Código de Hamurabi a luz dos direitos fundamentais da Constituição de 1988

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RESUMO

Neste trabalho abordar-se-á alguns princípios fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88). Com objetivo de fazer uma breve comparação a alguns institutos encravados no Código de Hamurabi (1.800 a.C), e suas influências no ordenamento jurídico de forma geral, na tentativa de desmistificar, um pouco, o Código de Hamurabi. Esse artigo, portanto, buscará fazer exposições de dispositivos presentes no Código de Hamurabi demonstrando, assim, suas ligações teleológicas em face do artigo 5º Constituição de 1988, similaridades dos bens jurídicos, o poder coercitivo do Estado, a generalidade e eficácia da norma constitucional.

Palavras-chave: Constituição Federal, Hamurabi, ordenamento jurídico, similaridades.

Método: Revisão da literatura científica no campo do Direito Constitucional.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO; 2. CÓDIGO DE HAMURABI; 3. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988; 4. CÓDIGO DE HAMURABI VS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988; 4.1. Direito de propriedade CF 88; 4.2. Direito de propriedade e Código de Hamurabi; 4.3. Direito do Consumidor e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 4.4. Direito do Consumidor e o Código de Hamurabi; 4.5. Direito a inviolabilidade do domicílio na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 4.6. Direito a inviolabilidade do domicílio no Código de Hamurabi; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho abordar-se-á o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88), em especial às questões análogas ao Código de Hamurabi, e suas influências comparativas ao ordenamento jurídico de forma geral na tentativa de desmistificar, um pouco, o Código de Hamurabi. Esse artigo, portanto, buscará fazer exposições de dispositivos presentes no Código de Hamurabi demonstrando, assim, suas ligações teleológicas em face do artigo 5º Constituição de 1988, similaridades dos bens jurídicos, o poder coercitivo do Estado, a generalidade e eficácia da norma constitucional.

O bojo do presente artigo visa comparar os bens juridicamente protegidos presentes no Código de Hamurabi - escrito a 1.800 a.C. a luz dos direitos fundamentais, implícitos ou explícitos, no artigo 5º Constituição Brasileira de 1988, demonstrando assim a preocupação, desde os primórdios da sociedade, com os direitos individuais e coletivos.

É notório que desde os primórdios o homem, no sentido social, para se desenvolver teve de tomar alguns princípios morais que se originaram do próprio homem e da observação deste em relação ao seu ambiente de existência, fazendo com que esse ser político criasse regras, a principio, com a pretensão de sobrevivência da raça regulando as relações sociais. Essas regras evoluíram com o passar do tempo de acordo com as necessidades da humanidade dando origem as Leis sendo elas consuetudinárias ou positivadas.

Por sua vez, o estado Babilônico na época de Hamurabi era teocrático, logo, tinha-se como crença a ideia de que o Código criado havia sido entregue por Deus para o rei, ou seja, isso fez com que a sociedade seguisse o Código temendo primeiramente a Deus e depois ao soberano. É importante verificar em alguns dispositivos a identificação e valorização de entidades consideradas Deuses, a exemplo é possível citar o rio Eufrates no seguinte fragmento retirado do Código:

Art. 2. Se alguém fizer uma acusação a outrem, e o acusado for ao rio e pular neste rio, se ele afundar, seu acusador deverá tomar posse da casa do culpado, e se ele escapar sem ferimentos, o acusado não será culpado, e então aquele que fez a acusação deverá ser condenado à morte, enquanto que aquele que pulou no rio deve tomar posse da casa que pertencia a seu acusador. (CÓDIGO DE HAMURABI, sec. XVIII a.C).

Verifica-se ainda a imensa importância que possuía o rio naquela região, onde as intermediações eram desérticas, tornando-o digno de adorações e de respeito.

Portanto, será feita a exposição e o comparativo de alguns artigos retirados no Código de Hamurabi com alguns extraídos da Carta Magna de 1988 para visualizar suas semelhanças, seus bens jurídicos protegidos, e perceber, que desde sempre, ouve preocupação do legislador com a proteção de algumas garantias da sociedade.

