UTILIDADE SOCIAL DOS ADVOGADOS E A EXPANSÃO PROCESSUAL

15/06/2019 às 12:05
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Fato é que os Direitos Humanos alcançaram níveis de maturidade social que elevam o debate acerca dos seus propósitos de cidadania. Vários atores, como os advogados, merecem levantar essa bandeira para engrandecer essa discussão para o aprimoramento.

1.     INTRODUÇÃO

O presente ensaio traz algumas reflexões sobre o relacionamento dos direitos humanos com a concepção cidadania proposta pelos advogados, ou seja, aqui há um conjugado entre o estágio atual dos direitos humanos amplamente difundido na população brasileira e a nova concepção de cidadania introduzida pela Constituição Federal de 1988.

Para tanto, num primeiro momento, buscou-se delinear, ainda que brevemente, a expansão do processo penal como um dos direitos humanos essenciais, isto é, a paz social. Haverá enfoque para os agentes engajados nessa causa e suas atribuições neste contexto bem como o papel da população que tem o dever de colaborar sempre.

Depois de feito este estudo prévio, verificou-se de que maneira a nova Carta brasileira, rompendo com a ordem jurídica anterior, passou a comungar os direitos humanos consagrados com a concepção contemporânea de cidadania, posto que fatos concretos como o advogado militante no exercício de seu mister e os avanços da legislação, são exemplos reais do nosso tempo.

Existe uma inquietação pública generalizada acerca do nível de criminalidade comum, o que gera um senso de insegurança pública, que, por sua vez, resulta em demandas por uma reação oficial draconiana, às vezes sem restrição legal. Veremos que aqueles que conclamavam os direitos humanos têm corroborado para manter o sistema falho e sem resposta. Veremos ainda a utilidade social dos advogados e a expansão do processo penal como um contexto sólido que viabiliza o resgate da cidadania e a prosperidade de nosso povo.

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2.     RELEVÂNCIA DO ADVOGADO NO CONTEXTO ATUAL

De incontestável relevância a discussão sobre o papel do advogado na sociedade à luz da avaliação da sociedade, posto que, ela quem demanda esta categoria de profissionais e sua abordagem do processo penal que possa ser honesto e probo. Espero poder dar mais do que olhar para este texto atribuído. Mas também espero que seja permissível se eu interpretar e colocar algumas questões sobre o papel do advogado que não são diretamente sugeridas pelas opiniões, mas, de fato, identificáveis na atuação dos profissionais.

Seja qual for a sua relevância para os nossos dias, a imagem da profissão de advogado no Brasil dificilmente nos permite ver suas funções plena e precisa, e, por vezes, menos ainda avaliar sua contribuição para o tecido da sociedade. Pois existem corpos verdadeiramente com uma visão estreita e parcial.

Dizer isso não é criticar nem negar a perspectiva panorâmica que a Ordem alcançou em sua obra como um todo, pois, às vezes, o interesse dos advogados é incidental para um tema maior. Devemos lembrar qual é esse tema. O fato dominante de nosso tempo é uma revolução social que considero certo para continuar no futuro previsível. Vejo forças irresistíveis levando a todos os lugares em direção à igualdade dos homens.

Perceba que a América atraiu seu interesse como a sociedade na qual esta revolução estava mais avançada e que, ao mesmo tempo, se ajustou com mais sucesso às suas tensões. Procuro aprender as causas desse sucesso, compreender as tendências da advocacia brasileira e especular sobre seu provável futuro.

Apesar da admiração pela democracia na América, a avaliação está repleta de dúvidas sobre o futuro. A discussão sobre a profissão jurídica é uma consequência de uma das fontes do pessimismo. Compreenda a visão de que o principal mal das instituições democráticas na América não está em sua fraqueza, como é frequentemente afirmado, mas em sua força irresistível.

De fato, por vezes a sociedade está alarmada com as garantias inadequadas contra a tirania que encontrou aqui. Isso leva a uma preocupação imediata, seja  examinar as causas que atenuam a tirania da maioria. É desconcertante descobrir que podemos enumerar apenas três dessas forças contrárias à tirania temida.

A primeira é a instituição do julgamento pelo júri; a segunda o poder limitado do governo central; e o terceiro a profissão legal em si.

É possível encontrar a confirmação desses pontos de vista na atual condição do Brasil ? Há que se concluir que a influência dos advogados nos negócios públicos acompanhou o crescimento do próprio governo. É verdade que se poderia perguntar se os advogados têm recentemente cedido parte de seu papel onipresente na elaboração de políticas para economistas, programadores de computador e outros tipos de especialistas.

Cabe ainda o julgamento sobre a influência líquida dos advogados no último século ou em tempos mais recentes, direção que imagino, não parece difícil de dizer. Teríamos que assumir, em primeiro lugar, que os excessos da democracia foram evitados. Soa obscuro sobre o que esses excessos poderiam ser, mas podemos razoavelmente aceitar que ele admira a sociedade estável e próspera que a América continuou a desenvolver junto com a revolução igualitária. Há sem dúvida que dar crédito pesado por essa condição às grandes reformas econômicas, políticas e sociais trazidas pela lei e isso, por sua vez, poderia levar a renovar a ênfase no valor dos advogados no desenvolvimento brasileiro.

