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Aval

21/06/2019 às 20:41
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Costuma-se dizer que as palavras têm, para o direito, o sentido que este lhes empresta. Sem embargo, opinamos que dita assertiva é, apenas, uma verdade parcial. Parcial porque constituída de cinqüenta por cento de verdade e outro tanto de omissão.

É que este novo sentido tem, quase sempre, relação com o sentido léxico, semântico.

Essa relação, porém, pode ser de identidade, semelhança ou convergência, divergência e, inclusive, de oposição.

Na identidade ambos sentidos coincidem. A linguagem técnica adota o sentido lingüistico ordinário. A palavra, em ambos sistemas, tem um sentido só.

Na convergência e na divergência há pontos em comum, porém, na primeira são maiores que na segunda.

Na oposição, também, o sentido semântico serve de parâmetro ao técnico-jurídico. Desta feita, porém, para se obter o sentido contrário. Se opor é se opor a... alguma coisa.

É verdade que casos há de indiferença. Inexiste neles relação entre os sentidos. Esta hipótese, no entanto, brilha pela sua infreqüência.

Interpretar de "interpress" ou "aruspice" (arúspice): era um sacerdote romano que fazia prognósticos examinando as entranhas das vítimas.

Dando a entender que a Lei, e seus vocábulos, devem, igualmente, ser examinados no seu âmago; na sua mais íntima instância.

Costumamos asseverar que as coisas são, na verdade, o que parecem ser; que as aparências, contrariando o ditado popular, não enganam. Apenas é preciso observar com suma atenção, Seja nas entranhas, seja no exterior, que, amiúde, nada esconde a quem, desinteressadamente, se dispõe a ver o que o conceito quer mostrar.

É absolutamente impossível investigar acerca da origem histórica do que quer que seja, sem auscultar sua etimologia e seu conceito. Elementos, estes, absolutamente inseparáveis um do outro.

Sentido etimológico (relativo à origem do termo, levando em conta o aspecto histórico).

João Eunápio Borges, ímpar pesquisador do assunto, aponta as principais etimologías respeitantes ao instituto.

Assim como no endosso, o nome seria indicativo de sua localização física no título creditício, i. é, indicaria sua situação no "corpus mechanicus". "Quia in dorso inscribi, solvet" (quem inscreve no dorso ou nas costas. paga).

Analogicamente, no caso do aval, "a valle" (ao pé).

O dicionário Littré aponta: "C'est la place de la signature qui a determiné cet emploi métaphorique du mot" (É a localização da assinatura que determinou esse emprego metafórico da palavra)

Críticas a esta etimologia.

Bonelli, com o acerto e precisão que lhe são peculiares, nos recorda, que: "se se pensa que no início o aval era em qualquer parte da cambial, e até fora dela, se encontrará esta hipótese mais do que infundada".

Por esse motivo entendem alguns que a origem etimológica, no caso do aval, não clareia o assunto, interessando mais ao filólogo do que ao jurista.

Sem razão, porém, ao nosso modesto entender, como se explanará seguido.

Arrigo Solmi, citado por Sraffa e Vivante, alumbra, com mestria, ao colacionar as demais possibilidades etimológicas ora perquiridas.

Entende Solmi que são três as etimologias básicas do instituto

1) Do francês "faire valoir" ou "a valoir", em latim: "a valere". O aval é o ato que faz valer, que atribui valor ao título ao garanti-lo.

2) Grasshoff nos aponta uma curiosa etimologia árabe que, ademais, faz remontar a eventual origem do aval (ou melhor, de antecessor seu), a lindes temporais absolutamente insuspeitados, pelo seu caráter remoto.

"Hawâia" é vocábulo árabe que designava, já no século VIII, a obrigação de garantia, similar a nosso aval.

A prática cambiária árabe dessa época, afirma, constituiria a gênese do Direito cambiário europeu.

3) Há uma terceira etimologia que faria derivar a palavra do francês "aval" ou do italiano avalio".

Arrigo Solmi, concluindo, afasta as três explicações para sugerir uma quarta.

4) O latim "vallatus" de "valare". Seria um reforço com defesa especial.

Já, Cícero usava a expressão, no sentido figurado de garantia (para o credor). Garantia especial.

Preferimos especialíssima, já que o avalista pode ser executado diretamente.

No direito italiano a "carta vallata" ou "pactum vallatum" é a carta ou pacto com especial e extraordinária garantia.

Borges finda aderindo a esta última teoria.

Destacamos ora nossa postura.

Como se viu, aquelas três etimologias têm sido descartadas por Solmi, que findou aderindo à quarta, por ele proposta.

Borges e muitos juristas filiaram-se a esta última postura.

De todas as etimologias a mais guerreada tem sido aquela que liga o instituto à localização do mesmo no título.

Nós, não obstante a pertinência da crítica que lhe foi feita, pedimos licença para divergir.

Sucede isto: quando se assevera que, no início, o aval podia ser dado à parte, se refere, sem dúvida, à ordenança francesa. A ordenança, decerto, regulamentou o aval. Nem por isso lhe marca a origem, o princípio.

Como já dito, a origem do aval brilha pela sua incerteza.

No entanto, todos os pesquisadores coincidem no fato de que, na predominância de sua história, tem ele sido dado no próprio título.

