Da competência híbrida dos juizados de violência doméstica e familiar

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Ementa: lei Maria da Penha - competência híbrida dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher - alteração legislativa nos códigos de processo civil e penal - rito dos juizados repercussão em várias áreas do direito - ações cabíveis - recursos admissíveis das decisões atuação do advogado nos juizados de violência doméstica e familiar

  1. LEI MARIA DA PENHA (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006)
    1. Breve resumo

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal (art. 226, § 8°) e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro[2].

Tratando-se de uma legislação especial para o enfrentamento contra a violência de gênero contra as mulheres, a previsão da competência cível e criminal não deve ser compreendida apenas como aspecto da organização e/ou administração da justiça, mas é condição relacionada com a qualidade da resposta judicial e as garantias de acesso à justiça para as mulheres.

Segundo a Recomendação Geral n. 33 do Comitê CEDAW (CEDAW- Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da Assembléia Geral das Nações), todas as referências a mulheres devem ser entendidas como incluindo mulheres e meninas, a menos que especificamente indicado de outro modo. A Recomendação Geral n. 35 do Comitê CEDAW também estipula, no seu parágrafo 14, que toda referência às mulheres em seu texto incluem as meninas, já que a violência de gênero afeta as mulheres ao longo de seu ciclo de vida.

Essa inovadora forma de elaborar uma legislação rompeu com a forma como se elaboram, em geral, as legislações (parlamento) ou seja, uma ruptura tanto no que se refere à origem quanto ao conteúdo, pois inovou ao trazer a perspectiva da complexidade, intersetorialidade, multidisciplinaridade e integralidade, presente nos estudos e pesquisas do campo (CAMPOS, 2017)[3].

Acontece que, na prática, observa-se que muitos magistrados negam a competência cível do juizado e, consequentemente, forçam as mulheres a se submeter à processos simultâneos no Juizado de Violência Doméstica e nas Varas de Família. Na intenção de evidenciar ainda mais essa competência cível, foi promulgada a lei 13.984/19 que altera o art. 14 da LMP.

  1. DA COMPETÊNCIA HÍBRIDA DOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006) não é uma lei penal, pois não cria tipos penais; não é uma lei de Processo Civil ou de Processo Penal, embora traga importantes normas processuais e de cunho cautelar civil e penal[4]. Da mesma maneira, a Lei Maria da Penha não é normatização de Direito Civil, mesmo que muitas providências tenham relação direta com o Direito das Famílias[5]. Entretanto, não se pode negar que se trata de uma lei predominantemente penal[6], aplicando um sistema legal múltiplo e próprio de proteção à mulher em razão da agressão de gênero, com inúmeros dispositivos que tratam de políticas públicas, com regras de cunho processual civil, processual penal, trabalhista e administrativo. Há quem diga tratar-se de um microssistema[7], mas é lei especial[8] que consagra norma constitucional art. 226, § 8º, CF7 e são suas disposições processuais e de organização judiciária que, no plano da competência, têm originado debates na doutrina e jurisprudência.

O que é a competência híbrida dos juizados da violência doméstica?[9] É quando uma lei pode atuar tanto na esfera cível como criminal. No caso da Lei Maria da Penha, é a capacidade de agir com direito penal e também com direito de família, ou seja, a possibilidade da mulher ter não somente a Medida Protetiva de Urgência, mas na vara ou juizado especializado de violência doméstica e familiar ter o divórcio, alimentos, regularização de guarda e visitas, entre outros temas relativos ao Direito de Família, conforme segue abaixo o artigo 14 da Lei 11340/2006:

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens. (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver. (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019).

O artigo 33, por sua vez, introduz como disposição transitória, que:

enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar.

A tentativa da legislação, é de que a mulher possa, em um só processo, resolver todos os problemas jurídicos que necessitem resolução para com o seu agressor.

  1. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

A Lei Maria da Penha alterou o Código Penal, o Código Civil, a CLT, as disposições de direito administrativo, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de Seguridade social, para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes.

