COVID-19 - Negócio Jurídico Processual e Débitos Federais

20/04/2020 às 10:18
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Muitos contribuintes resolveram não aderir à Transação Tributária. É possível ainda optar por uma outra forma de composição de débitos inscritos com a Fazenda Nacional em razão desse momento de calamidade pública: Negócio Jurídico Processual.

Dentre as medidas excepcionais de liquidação de débitos federais inscritos em dívida ativa editadas pelo governo federal, destacam-se a (i) transação tributária e a (ii) transação tributária extraordinária.

A Procuradoria Geral da Fazenda – PGFN publicou o primeiro edital da transação por adesão, possibilitando a adesão de débitos de baixa recuperabilidade nessa forma alternativa de resolução de contendas entre contribuintes e Fisco Federal[2], aplicando-se descontos de até 50% para pagamento em parcela única e prazo progressivos de pagamento em até 84 meses, mas regressivos em relação aos descontos. Caso o devedor seja pessoa física, micro ou pequena empresa, o desconto pode chegar a 70%, e o prazo de pagamento em até 100 meses. Para débitos previdenciários, o prazo máximo de pagamento é de 60 meses.

Em relação à Transação tributária extraordinária, a PGFN desenhou um programa para viabilizar a superação da crise provocada pelo coronavírus em favor dos devedores inscritos em dívida ativa da União. Assim, a transação extraordinária na cobrança da dívida ativa da União envolverá:

a) pagamento de entrada correspondente a 1% do valor total dos débitos a serem transacionados, divididos em até três parcelas iguais e sucessivas. Em caso de inscrições parceladas, a adesão fica condicionada à desistência do parcelamento em curso e uma entrada de 2% do valor consolidado das inscrições.

b) parcelamento do restante em até 81 meses, sendo em até 97 meses na hipótese de contribuinte pessoa natural, empresário individual, microempresa ou empresa de pequeno porte. Nesse caso, a primeira parcela poderá ser paga no último dia útil do mês de junho de 2020. No caso das contribuições sociais sobre a folha de salários e do trabalhador, o parcelamento será de até 57 meses.

Alguns contribuintes não optaram pela adesão à Transação Tributária em razão da restrição às hipóteses de adesão e, em relação à Transação Tributária Extraordinária, por receio de não possuir disponibilidade em caixa para honrar a entrada em junho ou mesmo pelas parcelas subsequentes à entrada.

É possível estudar outra alternativa em se tratando de equalizar os efeitos da cobrança de débitos inscritos em dívida ativa. É o caso do Negócio Jurídico Processual – NJP. O NJP aplica-se nos casos de excepcional dificuldade econômica dos contribuintes, como é a hipótese vivida com a crise causada pelo Covid-19.

O negócio jurídico processual (NJP) poderá ser uma medida endereçada aos contribuintes em dificuldade econômica situacional em vista de um equacionamento de débitos federais inscritos em dívida ativa. Deveras, o NJP assenta sua aplicabilidade em casos de excepcional dificuldade econômica dos contribuintes, como é a hipótese vivida com a crise causada pelo Covid-19.

É possível a concessão de um plano de amortização dos débitos federais inscritos, assim como a negociação de uma forma menos onerosa para aceitação e avaliação de garantias aos débitos negociados.

Nesse caso, uma vez demonstrada a idoneidade e histórico positivo do contribuinte perante a Fazenda Federal, a dívida poderá ser objeto de requerimento de quitação por um plano de pagamento com prazo de vigência não superior a 120 (cento e vinte) meses, salvo com autorização expressa da Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Créditos.

O plano de amortização do débito fiscal poderá contemplar a negociação sobre uma garantia para fazer frente ao débito pendente, possibilitando a suspensão de sua cobrança enquanto perdurar o plano de pagamento. Os débitos não ajuizados poderão ser parcelados e incluídos na negociação do NJP, mas ocorrerá o seu ajuizamento para homologação do ajuste e correspondente incremento do encargo legal (20% do valor do débito)[3].

Ressalte-se que negociação do NJP dependerá da análise histórica do contribuinte e sua capacidade econômico-financeira para quitação do débito objeto de negociação. Como indicado, o NJP é editado para socorrer o contribuinte em situação de dificuldade financeiras, mas com bom antecedente perante a Fazenda Federal. Terá dificuldade de firmar o NJP aquele devedor contumaz que possui histórico ruim de adimplência e pese um histórico de infrações relacionadas à fraude, inclusive à execução fiscal, ou quaisquer outras hipóteses de infração à legislação com o propósito de frustrar a recuperação dos créditos devidos. É possível que aquele contribuinte que faz constante rolagem de dívidas fiscais, com rescisões de programas especiais e ordinários com reparcelamentos, poderá ser excluído de negociações com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Nesse sentido, as empresas em recuperação judicial poderão se valer do NJP para reestruturar sua situação econômico-financeira e, desde que demonstre um plano de pagamento de débitos consistente, a Procuradoria poderá analisar o requerimento e conceder um plano de pagamento de até 10 (dez) anos. Além do detalhamento de sua situação econômico-financeira, deverá apresentar a relação de bens e direitos de sua propriedade, com a respectiva localização destinação e valor atual e de mercado.

