A possibilidade de manifestação quanto a doação de órgãos, do corpo humano "post mortem": a decisão familiar

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5. A Falta de Manifestação Quanto a Doação de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano Post Mortem: Possibilidade de Decisão Familiar.

Perante a Lei, a falta de manifestação quanto a doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano post mortem, será decidida pela família. Assim, nota-se que a doação, nesse caso, não depende da manifestação prévia do doador quando ainda encontrava-se em vida.

Neste caminho, a decisão familiar será ofertada conforme entendam necessário, podendo ser uma resposta negativa ou positiva, não levando em consideração a vontade do que de fato o falecido pretendia quando ainda não encontrava-se nesse estado.

O legislador delega aos familiares o que poderia ser a vontade do falecido, posto que, mediante a intimidade imaginam qual seria o desejo do mesmo, mediante a manifestação ou a falta desta, já que não há a obrigatoriedade de manifestação expressa, bastando-se a forma verbal.

O artigo 4° da Lei deixa claro os familiares e parentes os quais caberão o teor da referida decisão. Quais sejam:

Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (grifo nosso) (BRASIL, 1997)

Além disso, preceitua o “Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.” (BRASIL, 1997)

O embaraço, não obstante, encontra-se no momento o qual a família precisa decidir sobre a doação, bem como, o pronunciamento a respeito, pois a morte desencadeia uma desordem emocional, havendo espaço somente para dor, angústia, sofrimento, podendo ocasionar medidas precipitadas.

A entrevista e informações a respeito do procedimento para então ocorrer a decisão é quase que conjunta a certeza do diagnóstico da morte encefálica para que se possa aproveitar o máximo de órgãos possíveis.

Esse quadro, confere causas de negativa familiar, posto isso, fica ainda mais evidente a essencialidade de conversar sobre o assunto com os entes familiares para que possa ser cumprido da melhor forma possível os anseios do falecido.

No que tange a negativa familiar, ao conferir as estatísticas relacionadas pela ABTO sobre as causas de não concretização da doação de órgãos de potenciais doadores (aqueles que podem doar mas não doam por algum motivo) notificados nos estados brasileiros, entre janeiro e março desse ano, é notório que a recusa nas entrevistas tem sido a maior contribuinte para essas circunstâncias um tanto quanto escusa, apesar de causas como contraindicação médica, parada cardíaca, morte encefálica não confirmada e outros.

No estado de Goiás, por exemplo, nesse período dito entre janeiro e março desse ano (2019), foram realizadas 104 notificações para possibilidade de doação, dessas 104, 58 entrevistas foram realizadas e 40 recusadas.

Embora exista estados, como Ceará, em que o número de entrevistas realizadas são relativamente maiores que a recusa (de 139 notificações, 96 entrevistas e 27 recusas), ainda pode haver significativo aprimoramento, evitando-se o declínio das entrevistas realizáveis, neste e demais estados.

Naturalmente, a dor da perda traz entre outras coisas, um pouquinho de esquecimento, haja vista que o pensamento se volta apenas ao ocorrido, a emoção não possibilita lugar a razão na maioria dos casos, por isso, é importante os profissionais indagarem a respeito, de maneira clara e delicada.

Não é fácil também a esses profissionais lidar com o momento o qual concretiza o falecimento de uma pessoa, porém, é fundamental ao passo que enquanto perde-se uma vida, pode-se salvar outras.

A fase de luto deve ser respeitada e à família dever-se-á toda a assistência, cuidado e acolhimento. Não trata-se de convencer alguém a autorizar uma doação, trata-se de amor, solidariedade, respeito, altruísmo, compaixão e todos os benefícios que pode proporcionar aos transplantados e aos familiares das partes, quem sabe até ajudar no processo do luto como forma de confortar os afetos.

Por essa monta, leia-se a mensagem retirada do site da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos:

A nobreza de um gesto.

Habitualmente falamos que somente coisas ruins ganham manchete. Que notícia boa não é veiculada porque não vende nem jornal, nem revista.

No entanto, por vezes, um gesto nobre ganha o noticiário internacional.

Assim aconteceu com um palestino que virou manchete mundial. Ele não protagonizou nenhum dos conflitos que têm abalado as relações e a paz dos povos do Oriente.

O mecânico Esmael Khatib deu uma verdadeira lição de fraternidade ao doar os órgãos de seu filho Ahmed a pacientes israelenses, que necessitavam de transplantes.

O palestino teve seu filho, de apenas 12 anos, alvejado por soldados de Israel, durante uma operação de busca no campo de refugiados de Jenin.

O mecânico optou pela doação, inspirado pela perda de seu irmão, de 24 anos, que, não resistindo à longa espera por um transplante de fígado, veio a morrer.

Entre os beneficiados pelo gesto do palestino se encontravam um bebê de 7 meses e uma mulher de 58 anos.

Alguns eram judeus, árabes-israelenses e uma garota de origem drusa.

Conforme reproduziu o jornal Folha de São Paulo, Khatib teria dito:

Eu me sinto bem pensando que os órgãos de meu filho estão ajudando seis israelenses.

Acredito que o meu filho está agora no coração de todo israelense.

O fato repercutiu pelo Mundo, exatamente pelos conflitos que envolvem as nações em questão.

Tanto mais que o menino fora morto por israelenses.

O fato é que, aquele pai, dolorido pela separação violenta do filho amado, encontra forças para beneficiar pessoas.

Não indaga se pertencem à sua mesma nação, ao seu povo, à sua família.

Não pergunta se são amigos ou inimigos. Simplesmente doa. Um gesto de humanidade, uma ação altruísta.

A nota nos remete aos versos do sublime Galileu há mais de dois milênios: Ama o teu próximo... Faze o bem a quem te persegue... Ama o teu inimigo.

