Autoridade Marítima Brasileira e o exercício do poder de polícia administrativa

22/08/2022 às 14:54
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O presente artigo se propõe a analisar o exercício do poder de polícia administrativa pela Autoridade Marítima Brasileira (AMB)

David Fonseca de Sá[1]

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Autoridade Marítima Brasileira (AMB), seus representantes e agentes. 3. Poder de polícia administrativa da Autoridade Marítima Brasileira. 3.1.Regulação. 3.2. Fiscalização. 3.3. Sancionamento. 4. Considerações finais.

RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar o exercício do poder de polícia administrativa pela Autoridade Marítima Brasileira (AMB), considerando quais instrumentos jurídicos estão a sua disposição, tanto no que se refere à legislação doméstica, quanto ao previsto na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar e demais convenções internacionais sob coordenação da IMO. Para tanto, buscar-se-á entender o conceito e a natureza jurídica da autoridade marítima, para, depois, perquirir-se a que órgão se conferiu a referida autoridade no Brasil, analisando a legislação em vigor. Por fim, será analisado o poder de polícia administrativo da AMB, considerando o ciclo de polícia, e as formas de atuação daquela em cada uma de suas fases.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Marítimo. Direito Marítimo Administrativo. Autoridade Marítima Brasileira. Ciclo de polícia. Poder de polícia administrativa.

1. INTRODUÇÃO

O oceano é a nova fronteira da economia[2]. Cobrindo mais de 70% da superfície do planeta, os mares são fontes incalculáveis de riquezas a serem exploradas e explotadas[3]. Tanto em virtude de sua diversidade biológica, que atende à demanda crescente por alimentos e às necessidades das indústrias farmacêuticas e cosméticas; quanto pela existência de minérios pesados de alto valor econômico no leito marinho, como nódulos polimetálicos e jazidas de carvão, ouro e diamante[4]. Isso tudo sem olvidar das riquezas geradas pelo turismo náutico, pelo transporte marítimo[5] e pelo setor de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural[6].

Com o reconhecimento da importância dos oceanos para a riqueza das nações e a hegemonia do transporte marítimo, surgiu a necessidade da adoção de normas e procedimentos voltados para a salvaguarda da vida humana no mar, a segurança da navegação e a prevenção da poluição marinha por parte de embarcações, plataformas, instalações portuárias e de apoio[7].

E, por conta mesmo do caráter internacional da indústria de shipping, há muito se reconheceu que a maneira mais eficaz de atingir aqueles objetivos seria desenvolvendo regulamentos a nível internacional que fossem seguidos por todas as nações marítimas[8].

Em verdade, a própria questão da poluição ambiental, em especial a marinha, ultrapassa os limites nacionais, já que seus impactos atravessam fronteiras, implicando a necessidade de acordo regionais e internacionais, que englobam intrincados arranjos econômicos e harmonização de legislações[9].

Assim, a partir de meados do século XX, vários países propuseram a criação de um organismo internacional permanente para promover a segurança marítima de maneira mais eficaz, e em 1948 essa possibilidade se converteu em realidade, com a adoção da convenção que estabeleceu formalmente a Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês)[10].

A IMO foi responsável por estabelecer o marco regulatório mínimo para a navegação marítima mundial, levando em consideração os aspectos técnicos e operacionais da atividade, bem como questões relativas a impactos ambientais, segurança e eficiência da navegação, sendo a maior fonte de regulamentação do transporte marítimo internacional[11].

Além das convenções celebradas no seio da IMO, outro importante marco para o Direito Marítimo foi a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês), concluída em Montego Bay, Jamaica, em 1982[12].

A UNCLOS, voltada especialmente para os direitos, deveres e responsabilidades das nações marítimas sobre o uso dos espaços marítimos, trouxe, por exemplo, regras e definições importantes para a prevenção da poluição marinha, ainda que de forma mais ampla e genérica que as convenções da IMO[13].

Essa sensibilização crescente da comunidade internacional às questões ambientais se deve, principalmente, aos acidentes envolvendo grandes petroleiros como o Torrey Canyon, em 1967 (Canal da Mancha), o Argo Merchant, em 1976 (EUA), o Amoco-Cádiz, em 1978 (França) e o Exxon Valdez, em 1989 (EUA), em que milhares de toneladas de óleo cru foram derramados no meio marinho, causando danos ambientais, sociais e econômicos incalculáveis[14].

