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O dever de proteção do Estado ao direito à educação durante a pandemia

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09/09/2022 às 20:10
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7 OS IMPACTOS DA PANDEMIA DO COVID-19 NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

A Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, realizou a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional,

No dia 03 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 188, com intuito de realizar a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus e no mesmo mês o Brasil teve notícia do primeiro caso de coronavírus no país[33],

Com o avanço da doença, várias medidas restritivas foram tomadas, dentre elas: a entrada em vigor da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, versando sobre  medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, que trouxe proibição de aglomerações, a obrigatoriedade de uso de máscaras, protocolos estabelecendo distanciamento social, diminuição ou proibição de determinadas atividades que envolviam público, redução de horas de trabalho, delimitação de funcionamento de serviços considerados essenciais, dentre outros.

As medidas supracitadas foram tomadas com o objetivo de evitar a propagação do vírus, preservando a população, no entanto, com a chegada de medidas tão restritivas, muitas pessoas perderam o emprego ou tiveram seus salários reduzidos em acordos decorrentes da diminuição da carga horária de trabalho.

Diante da complicada situação sanitária no país, foi publicada a Portaria 343, de 17 de março de 2020, com intuito de autorizar a substituição de disciplinas presenciais por aulas que utilizassem ferramentas digitais durante a pandemia.

A edição da portaria supracitada, baseada no assessoramento dos órgãos de saúde, trouxe uma reflexão acerca da importância da presença dos alunos em sala de aula em detrimento ao combate da pandemia do Novo Coronavírus.

Foram editados decretos pelos Estados e Municípios com o intuito de combater o avanço da pandemia, até que, em determinado momento, todos os estados e o distrito federal decidiram cancelar aulas na rede estadual, a maioria antecipando o recesso de férias.

O cenário de suspensão das aulas presenciais trazia uma perspectiva assustadora para a educação tendo em vista a possibilidade de causar abandono da escola por parte de muitos estudantes, a defasagem por causa do período sem realização de atividades escolares e dificuldade na reposição das aulas perdidas em sua totalidade. Além disso, o Brasil é um país com muitas desigualdades, e com a suspensão das aulas surgiu a preocupação com aqueles cidadãos menos favorecidos, pois fatalmente teriam dificuldades para acessar ao conteúdo disponibilizado virtualmente e se adaptar à nova logística. Se em condições normais muitas famílias já teriam dificuldades para lidar com esse tipo de situação, num cenário em que o país é afetado por uma pandemia sem precedentes, com a limitação de atividades, aumento da taxa de desemprego, alteração nos contratos de trabalho, dentre outras coisas, muitas famílias fatalmente migrariam para o grupo daqueles que necessitam de um amparo maior por parte do Estado para que possam ter uma vida digna, e com isso, acessar os direitos dos quais necessitam para tal, prestigiando o princípio da dignidade da pessoa humana.

Além disso, é sabido que muitos alunos têm na escola uma oportunidade de realizar refeições, outros residem em lugares remotos, já sendo dificultoso o acesso à escola presencialmente. Com a adoção de aulas remotas, o acesso para esses alunos tornou-se praticamente impossível. Com efeito, os locais mais remotos também dificultam o contato entre professores e responsáveis dos alunos, além de que, com a ausência de contato pessoal com os professores, muitos alunos ficam à mercê do auxílio de seus responsáveis para a realização das atividades, sendo que os responsáveis muitas vezes não estão preparados para auxiliar os alunos em determinados níveis de estudo.

Para a realização de aulas não presenciais, existe a necessidade da disponibilização de meios digitais, já que estes são a base da educação à distância no país.

Para a utilização dos meios digitais é necessário que o aluno tenha à sua disposição o acesso à internet e o acesso à esta ferramenta foi objeto de uma pesquisa, realizada no 4º semestre do ano de 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apresentou dados preocupantes, ainda mais levando em consideração a ocorrência de uma pandemia no ano seguinte ao relatado na pesquisa:

De 2018 para 2019, o percentual de domicílios em que havia utilização da internet subiu de 79,1% para 82,7%, um aumento de 3,6 pontos percentuais.

O rendimento médio per capita dos domicílios com utilização da internet (R$ 1.527) era o dobro da renda dos que não utilizavam a rede (R$ 728). O rendimento médio per capita dos que utilizavam tablet para navegar na internet (R$ 3.223) era mais que o dobro do recebido por aqueles que acessavam a rede pelo celular (R$ 1.526).