Como a PGFN deverá analisar as condições financeiras do contribuinte devedor, suas projeções de geração de resultados, podendo, se for o caso, solicitar informações complementares e coordenar inspeção no estabelecimento do devedor. Assim, é possível que entenda que sua capacidade financeira atual comporta um prazo de pagamento inferior ao prazo pleiteado no requerimento formulado no REGULARIZE, o que poderá reduzir a extensão do plano de pagamento.

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A controvérsia sobre a capacidade financeira do contribuinte e a possibilidade de extensão do plano de amortização poderá ser um embate entre as partes no ato de formalização do NJP. É possível o contribuinte contrapor, de forma fundamentada, a posição da PGFN, com a indicação de documentos e fatos que viabilize a alteração do plano apresentado pela PGFN.

A celebração de NJP que objetive estabelecer plano de amortização do débito fiscal não suspende a exigibilidade dos créditos inscritos em dívida ativa da União, mas poderá autorizar a emissão de certidão positiva com efeito de negativa pela formalização da garantia dos débitos incluídos no NJP. Assim, o contribuinte deverá comunicar a Fazenda Nacional eventual alienação de bens durante o plano de amortização.

O plano poderá envolver oferecimento de garantias que não sejam de liquidez imediata (depósito, seguro ou carta de fiança), como a constrição de parcela sobre faturamento ou de recebíveis futuros e a apresentação de garantia fidejussória dos administradores.

Algumas críticas surgiram em relação à exigência de incluir, na proposta do NJP, a relação dos bens particulares dos controladores, administradores, gestores e representantes legais do sujeito passivo, e dentre outras informações, o valor atual estimado e a existência de algum ônus[4]. A crítica repousa na impossibilidade de débitos da pessoa jurídica atingir terceiros, “exceto se comprovada uma das hipóteses previstas nos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional, o que, a princípio, não é o caso”.

Uma vez firmado o NJP e homologado em juízo, o NJP viabiliza a regularização da situação fiscal do contribuinte e atende a uma demanda social relacionada à situação extraordinária de uma crise, atendendo-se ao princípio de cooperação entre o fisco e contribuintes.

Dentre as hipóteses de rescisão, destacam-se a constatação de esvaziamento patrimonial, falência ou outro mecanismo de liquidação extrajudicial, medida cautelar fiscal, inaptidão de CNPJ, o perecimento de bens em garantia e a falta de pagamento de duas parcelas mensais.

Caso ocorra a rescisão do NJP, o Procurador responsável irá comunicar ao juízo do desfazimento do NJP e retomará o curso do processo, com a execução das garantias prestadas. É ressalvada a intimação do devedor para sanar eventual situação ensejadora de rescisão do NJP.

Portanto, a flexibilização da cobrança de débitos federais em situações extraordinárias, como a crise provocada pelo Covid-19, convalida o interesse de todos para que seja concedido um tratamento de equilíbrio entre a sobrevivência de contribuintes merecedores de um tratamento diferenciado e a responsabilidade pela justa participação na arrecadação tributária.

[1] Rodrigo A. Lazaro Pinto, sócio da FCR Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, mestrando em Tributação Internacional pelo IBDT, membro das Comissões Especiais de Contencioso Tributário e Direito Aduaneiro da OAB-SP, Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial, com MBA em Tributário e especialização em Business Law pela Concordia University.

[2] O Edital de Acordo de Transação por Adesão nº 01/2019 beneficia os contribuintes que têm débitos de até R$15 milhões. Podem aderir aos termos contidos neste Edital de Transação os contribuintes que possuem: (i) Débitos inscritos em dívida ativa da União de pessoas jurídicas baixadas, inaptas ou suspensas no cadastro CNPJ, sem parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; (ii) Débitos inscritos em dívida ativa da União há mais de 15 anos, sem parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; (iii) Débitos inscritos em dívida ativa da União suspensos por decisão judicial há mais de 10 anos; e (iv) Débitos inscritos em dívida ativa da União de titularidade de pessoas físicas cuja situação cadastral no sistema CPF seja titular falecido.

[3] Cf. Eduardo Sadalla Bucci. Negócio jurídico processual e a dívida ativa da União. Acesso: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/contraditorio/negocio-juridico-processual-e-a-divida-ativa-da-uniao-11022019. Acesso em 06/04/2020.

[4] Cf. Marcelo Annunziata e Marco Favini em “O negócio jurídico processual no âmbito tributário”. Acesso: https://www.migalhas.com.br/depeso/295831/o-negocio-juridico-processual-no-ambito-tributario. Acesso em 06/04/2020.

 

Fonte: https://covidfcrlaw.com.br/covid-19-negocio-juridico-processual-e-debitos-federais/

Sobre o autor
Rodrigo Lazaro

Sócio da FCR Law, Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2020/23), Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, Mestre em Tributação Internacional pelo IBDT, Diretor Regional da ANEFAC, Pós-graduado em Direito Tributário e Empresarial, com MBA em Tributário e especialização em Business Law pela Concordia University.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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