Esses incidentes e acidentes da navegação, com consequentes perdas de vidas humanas, bens e danos graves ao meio ambiente marinho pelo derrame de óleo, se devem, dente outros fatores, ao envelhecimento das frotas mercantes; à contratação de tripulantes inexperientes ou mal qualificados; à deficiência na manutenção de equipamentos; e, principalmente, à inobservância das normas internacionais sobre segurança da navegação e prevenção da poluição no meio marinha[15].

Ou seja, apesar de não haver outra matéria atinente à poluição do meio ambiente que seja tão normatizada como a poluição do meio marinho, o que falta para evitar acidentes e a degradação dos oceanos é o efetivo respeito e cumprimento das normas nacionais e internacionais.

Nesse sentido, para além da regulação do uso racional dos oceanos, faz-se mister a presença do Estado como agente fiscalizador e sancionador da indústria da navegação, ou seja, atuação Estatal no pleno exercício do poder de polícia administrativa.

Isso porque a IMO não tem vocação nem capacidade para fazer cumprir as suas normas e recomendações, deixando o seu cumprimento a cargo de cada Estado, de acordo com as políticas públicas nacionais[16].

 

2. AUTORIDADE MARÍTIMA BRASILEIRA (AMB), SEUS REPRESENTANTES E AGENTES

A expressão autoridade marítima é amplamente utilizada pelas nações marítimas para designar a presença e o exercício do poder estatal no mar.[17]

E o Acordo Latino-Americano sobre o Controle de Navios pelo Estado Reitor do Porto (Acordo de Viña del Mar, de 1992), do qual o Brasil faz parte, também adotou a expressão Autoridade Marítima para se referir a todas as partes do Acordo[18].

Fato é que em cada Estado haverá um órgão da Administração Pública responsável pelos assuntos do mar, independentemente de sua denominação.

No caso do Brasil, também se optou pela expressão Autoridade Marítima para se referir a uma grande variedade de atribuições previstas em lei, referentes à salvaguarda da vida humana no mar, à segurança da navegação e prevenção da poluição ambiental, a serem exercidas pela Marinha do Brasil, em caráter subsidiário a sua destinação constitucional.

A Lei nº 9.537/97, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, confirma o que se disse acima, como observamos abaixo:

Art. 3º Cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.

Art. 39. A autoridade marítima é exercida pelo Ministério da Marinha.[19]

(grifei)

Além disso, a Lei Complementar nº 97/99, que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas, especificou atribuições subsidiárias particulares para a Marinha, em complemento a sua destinação constitucional[20], designando o Comandante da Marinha como Autoridade Marítima Brasileira (AMB)[21].

Seguindo esse mesmo padrão, a definição de autoridade marítima também foi dada pela Lei nº 9.966/2000 Lei do Óleo, que dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, como se lê abaixo:

Art. 2° Para os efeitos desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:

XXII autoridade marítima: autoridade exercida diretamente pelo Comandante da Ma- rinha, responsável pela salvaguarda da vida humana e segurança da navegação no mar aberto e hidrovias interiores, bem como pela prevenção da poluição ambiental causada por navios, plataformas e suas instalações de apoio, além de outros cometimentos a ela conferidos por esta Lei;

(grifei)

Já em nível infralegal, temos o Decreto nº 5.417/2005, que aprovou a Estrutura Regimental do Comando da Marinha, e que dispôs incumbir ao Comandante da Marinha exercer as atribuições de Autoridade Marítima[22], e também a Portaria n° 156/2004, do Comandante da Marinha, que estabeleceu a Estrutura da Autoridade Marítima.[23]

Da análise desses instrumentos legais e infralegais, pode-se inferir que o conceito de autoridade marítima está estreitamente relacionado ao dever-poder do Estado brasileiro de conformar a conduta dos particulares em favor do interesse da coletividade, no que diz respeito à salvaguarda da vida humana no mar, à segurança da navegação hidroviária e à prevenção da poluição marinha compromissos esses assumidos internacionalmente.

A autoridade marítima compreende, assim, o conjunto de atribuições subsidiárias conferidas à Marinha do Brasil pela lei, que não seja relacionado à defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, conforme determina o art. 142 da CR/88. Ou seja, adota-se um conceito por exclusão e ampliativo da missão constitucional daquela instituição.

