Notas sobre o procedimento da ação de dissolução parcial de sociedade no CPC de 2015

12/01/2022 às 15:46
Leia nesta página:

1. Novidade de procedimento

Na vigência do CPC/73, a dissolução total da sociedade era indiretamente disciplinada no art. 1.218, VII, que referenciava e remetia a disciplina para os arts. 655 a 674 do CPC/39, em verdadeira ultratividade de tais dispositivos.

Coube à doutrina e aos Tribunais a criação de uma solução intermediária, possibilitando uma dissolução parcial, em que há a saída de um sócio e a manutenção da atividade empresarial com os demais, em nome do princípio da preservação da empresa.

Foi nesta sintonia, em absorção de entendimentos já consagrados, que o CPC de 2015 inseriu em seu texto o procedimento especial de dissolução parcial da sociedade, nas hipóteses de falecimento, exclusão de sócio, ou quando exercido o direito de retirada ou recesso.

2. Fim do rito especial para a dissolução total

Em contrapartida, a lei processual remeteu a extinção da sociedade ao procedimento comum (§ 3º do art. 1.046), o que é alvo de críticas pela doutrina especializada porque o procedimento de total liquidação societária não se equipara a uma simples liquidação de sentença genérica do art. 509 da lei.

Em outras palavras, em uma liquidação societária não se busca apenas o encontro de um quantum debeatur, mas a realização do ativo social, pagamento do passivo e partilha do saldo entre os sócios, com a prestação final de contas[1] razão pela qual teria sido prudente que o legislador tivesse criado, também, um procedimento próprio para a dissolução integral.

3. Inadequação da nomenclatura

Outro destaque a ser feito diz respeito à inadequação da nomenclatura. A expressão dissolução remete historicamente à extinção da sociedade, uma dissolução total, aparentando ser impróprio o uso do termo dissolução parcial. Seria adequado o uso da locução resolução parcial em harmonia ao que preconiza o Código Civil nas seções iniciadas nos arts. 1.028, 1.033, e 1.085, que elenca hipóteses de resolução e dissolução das sociedades. Há doutrina que defende[2], porém, que nem mesmo o termo resolução seria adequado, por remeter a ideia de uma extinção culposa a partir da teoria geral dos contratos, o que nem sempre ocorre. Fato é que a locução se consagrou e certamente permanecerá como alcunha do instituto.

4. Objeto e rito, em regra, bifásico.

Dispõe a lei que a ação pode ter por objeto a resolução da sociedade empresária contratual ou simples. Aplica-se às sociedades personificadas, tais como a limitada, a do tipo societário simples, em nome coletivo e comandita simples. Igualmente, tem aplicação à sociedade em comum, que é contratual ainda que sem formalização escrita, podendo ser empresária ou não empresária.[3]

Além de permitir a dissolução das citadas sociedades, andou bem o legislador ao expressar que a dissolução parcial poderá também ter por objeto a sociedade anônima de capital fechado, trazendo ao abrigo da lei o entendimento jurisprudencial de que em tais sociedades, especialmente as familiares, há peculiar aproximação do caráter pessoal dos acionistas, reconhecendo existir neste particular o caráter intuito personae em vez de intuito pecuniae , o que possibilita o reconhecimento de quebra de affectio societatis e, apesar disso, interesse na manutenção da sociedade com preservação da atividade pelos demais sócios.

O procedimento tem início com a petição inicial, conforme requisitos do art. 319, do CPC, e que deverá necessariamente ser lastreada com cópia do contrato social consolidado, conforme arts. 320 e 599, § 1º, do código.

Os pedidos da ação podem ser (i) extinção do vínculo societário de um ou mais sócios e a (ii) apuração de seus haveres, ou (iii) apenas a apuração de haveres caso em que houve pacífica extinção extrajudicial do vínculo societário, por exemplo. Logo, é possível que a ação seja ajuizada apenas apuração de haveres, sem que trate de dissolução, o que motiva outra crítica quanto à genérica nomenclatura da ação.

