública, incentivo a educação, ou desenvolvimento sustentável.

De tal forma, a função extrafiscal deverá se restringir estritamente a essencialidade da mercadoria ou bem, podendo sua alíquota ser reduzida, ou até isenta, de acordo os trâmites previstos na Constituição para isso, para bens de necessidades básicas, por exemplo.

Nesse sentido, merece destaque os ensinamentos de Hugo de Brito Machado:

(...) na verdade o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços, e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório44.

Nos estudos de Roque Antonio Carrazza se demonstra como a seletividade pode ser aplicada ao ICMS, por meio da criação de alíquotas diferenciadas, incentivos fiscais, sendo, o método mais eficaz para a aplicação do princípio da seletividade45.

Contudo, na doutrina a discussão é calorosa quando a obrigatoriedade ou facultatividade da aplicação do princípio da seletividade no ICMS, tendo em vista que alguns doutrinadores entendem que não haveria margem de discrição, integrando a seletividade obrigatoriamente o processo legislativo, um exemplo é Aroldo Gomes de Mattos, que afirma que a aplicação do princípio constitucional da seletividade, em virtude de sua relação com o princípio da capacidade contributiva, deveria ser obrigatória46.

No entanto, com o devido respeito aos ensinamentos exposto por este autor, acredito que devido à função fiscal e arrecadatória que este imposto tem, a intenção do legislador foi justamente facultar a aplicação da seletividade, a fim de se levar em conta a essencialidade do bem apenas quando esta se mostrar necessária com uma análise sistemática da constitucional, por isso utilizou-se do termo “poderá” e não “será” como ocorreu no IPI (art. 153, §3º, I, da CF).

Kiyoshi Harada alude neste sentido:

(...) descabe a confusão conceitual da palavra “poder”, não distinguindo enquanto verbo e enquanto substantivo. Não procede a alegação de que quando a Constituição Federal confere um poder está a conferir, ipso facto, um dever (...). No caso do dispositivo constitucional sob comento a palavra “poderá” está empregada como futuro do verbo “poder”. Nada tem a ver com a noção de “poder” expressa por um substantivo47.

Pois, conforme destacado, esta faculdade dada ao legislador, esta margem mais ampla de decisão, se origina do próprio fato de que o ICMS é um tributo predominantemente fiscal, marcadamente arrecadatório, uma das principais fontes de receita tributária pelo Estado, por isso do “poderá ser seletivo”.

Contudo, de forma complementar, observamos que o critério da essencialidade, que poderá ser aplicado semeou a possibilidade deste ter sua incidência extrafiscal, a fim de se ajustar a política fiscal e política do Estado, demonstrando que o ICMS hoje se apresenta como um grande instrumento de intervenção na economia.

4.3 O Princípio da Seletividade no IPI

Antes da Constituição Federal de 1988 o IPI era conhecido como Imposto de Consumo, contudo, apesar da mudança da denominação a seletividade já era aplicada a este, diferente do ICMS, que a aplicação da seletividade ocorreu expressamente apenas com a nossa nova ordem constitucional.

Ainda, diferentemente também, a seletividade para a alíquota do IPI é literalmente obrigatória, uma norma cogente, uma vez que o texto constitucional determina expressamente que o IPI deverá ser seletivo em razão da função da essencialidade dos produtos, conforme art. 153, §3º, I, da CF. Sendo a seletividade em razão do grau da essencialidade como único critério norteador da incidência do IPI.

Outra evidência contida no texto constitucional que alude a extrafiscalidade no IPI, além do princípio da seletividade, é a não incidência do princípio da anterioridade em relação à regra anual. Ademais, nesta esteira, inclusive, faculta-se ao Poder executivo alterar as alíquotas deste imposto, majorando-as, sem a necessidade de lei.

Neste sentido, Leandro Paulsen também concorda, lecionando que a observância da seletividade no IPI foi expressa pela Constituição de 1988, tratando-se de uma imposição, e não de uma faculdade48.