Esclareça-se que os principais Agentes da Autoridade Marítima Brasileira (AMB) são os titulares e militares das Capitanias dos Portos, Capitanias Fluviais, Delegacias e Agências, cuja organização vem disposta na Portaria nº 135/2018, do Comando de Operações Navais, que aprovou o Regulamento das Capitanias, Delegacias e Agências[24].

Com isso, dois conjuntos de distintas e variadas tarefas foram atribuídas ao Comandante da Marinha a de Autoridade Marítima e a de Autoridade Naval. A primeira, de natureza eminentemente civil, abrange uma miscelânea de serviços públicos e limitações administrativas voltadas aos particulares. A segunda, de caráter militar, tem sua missão definida no art. 142 da CR/88, como instrumento de defesa do Estado contra ameaças externas.

Assim, pode-se dizer que a autoridade marítima nada mais é do que o exercício do poder de polícia administrativa sobre águas jurisdicionais, e que as razões para se manter o Comandante da Marinha como AMB são históricas, econômicas e políticas.

Isso fica claro quando se observa a posição oficial da Instituição, publicada no item 2.2.3 do EMA-300 Plano Estratégico da Marinha (PEM)[25], que é uma publicação institucional não controlada, ostensiva e de natureza política, conforme transcrito abaixo:

"Essa função de Estado é cumprida pela Marinha do Brasil cuja capacitação natural, sua tradição institucional, os Meios Navais, Aeronavais e de Fuzileiros Navais, equipados e treinados, realizam Operações Navais, Patrulha Naval, atividades de Vistoria e Inspeção Naval (Port State), estabelecendo a lei e a ordem em nossas águas jurisdicionais. No entanto, frisa-se, ser essa fiscalização compartilhada com outros órgãos do Poder Executivo, federal, estadual e municipal, em razão de competência específica e de responsabilidades que não são exclusivas da MB. Além disso, a segurança da navegação tem merecido intensa dedicação do setor de segurança do tráfego aquaviário. O cumprimento efetivo desta tarefa impedirá que outros setores do Estado brasileiro busquem assumir espaços e exercer atribuições nas AJB que são de dever e de vocação da Marinha."

(grifei)

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Em Portugal, assim como no Brasil, também houve (ou se manteve) a militarização da Autoridade Marítima, não sem críticas, conforme observamos abaixo:

"(...) a doutrina da defesa nacional de derrotar um inimigo, usando a força até à destruição, se necessário, diverge das doutrinas da segurança interna, da administração da justiça, da proteção civil e da proteção ambiental, e das atividades comerciais e industriais; e não são fáceis de compatibilizar. Os militares da Armada são especialistas e experientes em conceber, dirigir, manter e operar navios militares, e são insubstituíveis nas operações militares- navais (uso de todo o espetro da força no mar); em especial, os oficiais são preparados para dirigir e comandar pessoas e navios em operações militares-navais. Essas operações e os navios militares têm pouco em comum com as operações, tarefas e meios específicos dos restantes tipos de plataformas e operações civis."[26]

Seja como for, a Marinha do Brasil, enquanto AMB, é o órgão público responsável por assegurar as obrigações e responsabilidades internacionais assumidas pelo Brasil no que se refere à segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar e prevenção da poluição hídrica.

3. PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DA AUTORIDADE MARÍTIMA BRASILEIRA

De acordo com o escólio de Bandeira de Mello, chama-se polícia administrativa:

A atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo (grifei)[27]

Por sua vez, ensina-nos Justen Filho, que:

"A disciplina da autonomia privada por meio do poder de polícia envolve a edição de normas gerais e abstratas, mas também a edição de normas específicas e concretas. Mais ainda, também compreende a execução material dessas ordens, inclusive mediante o uso efetivo da força. Portanto, trata-se não apenas de disciplina na acepção de emissão de normas de conduta, mas também no sentido de adoção dos meios materiais necessários a impor faticamente a observância dos comandos jurídicos" (grifei)[28]

Assim, estamos autorizados a entender que o poder de polícia administrativa nada mais é do que a atuação do Estado, em nível infralegal e sobre o campo das liberdades individuais, visando garantir o cumprimento da lei, em sentido amplo o que inclui, obviamente, os tratados e convenções internacionais incorporados ao ordenamento jurídico através de ações regulatórias, fiscalizatórias e sancionatórias.

