Capa da publicação Migração venezuelana em Roraima: governança e federalismo
Capa: Édrian Santos / OitoMeia
Artigo Destaque dos editores

A governança do fluxo migratório venezuelano em Roraima.

Soluções dentro do modelo de federalismo brasileiro

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5. A intensificação do programa de interiorização como resposta federativa para o equacionamento do fluxo migratório concentrado no estado de Roraima

Embora se reconheça a iniciativa da União com a implantação da operação acolhida com vistas ao atendimento humanitário dos venezuelanos que chegam ao país pelo estado de Roraima, a ação é insuficiente e pouco efetiva. Nesse sentido, Colesi e Coury[34] analisam as ações do governo brasileiro:

Tendo elencado uma série de medidas tomadas por diversos atores em resposta ao fluxo migratório venezuelano, é importante ressaltar que, de modo geral, a resposta do Governo Brasileiro foi bastante tardia e insuficiente, diante da magnitude das demandas. Em grande medida, isso ocorreu porque o Brasil carece de mecanismos de gestão quando ocorrem crises humanitárias, bem como estruturas e políticas públicas para integração de refugiados e migrantes.

Horta citando Friedch[35] defende a solidariedade e cooperação entre os entes federativos que deve existir no Estado Federal, sendo solução para uma boa governança do fluxo migratório, impondo à União uma atitude mais efetiva de apoio ao estado de Roraima que suporta as maiores consequências do fluxo migratório, veja-se:

A solidariedade como característica do federalismo, que envolve, na análise do Professor de Harvard, permanentes contatos entre a comunidade central e as comunidades parciais. Em estudo concentrado no exame da cooperação na República Federal alemã, Enock Alberti Rovira assinalou que o federalismo contemporâneo se distingue pela cooperação. A concepção do dual federalism, que se expandiu nos Estados Unidos, fundado nas relações de justaposição entre os ordenamentos da União e dos Estados, recebeu a contribuição do novo federalismo, a partir do Governo de F. D. Roosevelt, que intensificou a ajuda federal dos Estados, sob a forma de programas e convênios.

O programa de interiorização conta com a participação das Forças Armadas, bem como com o auxílio de organizações internacionais e da sociedade civil que assumem papel importante na gestão do processo migratório, estando, dentre elas, a Organização Internacional para as Migrações (OIM)[36]. Assim, tem-se:

A estratégia de integração, por fim, pretende inserir venezuelanos no mercado de trabalho local ou em outros estados brasileiros. Em Roraima, são desenvolvidas iniciativas junto a parceiros públicos e privados voltadas a capacitação profissional e fomento do empreendedorismo. Destaca-se o apoio da OIM para a estratégia de interiorização voluntária do Governo Federal, dentro da qual mais de 3.077 venezuelanos foram transportados e acolhidos em vários estados do Brasil. (p. 43)

O motivo que desencadeou a migração venezuelana foi a crise econômica e social que assola o país vizinho, portanto, as pessoas que migram para o Brasil possuem parcos recursos financeiros para custear sua viagem e de sua família para outros estados da federação à procura de novas oportunidades de vida, do que se infere que necessitam de apoio do governo brasileiro para procurar outros destinos no Brasil.


6. Considerações Finais

Não obstante toda a mobilização de várias entidades para a efetivação do movimento de interiorização, este não vem sendo suficiente em virtude do pequeno número de migrantes beneficiários desse programa.

Como visto, o estado de Roraima, em razão de sua fronteira seca terrestre, é o principal palco de entrada dos migrantes venezuelanos e a maioria baseou-se nesse estado que não possui economia suficiente para absorver essa demanda por trabalho, uma vez que responde por apenas 0,2 % do PIB brasileiro com uma população de aproximadamente 600 mil habitantes. Não há como o estado com o menor PIB e menor população absorver no mercado de trabalho uma demanda crescente de migrantes, portanto a iniciativa da interiorização pelo Governo Federal, embora muito salutar, não se mostra suficiente para que esse grande contingente populacional - que também demanda emprego e melhores condições de vida - seja distribuído pelo restante do território nacional, em consonância com o princípio da cooperação e da solidariedade entre os entes federados que deve nortear o Estado Federal.

Segundo dados de junho de 2020, o programa de interiorização dos migrantes atingiu o número de 38.643 beneficiários[37]. Não se pode negar a iniciativa da União no intuito de promover a distribuição pelo território nacional dos migrantes venezuelanos, mas se trata de um número pequeno em relação aos migrantes que permanecem em Roraima. Faz-se mister uma maior proatividade no programa de interiorização por parte da União, pois, dentre outros setores, o sistema educacional e de saúde do estado de Roraima, em curto ou médio prazo, não possui capacidade para comportar toda a demanda surgida do fluxo migracional venezuelano.

