Finalidade, ritos e limites das comissões parlamentares de inquérito no âmbito federal

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As CPIs são procedimentos investigatórios temporários destinados a apurar fatos de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do país. No entanto, devem funcionar dentro dos parâmetros constitucionais.

As Comissões Parlamentares de Inquérito são procedimentos investigatórios temporários destinados a apurar fatos de relevante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do país[1]. Trata-se de uma atuação específica, fundada em fato certo ou determinado, o qual precisa ser investigado, respeitando-se, por óbvio todos os direitos e garantias dos investigados, testemunhas ou daqueles que atuem naquele âmbito, contribuindo com exposições e esclarecimentos. Entre esses direitos e garantias está o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o princípio da dignidade da pessoa humana.

Consideramos destacar a relevância do princípio da dignidade da pessoa humana, pois estamos assistindo, no momento atual, a uma série de ataques e contra-ataques inflamados no âmbito da CPI da Covid-19, também chamada de CPI da Pandemia, a qual tem como Presidente o senador Omar Aziz (PSD-AM), como Vice-presidente o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e como relator o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Em algumas ocasiões o clima das sessões é tão tenso e de beligerâncias mútuas que nos faz lembrar os combates de gladiadores na arena do Coliseu, em Roma. Neste sentido, um procedimento que era para se destacar pela sua qualidade técnica e investigativa tem se tornado palco para uma disputa antecipada das eleições de 2022, o que acaba por prejudicar a eficácia, lisura e até mesmo os resultados das investigações. Nesse sentido, vale lembrar e levantar a “bandeira do princípio da dignidade da pessoa humana” que não pode ser afastado, especialmente porque em nome de qualquer investigação não se pode faltar com o respeito em relação a investigados, testemunhas ou quaisquer outros que participam das sessões. Há relatos, inclusive, de pessoas que passaram mal com crises de pânico ou de ansiedade, diante das “pressões psicológicas” associadas a participações nessa CPI em específico.

Importante destacar a previsão constitucional e legal para a instalação das comissões parlamentares de inquéritos. Estão previstas no § 3º do artigo 58 da Constituição e tem seu regramento detalhado na Lei nº 1.579, de 1952[2]. Nesse sentido, vale lembrar o teor do Texto Constitucional (no dispositivo já apontado), que dispõe que as comissões parlamentares de inquérito terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores[3].

Vale ainda explicitar que as Comissões Parlamentares de Inquérito apresentam algumas peculiaridades em termos de tramitação de seus processos e cumprimento de ritos. Nesse sentido convém pontuar: a) são temporárias, uma vez que têm o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por mais sessenta dias, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos, ou seja, podem ter duração máxima de 6 (seis) meses ao todo; b) podem atuar também durante o recesso parlamentar; c) são criadas a requerimento de pelo menos um terço do total de membros da Casa. No caso de comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI), é necessária também a subscrição de um terço do total de membros do Senado e será composta por igual número de membros das duas Casas legislativas[4].

Não se deve desvirtuar a finalidade das Comissões Parlamentares de Inquérito, objetivando a espetacularização das sessões com motivações políticas. Claro que alguns aspectos relacionados à política são indissociáveis, já que serão objeto de investigação decisões e políticas estatais, quase sempre com repercussões orçamentárias. Neste sentido, revela-se essencial que haja imparcialidade, respeito, cordialidade e urbanidade, evitando-se intimidações ou até mesmo pré-julgamentos, especialmente de testemunhas ou dos investigados. Trata-se, portanto, de um espaço para questionamentos específicos, estritamente relacionados aos fatos investigados e que oportunize as condições para que investigados e testemunhas sejam respeitados e se sintam à vontade para responder os questionamentos que lhes são formulados, por mais constrangedores que sejam.

Vale destacar mais uma vez que o objetivo principal da referida comissão é apurar fatos e obter provas (se for o caso) diante de supostas irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos públicos ou na correta realização das funções estatais à cargo dos três poderes da República. Nesse sentido, em síntese, pode-se afirmar que CPI’s podem ser instauradas para apurar eventuais irregularidades no âmbito do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário. Neste último caso, basta lembrar da tentativa de se instaurar a CPI da Lava Toga. O objetivo dessa comissão seria "investigar condutas ímprobas, desvios operacionais e violações éticas por parte de membros do Supremo Tribunal Federal e de tribunais superiores do país"[5].

Ainda no quesito dignidade da pessoa humana, convém destacar que até mesmo no processo penal, que via de regra pode ser mais gravoso, o respeito às garantias já referidas são uma realidade, devendo ser observadas, sob pena de nulidade. Neste sentido, vale a reflexão de Edson Pereira Belo da Silva, que explicita que o investigado ou acusado não é um mero “objeto” da investigação criminal ou uma simples “coisa” no processo penal, mas sim sujeito (cidadão) de direitos e garantias, cujo qual goza também dos sobreditos princípios fundamentais, mais especificamente, da dignidade humana. Ora, tanto é patente essa garantia-proteção penal-constitucional que a Constituição Federal resguarda a “dignidade física e moral do preso” (artigo 5.º, XLIX); de modo que, com relação ao investigado ou acusado em liberdade, a exegese não pode ser diferente[6].

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Essas breves linhas apontam para a necessidade de observância da finalidade e dos ritos a serem seguidos na condução dos trabalhos em quaisquer Comissões Parlamentares de Inquérito, o que deve acontecer dentro dos limites legais e observância de princípios constitucionais como os da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, sem prejuízo de outras garantias republicanas.


[1] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito>. Acesso em 17 de julho de 2021.

[2] AGÊNCIA SENADO. O que é e como funciona uma CPI. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/04/15/o-que-e-e-como-funciona-uma-cpi>. Acesso em 15 de julho de 2021.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art58%C2%A73>. Disponível em 15 de julho de 2021.

[4] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito>. Acesso em 17 de julho de 2021.

[5] CONGRESSO EM FOCO. CPI “Lava Toga”: veja quem assinou e entenda o que ela quer investigar. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/cpi-lava-toga-veja-quem-assinou-e-entenda-o-que-ela-quer-investigar/>. Acesso em 15 de julho de 2021.

[6] SILVA, Edson Pereira Belo da. O dever de urbanidade dos operadores do Direito na persecução penal. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23019/o-dever-de-urbanidade-dos-operadores-do-direito-na-persecucao-penal>. Acesso em 19 de julho de 2021.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

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