No caso, quando falamos em águas jurisdicionais brasileiras, estamos nos referindo a todo o meio ambiente aquático sob jurisdição nacional, que é patrimônio público e cujo equilíbrio ecológico se enquadra como um direito fundamental (art. 225, da CR/88), ainda que difuso.

Dito isto, compreende-se que a AMB, enquanto no exercício do poder de polícia administrativa sobre as águas jurisdicionais brasileiras, busca, naqueles espaços, a aplicação da lei, em sentido amplo, conformando a atuação dos particulares ao interesse público, a fim de proteger um direito fundamental o meio ambiente marinho ecologicamente equilibrado.

Por certo, o êxito na proteção do meio ambiente marinho demanda diferentes tipos de esforços. E a própria atividade de polícia administrativa pode ser exercida em momentos e de formas diferentes, conforme demonstra Carvalho Filho:

 

No exercício da atividade de polícia, pode a Administração atuar de duas maneiras. Em primeiro lugar, pode editar atos normativos, que têm como característica o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por conseguinte, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Nesse caso, as restrições são perpetradas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de idêntico conteúdo. Além desses, pode criar também atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente identificados, como são, por exemplo, os veiculados por atos sancionatórios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as licenças e autorizações. (grifei)[29]

E, em complemento aos ensinamentos anteriores, alerta o autor:

Não adianta deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos mecanismos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia reclama do Poder Público a atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresente duplo aspecto: um preventivo, através do qual os agentes da Administração procuram impedir um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção[30]

Assim, no exercício do poder de polícia administrativa, cabe a AMB: a) expedir atos normativos secundários (regulação); b) fiscalizar o seu cumprimento; e c) sancionar a sua violação.[31]

3.1. REGULAÇÃO

Sobre a atribuição regulatória da AMB, esta foi conferida pelo art. 4º da Lei nº 9.537/97 LESTA, pois foi a partir desse dispositivo legal que o Congresso Nacional delegou à Autoridade Marítima o poder de editar normas infralegais sobre a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana no mar e a prevenção da poluição hídrica.[32]

As normas emitidas pela Autoridade Marítimas são conhecidas como NORMAM (Normas da Autoridade Marítima), numeradas sequencialmente e divulgadas pela Diretoria de Portos e Costas (DPC) e pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), num total de 32 publicações normativas atualmente em vigor.[33]

Sobre a possibilidade e legitimidade da delegação feita pelo legislador à AMB, cumpre transcrever, abaixo, importante esclarecimento trazido por Sérgio Ferrari:

O estabelecimento de normas por meio de ato secundário, a NORMAM, e não diretamente pela lei, não significa lesão ao princípio da legalidade, nem afeta a legitimidade da tipificação. Trata-se de delegação amplamente aceita no Direito Brasileiro, muito semelhante ao que ocorre no âmbito das agências reguladoras que, autorizadas por um único dispositivo de lei, expedem inúmeras normas, através de atos secundários (resoluções, portarias, regulamentos), que tipificam infrações e estabelecem sanções. Apesar da controvérsia que, até o final do século passado, ainda havia no assunto, hoje já se tem por pacificada essa possibilidade.[34]

Por outro lado, para o exercício das atividades das Capitanias, Delegacias e Agências, faz-se necessário estabelecer normas e procedimentos específicos, que levem em consideração as peculiaridades regionais e locais as Normas e Procedimentos da Capitania dos Portos / Capitania Fluvial NPCP/NPCF[35],que, por sua vez, obedecem às disposições gerais previstas nas NORMAM.

 

3.2. FISCALIZAÇÃO

Para a fiscalização do cumprimento das leis e regulamentos, no mar e águas interiores, dispõe a AMB, basicamente, de dois instrumentos: a Inspeção Naval (IN) e a Vistoria Naval (VN).

A Lei nº 9.537/97 LESTA, no art. 2º, incisos VII e XXI, trouxe as definições de Inspeção Naval e Vistoria Naval, respectivamente, abaixo:

VII - Inspeção Naval - atividade de cunho administrativo, que consiste na fiscalização do cumprimento desta Lei, das normas e regulamentos dela decorrentes, e dos atos e resoluções internacionais ratificados pelo Brasil, no que se refere exclusivamente à salvaguarda da vida humana e à segurança da navegação, no mar aberto e em hidrovias interiores, e à prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio;

XXI - Vistoria - ação técnico-administrativa, eventual ou periódica, pela qual é verificado o cumprimento de requisitos estabelecidos em normas nacionais e internacionais, referentes à prevenção da poluição ambiental e às condições de segurança e habitabilidade de embarcações e plataformas.