O momento, como trabalhado, para aplicação do princípio em questão às alíquotas do IPI, deve ser feita a priori pelo legislador, momento político, que deve comparar os bens envolvidos e aplicar alíquotas de acordo com sua essencialidade, de acordo com a sistemática constitucional, devendo, desta maneira, quando menos supérfluo se tratar o bem, menor deverá ser a sua tributação e, a contrario sensu, quanto mais supérfluo for, mais deverá ser a alíquota incidente.

Assim, em razão da aplicação do princípio da seletividade ao IPI temos a aplicação do instituto da extrafiscalidade, eis que a extrafiscalidade como mecanismo de intervenção na economia, intervém no âmbito social a fim de influenciar o contribuinte a realizarem determinados comportamento ao invés de outros.

Essa é a opinião de José Eduardo Tellini Toledo, pois afirma que a Constituição de 1988 conferiu um inegável caráter extrafiscal ao IPI, na medida em que determinou este ser seletivo em função da essencialidade do produto49.

Um exemplo clássico, e já citado neste trabalho, é o claro uso da extrafiscalidade no IPI incidente sobre a venda de cigarros e bebida alcoólica, que pode, dentro dos parâmetros legais, chegar a uma alíquota de 300% sobre o valor da base de cálculo, o que, a priori, leva a percepção de que seria uma alíquota inconstitucional, afetando o princípio da proporcionalidade, do efeito de confisco etc.

Contudo, o suporte legal constitucional para uma alíquota desta quantidade está justamente amparado no princípio da seletividade, eis que há um objetivo absolutamente legítimo para a imposição de tamanha alíquota pelo Estado, uma vez que o álcool e o cigarro são causas das mais diversas doenças da sociedade, trazendo inúmeros malefícios à população. Além disso, sob o ponto de vista financeiro, os gastos que o Estado tem por questão de saúde pública50 a fim de se evitar as consequências ocasionadas pelo consumo de tais produtos são imensuráveis, que vão desde tratamento individual até a manutenção de hospitais públicos, ainda, podemos destacar os gastos com assistência social e a família do dependente químico, ou também eventuais gastos que o estado terá com esta mesma família caso ocorra um falecimento precoce de um cidadão que tinha dependentes51.

Na prática podemos visualizar outros casos de aplicação da seletividade no IPI, em gêneros alimentícios básicos este imposto não é aplicado em diversos produtos, como ovos, feijão, arroz, batata, milho, frutas, café, massas, óleos, sal, pão, trigo, leite, aveia, ervilha, lentilha, entre outros.

À vista disso, percebemos que a definição de alíquotas no IPI, apesar de ser obrigatória a observância do princípio da seletividade, ainda não é totalmente respeitada, pois produtos de higiene básica como o xampu e desodorante são tributados, ao mesmo tempo em que produtos não essenciais, como lagosta, caviar e avelã, têm alíquotas menores ou reduzidas a zero. Os quais, em geral, apenas são consumidos por uma classe selecionada, e que não adentram dentro da noção de essencialidade.

Desta feita, em síntese, para definir o grau de essencialidade para fins de definição da alíquota do IPI o legislador deverá comparar as alíquotas dos produtos do rol de tributação dos produtos industrializados, levando em conta a necessidade da alíquota obedecer ao critério da seletividade para os produtos de primeira necessidade e consumo mais popular ou conveniente à população, estabelecendo alíquotas de modo inversamente proporcional à sua indispensabilidade.


5. CONCLUSÃO

A extrafiscalidade foi criada numa época do constitucionalismo moderno, em que o Estado deixa de lado sua função estática frente à sociedade, e ajuda na transformação desta para a realização de valores constitucionalmente protegidos.

No Brasil, com a organização jurídico-econômica atual, a Constituição Federal disponibilizou amplo espaço para o desenvolvimento dos tributos extrafiscais, dependendo apenas da boa vontade dos nossos governantes e da criatividade do legislador.

A análise sistêmica da Constituição Federal, ponderando o princípio da unidade constitucional, avaliando de tal forma todo o conjunto dos artigos do texto constitucional, impõe-se que o legislador ao criar, majorar ou diminuir a alíquota de um tributo, deve estruturá-lo a fim de proteger bens de primeira necessidade da população, como moradia, educação, alimentação, saúde, lazer, higiene, vestuário etc.