2. CÓDIGO DE HAMURABI

Hamurabi foi o fundador do Primeiro Império Babilônico, conseguindo unificar a região através de conquistas militares, a região situada entre os rios Tigre e Eufrates por isso o território passou a chamar-se Mesopotâmia, que significa região entre rios.

O imperador Babilônico trouxe em seu conteúdo jurídico os seguintes institutos:

- a hierarquização da sociedade: existem três grupos, os homens livres, os "muskenu" (que se especula poderiam ser servos ou subalternos) e os escravos;

- os preços: os honorários dos médicos variam segundo se atenda a um homem livre ou a um escravo;

- os salários: variam segundo a natureza dos trabalhos realizados;

- a responsabilidade profissional: um arquitecto que tenha construído uma casa que desabe sobre seus ocupantes e lhes tenha causado a morte é condenado à pena de morte;

- o funcionamento judicial: a justiça é dividida por tribunais e pode apelar-se ao rei. Os erros devem ser reduzidos a escrita;

- as penas: aparece inscrita toda uma escala de penas segundo os delitos e crimes cometidos. A base desta escala é a Lei do Talião.

Se tratam também o roubo, a actividade agrícola (ou pecuária), o dano à propriedade, os direitos da mulher, os direitos no casamento, os direitos dos menores, os direitos dos escravos, homicídio, morte e lesões. O castigo varia segundo o tipo de delinquente e de vítima(O CÓDIGO DE HAMURABI JÚRIS, 2015).

O Código de Hamurabi é claramente o primeiro Código da história da humanidade com sua estrutura dividida em assuntos (capítulos), de pronto é imperativo afirmar que houve outras leis com objetivo de limitar a conduta social ou mesmo agir de forma coercitiva sobre o indivíduo ou grupos de indivíduos como afirma Norberto:

No início, as regras são essencialmente imperativas, negativas ou positivas, e visam a obter comportamentos desejados ou a evitar os não desejados, recorrendo a sanções celestes ou terrenas. Logo nos vêm à mente os Dez mandamentos, para darmos o exemplo que nos é mais familiar: eles foram durante séculos, e ainda o são, o Código moral por excelência do mundo cristão, a ponto de serem identificados com a lei inscrita no coração dos homens ou com a lei conforme a natureza. Mas podem-se aduzir outros inúmeros exemplos, desde o Código de Hamurabi até a Lei das doze Tábuas (Bobbio, Norberto, 1909).

Segundo afirma Moraes (2007), não se pode falar em Código de Hamurabi sem falar sobre direitos fundamentais, pois foi também a origem dos direitos individuais conforme conhecemos. Hamurabi já previa direitos como propriedade, honra, família, dignidade da pessoa humana, abaixo segue trecho do preâmbulo retirado das escrituras talhadas em rocha de diorito que conferem os poderes divinos atribuídos ao imperador babilônico.

o príncipe sublime que faz a face de Nini brilhar; que apresentou refeições sagradas à divindade de Ninazu, que cuidou de povo e das necessidades deste, que deu a eles um pouco da paz babilônica; o pastor dos oprimidos e dos escravos; cujos feitos encontram favor frente aos Anunaki no templo de Dumash no subúrbio da Acádia; que reconhece o direito, que governa pela lei, que devolveu à cidade de Assur seu deus protetor; que deixou o nome de Ishtar de Nínive permanecer em E-mish-mish; o Sublime, que reverentemente se curva frente aos grandes deuses; sucessor de Sumula-il; o poderoso filho de Sin-muballit; o escudo real da Eternidade; o poderoso monarca, o sol da Babilônia, cujos raios lançam luz sobre a terra da Suméria e Acádia; o rei, obedecido pelos quatro quadrantes do mundo; Adorado de Nini sou eu. Quando Marduk concedeu-me o poder de governar sobre os homens, para dar proteção de direito à terra, eu o fiz de forma justa e correta... e trouxe o bem-estar aos oprimidos.(CÓDIGO DE HAMURABI, 2015)

Com base no exposto acima, podemos captar as seguintes informações: de pronto percebe-se a preocupação com os direitos individuais e coletivos da sociedade babilônica, visto que o mesmo percebeu suas necessidades e buscou atendê-las reafirmando ali os alicerces que estabelecem as principais funções do direito.

