Planejamento Tributário | Elisão, Elusão e Evasão

13/08/2021 às 11:28
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Distinção conceitual entre Elisão, Elusão e Evasão Fiscal

Planejamento Tributário | Elisão, Evasão e Elusão Fiscal

Intuitivamente, costuma-se definir o termo “Planejamento Tributário” como a prática de atos ou adoção de medidas visando evitar ou minorar a incidência de tributos. Em outras palavras, é corrente a associação entre a prática de Planejamento Tributário, de um lado, e a tentativa de identificação da forma mais eficiente, do ponto de vista fiscal, para a estruturação de operações ou negócios jurídicos, de outro.

Historicamente, algumas teorias econômicas e filosóficas do século XIX, dentre elas o utilitarismo de JOHN STUART MILL, já assumiam que o homem poderia ser considerado um animal econômico, isto é, um ser racional cujas ações e decisões teriam por finalidade a maximização do bem-estar, através da busca pela máxima eficiência, com o menor esforço, e a obtenção de recompensas conforme a tomada de decisões.

Atualmente, não obstante as críticas de outras teorias, como o Behaviorismo Econômico, que levam em consideração os variados vieses adotados pelos agentes econômicos, parece-nos razoável a ideia de que o homem, enquanto ser racional, orienta as suas ações no sentido de aumentar os seus ganhos e reduzir os seus custos, inclusive tributários.

É claro que essa premissa não pode ser adotada de maneira radical, desconsiderando a existência de outros elementos que possam impactar o comportamento humano, mas, para os fins almejados no presente trabalho, parece adequado concluir que na busca pela redução de custos, o homem moderno se organizaria de tal modo a também reduzir os gastos com o recolhimento de tributos.

No entanto, muito além da simples intuição, vários questionamentos se fazem presentes até os dias atuais, especialmente quanto aos limites para a prática de Planejamento Tributário, tendo por pano de fundo discussões envolvendo a própria liberdade de contratar e livre iniciativa, de um lado, e a solidariedade e função social dos contratos, de outro.

Nesse sentido, diversas teorias surgiram buscando respostas para indagações quanto à licitude ou não de atos praticados pelo contribuinte no intuito de deixar de pagar ou reduzir determinado tributo através da utilização de técnicas de Planejamento Tributário.

Ademais, infindáveis são as discussões doutrinárias quanto à correta nomenclatura a ser utilizada para conceituar o Planejamento Tributário lícito, ou Elisão Fiscal, termo ao qual a maioria da doutrina costuma atribuir significado idêntico àquele, e diferenciá-lo de outras práticas consideradas ilícitas, a depender do autor adotado, como Evasão e Elusão fiscal.

É importante destacar, desde logo, que, para o presente trabalho, assumir-se-á que o conjunto de medidas denominado Planejamento Tributário está inserido em um contexto de estrita observância aos preceitos normativos atualmente vigentes, como as leis e os princípios pertinentes ao tema. Isto é, como era de se esperar, estão excluídas da sua conceituação a prática de atos ilícitos que sejam praticados em desacordo às prescrições legais aplicáveis.

Nesse sentido, LEANDRO PAULSEN conceitua a Elisão Fiscal como

o estabelecimento de estratégias para a realização de atos e negócios ou mesmo de toda uma atividade profissional ou empresarial com vista ao menor pagamento de tributos. [1]

De modo similar, HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO define o instituto como a

economia lícita de tributos obtida através da organização das atividades do contribuinte, de sorte que sobre elas recai o menor ônus possível. [2]

Para RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, a Elisão Fiscal

é o resultado lícito do Planejamento Tributário, que a pessoa – ainda não contribuinte – pratica com suporte em princípios basilares da ordem constitucional brasileira, decorrendo de atos ou omissões anteriores à ocorrência do fato gerador. [3]

Em outras palavras, o Planejamento Tributário é exercido dentro da ampla possibilidade de uso, gozo e disposição dos elementos patrimoniais e sob o amparo da liberdade das ações ou omissões da pessoa do proprietário, tudo como melhor lhe aprouver, desde que observadas as prescrições das leis a eles aplicáveis dentro da ordem constitucional.[4]

Segundo IVES GANDRA SILVA MARTINS, a Elisão Fiscal, enquanto prática visando a economia tributária, constituiria espécie de

procedimento utilizado pelo sujeito passivo da relação tributária, objetivando reduzir o peso da carga tributária, pela escolha, entre diversos dispositivos e alternativas de lei, daqueles que lhe permitem pagar menos tributos. [5]

Por fim, segundo ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, cuja doutrina se tornou um clássico do Direito Tributário,

A Elisão Fiscal é uma forma lícita de o contribuinte conseguir reduzir a carga tributária, aproveitando-se de lacunas ou imperfeições da lei tributária, já que o legislador não pode ser “oniprevidente” deixando, em conseqüência, malhas e fissuras no sistema tributário. [6]

Pode-se dizer, portanto, que, tomando-se por base os ensinamentos dos autores acima citados, dentre outros, a Elisão Fiscal pode ser definida, em síntese, como o conjunto de atos lícitos, praticados pelo contribuinte ou sujeito passivo da obrigação, no intuito de diminuir ou excluir o encargo tributária (desde que não constituído), seja pela não ocorrência do fato gerador ou pela ocorrência em aspectos quantitativos menores.

