A obrigatoriedade da observância do princípio da anterioridade na revogação de isenções tributárias incondicionadas

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23/10/2019 às 11:54
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4. A OBSERVÃNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE QUANDO DA REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO TRIBUTOS INCONDICIONADOS

O instituto da isenção, por vezes, é concedido de forma incondicionada, em razão de políticas tributárias, trazendo assim benefícios para os contribuintes que a partir de sua concessão deixam de recolher seu valor aos cofres públicos.

A regra trazida pelo Código Tributário Nacional é a de que a isenção poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, salvo se concedida em razão de certas condições e por prazo determinado.

O Supremo Tribunal Federal através da Súmula nº 544, entendeu que “isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.

Paulo de Barros de Carvalho (apud AMARO, 2009, p. 288) assevera que, ainda que determinado contribuinte cumpra as condições estabelecidas pela lei que concede a isenção, esta poderá ser revogada.

Entendimento semelhante é o adotado por TORRES (2012), que ressalta o compromisso da boa administração, bem como seu dever de moralidade e eficiência, conforme trecho abaixo citado:

´´As isenções legais condicionadas, concedidas individualmente e por prazo certo, são compromissos de políticas públicas que vinculam o Estado à sua manutenção, pela confiança gerada sobre o aproveitamento do direito, como signo de direito a uma boa administração, uma vez que toda isenção deve cumprir um objetivo de Estado, ainda que seja a redução de desigualdades. (...)

Quando editada lei que define todos os seus contornos, e o contribuinte, confiante na continuidade do plano legal, realiza investimentos e acomoda-se às condições exigidas, exsurge daí a confiança na manutenção da isenção na forma como prevista na lei concedente. (...) A preservação dessa confiança é um dever de moralidade e eficiência administrativas, as quais devem vir amparadas pela garantia da segurança jurídica e pela proteção do direito adquirido, ex vis do art. 5º, XXXVI, da CF.´´(AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009). [8]

Noutro giro, há que se destacar a disposição do art. 179, parágrafo 2º, do CTN, no qual as isenções concedidas individualmente serão submetidas às disposições do art. 155 do CTN, pelo que a concessão da isenção em caráter individual “não gera direito adquirido e será revogada de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora”.

No que tange às isenções incondicionais, a maior parte da doutrina concorda com sua revogabilidade.

Porém, em casos de revogação de isenções incondicionais, deve ser observada a estabilidade das relações jurídica, limitando a faculdade de revogação, em consonância com os princípios e normas constitucionais.

José Souto Maior Borges (apud GUASTI, 2009) que adota esta corrente, afirmando que:

´´A faculdade de revogar isenções sofre limitações que decorrem dos princípios e normas da constituição; não pode ser entendida como absoluta e sem condicionamentos de ordem temporal; comporta temperamentos ditados pelos diversos modos através dos quais o direito positivo disciplina a matéria, modalidades que, enquanto correspondem a diferentes técnicas de emprego do instituto da isenção, são susceptíveis de ordenação jurídica diversificada.´´

A doutrina nacional, capitaneada por Rubens Gomes de Sousa e Amílcar de Araújo Falcão, adota a posição que isenções surgem a ocorrência do fato gerador, bem como nascimento da obrigação tributária, sendo dispensado o pagamento pela norma isentiva. Para esta corrente revogação não significa criação de tributo, possibilitando a não aplicação do princípio da anterioridade.

Não obstante as críticas doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal reafirmou seu entendimento no julgamento do RE 204.062/ES, cujo acórdão transcreve-se a seguir:

´´CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO: REVOGAÇÃO. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE.

I. - Revogada a isenção, o tributo torna-se imediatamente exigível. Em caso assim, não há que se observar o princípio da anterioridade, dado que o tributo já é existente.

III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

III. - RE conhecido e provido.´´

A posição então consolidada no Supremo Tribunal Federal indica que a Corte considera as normas de isenção derrogatórias ou desjuridicizantes, tendo em vista a existência e persistência da obrigação tributária, apesar de haver dispensa legal do pagamento do tributo. O Supremo entende que revogação de isenção não é majoração de tributo, sendo assim inaplicável o princípio da anterioridade.