Existe ainda e é bastante relevante citar que o Código de Hamurabi teve forte influência em outros ordenamentos jurídicos em toda a história como, por exemplo, na Bíblia sagrada no que tange ao direito a integridade física entre semelhantes, conforme recorte dos livros Êxodo 21:12; 21:23-2 e Levítico 24:16-18; 24:20-21:

Quem ferir alguém, de modo que este morra, certamente será morto.

Mas se houver morte, então darás vida por vida,

Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé,

Queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe.

E aquele que blasfemar o nome do SENHOR, certamente morrerá; toda a congregação certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural, blasfemando o nome do SENHOR, será morto.

E quem matar a alguém certamente morrerá.

Mas quem matar um animal, o restituirá, vida por vida.

Quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; como ele tiver desfigurado a algum homem, assim se lhe fará.

Quem, pois, matar um animal, restitui-lo-á, mas quem matar um homem será morto. (BÍBLIA SAGRADA, 2006)

Ante ao exposto Meister (2007), afirma que a Lei de Talião precede aos escritos hamurabicos e mesmo os bíblicos que por vez fizeram uso as suas prerrogativas como forma de conter os excessos:

Olho por olho, dente por dente. Se a célebre Lei de Talião nos aparece atualmente como uma fórmula cruel e bárbara, que descreve melhor a vingança do que a necessidade de se punir com justiça, é preciso, no entanto, que atentemos ao fato de que esta máxima é tam­bém baseada numa relação de equilíbrio entre o crime e a punição

Em face da semelhança, observa-se o Código de Hamurabi nos seguintes artigos a intenção primeira de expor num conjunto de normas, as questões inerentes aos danos físicos:

XII - DELITOS E PENAS (LESÕES CORPORAIS, TALIÃO, INDENIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO)

196º - Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá arrancar o olho.

197º - Se ele quebra o osso a um outro, se lhe deverá quebrar o osso.

198º - Se ele arranca o olho de um liberto, deverá pagar uma mina.

199º - Se ele arranca um olho de um escravo alheio, ou quebra um osso ao escravo alheio, deverá pagar a metade de seu preço.

200º - Se alguém parte os dentes de um outro, de igual condição, deverá ter partidos os seus dentes (CÓDIGO DE HAMURABI, 2015).

Assim afirma Meister (2007), ao defender a postura do ordenamento hamurábico:

Ainda que as penas estabelecidas e aplicadas pelo Código de Hamurabi pareçam severas e até cruéis, o princípio por trás da lei é o de trazer equilíbrio entre crime e penalidade. O mal causado a alguém deve ser proporcional ao castigo imposto: para tal crime, tal e qual a pena. Esse Código é o mais famoso e reconhecido Código legal antigo.

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3. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Dada a inestimável importância e contribuição na construção da norma como a conhecemos atualmente pode-se evidenciar claramente que seguindo os ensinamentos deixados pelo imperador babilônico 3800 anos após o Código a Constituição federal de 1988 aborta ainda em suas clausulas pétreas, explicitas ou implícitas, proteção a dignidade da pessoa humana, ao direito de propriedade, direito do consumidor, entre outros, que são garantias da sociedade perante o estado e que acompanham o homem desde os primórdios, como podemos constatar nas escrituras deixadas pela civilização babilônica.

Há ainda de se falar em moral e socialidade ao se falar em constitucionalidade e dessa forma afirma Kelsen:

apenas pode significar que estas normas devem conter algo que seja comum a todos os sistemas de Moral enquanto sistemas de Justiça. Em vista, porém, da grande diversidade daquilo que os 46 homens efetivamente consideram como bom e mau, justo e injusto, em diferentes épocas e nos diferentes lugares, não se pode determinar qualquer elemento comum aos conteúdos das diferentes ordens morais. Tem-se afirmado que uma exigência comum a todos os sistemas de Moral seria: conservar a paz, não exercer violência sobre ninguém ( KELSEN, 1998).