Com efeito, acaso se admita, como fazem os autores mencionados, que ao contribuinte assiste o direito de praticar atos cuja finalidade seja a redução da incidência de tributos, até que ponto pode ele organizar o seu patrimônio, seus negócios ou atos da sua vida privada de modo a evitar ou reduzir a carga tributária envolvida? Afinal, quais são os limites para a adoção de medidas comumente denominadas “Planejamento Tributário”?

Quanto ao primeiro questionamento, sobre a legitimidade da prática de atos de Planejamento Tributário, a doutrina tem se posicionado de modo quase unânime[7] no sentido de que sim, assiste ao contribuinte o direito de praticar atos que impliquem na redução da incidência de tributos ou não ocorrência do fato gerador.

As divergências atualmente observadas giram, em grande medida, em torno da análise dos meios, bem como das finalidades, invocados para justificar atos praticados pelo contribuinte que efetivamente produzam economia fiscal.

De um lado, parcela da doutrina entende que, amparado pelo direito à livre iniciativa e liberdade de contratar, bem como pelos princípios da estrita Legalidade quanto ao fato gerador e surgimento obrigação tributária e Tipicidade Fechada, o contribuinte pode e, a depender do cargo ocupado na estrutura societária em questão, deve praticar atos cuja finalidade maior seja a economia fiscal.

É o que se extrai dos ensinamentos de RICARDO DE OLIVEIRA MARIZ

É importante observar que o intuito de economizar tributos, além de não ser ilegal, representa, no caso das pessoas jurídicas, até mesmo uma obrigação dos respectivos administradores, já que a estes incumbe gerir os negócios sociais da forma a mais rentável possível. (...)

(Considerando-se que) tal economia não decorre de ato ilícito, nem do descumprimento de uma hipotética obrigação de incidir na obrigação tributária, porque, sendo esta "ex lege" (CTN, art. 97, 113 e 114), no sentido de que só existe se ocorrer o fato gerador do tributo, tal como definido em lei, qualquer ato ou omissão de ato, anterior ao fato gerador, praticado sem violação de lei com vistas a evitar o fato gerador ou a retardá-lo, ou tendente a reduzir a obrigação dele decorrente, insere-se perfeitamente nas atribuições e nos deveres do administrador, tanto quanto nos direitos das pessoas em geral e também da pessoa jurídica por ele administrada. [8]

Com uma visão diametralmente oposta, alguns teóricos do Direito Tributário entendem que, não obstante seja legítima a prática de atos que impliquem a redução do encargo fiscal, não se deve considerar lícitos aqueles cuja única finalidade tenha sido a redução da incidência tributária.

Para tanto, doutrinadores como MARCO AURÉLIO GRECO[9] defendem a aplicação da “Teoria do Propósito Negocial”, originária nos Estados Unidos no emblemático caso Gregory vs. Helvering, no sentido de ser legítima a desconsideração de operações cuja finalidade maior tenha sido a economia fiscal, é dizer, aquelas que não detenham qualquer propósito negocial extrafiscal intrínseco.

Cumpre ressaltar que, em que pesem os argumentos contrários a essa teoria, que invocam inclusive a inconstitucionalidade da norma geral antielisiva utilizada para fundamentar a desconsideração de operações pela Administração Pública, quando não se observem propósitos além daqueles puramente fiscais, é esse o entendimento que tem prevalecido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão administrativo máximo em discussões envolvendo questões tributárias e de Elisão Fiscal.

Importa destacar, ademais, que a doutrina majoritária considera como atos de Planejamento Tributário lícito apenas aqueles praticados antes da efetiva ocorrência do fato gerador ou nascimento da obrigação tributária, diferenciando-se, por essa razão, a Elisão (prática considerada lícita pela maioria da doutrina) da Evasão e Elusão (normalmente associada a um caso de Elisão ineficaz, aceita apenas por parcela da doutrina).

Nesse sentido, costuma-se denominar Evasão a conduta ilícita incorrida pelo contribuinte quando este, em momento geralmente posterior à ocorrência do fato gerador, pratica atos que tem por objetivo evitar o conhecimento do nascimento da obrigação tributária pelos agentes estatais. Nesta hipótese, o fato gerador da obrigação já ocorreu, nascendo, portanto, o dever de recolher o tributo correspondente. Ocorre que o contribuinte, para se eximir de tal exação, omite a sua ocorrência ao Fisco. É o que ocorre quando o contribuinte sonega um tributo.