A Vistoria Naval é uma perícia técnica que visa à verificação do cumprimento, por parte da embarcação vistoriada, dos requisitos pertinentes de segurança da navegação e prevenção da poluição ambiental, preconizados nas NORMAM e nas Convenções e Códigos Internacionais da IMO, emitindo-se, em consequência, os certificados ou atestados correspondentes[36]. Inclusive, de acordo com o Decreto nº 2.596/98, que regulamenta à LESTA, pode a AMB delegar competência para a realização de vistorias às sociedades classificadoras e certificadoras[37].

Por outro lado, a Inspeção Naval (IN) é ação preventiva e repressiva, de natureza inopinada, que busca aferir o cumprimento das normas sobre segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar e prevenção da poluição hídrica. Ou seja, ao contrário da Vistoria, que é uma ação programada e acertada entre o Armador ou seu representante e o Agente da AMB, a Inspeção Naval é caracterizada pelo efeito surpresa.[38]

No âmbito infralegal, os Agentes da AMB devem observar as NORMAM-07 e 09/DPC, que trata das Atividades de Inspeção Naval e das Normas para Inquérito sobre Acidentes ou Fatos da Navegação (IAFN), respectivamente.[39]

Por fim, é importante dizer que as plataformas dedicadas à atividade de E&P também estão sujeitas à fiscalização dos Inspetores Navais. E o art. 27 da Lei nº 9.966/2000 - Lei do Óleo, dispõe expressamente ser responsabilidade da Autoridade Marítima fiscalizar navios, plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência.

3.3. SANCIONAMENTO

Considerando o princípio da legalidade administrativa, uma vez identificada a infração administrativa, cabe a autoridade, por dever, aplicar a sanção, após a devida apuração e processamento, respeitando, inclusive, o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV, da CR/88.

Seguindo essa mesma lógica, dispõe o art. 7º, do Decreto nº 2.596/98 - RLESTA, que regulamenta a Lei nº 9.537/97 LESTA, que constitui infração administrativa a inobservância de qualquer preceito do próprio Decreto e também de normas complementares emitidas pela autoridade marítima e de ato ou resolução internacional ratificado pelo Brasil, sendo o infrato sujeito a penalidades, e há um procedimento administrativo previsto nos arts. 22, 23 e 24 da LESTA[40], complementado pelo disposto nas NORMAM-07 e 09 /DPC, já mencionados, para que se possa aplicar eventual punição administrativa.

No caso de inobservância dos preceitos constantes da Lei nº 9.966/2000 Lei do Óleo, as penalidades e as medidas administrativas a serem aplicadas serão as previstas no Decreto nº 4.136/2002, que regulamenta a referida lei, através do procedimento previsto nas NORMAM- 07/DPC e 09/DPC.[41]

Seja num caso, ou noutro, há previsão tanto de medidas administrativas, quanto de penalidades administrativas.

No caso de STA, se, durante a fiscalização, forem constatadas irregularidades, os Agentes da AMB poderão impor as medidas administrativas previstas no art. 16, da Lei nº 9.537/97[42]; enquanto o art. 25, do mesmo diploma legal, traz o rol penalidades passíveis de serem aplicadas, após regular processo administrativo.[43]

Já se tratando de infrações ao disposto na Lei nº 9.966/2000, ou seja, poluição por óleo, aplicar-se-ão as sanções previstas no art. 9º, do Decreto nº 4.136/2002.[44]

Por fim, caso a infração administrativa se enquadre como acidente[45] ou fato da navegação[46], deve-se levar em consideração o disposto no art. 33, da Lei nº 9.537/97, que dispõe que aqueles serão apurados por meio de inquérito administrativo instaurado pela autoridade marítima, para posterior julgamento no Tribunal Marítimo.[47]

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O oceano é a nova fronteira da economia. Mais de 90% do comércio internacional é feito por transporte marítimo, e, no caso do Brasil, os campos marítimos são responsáveis pela produção de 96,9% do petróleo e cerca de 80,8% do gás natural[48].

