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Os desafios para implementação da nova lei de licitações

procedimentos iniciais para recepção da Lei 14.133/2021

Os desafios para implementação da nova lei de licitações: procedimentos iniciais para recepção da Lei 14.133/2021

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Alertamos o gestor que até o momento não começou os preparativos para a transição da Lei 14.133/2021, sinalizando o que deve ser feito para que seu órgão esteja preparado para o dia 1º de abril de 2023.

Como é sabido, no último dia 1º de abril de 2021 entrou em vigência a Lei nº 14.133/2021, nominada por seus operadores de a nova Lei de Licitações.

O novel dispositivo informa em seu art. 193 que as Lei nº 8.666/93 e nº 10.520/2002 só serão revogadas após 02 (dois) anos da publicação oficial. Assim, de 1º de abril de 2021 a 1º de abril de 2023 teremos a vigência simultânea de, ao menos, três leis que regulam os procedimentos licitatórios em nosso país (isso sem falar nos diversos decretos, instruções e portarias ainda vigentes, etc.)

Facultou o legislador um prazo razoável para que os operados da Lei se preparassem para que a transição ocorresse da maneira menos traumática possível, viabilizando neste tempo de vigência simultânea, o estudo e a experimentação das inovações da nova legislação que regula as contratações pública em todo país.

No nosso entendimento, o prazo concedido pelo legislador tinha por finalidade preparar os operadores das licitações públicas (órgãos públicos compradores e entidades privadas como fornecedores) para as mudanças e iniciar o período de teste dos novos procedimentos baseados na Lei nº 14.133/2021 para que em 1º de abril de 2023 todos estivessem com o mesmo grau de maturidade para a realização pacífica do regime das contratações públicas.

Contudo, um ano e sete meses se passaram e o que vemos é que nenhum procedimento licitatório com base na nova Lei de Licitações foi deflagrado. Observamos que as poucas contratações públicas sob a égide da nova Lei são as fundamentadas nos incisos I e II do art. 75, ou seja, as contratações de pequena monta, as dispensas em razão do valor.

Ou seja, a despeito do prazo facultado para experimentação, a maioria dos municípios não está apta a realizar procedimento licitatórios pela Lei nº 14.133/2021.

Isso porque as alterações trazidas por essa Lei não se resumem apenas à mudança da fundação legal nas minutas padronizadas dos editais.

A nova Lei de Licitações traz alterações substanciais que ensejam uma mudança de pensamento, especialmente dos gestores públicos e requer a adoção de diversas providências prévias, tais como capacitação dos agentes, regulamentação de diversos dispositivos, implementação de estrutura adequada de pessoal e até mesmo das instalações das unidades administrativas relacionadas com contratações públicas.

Esse texto tem o intuito de sintetizar ao gestor que até o momento não começou os preparativos para a transição da Lei nº 14.133/2021 e o que deve ser feito para que o seu órgão esteja minimamente preparado para o dia 1º de abril de 2023. 

Em um primeiro passo, diante da diversidade de assuntos a serem tratados, o que se sugere é que seja nomeada uma comissão para se encarregar dos trabalhos de adaptação do órgão ou entidade.

Orienta-se que essa comissão seja composta por, ao menos, um representante da assessoria jurídica do órgão e outro representante do controle interno. Isso porque o inciso IV, do art. 19 da Lei nº 14.133/2021 estabelece que os órgãos da Administração, com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, obras e serviços e de licitações e contratos deverão instituir, com o auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos.

Os demais membros devem ser pessoas que atuam diretamente com os processos de compras e contratações (mas lembrando que não são só os servidores lotados nas Secretarias/Departamentos/Setores de Compras e Licitações devem participam).

Uma equipe multidisciplinar e comprometida com a transição da Lei é de suma importância para a centralização das ações e sucesso do processo.

Ato contínuo, a adaptação da estrutura da sala de licitações com equipamentos de áudio e vídeo são imperativos para a realização das licitações presenciais a partir de 1º de abril de 2023.

Isto porque, em que pese o fato de que as licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, será admitida a utilização da forma presencial desde que motivada, devendo a sessão ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo. Assim, se o órgão for realizar licitações na forma presencial, as sessões terão que ser gravadas em áudio e vídeo como dispõe o §2º do art. 17 da Lei nº 14.133/2021.

Entendemos que por estar devidamente consignado na nova lei, a não realização da gravação em áudio e vídeo nas licitações presenciais pode, inclusive, ensejar a anulação do certame ou, até mesmo o julgamento irregular pelos órgãos de controle.