Neste contexto contemporâneo, os tributos cobrados por meio da atividade extrafiscal, fazem parte da tributação moderna, eis que têm como objetivo a indução de alguém a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, para além de pagar o tributo do Estado, tem o condão de ceder espaço ao interesse da coletividade, em detrimento aos interesses dos particulares, de tal forma que privilegia a função social da propriedade, em detrimento ao direito de propriedade, privilegia a saúde pública, em detrimento ao desenvolvimento da indústria dos setores de cigarros e bebidas alcoólicas, privilegia o equilibro do saldo da balança comercial, em detrimento aos produtos do exterior etc.

O princípio da seletividade está no prelúdio da Constituição, nos fundamentos e objetivos da República, podendo encontrar sua aplicação fundamentada também nos direitos e garantias fundamentais, nos direitos sociais, nos princípios de direito tributário, como comando a ser seguido pelo legislador e ponderado pelo órgão julgador.

Ainda, analisar o princípio da seletividade sob o ponto de vista constitucional passa necessariamente pela análise do instituto da essencialidade e do princípio capacidade contributiva, todos desdobramentos da dignidade da pessoa humana (fundamento da nossa República) e do princípio da igualdade.

Assim, a essencialidade não deve ser tomada e entendida apenas no nível de produtos pertencentes à cesta básica. A nossa moderna sistemática constitucional apresenta uma perspectiva de coletividade, eis que se consideram como bens essenciais aqueles que influem no meio ambiente, educação, ou mesmo na atividade laborativa. De tal forma, a noção de essencialidade encontrada na Constituição abrange tanto as necessidades básicas, relacionadas à sobrevivência da população, quando necessidades secundárias, que refletem de alguma maneira o bem-estar do cidadão.

A capacidade contributiva como princípio do sistema constitucional tributário e critério de igualdade no direito tributário, deve se aplicar a todos os institutos que a este pertençam, ora em maior grau, ora em menor, de acordo com a técnica de ponderação, mas nunca totalmente extirpado do sistema, o que abrange, de tal maneira, o tributo no âmbito extrafiscal, inclusive este princípio terá importante papel frente à seletividade para ajudar a definir a eficiência ou não da tributação extrafiscal. Enfim, o princípio da seletividade funciona, neste contexto, como critério norteador do princípio da capacidade contributiva.

O princípio da seletividade aplica-se ao ICMS, contudo, a Constituição Federal facultou a aplicação deste ao legislador infraconstitucional, todavia, pela sistemática constitucional o legislador deverá utilizar-se de tributação extrafiscal de acordo com a imprescindibilidade das mercadorias à maioria da população.

No IPI o princípio da seletividade é de observância obrigatória, devendo ser utilizada a sistemática de estabelecimento de alíquotas de acordo com o grau de essencialidade. Com relação à incidência atual, observamos que apesar da obrigatoriedade, há casos ainda em que a extrafiscalidade não está respeitando a essencialidade do produto, como acontece em alguns gêneros alimentícios.

Nesta diapasão, concluímos que o princípio da seletividade foi estabelecido justamente para minimizar a transferência da carga de tributação do IPI e do ICMS, a fim de resguardar também os preceitos do princípio da capacidade contributiva, concretizando um sacrifício menor das classes mais pobres.

Outro importante ponto discutido é que a aplicação do princípio da seletividade tem como direcionamento principal o legislador infraconstitucional, no entanto o Poder Judiciário tem não apenas a competência, mas também o dever de averiguar a sua aplicação de acordo com o contexto econômico jurídico vigente proteger constitucionalmente o contribuinte.

Portanto, com este breve trabalho vimos que a extrafiscalidade vai além da mera arrecadação de receitas para o Estado, está relacionado essencialmente com os deveres e obrigações constitucionais de manter uma ordem econômica, política e social regulada, e quando regulado pelo princípio da seletividade constitui instrumento de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico-social.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Claudia de Rezende machado. Extrafiscalidade. Revista de informação legislativa. Jan./mar., p. 329-334, ano 34, nº 133, 1997.

ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, p. 233-238, jan./mar. 1993.

BALLEIRO. Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. Ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BERTI. Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não confisco. Curitiba: Juruá, 2006.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADIN 2.667/DF. Relator Ministro Celso de Mello. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 28 jan. 2016.

______. Recurso Extraordinário nº 480.107/PR. Relator: Ministro Eros Grau. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 jan. 2016.

______. Recurso Extraordinário nº 606.314/PE. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 jan. 2016.

BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). AMS: 8214 PR 2000.70.00.008214-6. Relator: Joel Ilan Paciornik. Data de Julgamento: 02/04/2008. Data de Publicação: D.E. 15/04/2008. Disponível em: <www.trf4.jus.br>. Acesso em 29 jan. 2016.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5.ed.. Coimbra: Almedina, 1991.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed.. São Paulo: Malheiros, 2009.

______. ICMS. 14. ed.. São Paulo: Malheiros, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 2009.

______. Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos (Coord.). Curso de direito empresarial. São Paulo: EDUC: Resenha Tributária, 1976.

CASANOVA, Gustavo J. Naveira de. El principio de no confiscatoriedad (Estudio en España y Argentina). Madrid: Mc Graw-Hill, 1997.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Análise crítica do ICMS: Energia Elétrica e Combustíveis. Revista Brasileira de Direito Tributário, n. 37, p. 5-21, mar./abril, 2013.

DANILEVICZ, Rosane Beatriz. O princípio da essencialidade na tributação. Revista da FESDT. Direito tributário em questão, p. 229-245, n. 3. Porto alegre, 2009.

ESTURILIO, Regiane Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

FOLLONI. André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista direito GV. São Paulo, v.10, n.1, jan./jun., 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1808-24322014000100008&script=sci_arttext>. Acesso em 15 jan. 2016.

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

HARADA, Kiyoshi. ICMS incidente sobre a energia elétrica e problemas dele decorrentes. Revista tributária e de finanças públicas. São Paulo, n.115, dez., 2014.

HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco. São Paulo: Dialética, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 4.ed.. São Paulo: Dialética, 2001.

______. MACHADO, Hugo de Brito. Inconstitucionalidade da alíquota específica para o IPI sobre cigarros. Direito Tributário em questão. Revista da FESDT. Porto Alegre: FESDT, n. 8, p. 73-88, 2012.

MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS - Comentários à Legislação Nacional. São Paulo: Dialética, 2006.

MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008.

PALSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11. ed.. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009.

SILVA, De Placido. Vocabulário jurídico. 11. ed., v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

SOLER, OSVALDO apud LEAL, Augusto Cesar de Carvalho. (In)Justiça Social por Meio dos Tributos: a Finalidade Redistributiva da Tributação e a Regressidade de Matriz Tributária Brasileira. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 196, p. 7-32, jan., 2012.

TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Direito tributário atual, São Paulo: Resenha Tributária, v.10, 1990.

TOLEDO, José Eduardo Tellini. O Imposto sobre Produtos Industrializados - Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Os direitos humanos e tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

______. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Renovar. 7ª edição, 2000.

______. O IPI e o princípio da essencialidade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n.18, p. 94-102, mar., 1997.

VALLE, Maurício Dalri Timm do. O princípio da seletividade do IPI. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais. Disponível em: <http://apps.unibrasil.com.br/revista/index.php/direito/article/viewFile/971/822>. Acesso em: 02 fev. 2016.

VELLOSO, Andrei Pitten. A teoria da igualdade tributária e o controle de proporcionalidade das desigualdades de tratamento. Revista Tributária e de Finanças Públicas. Ano 15, n. 76, p. 36-72, set./out., 2007.

VIEIRA, José Roberto. A regra-matriz da incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993.

ZILVETI. Fernando Aurelio. Princípios de Direito Tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

YAMASHITA, Douglas. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: Centro de Extensão Universitária – Revistas dos Tribunais, 2001, p. 664-753 (Pesquisas Tributárias, nova série, n°6).