Em 2019, 81,8% dos estudantes da rede privada acessavam a internet pelo computador, contra 43,0% da rede pública.[34]

Os números da pesquisa realizada pelo IBGE revelam que no momento anterior ao episódio da chegada da pandemia no Brasil, uma boa parte da população não tinha acesso à internet, além de revelar um enorme abismo entre o acesso à internet por parte dos estudantes da rede privada de ensino em comparação aos estudantes da rede pública.

Nota-se também que o acesso está ligado ao rendimento financeiro familiar, haja vista que o rendimento das famílias que possuíam acesso à internet era o quase o dobro das que não possuiam.

Sabendo-se que a pandemia foi um fator que gerou a diminuição de salários e aumento do desemprego, o acesso à internet, que já era escasso para muitas pessoas, se tornou ainda mais inviável com o novo panorama imposto pela situação sanitária do país.

Não bastasse isso, ainda que o acesso à internet não fosse algo tão precário para boa parte da população, a suspensão de aulas presenciais evidenciou a necessidade do aprimoramento do ensino à distância, sobretudo no ensino público, com a adaptação de mecanismos para atender aos mais variados níveis de ensino e faixas etárias de alunos.

Outro ponto importante, é que com ensino à distância, faz-se necessário elaborar uma forma de avaliação nesse novo cenário, bem como de acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, de forma que não se perca a progressão intelectual, nem que haja uma involução da capacidade cognitiva.

Todos esses fatores transformaram a garantia do direito à educação em um desafio ainda mais árduo para o Estado, que ao proporcionar esse direito aos seus cidadãos, não somente cumpre seu dever constitucional de proteção, mas também atua no combate à notória desigualdade que assola o país, haja vista que a educação é uma ferramenta poderosíssima para esse fim.


8 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA PROTEÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO DURANTE A PANDEMIA

Diante de um quadro pandêmico sem precedentes no país e para atuar contra os problemas trazidos pelo coronavírus, o Estado foi obrigado a tomar medidas no enfrentamento do vírus e manter, na medida do possível, o acesso à educação por seus cidadãos.

No dia 25 de março de 2020, o Ministério da Educação publicou em seu portal um texto com informações acerca das medidas contra o coronavírus que haviam sido realizadas ou estavam em andamento até aquele momento. Dentre as medidas, destacam-se as seguintes:

Novas datas para Enem e programas de acesso ao ensino superior; Destinação dos alimentos da merenda; Antecipação de recursos e novas diretrizes para o transporte escolar; Reforço em materiais de higiene nas escolas; Vagas em EaD pelo programa Novos Caminhos; Criação do Comitê Operativo de Emergência (COE); Curso on-line para alfabetizadores; Suspensão de aulas presenciais na educação profissional; Mais tecnologia para EaD em universidades e institutos federais.[35]

Percebe-se que o Estado, através do Ministério da Educação, rapidamente adotou medidas para o enfrentamento do coronavírus, em especial no que tange à educação propriamente dita.

O Comitê Operativo de Emergência (COE), composto por várias entidades, foi o responsável pelo gerenciamento de assuntos sensíveis de repercussão nacional.

No dia 18 de agosto de 2020 ocorreu a sanção da Lei n° 14.040, com a finalidade de estabelecer normas a serem adotadas durante o estado de calamidade pública no país, que teve seus dispositivos implementados pela Resolução do CNE/CP nº 2 de 2020.

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O Ministério da Educação também publicou o Parecer do CNE/CP nº 5, dispondo sobre a reorganização do calendário escolar e sobre o cômputo de atividades não presenciais, Bem como o Parecer do CNE/CP nº 11, dispondo sobre orientações para realização de aulas presenciais e não presenciais durante a pandemia.