Acertada a estrutura física da sala, deve-se voltar a atenção para a equipe do órgão e fazendo as seguintes indagações: Será que há servidores em número suficiente e com a capacidade necessária para manusear os novos instrumentos de planejamento, para atuar nas funções de agente de contração/pregoeiro e para realizar os atos de gestão e fiscalização dos contratos?

Caso a resposta seja negativa, imperioso o reforço da equipe (até para que não haja desatendimento ao princípio da segregação de funções) e, mais importante, a capacitação desses agentes públicos que irão operar a Lei nº 14.133/2021.

Vale aqui destacar que a capacitação dos agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei nº 14.133/2021 se mostra imperativa, face ao disposto no inciso II do art. 7º e inciso X do §1º do art. 18 da referida norma, sendo reforçada sua importância nas disposições do Decreto 11.246, de 27 de outubro de 2022, que dispõe sobre as regras para atuação do agente de contratação e da equipe de apoio e da atuação dos gestores e fiscais de contratos no âmbito da administração pública federal, em especial no parágrafo 2º do art. 11.

Providenciada a adequação quantitativa e qualitativa da equipe é hora de providenciar a regulamentação dos dispositivos da Lei nº 14.133/2022 a fim de adequá-los a realidade do órgão público.

Sabemos que a Lei trata da necessidade de regulamentação em aproximadamente 54 (cinquenta e quatro) dispositivos. É claro que nem todos esses dispositivos carecem de regulamentação num primeiro momento, Devem ser priorizados àqueles essenciais e indispensáveis à todos os procedimentos de contratação pública.

Mas quais são os regulamentos que devem ser providenciados para que se possa licitar e consequentemente contratar de acordo com a Lei nº 14.133/2021?

Na nossa opinião, os regulamentos que deverão ser priorizados pelo órgão público são estes que integram o rol abaixo:

- Plano Anual de Contratações;

- Atuação do Agente de Contratação;

- Estudo Técnico Preliminar;

- Artigos de luxo (lembrando que a edição deste regulamento tinha prazo até 30 de setembro de 2021 para edição, além de ser condicionante para a realização de compras de bens de consumo, inclusive com base nos incisos I e II do art. 75 da Lei nº 14.133/2021);

- Orçamento estimado Pesquisa de Preços;

- Contratações Diretas;

- Sistema de Registro de Preços;

- Gestão Contratual;

- Extinção dos Contratos;

- Recebimento do Objeto;

- Aplicação de Sanções e;

- Cumulação de sanções.

Destacamos aqui a importância da edição de regulamentos próprios por parte dos órgãos, a uma porque entendemos tratar-se de uma ótima oportunidade conferida pelo legislador para que cada órgão possa adaptar os dispositivos da Lei à sua realidade e a duas porque a não existência de regulamentos próprios poderá ser interpretado pelos órgãos de controle, especialmente pelo Tribunal de Contas que a opção do órgão foi de adotar os regulamentos editados pelo Governo Federal nos termos do quanto dispõe o art. 187 da Lei nº 14.133/2021.

Acreditamos que a disparidade entre o nível de maturidade e de estrutura dos órgãos municipais, especialmente dos pequenos municípios se comparado à estrutura dos órgãos da Administração Pública Federal se mostra um empecilho a adoção cega das regras editadas pelo Governo Federal, inviabilizando o atendimento de todos os seus termos, podendo ser objeto de apontamento pelos órgãos de controle.

Se mostra preferível a edição de regulamentos mais singelos e que não transbordem dos limites estabelecidos pela Lei e, assim, mais adequados a realidade do órgão, do que um instrumento de regulamentação robusto, porém totalmente impraticável.

Ressalta-se que os regulamentos editados pelo Governo Federal podem e devem servir de base para a elaboração dos próprios regulamentos e por esse motivo, destacamos abaixo os editados e já vigentes:

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 65, DE 7 DE JULHO DE 2021 Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 67, DE 8 DE JULHO DE 2021 Dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;

- PORTARIA SEGES/ME Nº 8.678, DE 19 DE JULHO DE 2021

Dispõe sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 72, DE 12 DE AGOSTO DE 2021

Estabelece regras para a definição do valor estimado para a contratação de obras e serviços de engenharia nos processos de contratação direta, de que dispõe o § 2º do art. 23 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº. 75, DE 13 DE AGOSTO DE 2021

Estabelece regras para a designação e atuação dos fiscais e gestores de contratos nos processos de contratação direta, de que dispõe a Lei no 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;