  1. YAMASHITA, Douglas. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: Centro de Extensão Universitária – Revistas dos Tribunais, 2001, p. 664-753 (Pesquisas Tributárias, nova série, n°6), p. 669/670.

  2. ZILVETI. Fernando Aurelio. Princípios de Direito Tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 191/192. O Autor ainda cita diversos outros exemplos de extrafiscalidade que já existiram em outros países, como o tributo exigido tão somente dos judeus na Alemanha (o que pelo contexto da época fica claro a intenção do governo alemão de se evitar o crescimento da população judaica, bem como coagir a população existente a deixar o país). Outro exemplo citado aconteceu na Itália, no regime fascista, contra o celibato, para influenciar a sociedade a contrair matrimônio. ZILVETI, 2004, p. 197.

  3. BERTI. Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não confisco. Curitiba: Juruá, 2006, p. 49.

  4. Neste sentido Osvaldo Soler complementa: “A partir das primeiras décadas do século XX, se acrescenta à função meramente fiscal dos tributos outra não menos importante consistente em utilizá-los com fins sociais e econômicos procurando, através da sua influência sobre a conduta dos contribuintes, implementar políticas redistributivas de riqueza, anti-inflacionárias ou de ativação do desenvolvimento econômico”. SOLER, OSVALDO apud LEAL, Augusto Cesar de Carvalho. (In)Justiça Social por Meio dos Tributos: a Finalidade Redistributiva da Tributação e a Regressidade de Matriz Tributária Brasileira. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 196, p. 7-32, jan. 2012, p. 10.

  5. ZILVETI, 2004, p. 194/195.

  6. ATALIBA, Geraldo. IPTU – Progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, p. 233-238, jan./mar. 1993, p.237.

  7. GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O princípio do não-confisco no direito tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 188.

  8. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Análise crítica do ICMS: Energia Elétrica e Combustíveis. Revista Brasileira de Direito Tributário, n. 37, p. 5-21, mar./abril, 2013, p. 8.

  9. BALLEIRO. Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. Ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 576.

  10. FOLLONI. André. Isonomia na tributação extrafiscal. Revista direito GV. São Paulo, v.10, n.1, jan./jun., 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid= S1808-24322014000100008&script=sci_arttext> Acesso em 15 jan. 2016.

  11. BERTI, 2003, p. 42/43.

  12. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 255.

  13. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

  14. Neste sentido são as exposições de Estevão Horvath, em suas palavras: “(...) o tributo “extrafiscal” é cobrado como tributo e se sujeita às mesmas regras que as demais exações, com algumas nuanças interpretativas. Seguindo o regime jurídico tributário, é, para nós, tributo”. HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco. São Paulo: Dialética, 2002, p. 98.

  15. CARVALHO, 2009, p. 163.

  16. CARVALHO, Paulo de Barros. Imposto sobre Produtos Industrializados. In: BOTTALLO, Eduardo Domingos (Coord.). Curso de direito empresarial. São Paulo: EDUC: Resenha Tributária, 1976, p. 142.

  17. VIEIRA, José Roberto. A regra-matriz da incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993, p. 127

  18. MELO, José Eduardo Soares de. A importação no direito tributário: impostos, taxas, contribuições. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 107.

  19. TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Direito tributário atual, São Paulo: Resenha Tributária, v.10, 1990, p. 3011/3012.

  20. SILVA, De Placido. Vocabulário jurídico. 11 ed., v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 200.

  21. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Os direitos humanos e tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 146.

  22. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 109.