3.1. Lei 13.894 de 29 de outubro de 2019 Atribuição de competência dada pelo artigo 14-A caput: decretação de divórcio e de dissolução de união estável

A alteração feita pela Lei 13.894 de 29 de outubro de 2019, autoriza o ajuizamento de pedidos de decretação de divórcio e de dissolução de união estável nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Veja-se:

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

Destarte, estas unidades judiciais, de elevada demanda de requerimentos cautelares de medidas protetivas de urgência e de número expressivo de feitos de natureza criminal, passaram a cumular mais uma competência jurisdicional. A alteração legislativa tem finalidade precípua de impor celeridade ao conhecimento e provimento jurisdicional tendente a estabelecer o fim do vínculo jurídico e do relacionamento permeado por comportamentos abusivos. Assim sendo, possibilita à mulher, vítima de violência doméstica praticada por marido/esposa ou companheiro(a), acesso rápido ao estado-juiz para findar a sociedade conjugal, em ambiente acolhedor, capacitado em compreender as peculiaridades de sua situação familiar. Por esse olhar, a alteração normativa merece ser compreendida, interpretada e aplicada conforme a inteligência da Lei Maria da Penha, das Convenções Internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres e da Constituição da República[10].

3.2. Alterado o Código de Processo Civil, em três pontos - Inserção do artigo 14-A, .

A Lei 13.894 de 29 de outubro de 2019, assim determina em relação à competência territorial:

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.         

1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.        

2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.     

Destarte, foi alterado o diploma processual geral, em três pontos.

3.2.1. O primeiro diz respeito à competência territorial para as ações objeto da lei (divórcio, separação judicial, anulação de casamento e extinção de união estável). Surge uma quarta alínea no primeiro inciso no artigo 53, prevendo a competência do foro do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar.

CPC. Art. 53. É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

d) de domicílio da vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

3.2.2. O segundo, criou a hipótese de atuação compulsória do Ministério Público, nas ações de família.

CPC- Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo.

Parágrafo único. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Na redação originária, o parquet apenas interviria quando existisse interesse de incapaz, algo acidental nas ações de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, mas frequente nas demandas de guarda, visitação, filiação e alimentos rol legalmente estatuído de ações de família. Doravante, o Ministério Público se fará presente como fiscal, quando a vítima de violência doméstica for parte processual.

3.2.3. O terceiro ponto, modifica o Código Fux, passando a prever prioridade na tramitação de processos em que for parte vítima de violência doméstica e familiar.

CPC Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:

III - em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

3.3. Alterações do Código de processo Penal

3.3.1. Lei nº 13.827, de 2019 e Lei nº 13.827, de 2019 - As leis permitem que delegados e policiais decidam, em caráter emergencial, sobre medidas protetivas para atender mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Assim determina a o artigo 12-A da LMP:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: (Redação dada pela Lei nº 14.188, de 2021)

I - pela autoridade judicial; (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)

II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)

III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.   (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019).

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3.3.3. Lei nº 14.132/21 - inseriu no Código Penal o art. 147-A, denominado crime de perseguição. Sua finalidade é a tutela da liberdade individual, abalada por condutas que constrangem alguém a ponto de invadir severamente sua privacidade e de impedir sua livre determinação e o exercício de liberdades básicas.

Sabendo que há prevalência do stalking em vítimas do sexo feminino, importante usar como vetor interpretativo a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará):

Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: (...)

d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;

3.3.4. Lei nº 14.149/21, que institui o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, com o intuito de prevenir feminicídios.

Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)

Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas. (Incluído pela Lei nº 13.827, de 2019)

3.3.5. Altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher.

3.4. Alteração na lei de execuções penais para permitir ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

3.5. A Lei n° 14.164/21 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para incluir a prevenção da violência contra a mulher como tema transversal nos currículos da educação básica.

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

...

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

3.6. Alterou o Regime Jurídico único dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, para a remoção e transferência para outro local de trabalho, seja em outra região, Município ou Estado, da servidora pública vítima de violência doméstica. Veja-se:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

...

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta.

3.7.Altera disposição da CLT- CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.

A medida de afastamento do local de trabalho, prevista no art. 9º, § 2º, da Lei é de competência do Juiz da Vara de Violência Doméstica, sendo caso de interrupção do contrato de trabalho, devendo a empresa arcar com os 15 primeiros dias e o INSS com o restante.

A formalização do pedido de manutenção do vínculo trabalhista tanto poderá ser requerida na fase investigatória policial, mediante o expediente apartado dirigido ao Juiz, com o pedido da ofendida para sua concessão, ou mesmo após o oferecimento da denúncia, através de pedido verbal da ofendida que será tomado a termo, ou através de requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública (arts. 12Parágrafo 1o, Inciso III19, caput e 28 da Lei 11.340/2006).

Dispõe o Art. 9o, Parágrafo 2o, Inciso II, desse Estatuto Protetivo da Mulher o seguinte:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

...