Segundo Mendes (2000), podemos afirmar que o alicerce do ordenamento jurídico brasileiro são os direitos fundamentais, são eles que servem de vetores para a criação e a interpretação das leis, são as normas fundamentais, as garantidoras dos direitos do cidadão, o topo da pirâmide de Hans Kelsen.

Mendes (2000), afirma que:

Das mais conhecidas e admiradas, a teoria constitucional de Georges Burdeau tornou-se material de consumo intelectual obrigatório, seja pela clareza de sua exposição, seja pela abrangência e concisão do seu enunciado-a constituição é o estatuto do poder. [...]

[...] A constituição pela forma como atua sobre o poder-afirma Bordeau-, deve ser considerada verdadeiramente criadora do estado de direito, pois se antes dela o poder é um mero fato, resultado das circunstancias, produto de equilíbrio frágil entre as diversas forças políticas que o disputam, com a constituição esse poder muda de natureza, para se converter em Poder de Direito, descarnado e despersonalizado(Mendes apud Bordeau).

Fica claro ante ao exposto do Exmo. Mim. Gilmar Mendes, que a Carta Maior e soberana é garantidora dos direitos, limitando o poder de terceiros perante o cidadão, estabelecendo o estado de direito democrático vigente no país, é ainda possível fazer um elo entre os institutos normativos da CF/88 com os institutos do Código de Hamurabi, dentre os quais se ressaltam os direitos e garantias individuais.

4. CÓDIGO DE HAMURABI VS CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Forçoso compreender que o Código de Hamurabi como primeira legislação que se tem noticia, veio a enfrentar questões como a garantia a Propriedade privada e seu sistema protecionista, o direito do consumidor, a livre iniciativa, dentre outras, o que demonstra a modernidade do Código e ainda o caráter organizado de sociedade.

Segundo preleciona o grande pensador Montesquieu (1996), os homens logo que em sociedade, se furtam do sentimento de fraqueza e com isso a ideia de igualdade entre os seres se esvai restando apenas a Guerra.

Nesse trilhar, outro não poderia ser o posicionamento do soberano que deseja manter-se no poder e no controle das relações se não criar leis que regulem o convívio social, assim surge o Código de Hamurabi, sob a mesma égide surge a Constituição Federal vigente no Brasil.

4.1. Direito de propriedade Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

O legislador constituinte garantiu no bojo da Constituição Federal de 1988 direito fundamental a propriedade bem como estabelece suas definições preliminares, como se pode verificar nos incisos infra citados:

Art. 5º.. (Omissis)

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI a pequena propriedade rural, assim definida em lei desde que trabalhada pela família não será objeto de penhora ou pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar seu desenvolvimento(BRASIL, 1988).

Tratando-se de constitucionalismo, o direito de propriedade abraça qualquer direito de bojo patrimonial, econômico, tudo que possa ser transformado em moeda de troca, atingindo créditos e direitos pessoais. O uso e o desfrute devem ser realizados conforme a interação social da utilização da propriedade (função social da propriedade).

O direito do proprietário deve moldar-se ao que é de interesse da coletividade e, em caso de divergências, o interesse social pode ser mais importante do que o individual, a função coletiva da propriedade é conjeturada pela CF a desapropriação, para fins de reforma agrária, de uma propriedade rural improdutiva, com pagamento de indenização em títulos de divida agrária). O direito de propriedade importa em duas garantias sucessivas:

a) garantia de conservação: ninguém pode ser privado de seus bens fora das hipóteses previstas na CF.

b) garantia de compensação: caso privado de seus bens, o proprietário tem o direito de receber a devida indenização, equivalente pelos prejuízos sofridos (desapropriação). A garantia estende-se desde os bens imóveis (terrenos, casas, empresas, fazendas, etc.), aos bens móveis (veículos, joias, objetos de arte), até os bens imateriais (direitos autorais, etc.).

No entanto, essas garantias estão submissas aos preceitos restritivos previstos nos incisos seguintes:

XXIV a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição (BRASIL, 1988).