Porém este cenário esta sendo modificado dentro do próprio Supremo Tribunal Federal,onde decisões contrárias já estão sendo adotadas, conforme ementas abaixo citadas:

´´DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indiretadecorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

(STF; RE-AgR 1.053.254; Primeira Turma; Rel. Min. Roberto Barroso; DJE 13/11/2018)´´

´´IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DECRETOS Nº 39.596 E Nº 39.697, DE 1999, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO FISCAL – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – DEVER DE OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004. MULTA – AGRAVO – ARTIGO 557, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Surgindo do exame do agravo o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil.´´

(RE 564225 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 17-11-2014 PUBLIC 18-11-2014)

Primeiramente no julgamento do RE 564.225/RS, em 02 de setembro de 2014, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, foi decido que o aumento indireto do ICMS promovido em razão da revogação de benefício fiscal deve observância ao princípio da anterioridade.

Em seu voto, o Relator Ministro Marco Aurélio asseverou que o aumento indireto do imposto através da revogação do benefício fiscal deveria observar o princípio da anterioridade. Durante os debates, o Ministro afirmou que:

´´Continuo convencido de que as duas espécies de anterioridade – a anterioridade alusiva ao exercício e a nonagesimal – visam evitar que o contribuinte seja surpreendido. Se, de uma hora para outra, modifica-se o valor do tributo, muito embora essa modificação decorra de cassação de benefício tributário, há surpresa. Por isso, entendo que, buscando o objetivo maior do Texto Constitucional, é observável a anterioridade.´´

Acompanharam o Relator os Ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, o qual, por ocasião do pronunciamento de seu voto, ressaltou o conteúdo teleológico do princípio da anterioridade, bem como seu objetivo de assegurar a previsibilidade da relação fiscal, impedindo que o contribuinte seja apanhado de surpresa com o aumento do tributo.

Já no julgamento do RE. 1053254/RS, o Relator Ministro Roberto Barroso em decisão monocrática assim entendeu:

´´A pretensão recursal merece prosperar, tendo em vista que o acórdão recorrido está em desconformidade com recente jurisprudência desta Corte. Com base na ADI nº 2.325/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, restou firmado posicionamento no sentido de que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais.´´

O entendimento jurisprudencial da Corte Suprema no que tange a aplicação do princípio da anterioridade em caso de revogações de isenções está sendo alterado, conforme entendimento adotado nos julgamentos de Recursos Extraordinários acima citados.

O referido princípio busca garantir a previsibilidade da relação fiscal ao não permitir que o contribuinte seja surpreendido com um aumento súbito do encargo, possibilitando a garantia ao planejamento de suas finanças. O prévio conhecimento da carga tributária tem como fundamento a segurança jurídica e como conteúdo a garantia da certeza do direito. Deve ser entendida como majoração do tributo toda alteração ocorrida nos critérios quantitativos do consequente da regra-matriz de incidência.

A tese vencedora no julgamento do RE 564.225/RS bem como RE. 1053254/RS é a que mais se coaduna com o entendimento da doutrina nacional mais recente.

O ilustre doutrinador Hugo de Brito Machado defende a posição de que a revogação de uma lei que concede isenção acarreta a criação ou aumento de tributo, o que torna inafastável a observância ao princípio da anterioridade.

Segundo o referido autor:

´´É induvidoso que a revogação de uma isenção implica aumento do tributo a que corresponde. Aumento que não deve surpreender o contribuinte, pela mesma razão que a própria criação do tributo também não deve constituir surpresa. Assim, é evidente que em face do princípio da anterioridade, estereotipado no art. 150, inciso III, alínea “b”, da vigente Constituição, a cobrança do tributo decorrente da revogação de isenção só é juridicamente possível a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que for publicada a lei respectiva.´´

(MACHADO, Hugo de Brito. Efeito da revogação da norma de isenção tributária. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 11, n. 63, maio/jun. 2013. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=95960>) [9]

Essa corrente também é seguida por TORRES (2012), que ressalta a importância da garantia da segurança jurídica:

´´No que concerne à anterioridade, a revogação de isenções dependerá de uma série de aspectos. Caso concedida com prazo certo, ao término deste, o tributo deve recuperar sua exigibilidade, sem qualquer restrição. Não há surpresa que justifique sua permanência. Diferentemente, a revogação de isenções sem prazo certo ou sob qualquer outra condição que permita ao beneficiário reconhecer sua cessação, ou, igualmente, o caso da revogação de isenções com prazo certo, mas antes que este seja esgotado, haverá sempre o efeito equivalente à “instituição” ou “majoração” de tributo, razão pela qual o princípio da anterioridade, segundo a espécie de tributo, deverá ser observado integralmente, como garantia de segurança jurídica.´´

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Diante de tudo que foi exposto, verifica-se que o entendimento que mais se harmoniza aos preceitos da Constituição da República é o que aplica a observância do princípio da anterioridade na revogação das isenções incondicionais. Assim, prestigia-se a segurança jurídica, bem como a estabilidade das relações sociais.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho, conforme demonstrado, dá importância a questão envolvendo a revogação da isenção e a observância ao princípio da anterioridade, previsto no art. 150, inciso III, alíneas b e c da Constituição da República.