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

3.8. Alteração da Lei de Seguridade Social

3.8.1. Auxilio-reclusão - Acaso condenado o acusado pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, com trânsito em julgado, uma vez lançado ao cárcere, imediatamente o mesmo fará jus ao gozo do Auxílio-Reclusão, que será devido aos seus dependentes, ex vi do Art. 80 da Lei 8.213/91. O requerimento do auxílio-reclusão deverá ser instruído com certidão do efetivo recolhimento à prisão, sendo obrigatória, para a manutenção do benefício, a apresentação de declaração de permanência na condição de presidiário.

Acrescenta os §§4º e 5º ao art. 9º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para dispor sobre a responsabilidade do agressor em ressarcir os custos relacionados aos serviços de saúde prestados pelo Sistema Único de Saúde - SUS e aos dispositivos de segurança em caso de pânico, utilizados pelas vítimas de violência doméstica e familiar.

3.8.2. Ressarcimento ao SUS- Os juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, tem competência para o envio de diversos ofícios à Autarquia Previdenciária para consecução da prestação à mulher violentada, ameaçada em sua integridade física e psicológica.

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.         (Vide Lei nº 13.871, de 2019)     (Vigência)

§ 5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.        (Vide Lei nº 13.871, de 2019)     (Vigência)

  1. DO RITO DOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Embora tenham recebido a nomenclatura de juizados, o rito previsto na Lei Maria da Penha para os feitos em trâmite nos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher não se confunde com o procedimento previsto na Lei Nº 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, porque a violência doméstica praticada contra a mulher deixa de ser considerada como de menor potencial ofensivo.

O artigo 41, da Lei nº 11.340/2006, que afasta a incidência da Lei nº 9.099/95 aos delitos perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

  1. AÇÕES CABÍVEIS NOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
    1. Ações de natureza cível
  2. Ação de alimentos
  3. Ação de separação judicial
  4. Ação de divórcio
  5. Ação de anulação de casamento
  6. Ação de dissolução de união estável.
  7. Investigação de paternidade;
  8. Pedidos de regulamentação de visitas;
  9. Reconhecimento de paternidade.
  10. Quaisquer outras ações em que for parte vítima de violência doméstica e familiar.
    1. Ações no âmbito das relações de trabalho
  11. Manutenção do vínculo trabalhista, por até seis meses.

  • Ações de repercussão no direito administrativo
  1. Pedido de remoção para servidora nos casos de violência.
    1. Ações que podem ser manejadas na esfera criminal
  2. Habeas- corpus
  3. Incidente de insanidade mental;
  4. Pedidos de liberdade;
  5. Quaisquer outras ações em que for parte vítima de violência doméstica e familiar.
    1. Ações com efeitos na seguridade social.
  6. Requerimento do auxílio-reclusão nos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher.
  7. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
    1. As medidas protetivas de urgência são de caráter cível e penal sem distinção.

O ofensor que desrespeita medida a ele imposta, comete o crime tipificado no artigo 24-A da Lei Maria da Penha e está sujeito a pena de 3 meses a 2 anos de detenção.

As medidas protetivas de urgência estão previstas nos artigos 22 a 24 da Lei Maria da Penha. Assim, conforme o art. 22 da Lei Maria da Penha, o juiz ou juíza poderá determinar:

  • A proibição ou restrição do uso de arma por parte do agressor.
  • O afastamento do agressor da casa.
  • A proibição do agressor de se aproximar da mulher agredida.
  • A restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores.
  • A obrigatoriedade da prestação de alimentos provisórios.
  • A restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor.
  • A proibição de venda ou aluguel de imóvel da família sem autorização judicial.
  • O depósito de valores correspondentes aos danos causados pelo agressor etc.
  1. DOS RECURSOS ADMISSÍVEIS DAS DECISÕES DOS JUÍZADOS DE COMPETÊNCIA HÍBRIDA DE VIOLÊNCIA DOMÊSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

O cabimento do recurso contra as decisões que versam sobre as medidas protetivas de urgência está intrinsecamente ligado à esfera de aproximação penal ou civil das próprias medidas.

É necessário frisar, contudo, que, a despeito da falta de previsão legal acerca do recurso cabível, o que certamente tem causado enorme dificuldade para as partes, bem como à míngua de deliberação do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, divergem as cortes acerca do recurso cabível e da turma competente para apreciá-lo[11].

Por tal razão, entende-se como extremamente salutar a aplicação do princípio da fungibilidade dos recursos em face das controvérsias pertinentes ao tema.