  23. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

    Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

  24. ESTURILIO, Regiane Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 122/123.

  25. Neste ponto André Folloni faz uma importante consideração sobre a alíquota extrafiscal, segundo o autor o legislador deverá observar no momento da fixação da alíquota se a tributação extrafiscal causará efeitos socioeconômicos ambientais concretos, ou se mostrará ineficaz determinada indução de comportamento, explico: “Isso demonstra que, se a intenção do tributo extrafiscal for coibir comportamentos constitucionalmente indesejados – por exemplo, poluentes ou degradadores do ecossistema –, de nada adiantará tributação extrafiscal em bases que só coíbam determinados contribuintes, mas insuficientes para atingir a todos. Não só de nada adiantará, como será juridicamente ilícita essa tributação. De um lado, será tributação ineficiente; de outro, será desigual. Um tributo, por exemplo, destinado a impedir o desmatamento ou a produção industrial poluidora, que possa ser suportado por grandes corporações de fartas capacidades econômicas, será tão ineficaz quanto desigual: apenas impedirá a conduta daqueles contribuintes menos capazes economicamente, mas não de todos”. FOLLONI, 2014.

  26. Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

    § 1º - A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências.

    § 4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

    Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

  27. Conforme J.J. Gomes Canotilho leciona: “(...) o princípio da unidade da Constituição ganha relevo autônomo como princípio interpretativo quando com ele se quer significar que o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princípios jurídicos-políticos constitucionalmente estruturantes. Como 'ponto de orientação', 'guia de discussão' e 'factor hermenêutico de decisão' o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensão (...) existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais, não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios”. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5.ed., Coimbra: Almedina, 1991, p. 162.

  28. Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País;

  29. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

  30. Cabe destacar, a título de complementação, que o princípio da uniformidade geográfica também é corolário do princípio da igualdade constitucional, que aplica a igualdade dita material, inclusive também reflete o pacto federativo entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, uma vez que apesar de exigir tratamento igualitário entre as regiões, também está autorizado a fornecer tratamento diferente a regiões de crescimento desigual, justamente para promover a o princípio da igualdade, o qual pode ser obtido através de concessões de incentivos fiscais, isto é, pela tributação desigual, com o fim de promover a integralidade nacional.

  31. Neste sentido, o C.STF, na MC na ADIN 2.667/DF, relator Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 12.03.2004, p. 00036, ressaltou que: “Todos os atos emanados do poder público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. – As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade (...).

  32. ESTURILIO, 2008, p. 157.

  33. TRIBUTÁRIO. IPI. AÇÚCAR. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. FIXAÇÃO DA ALÍQUOTA. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO NO DECRETO. PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. DECRETO Nº 2.917/98. 1. A objetivação do critério de tributação do IPI, traduzido pela essencialidade, envolve a valoração do que é indispensável e necessário à vida humana, mensurado por fatores que variam no tempo e no espaço, conforme a evolução e os padrões de exigência da sociedade. Esse juízo de valor está implícito, tanto na atividade legislativa, ao dispor sobre as condições e limites para a fixação de alíquotas, quanto na atividade do Executivo, ao alterar as alíquotas do IPI, segundo as determinações legais, cumprindo ao Judiciário reconhecer sua adequação ou não aos ditames constitucionais. O argumento de que há amplo campo para a discricionariedade do legislador, sendo vedado exercer o controle jurisdicional sobre atos de conteúdo político, implica negação ao princípio constitucional da seletividade, cuja tutela compete precipuamente ao Poder Judiciário. 2. Sendo fixadas as alíquotas do IPI em percentual razoável, não há falar em ofensa ao princípio da seletividade. 3. O art. 153, § 1º, da CF/88, permite que o Poder Executivo altere as alíquotas do IPI, desde que sejam atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei. 4. A ausência de motivação do Decreto nº 2.917/98 não representa vício invalidante, uma vez que é despicienda a motivação formal no bojo do próprio ato administrativo, bastando que conste no processo administrativo ou na exposição de motivos do ato. A previsão do art. 153, § 1º, da CF/88, destina-se a permitir a controlabilidade dos motivos e não instituir exigência formal de motivação. (TRF-4 - AMS: 8214 PR 2000.70.00.008214-6, Relator: JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 02/04/2008, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/04/2008)

  34. O STF possui jurisprudência no sentido que é vedado ao judiciário realizar o controle de alíquotas estabelecidas pelo Executivo (Recurso Extraordinário nº 480.107/PR), contudo, há em sede de repercussão geral questão semelhante, em que ficou reconhecida a possibilidade de o Judiciário estabelecer alíquota inferior àquela correspondente que a autoridade fiscal entende pela correta, no Recurso Extraordinário nº 606.314/PE, neste caso se discute a alíquota estabelecida a embalagem plásticas que são destinadas ao engarrafamento de água, no valor de 10%, a qual segundo a empresa deveria ser zero, uma vez que apesar de se tratar de garrafas o produto que ela carrega é essencial a vida, que é o acondicionamento de água mineral.

