A autonomia privada do de cujus no sistema sucessório vigente no Brasil

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Se de um lado existe a Sucessão Legítima, seguindo a vocação hereditária, conforme a lei, em seu artigo 1.829, do CC/02; do outro existe a Sucessão Testamentária, a qual pode coexistir com a sucessão legítima, caso haja herdeiros necessários, ou não.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais

Em havendo sucessão legítima, é determinado pela lei, no seu artigo 1.829, do CC/02, quem serão os herdeiros, a ordem de vocação hereditária, além da parte dos bens que caberá a cada um. A lei tem sua aplicabilidade como critério de sucessão nesse caso, pois o autor da herança não dispôs de sua vontade por meio de testamento. 

No direito sucessório, a autonomia privada se manifesta com mais expressividade no testamento, pois é através dele que é possível ao autor da herança dispor suas últimas vontades, para valerem após sua morte.

Flavio Tartuce traz ensinamentos a respeito do testamento:

A palavra vem de testatiomentis, que significa a atestação da vontade, a confirmação daquilo que está na mente do autor da herança. Além de constituir o cerne da modalidade sucessão testamentária, por ato de última vontade, o testamento também é a via adequada para outras manifestações da liberdade pessoal.

Assim, quando se fala em autonomia privada, em se tratando do tema sucessão no Direito Brasileiro, logo se remete a sucessão testamentária, uma vez que é nela onde o Autor da herança pode dispor dos seus bens como lhe convier, podendo ser considera, pois, fonte voluntária da vocação sucessória, ato expresso pela manifestação formal e unilateral do testador.

Entretanto, o direito pátrio não permite que seja tratado de todo o patrimônio, preservando à Legítima, ou seja, a parte que cabe aos herdeiros necessários, lição posta no artigo 1.875, do CC/02.

Art. 1.857. Toda pessoa pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.

§ 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.

(...)

Isso significa que o sistema brasileiro segue o sistema de divisão necessária, conforme lição de Hironaka e Cahali:

[...] a sucessão, no direito brasileiro, obedece ao sistema da divisão necessária, pelo qual a vontade do autor da herança não pode afastar certos herdeiros herdeiros necessários -, entre os quais deve ser partilhada no mínimo metade da herança [...] Herdeiro necessário, assim, é o parente com direito a uma parcela mínima de 50% do acervo, da qual não pode ser privado por disposição de última vontade, representando a sua existência uma limitação à liberdade de testar.

Na lição de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona de acordo com o sistema de divisão necessária:

(...) o autor da herança teria apenas uma relativa margem de disponibilidade dos seus bens, caso existissem herdeiros considerados necessários. Vale dizer, em havendo sucessores desta categoria, parte da herança obrigatoriamente lhes tocaria, não sendo permitido ao seu titular, mesmo em vida, dispor da quota reservada.

É necessário trazer à baila a inteligência dos artigos 1.845 e 1.846 do Código Civil:

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Pretendia o legislador proteger o direito dos herdeiros necessários, lhes dando certo amparo patrimonial, para que o autor da herança não dispusesse de todo o patrimônio.

No entendimento de Washington de Barros Monteiro:

Essa legítima, tão combatida por Le play e seus sequazes, porque contrária à ilimitada liberdade de testar, é fixa em face do nosso direito, ao inverso do que ocorre em outras legislações como a francesa, a italiana e a portuguesa, em que varia de acordo com o número das pessoas sucessíveis, e é sagrada, nesse sentido de que não pode, sob pretexto algum, ser desfalcada ou reduzida pelo testador.

Em outro viés, segue o entendimento de Stolze e Pamplona, os quais alegam ter sinceras dúvidas a respeito da eficácia social e justiça dessas normas preservadoras da legítima, pois acreditam que elas são motivo de discórdia entre parentes e litígios judiciais. Eles acreditam que deveria haver liberdade total para dispor do patrimônio tendo como norte a afetividade.

Ora, percebesse que o legislador, na criação do Código Civil de 2002 trouxe o lado patrimonialista para a sucessão, protegendo parte do patrimônio para que os herdeiros necessários recebessem o patrimônio da família, ou melhor dizendo, pelo menos a metade dele, mas também tem um lado que carrega a proteção familiar respaldada na solidariedade. 

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Todavia, percebe-se que existem doutrinadores que não concordam com o sistema adotado pela lei brasileira e defendem a liberdade total da autonomia da vontade privada para que ela atue respaldada no querer do autor e pela afetividade.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CAHALI, Francisco. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso Avançado de Direito Civil: direito das sucessões. Vol 6. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Mario Veiga Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito Das Sucessões - Volume 7 - 8ª Edição 2021. 

MONTEIRO, Washington de Barros. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze, FILHO, Rodolfo Mario Veiga Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito Das Sucessões - Volume 7 - 8ª Edição 2021. 

TARTUCE, Flávio. Direito Civil, V6: Direito das Sucessões. 10 ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense. 2017. 


Sobre a autora
Isabella Cristina Guilherme de Araújo

Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2014). Advogada OAB/PE - Subsecção Olinda-PE. Tem formação em Mediação Judicial pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) (2017) e atuação como Conciliadora Judicial Voluntária no TJPE (2016-2019). Pós-graduada em Direito Público pelo Instituto Pan Americano de Educação, Ciências e Cultura - Faculdade Novo Horizonte em (2019-2021). Membro da Comissão de Mediação, Arbitragem, Conciliação e Direito Sistêmico da OAB/PE Subsecção Olinda (2019-2020). Conciliadora Judicial – CNJ. Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário UniDom Bosco em parceria com Meu Curso (2021-2022).

Informações sobre o texto

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