Comumente, é feito o pedido de dissolução parcial (constitutivo-negativo) cumulado com o de apuração de haveres (condenatório). Nesse caso, o rito será bifásico, decidindo-se primeiro quanto à dissolução e, se procedente, terá início o procedimento liquidatório para apuração dos haveres. Porém, a lei autoriza que a ação tenha como pedido apenas a apuração de haveres, pressupondo já ter havido a dissolução parcial, ainda que extrajudicialmente. Mesmo nesta hipótese seguir-se-á o rito previsto nos artigos em comento.

A legitimidade ativa é esclarecida no art. 600. Podem ser autores, a depender da situação, o espólio de sócio falecido, sucessores, a própria sociedade, o sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, o sócio excluído, ou até cônjuge ou companheiro de sócio.

Por outro lado, a legitimidade passiva possui previsão no art. 601, que dispõe que os sócios e a sociedade serão citados. A sociedade, por óbvio, não comporá o polo ativo se for a autora da ação.

Essa redação, aparentemente simples, não passou ilesa das críticas da doutrina especializada, que esclarece que a composição do polo passivo dependerá do objeto da ação ou seja, se dissolutória, apuração de haveres, ou ambos os casos).

No caso de ação de dissolução, a sociedade deverá compor o polo passivo em litisconsórcio necessário com os sócios. Mas, se ela mesma for a autora (art. 600, III ou V), não deverá ser indicada como ré. No caso do inciso V, na hipótese de exclusão judicial do art. 1.030, do Código Civil, nem mesmo os demais sócios precisariam compor o polo passivo (sequer o ativo), mas somente aquele que se pretende excluir.

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Questiona-se, igualmente, a necessidade de os demais sócios serem indicados no polo passivo de uma pura demanda de apuração de haveres em razão de a sociedade é a única devedora[4]. Estes são apenas um exemplo dos problemas que uma acrítica do dispositivo legal pode gerar.

5. Citação da sociedade

O parágrafo único do art. 601 reza que a sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem[5], mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada, redação que gera algum questionamento.

Ao que nos parece, tal dispensa de citação da pessoa jurídica como nova hipótese de substituição processual pelos demais sócios, ao passo que sua integração, nos demais casos, seria hipótese de litisconsórcio passivo necessário[6].

6. Apuração de haveres

Dispõe o art. 603 que havendo concordância expressa e unânime com a dissolução, o juiz a decretará, com início imediato da fase de liquidação. Por outro lado, apresentada a contestação, seguirá pelo procedimento comum, mas com a liquidação regida pelo rito específico do procedimento especial de dissolução parcial (art. 603, § 2º). O rito liquidatório seguirá os termos dos arts. 604 a 609 do código. É acertada a previsão do art. 606, parágrafo único, no sentido de que em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.

Na apuração de haveres, deve prevalecer o critério previsto no contrato social. Em caso de omissão, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação (art. 606), situação que coaduna com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça recentemente reforçado no RESP 1.877.331/SP ao consignar que o balanço de determinação, de fato, se revela o mais apropriado para apuração dos haveres do sócio retirante nas hipóteses de dissolução parcial de sociedades.

  1. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Direito Processual Societário: Comentários Breves ao CPC/2015. São Paulo: Malheiros Editores e Juspodivm, 2ª ED. 2021, p. 28.

  2. BARBI FILHO, Dissolução Parcial de Sociedades Limitadas. Belo Horizonte: Mandamento. 2004, p. 234 e ss.

  3. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. A sociedade em Comum. São Paulo, Malheiros Editores, 2013, p. 1381 e ss.

  4. FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Direito Processual Societário: Comentários Breves ao CPC/2015. São Paulo: Malheiros Editores e Juspodivm, 2ª ED. 2021, p. 58 e ss.

  5. Já havia lastro na jurisprudência do STJ, a exemplo do REsp 1121530 RN.

  6. BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. 6a Ed. Saraiva. 2019, p. 933/934, ebook.

Sobre o autor
Thomaz Carneiro Drumond

Procurador do Estado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduado em direito Empresarial, Administrativo, Tributário e Processo Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil e da Comissão de Direito Empresarial, da OAB/AC. Advogado Sócio de Drumond Leitão Torres Advogados - http://www.dlt.adv.br . www.linkedin.com/in/thomazdrumond

Informações sobre o texto

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