Baseado em decisões do COE, no ano de 2020, através do Programa Dinheiro Direto na Escola, foi repassado um total de R$ 817.610.352,36, transferidos a 120.018 escolas, as quais atendem 33.760.005 estudantes.[36]

Também foi publicada, no dia 07 de outubro de 2020, a Resolução n° 16, criando o Programa Dinheiro Direto na Escola Emergencial, em caráter excepcional, com destinação dos recursos dada da seguinte forma:

Art. 5º Os recursos financeiros de que trata o art. 1º serão repassados às UEx para cobertura de despesas de custeio e de capital, devendo ser empregados:

I na aquisição de itens de consumo para higienização do ambiente e das mãos assim como para a compra de Equipamentos de Proteção Individual, com o objetivo de prevenir o contágio dos profissionais da escola bem como dos alunos neste momento de pandemia;

II na contratação de serviços especializados na desinfecção de ambientes; III na realização de pequenos reparos, adequações e serviços necessários à manutenção dos procedimentos de segurança para tramitação dentro das dependências da unidade escolar;

IV no gasto com acesso e/ou melhoria de acesso à internet para alunos e professores; e

V na aquisição de material permanente.[37]

Observa-se que uma das preocupações da resolução supracitada é a disponibilização e/ou melhoria do acesso à internet por parte dos alunos e professores, ponto importantíssimo para a educação em tempos de suspensão de aulas presenciais.

O Ministério da Educação também publicou a Resolução CNE/CP nº 2, de 5 de agosto de 2021, com a finalidade de orientar a implementação de medidas no retorno à presencialidade das atividades de ensino e aprendizagem e para a regularização do calendário escolar.

Outra importante medida adotada pelo Estado com a finalidade de proteger o direito à educação foi a publicação do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, no qual os trabalhadores da educação foram incluídos como integrantes do grupo prioritário.

A inclusão dos professores como grupo prioritário no Plano de Vacinação é algo importante e digno de destaque, haja vista que a pandemia revelou o caráter indispensável e insubstituível desta nobre profissão, pois diante dos esforços desses profissionais que o Estado pôde, dentro de suas possibilidades, apresentar alguma defesa para a educação frente ao coronavírus, pois nenhuma medida, nenhum projeto, nenhuma inovação tecnológica seria efetiva se o conhecimento não fosse levado até os alunos pelos professores, que mesmo enfrentando as adversidades que a pandemia trouxe para a sociedade como um todo (isolamento, mortes de pessoas queridas, danos à saúde mental, medo, dentre outros), mantiveram-se firmes, dedicados, imbuídos, leais ao propósito que os guia, que é levar a educação, o conhecimento, o desenvolvimento, para que se possa ter uma sociedade mais justa, com mais liberdade, com mais educação. É nos profissionais da educação que o Estado tem o seu braço forte na garantia da educação durante a pandemia, não permitindo que a educação se renda mesmo diante de um adversário tão poderoso.


9 CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a garantia do direito à educação e sua proteção constituem atividades de suma importância para o Estado, haja vista que tudo o que sustenta a sociedade vem desse direito.

A pandemia sem precedentes do coronavírus trouxe duras e importantes lições. Apesar da imprevisibilidade da crise sanitária trazida pelo vírus, há que se considerar que um direito tão importante e imprescindível como é o direito à educação merece um planejamento e elaboração de medidas que visem sua proteção em situações fortuitas.

A tecnologia e o acesso à internet devem ser disponibilizados e aprimorados, principalmente nos cantos mais remotos, para que seja possível uma melhor disseminação do conhecimento, além de proporcionar mais oportunidades para os habitantes desses locais.

A pandemia mostrou quão importante são os professores e demais profissionais da educação, que devem ser valorizados como merecem, haja vista que foram duas das categorias mais sacrificadas na luta contra o coronavírus, pois a luta não foi só na questão de saúde, mas também na manutenção de atividades importantes para subsistência e desenvolvimento do país.

Por fim, a desigualdade social no Brasil ficou evidenciada durante a pandemia do novo coronavírus, principalmente pela dificuldade apresentada na manutenção do direito à educação e no acesso ao ensino através dos meios digitais. No entanto, a desigualdade não pode ser fundamento para oferta ineficiente ou ausência de oferta da educação, pois sem a educação jamais haverá igualdade.

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Sobre o autor
Anderson Luiz Macedo Santos

Anderson Luiz Macedo Santos, graduado em Direito pela Universidade Unigranrio, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, Direito Civil, Direito Público e Direito Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Anderson Luiz Macedo. O dever de proteção do Estado ao direito à educação durante a pandemia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7009, 9 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99989. Acesso em: 19 mai. 2024.

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