Desta forma, a resposta insuficiente no programa de interiorização termina por ferir o princípio de cooperação e solidariedade decorrente do federalismo e, em última análise, configura inobservância ao sistema de proteção aos Direitos Humanos dos migrantes do qual o Brasil faz parte.


REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

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Notas

  1. COSTA, Emily. BRANDÃO, Enaê. Venezuelanos no Brasil. Portal G1. Boa Vista. 03 de set. de 2006. Disponível em <http://especiais.g1.globo.com/rr/roraima/2016/venezuelanos-no-brasil>. Acesso em 17 de jul. de 2020.
  2. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Tradução de Neil Ribeiro da Silva, 3ª. Edição, Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1987
  3. BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros. 10 ed. rev e aum. 2015. p. 210
  4. Alexis de Toqueville Apud BONAVIDES, Teoria Geral do Estado. p. 202
  5. Ibidem, p. 139
  6. HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 303
  7. Ibidem
  8. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10.jul. 2020.
  9. Ibidem
  10. Ibidem, p. 495
  11. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mátires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 823.
  12. RODRIGUES, Teresa Ferreira; FERREIRA, Susana de Sousa. Portugal e a globalização das migrações. Desafios de segurança. In: PEREIRA, Conceição Meireles (ed.). População e Sociedade. 22. ed. Porto: Cepese, 2014. p. 137.
  13. NEWS, ACNUR(ed). Número de refugiados e migrantes da venezuela ultrapassa 4 milhões segundo a ACNUR e OIM. 2020. Disponível em <https://www.acnur.org/portugues/2019/06/07/numero-de-refugiados-e-migrantes-da venezuela-ultrapassa-4-milhoes-segundo-o-acnur-e-a-oim>. Acesso em 10 de jul. de 2020.
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  19. PIFFER, Carla. DIAS, Bruno Smolarek. Constitucionalismo europeu e a good governance dos fluxos migratórios na União Europeia. In: Coleção principiologia constitucional do Direito. Tomo 3. Itajaí: Univali, 2017. p. 65
  20. BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar, 2017.
  21. PF deporta 200 venezuelanos por entrada e permanência ilegal em RR. Portal G 1. Boa Vista. 1º de nov de 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2016/09/pf-deporta-200-venezuelanos-por-entrada-e-permanencia-ilegal-em-rr.html>. Acesso em: 11 de jul. de 2020.
  22. RUSEISHVILI, Svetlama. CARVALHO, Rodrigo c. de. NOGUEIRA, Mariana F. S. Construção Social do Estado de emergência e governança das migrações. O decreto estadual 24.469-E como divisor de águas. In BAENINGER, Rosana (Coord.). Migrações Venezuelanas. São Paulo. Unicamp, 2018. p. 60
  23. DAL RI, Luciene. SCHMIDT, Felipe. A construção dos direitos fundamentais no Brasil: entre Constituições estrangeiras e o Direito Internacional. Revista Justiça do Direito, 33(3), 139-164. Disponível em <https://doi.org/10.5335/rjd.v33i3.10152>. p. 147

Abstract: As of 2016, the migratory flow of Venezuelans intensified towards Brazil, with the state of Roraima as its main gateway due to the land border. It is intended to analyze the situation with a focus on the international principles of protection of Human Rights that guide these population movements among National States based on the international treaties that Brazil is a signatory to within the Brazilian constitutional system of Human Rights, federalism and competence distribution. The descriptive and deductive method will be used based on bibliographic research, statistical data and journalistic articles. The work is divided into four parts: in the first, the origin and meaning of federalism will be studied, in the second, the focus will be on the model of federalism adopted by Brazil and the respective divisions of competence between the federated entities, in the third, the migratory flow in towards the state of Roraima and the measures adopted by that member state and the Union, and in the fourth part, possible governance solutions for the management of Venezuelan migration on state of Roraima will be discussed, in view of the human rights protection system.

Keywords: Federalism. Venezuelan migration. Roraima. Interiorization

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Sobre os autores
Erick Linhares

Doutor em relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Professor-doutor da Universidade Estadual de Roraima (UERR), Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINHARES, Erick ; ARAÚJO, Cláudio Roberto Barbosa. A governança do fluxo migratório venezuelano em Roraima.: Soluções dentro do modelo de federalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6781, 24 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96078. Acesso em: 19 mai. 2024.

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