O inciso exposto, evidentemente é trazido num rol numerus apertus dando espaço para que lei específica estabeleça as diretrizes necessárias, dando continuidade ao entendimento, é imperativo informar no que consiste a desapropriação, que é a passagem forçada da propriedade, de um bem de um determinado cidadão para o Estado, em decorrência da premência estatal ou interesse coletivo. A indenização é o real valor decorrente da desapropriação, o valor percebido, em face da desapropriação sempre será proporcionalmente ao bem destituído e baseado na escritura em registro publico. A indenização deve atender determinadas exigências constitucionais para ser válida:

1. Justa: deve ser feita de forma integral, reparando todo o prejuízo sofrido pelo particular;

2. Prévia: o pagamento deve ser feito antes do ingresso na titularidade do bem;

3. Em dinheiro: o pagamento deve ser feito em moeda corrente e não em títulos para pagamento futuro e de liquidez incerta, salvo disposto na lei. Entretanto, para tais exigências existem algumas exceções, previstas ao final do inciso XXIV.

4.2. Direito de propriedade e Código de Hamurabi

Os seguintes dispositivos, garantidores ao direito de propriedade, foram expostos no Código de Hamurabi (2015):

6. Se alguém roubar a propriedade de um templo ou corte, ele deve ser condenado à morte, e também aquele que receber o produto do roubo do ladrão deve ser igualmente condenado à morte;

25. Se acontecer um incêndio numa casa, e alguns daqueles que vierem acudir para apagar o fogo esticarem o olho para a propriedade do dono da casa e tomarem a propriedade deste, esta(s) pessoa(s) deve(m) ser atirada(s) ao mesmo fogo que queima a casa;

30. Se um comandante ou homem comum deixar sua casa, jardim e campos, e alugar tal propriedade, e outrém tomar posse de sua casa, jardim e campo e usá-los por três anos. Se o primeiro proprietário retornar à sua casa, jardim ou campo, este não deve retornar ao seu primeiro dono, mas ficar com que tomou posse e fez uso destes bens.

36. O campo, o jardim e a casa do capitão, do homem ou de outrém, não podem ser vendidos;

112. Se durante uma jornada, a alguém forem confiados prata, ouro, pedras preciosas ou outra propriedade móvel de outrém, e o dono quiser reaver o que é seu: se este alguém não trouxer toda a propriedade no local apropriado e se apropriar dos bens para seu próprio uso, então esta pessoa deverá ser condenada, e terá de pagar cinco vezes o valor daquilo que foi confiado a ele.

O imperador babilônico, mesmo após a conquista de inúmeros reinos, preocupava-se com a garantia de propriedade de seus servos, tendo em vista que no período histórico em questão, o direito a propriedade já era visto como importante patrimônio e nível de status, por que o homem era ligado a terra, onde plantava e tirava seu meio de subsistência e comercio além de a propriedade ser o abrigo da família, que desde a época, era o berço e pilar de todo o povo, pois dela nascia a própria religião.

Hamurabi, uma vez que estabeleceu expressamente no ordenamento jurídico, o direito a propriedade, definiu a obrigação estatal de prover condições a sociedade da época para a garantia da posse da terra e definiu critérios para que o estado Babilônico assegurasse de forma coercitiva, genérica e eficaz a segurança da propriedade.

4.3. Direito do Consumidor e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Segundo a Constituição Federal de 1988 em seu Art.5º, XXXII o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

De acordo com a Lei 8078/90, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que de pessoas indetermináveis, que participe das relações de consumo, assim como as vitimas que tenham experimentado lesão em razão de anterior relação de consumo.

É notório que o legislador, ao elaborar a Lei 8078/90, foi afortunado a pensar no consumidor ao prevê legislação específica, garantido, claramente, o desejo aos princípios da boa fé e proporcionalidade, quando trata o consumidor de forma diferenciada, estabelecendo privilégios e obrigações no tangente as relações privadas jurídicas de consumo, garantindo efetivamente, dessa maneira, a livre iniciativa e os direitos individuais.

4.4. Direito do Consumidor e o Código de Hamurabi

Hamurabi (2015), anuncia em seu Código o seguinte:

Art.229 Se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto;

Art.230 Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto;

[...]