Para LUIS FLÁVIO NETO, a Evasão se constitui a partir do momento que se verifica

a utilização pelo contribuinte de práticas expressamente proibidas pelo ordenamento jurídico, com o objetivo de evitar, minorar ou retardar o pagamento de tributos. [10]

Para o autor, uma diferença significativa entre a prática de Elisão e Evasão reside nos meios escolhidos pelo contribuinte. Na Elisão, o contribuinte se vale de meio lícitos, previstos pelo ordenamento, desde que utilizados antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Na Evasão, por outro lado, LUIS FLÁVIO NETO entende que o contribuinte pratica atos ilícitos, através da

prestação de informações incorretas por meio de declarações falsas ao Fisco ou a falsificação de notas fiscais, com o propósito de ocultar riqueza tributável da Administração Fiscal. [11]

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­Segundo SACHA CALMON NAVARRO COELHO,

Na Evasão ilícita a distorção da realidade ocorre no momento em que ocorre o fato jurígeno-tributário (fato gerador) ou após a sua ocorrência. Na Elisão, a utilização dos meios ocorre antes da realização do fato jurígeno-tributário ou como aventa Sampaio Dória, antes que se exteriorize a hipótese de incidência tributária, pois, opcionalmente, o negócio revestirá a forma jurídica alternativa não descrita na lei como pressuposto de incidência ou pelo menos revestirá a forma menos onerosa. [12]

Na Elusão, por outro lado, o comportamento e os meios escolhidos pelo contribuinte são, a rigor, lícitos, mas este age com simulação ou dissimulação de uma situação de fato ocorrida. Isto é, na aparência, os negócios jurídicos celebrados são lícitos, mas, em última análise, o que de fato se observa é a simulação ou dissimulação de uma situação através, por exemplo, da celebração sucessiva de contratos para desonerar ou tributar em menor medida situações que normalmente seriam oneradas de modo mais gravoso ao contribuinte.

É importante destacar que os teóricos adeptos das concepções mais clássicas do Planejamento Tributário, como RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA[13], não admitem a existência de Elusão fiscal em nosso ordenamento, assumindo que, ou se está diante de um caso de Elisão Fiscal, lícito, portanto, uma vez que os atos praticados pelo contribuinte ocorreram em momento anterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária esperada, ou se está diante de um caso de Evasão, no qual o contribuinte se valeu de meios ilícitos para poupar recursos a título de encargos tributários.

Desse modo, RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA reforça que para ser legítima, a economia tributária

Deve decorrer de atos ou omissões que não contrariem a lei, e de atos ou omissões efetivamente existentes, e não apenas artificial e formalmente revelados em documentação ou na escrituração mercantil ou fiscal. [14]


Referências Bibliográficas

[1] PAULSEN, Leandro - Curso de Direito Tributário completo. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 560

[2] MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Breves Notas sobre o Planejamento Tributário. In: Marcelo Magalhães Peixoto; José Maria Arruda de Andrade. (Org.). Planejamento Tributário. São Paulo: MP, 2007 p. 360

[3] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Planejamento Tributário - Elisão e Evasão fiscal - norma antiElisão e norma antiEvasão in SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011 p. 463

[4] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit, 2011 p. 450

[5] SILVA MARTINS, Ives Gandra. Elisão e Evasão Fiscal in Doutrina (Cível) n. 638. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988 p 31.

[6] DÓRIA, Antonio Roberto Sampaio. Elisão e Evasão Fiscal. São Paulo: Editora Lael, 1971 p.

[7] Por todos, ver XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002

[8] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Planejamento Tributário - Elisão e Evasão fiscal - norma antiElisão e norma antiEvasão in SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011 p. 464

[9] GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. São Paulo: Dialética, 2011

[10] NETO, Luis Flávio. Teorias Do “Abuso” No Planejamento Tributário, 2011. 266f. Dissertação de Mestrado – Universidade de São Paulo, 201, p. 54

[11] NETO, Luis Flávio. Op. Cit. 2011, p. 54

[12] COELHO, Sacha Calmon Navarro - Curso de Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2012 p. 247

[13] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Planejamento Tributário - Elisão e Evasão fiscal - norma antiElisão e norma antiEvasão in SILVA MARTINS, Ives Gandra da. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011

[14] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. 2011, p. 464

Sobre o autor
Brian Darick Arnez Rosales

Advogado e Consultor Jurídico. Especialista em Direito Tributário, Empresarial e de Inovações Tecnológicas, com atuação no âmbito do contencioso judicial e administrativo e na prestação de serviços de consultoria jurídica estratégica. Pesquisa em temas de Direito, Economia, Tributação e Inovações Tecnológicas.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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