Reeleição para presidência da Câmara dos Deputados e do Senado da República: Análise da Constituição Federal e do regimento interno das duas casas parlamentares

05/12/2020 às 10:45
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A Constituição da República veda a reeleição para os cargos de Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. Não há questão interna corporis diante de proibição expressa na Constituição.

No próximo ano (2021) cada uma das casas que compõem o Poder Legislativo (Câmara dos Deputados e Senado) reunir-se-ão, em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, para eleição das respectivas Mesas[1], conforme determina a Constituição Federal (art. 57, § 4º). Todavia, a escolha dos próximos Presidentes da Câmara e do Senado tem gerado grande celeuma acerca da possibilidade de reeleição dos atuais Presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM - RJ) e Davi Alcolumbre (DEM - AM), respectivamente.

Mas, o que diz a Constituição Federal? A reeleição para presidência das Casas legislativas é vedada ou permitida? Pode-se afirmar que se trata de uma questão interna corporis[2]? É vedado ao Poder Judiciário imiscuir-se na questão para preservar o princípio constitucional da separação e harmonia entre os Poderes (CF, art. 2º)?

 O art. 57, § 4º, da Constituição, dispõe que:

 

§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

 

A parte final do dispositivo constitucional supracitado é bastante clara, portanto é “vedada à recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Os regimentos internos da Câmara dos Deputados (art. 5º, caput)[3] e do Senado (art. 59, caput)[4] também vedam a reeleição.[5]

Não restando qualquer dúvida de que a Constituição Federal veda a reeleição para presidência das Casas legislativas compete ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição (CF, art. 102, caput), decidir acerca?[6] Caso determine que as Casas observem à Constituição, máxime o art. 57, § 4º, violaria o princípio da separação dos Poderes?  

O escólio de Rui Barbosa[7] não deixa dúvida que não:

 

Os maiores jurisconsultos e os maiores publicistas designam no Poder Judiciário o árbitro supremo, o intérprete final da Constituição. Assim Story. Assim Dicey. Assim Hare. Assim, sem exceção, todos os competentes. É o mais nobre produto da sabedoria dos autores da Constituição Federal, dizem. Ele mantém a ordem em todo mecanismo o mecanismo dela.  

 

O controle jurisdicional (judicial review), na hipótese, não é vedado, porquanto não caracteriza violação ao princípio da separação dos Poderes. O Poder Judiciário (caso o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a ADI proposta pelo PTB) realizará a missão que lhe é outorgada pela Constituição.

Não há, igualmente, questão interna corporis, porquanto não se trata de interpretação dos regimentos internos das Casas legislativas, v.g., mas de vedação expressa da Constituição Federal.

Gilvan Correia de Queiroz Filho[8], citando Pedro Lessa, nos ensina que:

 

Exercendo atribuições políticas, e tomando resoluções políticas, move-se o Poder Legislativo num vasto domínio, que tem como limite um círculo de imenso diâmetro, que é a Constituição Federal. Enquanto não transpõe essa periferia, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam a Competência do Poder Judiciário.     

 

As respectivas casas têm sua independência assegurada pela Constituição, porém, não podem utilizá-la para descumprir normas constitucionais ou interpretá-las ao seu talante, pois a validade dos respectivos atos praticados deve observar a Constituição.

Conclui-se, destarte, que a Constituição Federal (art. 57, § 4º) não autoriza a reeleição dos atuais Presidentes da Câmara e do Senado e, outrossim, é dever do Supremo Tribunal Federal determinar que ambas as Casas legislativas observem a vedação constitucional.    

BIBLIOGRAFIA

 

BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. – 2. ed. Campinas : Russel Editores, 2004, p. 58.

LESSA, Pedro apud QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O controle judicial de atos do Poder Legislativo: atos políticos e interna corporis. Brasília : Brasília Jurídica, 2001, p. 74.

 


[1]A Mesa da Câmara dos Deputados é composta por 07 Deputados: 01 presidente, 02 vice-presidentes e 04 secretários (além de 04 suplentes), a Mesa do Senado possui composição idêntica.  As Mesas são responsáveis pela direção dos trabalhos legislativos das Casas parlamentares.

[2]Trata-se de questões que devem ser dirimidas no âmbito do próprio Poder Legislativo, vedada a apreciação pelo Poder Judiciário, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes.  

[3]Na segunda sessão preparatória da primeira sessão legislativa de cada legislatura, no dia 1º de fevereiro, sempre que possível sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da Mesa e dos Suplentes dos Secretários, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

[4]Os membros da Mesa serão eleitos para mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período imediatamente subsequente (Const., art. 57, § 4º).

[5]Não devemos interpretar a Constituição através do regimento interno ou quaisquer outras espécies legislativas infraconstitucionais, porém, os RIs (Regimentos Internos) das Casas legislativas são citados apenas para corroborar a conclusão.  

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[6]O Partido Trabalhista Brasileiro – PTB – propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.524) perante o Supremo Tribunal Federal, cuja pretensão é a proibição da reeleição para o comando da Câmara e do Senado.  

[7]BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. – 2. ed. Campinas : Russel Editores, 2004, p. 58.  

[8]LESSA, Pedro apud QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de. O controle judicial de atos do Poder Legislativo: atos políticos e interna corporis. Brasília : Brasília Jurídica, 2001, p. 74.

Sobre o autor
Marcelo Cheli de Lima

Atualmente é aluno pesquisador da USP, monitor das disciplinas Direito da Dívida Pública e Orçamentos Públicos do curso de graduação em Direito (USP), Advogado (Cheli - Advocacia e Consultoria), Procurador Jurídico Municipal, ex-membro do Conselho Municipal da Pessoa Idosa, ex-membro do Conselho Municipal de Gestão Documental, ex-membro da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), mestrando em Direito Financeiro (USP) pós graduando em Direito e Economia pela Unicamp e em Direito Tributário e Aduaneiro pela PUC Minas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Financeiro, Econômico, Administrativo e Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em análise de impacto regulatório e análise econômica do Direito. Exerceu os seguintes cargos e empregos públicos: Soldado Temporário da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Agente de apoio sócio-educativo da Fundação Casa, Agente de Leitura e Fiscalização SANASA e Oficial Administrativo da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Oficial Administrativo do Conselho Regional de Corretores Imobiliários - CRECI. Foi estagiário na Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2º lugar no processo seletivo), Tribunal Regional do Trabalho (1º lugar no processo seletivo) e na Procuradoria Regional do Trabalho (1º lugar no processo seletivo).

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