Art.234 Se um bateleiro constrói para alguém um barco de sessenta gur, se lhe deverá dar em paga dois ciclos;

Art.235 Se um bateleiro constrói para alguém um barco e não o faz solidamente, se no mesmo ano o barco é expedido e sofre avaria, o bateleiro deverá desfazer o barco e refazê-lo solidamente à sua custa; o barco sólido ele deverá dá-lo ao proprietário;

Art.236 Se alguém freta o seu barco a um bateleiro e este e negligente, mete a pique ou faz que se perca o barco, o bateleiro deverá ao proprietário barco por barco;

Art.237 Se alguém freta um bateleiro e o barco e o prevê de trigo, lã, azeite, tâmaras e qualquer outra coisa que forma a sua carga, se o bateleiro é negligente, mete a pique o barco e faz que se perca o carregamento, deverá indenizar o barco que fez ir a pique e tudo de que ele causou a perda;

Art.238 Se um bateleiro mete a pique o barco de alguém, mas o salva, deverá pagar a metade do seu preço;

Art.239 Se alguém freta um bateleiro, deverá dar-lhe seis gur de trigo por ano;

Art.240 Se um barco a remos investe contra um barco de vela e o põe a pique, o patrão do barco que foi posto a pique deverá pedir justiça diante de Deus, o patrão do barco a remos, que meteu a fundo o barco à vela, deverá indenizar o seu barco e tudo quanto se perdeu.

Este trecho do Código de Hamurabi é similar ao Código de Defesa do Consumidor Pátrio, dispondo sobre defeitos de fabricação, ônus da prova, pagamento realizado pelos serviços, fretes, e outras transações que são relacionadas no comércio.

Diante dos dispositivos supracitados é possível inferir a grandiosidade do conhecimento e evolução de toda a civilização babilônica, pois somente um povo com um direito sólido e justo seria capaz de dominar culturalmente todo um continente com todas as diversidades culturais e étnicas.

Ademais, é importante salientar que o ser humano tem a necessidade de viver em sociedade e que não pode haver sociedade sem que haja direito e quanto mais sólido o for mais longínquo será seu tempo de atuação sobre determinado povo, como afirma Aristóteles (1985):

A cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza uma animal social, e que é por natureza e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade [...] Agora é evidente que o homem, muito mais que a abelha ou outro animal gregário, é um animal social [...] a característica especifica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade.

Ante a isso, não há de se falar em relações sociais sem tratar das relações de consumo, pois também passa a ser uma prática necessária a sobrevivência da espécie, e nesse ponto Hamurabi foi iluminista ao perceber a necessidade de delimitar deveres e direitos aos que travarem tais relações.

Assim, afirma Carvalho (2008):

Direito sempre teve uma função social. A norma jurídica e criada para reger relações jurídicas, e nisso, a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, seu objeto.

4.5. Direito a inviolabilidade do domicílio na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Em se tratando de garantia a inviolabilidade do domicílio a Constituição bem entalhou o instituto a seguir exposto:

XI a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

De pronto o artigo da CF/88, imputa a inviabilidade da casa, salvo nas hipóteses de flagrante delito, desastre, prestação de socorro e por determinação legal, durante o dia. Na hipótese de flagrante torna-se permitida a entrada no domicílio do indivíduo mesmo no período noturno e ainda sem a necessidade de mandado judicial. E para explicar estritamente o conceito de casa o STF no RHC N. 90.376-RJ
RELATOR: MIN. Celso de Mello afirma:

Conceito de casa para efeito da proteção constitucional (cf, art. 5º, xi e cp, art. 150, § 4º, ii) - amplitude dessa noção conceitual, que também compreende os aposentos de habitação coletiva (como, por exemplo, os quartos de hotel, pensão, motel e hospedaria, desde que ocupados): necessidade, em tal hipótese, de mandado judicial (cf, art. 5º, xi).

Com a intenção de garantir a segurança aos indivíduos, de forma que o domicílio não possa ser invadido a qualquer tempo sob qualquer pretexto além dos previstos e ainda para assegurar a intimidade e a vida privada dos cidadãos.