Aplicação do procedimento recursal do Código de processo Civil

Conforme elenca o CPC são cabíveis os seguintes Recursos:

  1. Apelação;
  2. agravo de instrumento;
  3. agravo interno;
  4. embargos de declaração;
  5. recurso ordinário;
  6. recurso especial;
  7. recurso extraordinário;
  8. agravo em recurso especial ou extraordinário;
  9. embargos de divergência. (art. 994 do CPC).
    1. Aplicabilidade do procedimento recursal do Código de Processo penal

Todos os recursos previstos no direito processual penal brasileiro tais como:

  1. Recurso em sentido estrito;
  2. Apelação;
  3. Embargos de declaração;
  4. Carta testemunhável;
  5. Agravos;
  6. Embargos infringentes;
  7. Protesto por novo júri;
  8. Correição parcial;
  9. Recurso ordinário-constitucional;
  10. Recurso extraordinário;
  11. Recurso especial.
    1. Recursos Trabalhistas

A omissão do legislador deu brecha a várias interpretações, uma vez que parte da doutrina entende ser atribuição dos Juizados Especializados em Violência Doméstica e Familiar e, até que estes sejam instalados, a atuação caberá à Justiça Comum. Por outro lado, outros discordam, acreditando tratar-se de competência da Justiça do Trabalho, já que a situação envolve relação trabalhista[12].

O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 alude que poderão ser criados Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, atribuindo-lhes competência cível e criminal para julgamento e execução das causas decorrentes de agressões e maus tratos contra a mulher no seu ambiente doméstico e familiar. No entanto, o art. 33 da mesma lei dispõe que enquanto não forem estruturados tais juizados, caberá à vara criminal conhecer e julgar causas dessa natureza.

Alguns doutrinadores consideram que o legislador pecou ao remeter à justiça comum a concessão da medida protetiva laboral assegurada no art. 9, § 2º, II, da Lei Maria da Penha, pois entendem que isso contraria os sistemas de distribuição de competência, adotados pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ainda, por tratar-se de uma relação trabalhista, a qual exige a comprovação do vínculo empregatício através da justiça do trabalho, parte da doutrina entende que são absolutamente incompetentes as varas dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

Conforme o artigo 893 da CLT, das decisões proferidas pelos órgãos da Justiça do Trabalho são admissíveis os seguintes recursos; 

  1. recurso ordinário,
  2. embargo de declaração, 
  3. recurso de revista,
  4. agravo de instrumento,
  5. agravo de petição,
  6. embargos ao TST,
  7. agravo regimental, 
  8. recurso adesivo e 
  9. recurso extraordinário.
  10. AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À MULHER NOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A Lei prevê medidas de proteção à mulher e em repressão ao agressor, conforme:

  • probabilidade de assegurar à vítima servidora pública acesso prioritário à remoção nos casos de violência sofrida no local de trabalho,

Possibilidade da prisão em flagrante do agressor com decretação de Prisão Preventiva (art. 20 LMP);

  • Impossibilidade de aplicação de Penas alternativas e benefícios da Lei nº 9.099 de 1995 (artigo 41);
  • Possibilidade a aplicação das Medidas Protetivas de Urgência previstas no artigo 22 da Lei nº 11.340 de 2006;
  • Impossibilidade, haja vista apresentar ausência de idoneidade moral, de inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) havendo críticas atinentes à sua constitucionalidade.

Nesse diapasão, a Lei Maria da Penha somente veda a possibilidade de aplicar penas alternativas e benefícios atinentes à Lei nº 9.099 de 1995. Não menciona a impossibilidade de estabelecimento de liberdade provisória, com ou sem imposição de medidas cautelares, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal.

  1. AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

As Medidas Protetivas de Urgência poderão ser concedidas pelo juiz, desde que requeridas:

a) pelo Ministério Público;

b) pela ofendida (vítima).

As medidas protetivas não são acessórias de um processo principal, e nem a ele se vinculam, razão pela qual podemos classificar as medidas protetivas de urgência em medidas cautelares inominadas, uma vez que resguardam direitos fundamentais à mulher, à criança e ao adolescente no âmbito das relações familiares e funcionais. Destaque-se que as Medidas Protetivas de Urgência poderão ser aplicadas cumulativamente.[13] E, em caso de necessidade, poderão ser substituídas a qualquer tempo.