Em nosso Brasil, embora as campanhas promovidas e a facilidade que se tem para doar órgãos, ainda é muito grande a fila de espera.

Algumas estatísticas apontam que chega a 60 mil o número, em nosso país, dos que se encontram aguardando transplantes.

A doação de órgão não é contrária às leis da natureza, porque beneficia a vida.

Os doadores colaboram com a vida. O Espírito se liberta da carne e permite a outros o retorno da visão, a desvinculação de procedimentos morosos e dolorosos.

Permite que um pai retorne ao lar, que o profissional retome atividades interrompidas, que o jovem volte a tecer sonhos de estudo e produtividade.

Aqui, é a bomba cardíaca que torna a regularizar seu ritmo; ali é um fígado que volta a funcionar; além é um pulmão que se enche de ar, insuflando vida.

Beneficiados os que recebem as doações dos órgãos. Abençoados por Deus os que se fazem doadores da esperança e da vida que estua.

Pense nisso. (ABTO)

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Em face do manifesto, mostra-se indubitável a indispensabilidade de manifestações, vídeos e campanhas (como o JUNTOS – Outra Vez (Sueño Dorado); ABTO – Dia do Renascimento; Doação de Órgãos – Entre na fila; Alma; Spot – Doação de Órgãos; Vozes da Espera – ABTO; Campanha Doação de Órgãos – Santa Casa (SP)), eventos, educação em transplantes para conscientizar e quebrar preconceitos, assim como, pensamentos que colocam em dúvida possíveis e ponteciais doadores e seus entes queridos.

Doar órgãos resulta em doar vidas e além de campanhas, eventos, cartazes com a finalidade de expandir conhecimento, a contribuição da população e da entidade familiar é de suma eficácia

Hoje um desconhecido pode estar precisando dessa solidariedade, desse amor ao próximo, talvez um conhecido não tão presente ou então um amigo, irmão, pai, mãe, filhos dos seus filhos, você.

Se deseja ser um doador comunique esse nobre desejo a sua família para que possa ajudar a recusa de entrevistas e doação diminuir de modo substancial e facilitar a decisão familiar, esta como uma possibilidade disposta em Lei e compreensível mediante a importância da doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano.


6. Conclusão

Diante o aludido, é cediço a essencialidade da doação de órgãos e os meios de propagar esse gesto fortemente altruístico, mesmo quando não é decidido com o doador em vida.

Com a efetividade e importância desse ato e do procedimento denominado transplante, a Lei de Transplantes e Doação de Órgãos propicia, mediante a falta de manifestação do falecido quando vivo, que a mesma seja exercida por entes próximos, até o segundo grau inclusive.

Mormente, o artigo reintegra o papel da família para contribuir pela maior facilidade da decisão em um momento doloroso, de perda, sofrimento, angústia, que pode, senão tratada a tempo, diminuir a chance de vida de outros pacientes.

Perder alguém não é algo que se possa lidar do dia para noite e infelizmente a entrevista com os entes que ficaram e choram pelo óbito deve ser realizada o quanto antes para concretizar a doação do máximo de órgãos possível.

Com certeza é uma etapa delicada, portanto, fica ressalvado a devida assistência à família que tem em mãos o poder de ajudar diversas pessoas que precisam ser transplantados.

Por arremate, a pesquisa deixa declarada o mérito do diálogo entre ascendentes e descendentes até o segundo grau, cônjuge e mesmo que não citado pela Lei, o companheiro, para materializar a doação.


7. Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 20 maio 2019.

BRASIL. Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9434.htm. Acesso em: 20 maio 2019.

BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 20 maio 2019.

ABTO. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. A nobreza de um gesto. Doação de Órgãos - Gerson Barreto. Site ABTO. Disponível em: https://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=474&c=917&s=0&friendly=mensagens. Acesso em: 20 maio 2019.

ABTO. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. A primeira mulher transplatada de coração no Brasil. Site ABTO. Disponível em: https://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=470&c=913&s=0&friendly=doacao-de-orgaos-e-tecidos---entrevistas-e-depoimentos. Acesso em: 20 maio 2019.

ABTO. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Caríssimos Amigos e Amigas. Site ABTO. Disponível em: https://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=470&c=913&s=0&friendly=doacao-de-orgaos-e-tecidos---entrevistas-e-depoimentos. Acesso em: 20 maio 2019.

ABTO. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Sobre Doações e Transplantes de Órgãos. Décio Policastro. Site ABTO. Disponível em: https://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=567&c=1119&s=0&friendly=sobre-doacoes-e-transplantes-de-orgaos. Acesso em: 20 maio 2019.


THE POSSIBILITY OF MANIFESTATION AS THE DONATION OF ORGANS, FROM THE HUMAN BODY POST MORTEM: THE FAMILY DECISION

Abstract: The objective of this work is to demonstrate the importance of donating organs, tissues and parts of the human body, especially after death, triggering the possibility of family decision. However, in order for it to occur in order to avoid the denial of the responsible entities, at the moment, it will indicate behaviors capable of assisting the lowest rate of refusal during the donation interview.

Keywords: Organ Donation, Organ Transplantation and Donation Law, Family Decision, Lack of Manisfeation of the deceased.

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Sobre os autores
Aluer Baptista Freire Júnior

Pós-Doutor em Direito Privado-PUC-MG.Doutor em Direito Privado e Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial, Pós Graduado em Direito Público, Penal/Processo Penal, Direito Privado e Processo Civil. Professor de Graduação e Pós Graduação. Coordenador do Curso de Direito da Fadileste. Editor-Chefe da Revista REMAS - Faculdade do Futuro. Advogado. Autor de Livros e artigos.

Lorrainne Andrade Batista

Especialista em Direito de Família e Sucessões; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Autora de Artigos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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