  35. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed.. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 363/364.

  36. MENKE, Cassiano. A proibição aos efeitos de confisco no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 99/100.

  37. GOLDSCHMIDT. 2003, p. 190. Nas palavras do autor: “Com efeito, não é difícil imaginar o quão débil ficaria o controle do contribuinte sobre a tributação se não pudesse alegar 1) que o tributo não guarda proporção com sua capacidade contributiva; 2) que o tributo é demasiadamente elevado; ou ainda 3) que esse tributo criou uma obrigação desigual e discriminatória para si [...], é de uma elasticidade amedrontadora. Ibid, p. 190/191.

  38. ZILVETI, 2004, p. 199/200.

  39. Ibid., p. 199.

  40. CASANOVA, Gustavo J. Naveira de. El principio de no confiscatoriedad (Estudio en España y Argentina). Madrid: Mc Graw-Hill, 1997, p. 172/173. No original em espanhol: “Tiene cierta lógica su relación con los fines extrafiscais, pues éstos encuentran cabida en El punto de vista que concibe La capacidad contributiva como criterio general de justicia en El reparto de las cargas tributarias, pero no ya exclusivo, dado que puede Haber (y de hecho así lós hay) tributos constitucionalmente admisibles que no se basan en la capacidad contributiva en su vertiente relativa. En este esquema, El tributo puede desenvolverse con mayor independencia, persiguiendo los fines constitucionales que los poderes políticos pretendan conseguir, pero encuentra como barrera infranqueable El principio de no confiscatoriedad”.

  41. VALLE, Maurício Dalri Timm do. O princípio da seletividade do IPI. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais. Disponível em: <http://apps. unibrasil.com.br/revista/index.php/direito/ article/viewFile/971/822>. Acesso em: 02 fev. 2016. E ainda completa: “Mesmo assim, é imprescindível firmar que nos casos de tributação extrafiscal, apesar de haver um afastamento do Princípio da Capacidade Contributiva, jamais será ele total, devendo sempre ser observados os limites inferior e superior à capacidade contributiva, quais sejam, o mínimo vital e o respeito à não confiscatoriedade”.

  42. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Renovar. 7ª edição, 2000, p. 326/327.

  43. TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o princípio da essencialidade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n.18, p. 94-102, março, 1997, p. 95.

  44. MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 4.ed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 113.

  45. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 460/461.

  46. MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS - Comentários à Legislação Nacional. São Paulo: Dialética, 2006, p. 396.

  47. HARADA, Kiyoshi. ICMS incidente sobre a energia elétrica e problemas dele decorrentes. Revista tributária e de finanças públicas. São Paulo, n.115, dez., 2014, p.210.

  48. PALSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11. ed.. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009, p. 310.

  49. TOLEDO, José Eduardo Tellini. O Imposto sobre Produtos Industrializados - Incidência Tributária e Princípios Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 139.

  50. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

  51. Nesse contexto cabe salientar os estudos de Hugo de Brito Machado: “A determinação, por ato do Poder Executivo, da denominada alíquota específica como critério para a determinação do valor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, incidente sobre cigarros, é incompatível com a vigente Constituição Federal, violando pelo menos os princípios da legalidade, da isonomia, da capacidade contributiva e da livre concorrência”. MACHADO, Hugo de Brito. Inconstitucionalidade da alíquota específica para o IPI sobre cigarros. Direito Tributário em questão. Revista da FESDT. Porto Alegre: Fesdt, n. 8, p. 73-88, 2012, p. 88.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARTMANN, Karen Emanuely Zazula. A manifestação da extrafiscalidade sob o prisma do princípio da seletividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7201, 20 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102950. Acesso em: 8 maio 2024.