Adoção intuitu personae.

Um instrumento jurídico para assegurar de forma efetiva as garantias constitucionais da criança e do adolescente

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17/12/2019 às 16:00
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3. INOVAÇÕES NO PROCESSO DE ADOÇÃO

3.1. Necessidade de habilitação no processo de adoção

A habilitação faz parte das inovações propostas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. Com ela, os adotantes são selecionados de forma a garantir que estão aptos para assumir a responsabilidade sobre o menor adotado. Introduzido pela lei nacional de adoção, o art. 197-A do ECA prevê:

Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

I - qualificação completa; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

II - dados familiares; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

V - comprovante de renda e domicílio; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

VI - atestados de sanidade física e mental (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

VII - certidão de antecedentes criminais; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência

VIII - certidão negativa de distribuição cível.

O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que o primeiro requisito para se habilitar é ter idade superior a 18 (dezoito) anos, sendo este solteiro ou casado. A habilitação é, portanto, requisito prévio para os interessados em adotar. Através deste, uma equipe a serviço da Justiça da Infância e da Juventude realiza um estudo psicossocial para avaliar a capacidade e aferir preparo dos candidatos.

O prazo para a efetivação da habilitação será no máximo de 120 (cento e vinte) dias. Aprovada a habilitação, os interessados poderão ser inscritos no cadastro junto ao Juízo de seu domicílio, e esta deverá ser renovada no mínimo de três em três anos7.

3.2. Cadastro nacional de adoção (CNA)

O Conselho Nacional de justiça (CNJ), em concordância com a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, para auxiliar na efetivação da adoção instituiu o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), de forma a unificar os dados de todos os interessados residentes no território brasileiro.

Para realizar o cadastro o candidato precisa estar habilitado e deve preencher a ficha de atualização, que será entregue ao juiz competente para iniciar o procedimento cadastral e posteriormente convocar os pretendentes, normalmente, ocorre de forma cronológica. Vale salientar, que após a integração do cadastro no sistema nacional, todos os juízes possuem o acesso aos cadastros de todos os pretendentes de todas as comarcas.

O objetivo do cadastro é administrar com eficácia o procedimento de adoção, para que a inserção do menor na família substituta seja completa, mediante o sucesso no convívio familiar.

3.3. Cadastro nacional de crianças e adolescentes acolhidos (CNCA)

Em complemento ao CNA o Conselho nacional implantou o Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), com o objetivo de melhorar a viabilidade da adoção, nele contém dados de todas as crianças e adolescentes que residem nas instituições de acolhimento.

O sistema do CNCA surgiu para auxiliar o procedimento de adoção através de uma página na internet, de maneira a agilizar o processo adotivo, funciona principalmente para solucionar os obstáculos que interferem na adoção.

Apesar de todo o empenho para tornar possível a realização da adoção, existem muitos obstáculos que não foram solucionados, gerando cada vez mais pessoas aguardando na fila para adotar, dessa forma, percebe-se que o procedimento da adoção ainda não está completo, mesmo com a criação de cadastros para organizar os processos de interessados e dos menores.

3.4. Relatórios de dados estatísticos

Com base nos dados fornecidos pelo CNA, pode-se observar que a quantidade de pretendentes é superior a de menores residentes em instituição de acolhimento, isso acontece por que muitas crianças são recusadas em virtude de cor, idade, defeito físico, doença, etc.

Os números mostram claramente, apesar de se passar por muitas mudanças, que a adoção ainda limita-se no desejo dos interessados, mesmo com a legislação e a tentativa de organizar o instituto, o interesse dos menores não está sendo priorizado.

Observa-se a existência de casos em que o menor é devolvido à casa de acolhimento, no momento da devolução algumas famílias adotantes alegam por não conseguir se adequar ao ambiente, o menor não possui condições de permanecer com eles. No entanto, é a família quem deve se adaptar ao menor, assim como quando uma mulher grávida que deseja o filho que está no seu ventre, não conhece seu bebê, não sabe a cor da pele, do cabelo, se possui algum defeito físico, enfim, ninguém no lado exterior sabe quem vai encontrar depois do nascimento, e quando nascer, quem deverá se adaptar é a família e não o bebê, dessa forma que deveria ocorrer na efetivação da adoção, as famílias deveriam se adaptar e não devolver o menor para a instituição de acolhimento.

A tabela 1 representa os dados das crianças e adolescentes que estão na fila a espera por pretendentes, enquanto a tabela 2, representa a porcentagem e quantidade dos pretendentes que estão na fila para adotar.

Tabela 1: Crianças cadastradas no Cadastro Nacional de Adoção

Título

Total

Porcentagem

1. Total de crianças/adolescentes cadastradas:

9596

100,00%

2. Total de crianças/adolescentes da raça branca:

3200

33.35%

3. Total de crianças/adolescentes da raça negra:

1597

16.64%

4. Total de crianças/adolescentes da raça amarela:

18

0.19%

5. Total de crianças/adolescentes da raça parda:

4752

14.52%

6. Total de crianças/adolescentes da raça indígena:

29

0.3%

7. Total que não possuem irmãos:

4302

44.83%

7.1 Total que possuem irmãos:

5294

55.17%

8. Total de crianças/adolescentes que possuem problemas de saúde:

2465

25.69%

Fonte: Cadastro Nacional de Adoção. Relatório Estatístico.