Com o reconhecimento da riqueza dos mares e hegemonia do transporte marítimo, surgiu a necessidade da adoção de normas e procedimentos internacionais voltados para a salvaguarda da vida humana no mar, a segurança da navegação e a prevenção da poluição marinha por parte de embarcações, plataformas, instalações portuárias e instalações de apoio.

A questão ambiental, por sua vez, passou a estar no foco das atenções da oceanopolítica a partir de meados do século XX[49], em não se espera que essa realidade mude nos próximos anos.

Isso porque a inobservância das normas internacionais sobre segurança da navegação e prevenção da poluição no meio marinha acabam por causar sérios acidentes, com prejuízos incalculáveis e que perduram no tempo.

Apesar de não haver outra matéria atinente à poluição do meio ambiente que seja tão normatizada como a poluição do meio marinho, acidentes continuam a ocorrer, como o vazamento de óleo nas praias do nordeste brasileiro em 2019[50], sendo certo que o que falta para minorar a degradação dos oceanos é o efetivo respeito e cumprimento das normas já existentes.

Em cada Estado há um órgão da Administração Pública responsável pelos assuntos do mar, independentemente de sua denominação, e que deverá se incumbir das questões relativas à segurança da navegação, à salvaguarda da vida humana no mar e à prevenção do meio marinho. No caso do Brasil, se chama Autoridade Marítima Brasileira, assim como previsto no Acordo de Viña del Mar, de 1992.

O exercício das atribuições de AMB, nos termos da Lei nº 9.537/97, da Lei Complementar nº 97/99, da Lei nº 9.966/2000, do Decreto nº 5.417/2005, da Portaria nº 156/2004, do Comandante da Marinha, e da Portaria nº 135/2018, do Comandante de Operações Navais, compete ao Comandante da Marinha, ou seja, à própria Marinha do Brasil (MB), em ampliação a sua destinação constitucional prevista no art. 142, da CR/88.

Assim, considerando que o exercício das atribuições de AMB implicam no exercício do poder de polícia administrativa, cabe à MB: a) expedir atos normativos secundários; b) fiscalizar o seu cumprimento; e c) sancionar a sua violação, no que se refere à segurança da navegação, salvaguarda da vida humana no mar e prevenção da poluição marinha.

As normas emitidas pela AMB são conhecidas como NORMAM, numeradas sequencialmente, divulgadas pela Diretoria de Portos e Costas (DPC) e pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), e têm aplicação geral, em complemento às Convenções Internacionais e leis nacionais em vigor.

As Capitanias, Delegacias e Agências são os agentes da AMB, também possuem normas e procedimentos específicos, que levam em consideração as peculiaridades regionais e locais são as NPCP/NPCF.

Para a fiscalização do cumprimento das leis e regulamentos, no mar e águas interiores, dispõe a AMB, basicamente, de dois instrumentos: a Inspeção Naval (IN) e a Vistoria Naval (VN). Tanto a Lei nº 9.537/97 LESTA, quanto as NORMAM 07 e 09/DPC tratam do assunto.

Considerando o princípio da legalidade administrativa, uma vez identificada a infração administrativa, cabe a autoridade, por dever, aplicar a sanção, após a devida apuração e processamento, respeitando, inclusive, o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 5º, LV, da CR/88.

No caso da segurança do tráfego aquaviário, se, durante a fiscalização, forem constatadas irregularidades, os Agentes da AMB poderão impor as medidas administrativas previstas no art. 16, da Lei nº 9.537/97; enquanto o art. 25, do mesmo diploma legal, traz o rol penalidades passíveis de serem aplicadas, após regular processo administrativo.

Já se tratando de infrações ao disposto na Lei nº 9.966/2000, aplicar-se-ão as sanções previstas no art. 9º, do Decreto nº 4.136/2002.

Por outro lado, caso a infração administrativa se enquadre como acidente ou fato da navegação, deve-se levar em consideração o disposto no art. 33, da Lei nº 9.537/97, que dispõe que aqueles serão apurados por meio de inquérito administrativo instaurado pela autoridade marítima, para posterior julgamento no Tribunal Marítimo.

Sobre o autor
David Fonseca de Sá

Capitão-Tenente do Quadro Técnico, especialidade Direito, do Corpo Auxiliar da Marinha. Especialista em Direito Marítimo (UERJ) e Direito Criminal (Estácio).

Informações sobre o texto

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