Embora as medidas protetivas não sejam acessórias ou instrumentos para assegurar um processo principal, analisando o rol contido da Lei Maria da Penha, é de se perceber uma aproximação de determinadas medidas com a esfera criminal, enquanto de outras com a seara civil. Note-se:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

O descumprimento de Medida Protetiva de Urgência passa a ser uma conduta típica do ordenamento jurídico criminal brasileiro. O agressor que, após ter medida protetiva determinada pelo juiz, e insiste na conduta de descumprir essa Medida Protetiva, estará praticando a conduta criminosa prevista no artigo 24-A da Lei nº 11.340 de 2006, in verbis:

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

  1. DO (NÃO) CABIMENTO DE FIANÇA PELA AUTORIDADE POLICIAL

É um tema ainda enfrentado com divergências e críticas doutrinárias e jurisprudenciais, pois a Lei nº 12.403 de 2011 criou várias medidas cautelares para coibir a utilização do instituto da prisão preventiva de forma desregrada.

Dentre tais medidas, alterou o artigo 322 do Código de Processo Penal para estabelecer a possibilidade de concessão de fiança pela autoridade policial, estipulando um critério quantitativo de pena.

Consoante previsto no artigo em comento, cabe a autoridade policial conceder fiança nos casos em que a pena máxima do delito cometido não ultrapasse 04 (quatro) anos. Ainda acrescentando que, nos demais casos, a fiança pode ser requerida ao juiz (que deverá decidir em prazo não superior a 48 horas).

Nesse contexto, ainda sobre os demais casos, destaque-se que o delito cometido deverá estar em conformidade com as vedações expressas previstas nos artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal.

  1. DOS BENEFÍCIOS (IN) APLICÁVEL AO AGRESSOR

Ainda nesse ínterim, cumpre salientar que, consoante dispõe a Súmula nº 536 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os institutos da suspensão condicional do processo  Sursis Processual  e a transação penal são inaplicáveis nas hipóteses de delitos que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. O artigo 41 da Lei nº 11.340 de 2006 ainda reforça esse entendimento ao afirmar que não cabe a aplicação dos benefícios da Lei dos Juizados Especiais Criminais previstos da Lei nº 9.099 de 1995.

Logo, em benefício do agressor, também caberá a aplicação do instituto da suspensão condicional da pena.

Outrossim, cabe trazer à baila o entendimento firmado na Súmula nº 589 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

E para a configuração da relação doméstica, consoante entendimento estabilizado da melhor doutrina e jurisprudência pátria, não há a necessidade coabitação entre autor e vítima, consigna a Súmula nº 600 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

DETALHES IMPORTANTES: A Lei Maria da Penha está consolidada nos dias atuais como a lei de maior eficácia em nosso país que e garante a defesa dos direitos da mulher, como a preservação de sua integridade física, moral, sexual, psicológica, e a igualdade de gênero.

  • A mulher não pode entregar a intimação ao/a autor/a de violência doméstica, quem deve fazer isso é o Oficial de Justiça.
  • A Lei Maria da Penha proíbe as penas somente pecuniárias (penas de cunho financeiro, como pagamento de multas e cestas básicas).
  • A violência contra a mulher independe de sua orientação sexual.
  • A mulher deve avisar se o/a autor/a de violência doméstica descumprir as medidas protetivas, pois constitui crime e enseja prisão.
  • A Lei Maria da Penha contempla as violências contra as mulheres, que acontecem no convívio doméstico, no âmbito familiar ou em relações íntimas de afeto. Portanto, a Lei Maria da Penha se aplica: aos maridos, namorados, companheiros, que morem ou não na mesma casa que a mulher; aos ex que agridem, ameaçam ou perseguem a mulher; a outros membros da família, como por exemplo, mãe, filho/a, neto/a, cunhado/a, desde que a vítima seja mulher.
  • Quando a violência doméstica ocorre entre pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, mesmo sem ser parentes. Exemplo: patrão/oa da empregada doméstica.

Com a edição de uma lei de tamanha magnitude, o Estado cumpriu com um de seus objetivos, que é o de garantir que todos vivam de forma livre, digna e igualitária, sem sobreposição de um gênero em relação a outro.

Nas belas e singelas palavras de Simone de Beauvoir: Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância, já que viver é ser livre. (filósofa e escritora francesa -1908-1986)

Sobre a autora
Márcia Nogueira Bentes Corrêa

Advogada especialista em direito ambiental, constitucional, administrativo, cível e processualista. Escritório em Belém do Pará

Informações sobre o texto

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