Afastamento de presidente por doença e Direito Comparado

01/04/2020 às 10:43
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O artigo colhe informações sobre a possibilidade, no direito comparado e na história brasileira, de afastamento de presidente da República.

Além do exemplo do Equador, a constituição do Paquistão prevê afastamento do presidente por “incapacidade física ou mental, ou impeachment por grave ofensa à Constituição”. Há previsão semelhante nos EUA, desde que o Congresso aprovou a 25a emenda constitucional, em 1967.

A Constituição americana tem a 25a emenda, que permite a remoção de um presidente se o vice-presidente toma a iniciativa de declarar incapacidade física ou mental do chefe, acompanhado de pelo menos oito membros do gabinete. O vice assume imediatamente.

Por lá, respeita-se a Regra de Goldwater (segundo a qual só se pode diagnosticar pessoas públicas após examiná-las e só se deve divulgar o diagnóstico com autorização delas).

Mas isso é uma regra da política, oriunda dos bastidores nas lutas pelo poder.

Quase metade dos presidentes americanos tinha algum tipo de doença mental, mas isso não significa que eles não pudessem governar, não está diretamente relacionado à capacidade de cumprir suas obrigações no mandato presidencial. E é preciso evitar a estigmatização das pessoas. O melhor exemplo é Lincoln. Apesar de ter depressão severa e surtos psicóticos, ele cumpriu todas as tarefas necessárias durante sua passagem pela Presidência.

Observe-se a 25ª emenda americana:

A Vigésima Quinta Emenda estabelece:

Seção 1. Em caso de destituição do Presidente ou de sua morte ou renúncia, o Vice-presidente deve se tornar Presidente.

Seção 2. Sempre que houver vacância no cargo de Vice-presidente, o Presidente nomeará um Vice-presidente que assumirá o cargo após a confirmação por maioria de votos de ambas as Câmaras do Congresso.

Seção 3. Sempre que o Presidente transmite ao Presidente Pro Tempore do Senado e ao Presidente da Câmara dos Representantes a sua declaração escrita de que não pode exercer os poderes e deveres do seu cargo e até que lhes transmita uma declaração escrita em contrário, tais poderes e deveres serão desempenhados pelo Vice-presidente como Presidente em exercício.

Seção 4. Sempre que o Vice-presidente e a maioria dos principais funcionários dos departamentos executivos ou de qualquer outro órgão que o Congresso possa por lei fornecer, transmite ao Presidente Pro Tempore do Senado e ao Presidente da Câmara dos Deputados sua declaração escrita de que o Presidente não pode desempenhar os poderes e deveres de seu cargo, o Vice-presidente deve assumir imediatamente os poderes e deveres do cargo como Presidente em exercício.

O presidente pode resistir e pedir um voto às duas casas do Congresso. Se dois terços não concordarem com o vice, o presidente recupera o cargo.

A Constituição brasileira não tem nenhuma previsão para comportamento que sinalize distúrbio mental ou doença física num chefe de Estado. O único caminho é o impeachment, instituto que envolve crimes de responsabilidade cometidos no curso do cargo.

Temos o exemplo da doença e morte do marechal Costa e Silva em 1969.

Na noite de 30 de agosto, o alto comando das forças armadas reuniu-se no Rio de Janeiro para discutir o problema criado pela doença de Costa e Silva. Participaram do encontro os três ministros militares — o general Aurélio Lira Tavares, do Exército, o almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica —, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Antônio Carlos Murici, o chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Adalberto de Barros Nunes, o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Alberto de Oliveira Sampaio, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel, e o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Jaime Portela. Durante a reunião foi decidida a formação de uma junta militar de caráter temporário composta pelos três ministros militares, em substituição ao presidente enfermo.

Na noite do dia 31 de agosto, através de uma cadeia nacional de rádio e televisão, o país tomou conhecimento das modificações ocorridas na cúpula do poder. Pelo Ato Institucional nº 12, as funções da presidência foram assumidas interinamente pelos ministros militares, encarregados de dar continuidade à administração pública. Após a leitura do AI-12, foi divulgada uma proclamação que além de explicar as causas do afastamento de Costa e Silva declarava que, em virtude da grave situação interna do país, a presidência da República não poderia ser ocupada pelo vice-presidente Pedro Aleixo, conforme determinava a Constituição de 1967.

Alegava-se que o presidente tinha sido acometido de uma forte gripe e esperava-se que o jogo entre Brasil e Paraguai, ganho pelo Brasil por 1x0, gol de Pelé, distraísse as atenções do povo. Ademais, o presidente da República não compareceu ao tradicional prêmio Brasil de turfe, naquele domingo, o que aumentou as apreensões sobre seu estado de saúde.

Na última semana de trabalho, o presidente Costa e Silva trabalhou bastante, compareceu a três solenidades, num único dia, o dia do soldado, assinou alguns decretos importantes, utilizou-se, dia após dia, para aplicar punições a militares e civis, e deu um repasse final na reforma da Constituição, aquilo que seria a Emenda Constitucional nº 1/69.

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Na quinta-feira, dia 28, anunciou-se que uma gripe o impedia de sair do Palácio Alvorada.

Já na noite de quarta-feira, dia 27 de agosto, o acidente havia se manifestado. O marechal perdeu o controle dos músculos faciais e a presença de seu médico particular logo se tornou permanente ao lado do chefe de governo.

No dia 29 de agosto de 1969 o marechal embarcou para o Rio de Janeiro.

O novo governo provisório expediu, no dia 31 de agosto de 1969, um domingo, às 21h:30 minutos, um comunicado à Nação e editou o AI 12, que permitia ao marechal Costa e Silva que retornasse ao governo assim que estivesse restabelecido.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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