Desta feita, referido princípio decorre do instituto da não-surpresa, corolário do princípio da segurança jurídica, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

A anterioridade do exercício financeiro, impede a cobrança dos tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, e na anterioridade nonagesimal, que veda a cobrança dos tributos antes de decorridos noventa dias da publicação da lei em que haja a cobrança da exação instituída ou majorada, ocorrendo apenas algumas exceções previstas constitucionalmente.

A isenção, esta é prevista no art. 175 do Código Tributário Nacional como uma das causas de exclusão do crédito tributário e seu conceito é debatido pela doutrina pátria. Parte dos autores entende que na isenção há a ocorrência do fato gerador e o nascimento da obrigação tributária para depois haver uma dispensa legal do pagamento do tributo. Noutro giro, outros defendem que a norma de isenção exclui a própria obrigação tributária, objetivando suspender a incidência da norma jurídica de tributação, pelo que seria considerada uma norma de não-incidência.

A revogação da isenção, o art. 178 do Código Tributário Nacional traz a regra de que a isenção poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, salvo se concedida em razão de certas condições e por prazo determinado.

Assim, no que tange a isenções condicionadas, o entendimento é de que sua revogação deverá ser acompanhada de justa indenização ao contribuinte que preencheu os requisitos para o gozo do benefício.

Noutra senda, o art. 104, III, do Código Tributário Nacional, determina a entrada em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei que extinguem ou reduzem isenções sobre o patrimônio ou a renda.

A maior parte dos autores, tais como Luciano Amaro, Sacha Calmon Navarro Coêlho e Paulo de Barros Carvalho, afirmam que o art. 104, III, do Código Tributário Nacional deve ser interpretado à luz da Constituição atual, afinal, quando este foi editado, vigorava a regra de que o princípio da anterioridade era aplicável somente aos impostos sobre a renda e o patrimônio. Assim, seu disposto deve ser aplicado a todos os tributos submetidos à anterioridade, de forma a se tornar eficaz e coerente o Código Tributário Nacional relativamente à Constituição da República de 1988.

Portanto, no que tange às isenções incondicionais, na doutrina e agora em recentes entendimentos do Supremo Tribunal Federal, prevalece a tese de que a revogação deverá se submeter ao princípio da anterioridade.

Relativamente à jurisprudência, o entendimento até então consolidado no Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 615 e RE 204.062/ES), segundo o qual a revogação da isenção não implica instituição ou majoração de tributo e não deve observância ao princípio da anterioridade, mostra-se ultrapassado e não se coaduna com os princípios constitucionais, em especial a segurança jurídica.

Porém o cenário esta sendo modificado, pois entendimento contrário esta começando a ser aplicado, conforme asseverado no julgamento do RE 564.225/RS e RE 1053254/RS, dentre outros, sinalizando uma mudança dentro do Supremo tribunal Federal, no qual está aplicando o princípio da anterioridade em casos de revogação de isenções incondicionadas.

Por todo o exposto, considerando-se o princípio da não-surpresa, corolário da segurança jurídica, a necessidade de estabilidade nas relações entre o Estado e o contribuinte, bem como a importância das isenções como medida de política fiscal e econômica, conclui-se que a revogação das isenções incondicionais deve observar o princípio da anterioridade, medida justa para os contribuintes.


REFERÊNCIAS

  1. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

  2. MACHADO, Hugo de Brito, in Curso de Direito Tributário. 26. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 55.

  3. ÁVILA, Alexandre Rossato. Curso de Direito Tributário. Verbo Jurídico: Porto Alegre, 2005. 366 p.

  4. FORTES; PAULSEN. 2005, p. 354

  5. CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 185.

  6. MORAES, Alexandre, 2006, p. 787.

  7. RABELLO FILHO, Francisco, 2002, p. 133.

  8. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009

  9. MACHADO, Hugo de Brito. Efeito da revogação da norma de isenção tributária. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 11, n. 63, maio/jun. 2013. Disponível em: <http://bid.editoraforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=95960>.

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Sobre o autor
Fernando Gallo

Advogado, especialista em direito tributário,.

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