Tabela 2: Pretendentes cadastrados no Cadastro Nacional de Adoção

Título

Total

Porcentagem

1. Total de pretendentes cadastrados:

46152

100,00%

2. Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça branca:

6600

14.3%

3. Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça negra:

367

0.8%

4. Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça amarela:

46

0.1%

5. Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça parda:

1840

3.99%

6. Total de pretendentes que somente aceitam crianças da raça indígena:

23

0.05%

7. Total de pretendentes que aceitam crianças da raça branca:

42698

92.52%

8. Total de pretendentes que aceitam crianças da raça negra:

26333

57.06%

9. Total de pretendentes que aceitam crianças da raça amarela:

27336

59.23%

10. Total de pretendentes que aceitam crianças da raça parda:

38565

83.56%

11. Total de pretendentes que aceitam crianças da raça indígena:

25616

55.5%

12. Total de pretendentes que aceitam todas as raças:

23730

51.42%

13. Total de pretendentes que desejam adotar crianças pelo sexo:

16162

35.02%

14. Total de pretendentes que desejam adotar crianças com irmãos:

17681

38.31%

14.1 Total de pretendentes que não aceitam adotar irmãos:

28471

61.69%

15. Total de pretendentes que desejam adotar gêmeos:

16597

35.96%

15.1 Total de pretendentes que não aceitam adotar gêmeos:

29555

64.04%

Fonte: Cadastro Nacional de Adoção. Relatório Estatístico.

3.5. Formas de adoção não previstas em lei

De acordo com a Nova Lei de Adoção, no artigo 197-E, §2°, “a recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida”. Ou seja, o infante passará ao próximo pretendente da fila, no entanto, o legislador não determinou a quantidade necessária de tentativas para que seja efetuada a reavaliação da habilitação, dessa forma, percebe-se a ausência da preocupação com o melhor interesse dos menores.

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Contudo, as pessoas começaram a adotar baseando-se no afeto, por isso, atualmente, além da adoção legitimada realizada através dos cadastros, existem formas de adoção não previstas em lei que se encontram comum na sociedade.

A primeira é aquela realizada “à brasileira” que ocorre quando o companheiro da mãe biológica da criança registra-a como sua mesmo sendo sabedor que não é o pai biológico desta criança, ou quando um casal registra uma criança em seu nome como se fosse sua.

De acordo com os argumentos de Kátia Regina Andrade Maciel8, não pode ser qualificada como modalidade do instituto da adoção, sendo que, nela ocorre o registro de filho alheio como próprio. A doutrina e a jurisprudência designam-na pelo fato desta configurar a paternidade socioafetiva, na qual, se assemelha com a prática de adoção, porém, sem as observâncias das formalidades legais, ou seja, as pessoas que adotam crianças por intermédio desse método, não se submetem às exigências legais.

Ao registrar filho alheio como próprio, o adotante está agindo de forma incorreta, esta prática não deve ser aceita, principalmente porque as pessoas usam os argumentos que é a melhor forma, por motivo de ser menos trabalhoso operar desta maneira do que submeter-se a ação de adoção da maneira correta.

Em complemento, Suely Mitie Kusano9 se posiciona:

Em verdade, busca-se, antes, esconder a origem adotiva do menor e driblar a burocracia e morosidade da justiça no Brasil, à sombra da lei. Outro complicador para aqueles que se lançam neste introito é o fato de que, para todos os efeitos legais, não houve adoção: a criança foi registrada como filho biológico do casal, geralmente impossibilitando investigar a origem genética da criança. (KUSANO, 2011, p. 85)

A outra é o objeto desta pesquisa, aquela intitulada adoção intuitu personae, que ocorre quando a mãe entrega seu filho à pessoa de seu consentimento ou quando um adotante manifesta interesse em adotar infante com quem já possui relação de afeto.

Segundo Suely Mitie Kusano10, a adoção intuitu personae diferentemente da adoção “à brasileira” não é conduta criminosa, vide:

Prática bastante comum, embora ilícita, é a entrega da criança pela própria mãe biológica diretamente a uma determinada pessoa ou família, direcionando a escolha do "adotante" do filho para fins de adoção à brasileira, à semelhança da adoção intuitu personae; com a diferença de, nesta, ocorrer adoção legal, enquanto que, naquela, ocorrente um crime. (KUSANO, 2011, p. 81)

A adoção intuitu personae, é a forma, na qual, o Estado terá para controlar e combater diretamente as práticas de filiações que ocorrem “à brasileira”, além de fiscalizar se as crianças estarão protegidas de forma efetiva, a fim de garantir que exista os laços afetivos familiares.

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Sobre a autora
Letícia Gonçalves Silva

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Luterano de Santarém (CEULS/ULBRA), como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito.Orientadora: Professora Tânia Mara Sakamoto Borghezan

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Luterano de Santarém (CEULS/ULBRA), como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito.Orientadora: Professora Tânia Mara Sakamoto Borghezan

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