Assim, cremos que o mais lógico é que haja sido assim, também na sua origem.

No direito comparado, e levando-se em conta a predominância histórica, tem sido da mesma forma (no próprio título).

Para a intelecção do conceito necessita-se, afora a perquirição etimológica ora colacionada, uma investigação semântica, cuja valia acentuamos no limiar.

Não encontramos, sem embargo, maiores alusões a este aspecto vocabular, nos autores estudados.

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Assim, embora sintética e modesta, trazemos a semântica que se nos afigura mais pertinente.

Sentido semântico (relativo ao significado do termo sob o aspecto linguístico objetivo e suas mudanças no tempo e no espaço).

Aval se refere a apoio moral ou intelectual.

Era a fé que uma pessoa dava da solvência patrimonial e da idoneidade moral de outra.

Com o passar do tempo, esse atestado de fé se converteu em verdadeira garantia, consistente na solvência do próprio avalista.

Ressalte-se, porém, que semânticas há que admitam seja dado à parte. Com clípeo, sem dúvida, nas etimologias que referem períodos em que dita modalidade era praxe.

Foi dito, antes, que a etimologia mais guerreada nos parecia, quiçá, a mais pertinente.

O que sem dúvida se lhe não pode negar é seu alto valor semântico.

É que ela reflete, fielmente, a predominância da significação do aval no tempo e no espaço.  

É indispensável, porém, concluir, com Alfredo Rocco a impossibilidade de se asseverar precisões históricas. É que o direito comercial é, por natureza, uma constante transformação.

Sendo a utilidade comercial a suprema lei, inexistem princípios duradouros.

Parece aplicar-se a velha lei da física, segundo a qual, nada nasce, nada morre, tudo se transforma. É que, no que ao aval respeita, resulta mais factível acompanhar sua trajetória do que desvendar seu nascedouro.

A história do aval é repleta de dúvidas e obscuridade.

Aponta-se que o instituto já era conhecido no início do Século XIII.

Ricardo Isidro Lopez Muñiz (História de la letra de câmbio, p 5), assinala seu nascimento em 1.233, na "letra  contra si próprio", equivalente à atual nota promissória. E, em 1.359, na letra de câmbio.

Sua regulamentação se deu na segunda metade do Século XVII, mais precisamente em 1.673, pela "Ordennance du commerce", na França.

Lembra Borges que nas feiras, por motivos de organização pública, impunha-se um balance no encerramento.

Apuravam-se o crédito e  o débito de cada comerciante.

As contas liquidavam-se em numerário ou em letras cambiais.

Como nem sempre se confiava no devedor, se exigia, como reforço e garantia, outra letra emitida por banqueiro de maior solidez.

Em vez de simplesmente afiançar a obrigação de outrem, o avalista, em letra à parte, assumia a obrigação, subsidiariamente, mas, paralela e independentemente da que pesava sobre o avalizado. Surgiu, assim o "giro avallo", no qual se confundiam os institutos embrionários do aval e do endosso.

A regulamentação francesa da "Ordennance du commerce", contrariando a prática, estabelecia que o aval pudesse ser dado em separado. Isto, uma vez que, se dado no próprio título, causaria o descrédito do avalizado.

Porém, quando em separado, só valia como fiança ordinária.

O aval não garantia apenas a letra, mas, também, a simples promessa de sua emissão.

Em 1.807, o "Code du commerce", voltando à prática consagrada, igualou os efeitos do aval, seja ele prestado no próprio título ou à parte.

Conceito moderno.

É a garantia de pagamento de um título, dada por terceiro, no próprio título.

Formaliza-se com a assinatura do avalista no documento cambial, ou à parte, dependendo da legislação.

O avalizado pode ser obrigado ou coobrigado.

Natureza jurídica.

É obrigação independente da garantida.

Assemelha-se ao "Sponsio" e à "fidejusio" do Direito Romano. Mais ao primeiro do que à segunda.

A "fidejusio" só garantia uma obrigação perfeitamente válida.

A "sponsio" podia caucionar dívida absolutamente nula.

O formalismo do Direito cambial evoca, em muitos pontos, o sacramentalismo de formas do Direito Romano.

"fidejusio" e "sponsio" fundiram-se, mais tarde, dando origem à moderna fiança.

Aval é ato formalmente acessório do principal.

Substancialmente, porém, é independente do principal.

Bollaffio e Bonelli esclarecem que é garantia puramente objetiva; formal e substancialmente independente da obrigação garantida.

Embora esta autonomia absoluta seja dominante na doutrina, Vidari a repudia por entendê-la exagerada. Diz ele: "Não entendemos que se possa garantir o que não existe e nem poderá mais, legalmente existir".

Entende que a autonomia absoluta privá-lo-ia de toda a base jurídica (que é a garantia).


BIBLIOGRAFIA

BORGES, João Eunápio, Do aval.

MUÑIZ, Ricardo Isidro Lopez, História de la letra de cambio.

REALE, Miguel, Por uma constituição brasileira,                                              RT 1.985.

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Sobre o autor
Roberto Itzcovich

Doutor / Salamanca. [email protected] (LUE - Legislação Ultra Eficaz)

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