- DECRETO Nº 10.818, DE 27 DE SETEMBRO DE 2021

Regulamenta o disposto no art. 20 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para estabelecer o enquadramento dos bens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da administração pública federal nas categorias de qualidade comum e de luxo;

- DECRETO Nº 10.947, DE 26 DE JANEIRO DE 2022

Regulamenta o inciso VII do caput do art. 12 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre o plano de contratações anual e instituir o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;

- PORTARIA SEGES/ME Nº. 938, DE 2 DE FEVEREIRO DE 2022

Institui o catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, em atendimento ao disposto no inciso II do art. 19 da Lei no 14.133, de 1º de abril de 2021;

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES Nº 58, DE 8 DE AGOSTO DE 2022

Dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares - ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital;

- INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 73, DE 30 DE SETEMBRO DE 2022

Dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, para a contratação de bens, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;

- DECRETO Nº 11.246, DE 27 DE OUTUBRO DE 2022

Regulamenta o disposto no § 3º do art. 8º da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre as regras para a atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, o funcionamento da comissão de contratação e a atuação dos gestores e fiscais de contratos, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Providenciada a edição dos regulamentos prioritários à implementação da Nova Lei de Licitações se mostra salutar a edição de um Manual de Contratações Públicas com modelos preestabelecidos de Termo de Referência, Notificações, Advertências, Minutas Padronizadas de Editais de Pregão e Concorrência para bens e serviços comuns; Minutas de Contratos e fluxos de trabalho.

Outro ponto que entendemos relevante é a padronização de itens de contratação nos sistemas de compras dos órgãos públicos pois enxergamos que a falta de padronização enseja a multiplicidade de esforços para realizar contratações semelhantes e a perda da economia de escala (por vezes com a aquisição do mesmo item em certames, mas com descrições diferentes).

Defendemos que este é o momento para a realização da higienização dessa base de dados com a padronização das especificações de itens que são comumente adquiridos pelo órgão.

Por fim e talvez o mais importante está relacionado ao planejamento das contratações públicas, que tem por objetivo racionalizar as contratações, garantir o alinhamento com o planejamento estratégico do órgão e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias e poderá ser elaborado através de uma ferramenta de governança denominada de Plano de Contratação Anual.

Referido Plano de Contratação Anual deve conter a relação de tudo o que se pretende adquirir e contratar no ano seguinte ao da sua elaboração. Assim, neste momento, mesmo passado o período adequado a sua perfeita elaboração, a nossa sugestão é da elaboração de um plano de contratação simplificado para o exercício 2023, levando em consideração, especialmente os bens e serviços comuns à mais de um setor demandante do órgão público.

Muito embora o inciso VII do art. 12 da Lei 14.1333/2021 não tenha tornado a elaboração do Plano de Contratação Anual obrigatória, a mensagem que se observa da doutrina é que sua ausência deverá ser justificada devendo os órgãos de controle seguir a mesma linha.

Esta é apenas uma amostra dos desafios a serem enfrentados para que essa virada de chave aconteça sem maiores problemas e, para que isso ocorra, é indispensável a imediata atenção do gestor para este tema, mesmo diante das atividades que o consomem no dia a dia considerando o exíguo tempo que agora resta para a definitiva revogação da Lei nº 8.666/93 e Lei nº 10.520/2022.


Autores

  • Cristiane Piazentim Campanholi

    Advogada (OAB/SP 220.719). Graduada em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba. Consultora na área de Administração Pública com ênfase em licitações e contratos administrativo há mais de 10 anos. Atualmente atua como consultora do Grupo Confiatta.

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  • Thais Helena Martins Veneri

    Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. MBA em Gestão Pública e Políticas Administrativas pela Escola Paulista de Direito. Pós Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católia - PUC SP. Pós Graduada em Licitações e Contratos Administrativos sob o viés da Lei 1.133 pela Faculdade Polis Civitas. Especialista em Licitações e Contratos Administrativos. Chefe da Divisão de Licitações e Diretora de Administração da Prefeitura Municipal de Mairinque. Na Prefeitura atuou ainda como Pregoeira, Leiloeira Administrativa e membro da Comissão de Licitações. Professora do Curso de Direito da faculdade UNIESP - Campus São Roque. Expositora em cursos e treinamento na área de licitações e contratos administrativos. Atualmente consultora na empresa Núcleo Gestão Publica

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPANHOLI, Cristiane Piazentim; VENERI, Thais Helena Martins. Os desafios para implementação da nova lei de licitações: procedimentos iniciais para recepção da Lei 14.133/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7074, 13 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101059. Acesso em: 14 maio 2024.