Damásio (2015) conclui que:

Assim, pode-se concluir que o compartimento aberto ao público não é protegido pela lei, como o museu, cinema, bar, loja, teatro etc. Compartimentos não abertos ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade, são o consultório médico, o consultório do dentista, o escritório do advogado etc. Esses locais de atividades podem possuir uma parte aberta ao público, como a saleta de recepção, onde as pessoas podem entrar ou permanecer livremente. Entretanto, há os compartimentos com destinação específica ao exercício da profissão ou atividade, que constituem casa para efeitos penais.

[...]

A proteção penal também se estende às dependências do domicílio, como jardins, alpendres, adegas, garagens, quintais, pátios etc., desde que fechados, cercados ou haja obstáculos de fácil percepção impedindo a passagem (correntes, telas etc.) (CP, art. 150, caput, parte final).

4.6. Direito a inviolabilidade do domicílio no Código de Hamurabi

21º - Se alguém faz um buraco em uma casa, deverá diante de aquele buraco ser morto e sepultado.

25º - Se na casa de alguém aparecer um incêndio e aquele que vem apagar, lança os olhos sobre a propriedade do dono da casa, e toma a propriedade do dono da casa, ele deverá ser lançado no mesmo fogo.

O imperador babilônico visava proteger o lar do individuo, que desde sempre foi de almeja do homem possuir um local de descanso e onde poderia cuidar de sua família, garantindo a intimidade, a individualidade e o abrigo da família.

5. CONCLUSÃO

A principal tarefa do artigo aqui exposto, é tentar criar um elo entre o passado e o presente, pode-se estabelecer comparativos e contraditórios entre os dispositivos positivados no Código de Hamurabi, e os incisos do artigo 5º estabelecidos na Constituição Federal de 1988.

É sabido que os direitos fundamentais como conhecemos hoje foram adquiridos pela sociedade, em fases diferentes da nossa história, como os direitos de primeira geração, oriundos da revolução francesa, no ano de 1789, que nasceram da necessidade da coletividade em ter direito a liberdade, em se expressar, em praticar relações comercias sem o intermédio do poder monarca e ansiavam a limitação do poderio estatal nas relações privadas.

O Código de Hamurabi foi encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da antiga Mesopotâmia correspondente a cidade de Susa, atual Irã, e em seu bojo, muito tempo antes do estado Frances existir, já estabelecia garantias individuais como direito a propriedade e as relações de consumo, que foram motivos que levaram a burguesia e a população francesa a se revoltarem contra o estado absolutista, já eram bens jurídicos protegidos pelo Imperador babilônico, desde a Gênesis da humanidade já se preocupava com esses temas, e diferente do estado absolutista Frances que negava direitos a sua população, o próprio Hamurabi estabeleceu e protegeu, como é exposto no Código, a propriedade e as relações comercias.

A miudeza de informações, de livros ou quaisquer outros documentos que comprovem a eficiência do Código não nos permitem fazer preposições sobre a relação entre a sociedade e o governo do imperador babilônico, entretanto, o Código de Hamurabi mostra a preocupação com a manutenção dos reinos conquistados, estabelece que os conflitos que não eram prevenidos eram solucionados.

A Lei do Talião é muito criticada na atualidade, entretanto a visão do estudioso ao analisar o Código tem que ser imparcial, tem que haver uma viagem no tempo para entender e aceitar que Hamurabi foi um gênio ao estabelecer a codificação de normas, organizando-as em artigos e padronizando a forma de governo nos diversos reinos conquistados.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Política. Trad. De Mario da Gama Kury. Brasília, Editora Universidade de Brasília, c1985.

BÍBLIA sagrada/[traduzida em português da Vulgata Latina por Pe. Antonio Pereira de Figueiredo]. São Paulo: DCL, 2006.

BOBBIO, Norberto, 1909-A era dos direitos / Norberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. - Nova ed.- Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. - 7O reimpressão.

CARVALHO. Francisco José. Perspectivas Contemporâneas do Direito. São Paulo: Phoenix, 2008.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7. Ed.v São Paulo: Saraiva, 2015.

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Sobre o autor
Christopher James Costa Fonseca

Bacharel em direito pelo Centro Universitário Estácio do Ceará(2016.2). Especialista em direito processual civil (2019). Fortaleza-CE. Advogado

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