Mas distorceria o papel dos advogados nesse desenvolvimento para vê-los como uma força conservadora e resistente. É fácil, talvez mais prontamente, afirmar que os advogados têm sido uma fonte primária de inovação e mudança no direito público brasileiro. A questão seria, talvez, se as reformas nas quais os advogados participaram têm sido o meio de moderar forças radicais e evitar mudanças violentas e desestabilizadoras. Nesse sentido, pode-se dizer que toda a reforma, à revelia da revolução, é conservadora. Exceto nesse sentido, parece difícil dizer que tendências conservadoras ou progressistas predominaram na contribuição dos advogados para a sociedade brasileira contemporânea.

Eles estiveram em ambos os lados, e no meio da batalha, na maioria dos pontos de competição, desde os dias de confiança até as grandes revisões constitucionais do Supremo.

Em um aspecto, no entanto, esta tese é claramente confirmada. É um exagero neste próprio tempo dizer que raramente surge qualquer questão política no Brasil que não seja resolvida, mais cedo ou mais tarde, em uma questão judicial." Ainda não é inteiramente verdade, mas provavelmente está mais perto da verdade hoje.

O relaxamento de doutrinas como questões políticas, de amadurecimento e políticas permitiu que o Supremo se tornasse um juiz supremo sobre questões que antes poderiam ter tido facilidade para encontrar uma solução política. Sou um crente forte na revisão judicial. É principalmente através da instituição da revisão judicial da ação legislativa que esperamos que a influência restritiva dos advogados seja exercida.

Com base nisso, deve-se esperar que se endosse o recente surgimento do que os críticos chamam de ativismo judicial. Mas ele, é claro, encontra tendências na decisão constitucional que coloca problemas difíceis para essa análise geral. Dada a sua preferência pela administração descentralizada, dificilmente poderia ter muito conforto na astúcia com que o Supremo manipula a doutrina para sustentar um poder federal em expansão.

Em vista do receio do governo da maioria, muito provavelmente cabe uma pausa para observar o papel dos tribunais na reconstituição de nossos processos políticos sob o princípio de um homem, um voto. Como alguém que vê o problema do negro como a maior sombra do futuro do Brasil, sem dúvida ficaria satisfeito com a enorme contribuição dos tribunais para dar ao negro status pleno em nossa sociedade. Mas haveria algum desconforto, supõe-se, ao ajustar a visão dos tribunais e da profissão jurídica às amplas tendências igualitárias. Seria muito interessante, certamente, descobrir que o entusiasmo pelo poder judiciário se tornou a posição liberal em vez da conservadora.

É fascinante especular sobre algumas dessas questões e como fazer a estimativa da influência de advogados e tribunais. A virtude do advogado é evitar a simplificação excessiva. Ele vê tendências e contra tendências em todos os lugares e é rápido em notar as possibilidades que podem perturbar suas profecias.

Parece improvável que sua crença em um judiciário forte seja intimidada por decisões ou tendências específicas das quais ele desaprova. Ele aceita a revisão judicial como uma função política, com todos os seus perigos. Para eles, os juízes devem ser estadistas, sábios para discernir os sinais dos tempos, sem medo de enfrentar os obstáculos que podem ser subjugados, nem de se afastar da corrente quando ela ameaça varrê-los. Há defesa de boas-vindas aqui para uma das escolas atualmente em discussão sobre o papel do Supremo Tribunal.

Importante uma advertência neste contexto, o Presidente, que exerce um poder limitado, pode errar sem causar grandes danos ao Estado. O Congresso pode decidir errar sem destruir a União, porque o órgão eleitoral pode fazê-lo retratar sua decisão.  Mas se o Supremo for composto de homens imprudentes ou maus, a União poderá mergulhar na anarquia ou na guerra civil.

Quer concordemos ou discordemos da avaliação e da influência conservadora dos advogados, dificilmente podemos aceitá-la como um relato completo do valor dos advogados em nossa sociedade. Se quisermos formar nossa própria estimativa, devemos considerar com mais detalhes a variedade de funções desempenhadas pelos advogados e fazer uma nova avaliação da utilidade dessas funções em uma boa sociedade. O problema pode ser colocado de várias maneiras.

3.     UTILIDADE SOCIAL DA ADVOCACIA COMO UM TODO

Que julgamento pode ser feito sobre a qualidade de uma sociedade pela proporção do esforço humano dedicado ao trabalho dos advogados ? Se tivéssemos mais poder do que nós para controlar a alocação de talentos, poderíamos canalizar mais ou menos isso para a profissão legal ? Talvez tenhamos ideias razoavelmente claras sobre algumas outras profissões, como professores e médicos, mas quão profundas são nossas convicções sobre a utilidade social dos advogados ?

É claro que não temos muito poder para decidir tais questões e provavelmente é uma sorte que não o façamos. Ainda assim, as perguntas não são totalmente acadêmicas. Os subsídios ao ensino superior desempenham um papel cada vez maior na determinação de quem deve obter treinamento de pós-graduação e em que áreas. Mais uma vez, estamos presentemente confrontados com a questão das prioridades de uma forma peculiarmente dolorosa à medida que lutamos com o problema de um esquema racional de serviço seletivo.

A "guerra à pobreza" nos apresenta outro exemplo em que as decisões sobre o uso de recursos podem ser tomadas para influenciar a disponibilidade de advogados. Precisamos de algum julgamento fundamentado sobre a contribuição que a profissão pode dar ao bem-estar geral. A tentativa de formar tal julgamento nos fará ver, penso eu, que o papel social dos advogados é multifacetado e nos levará a distinguir diferentes funções nas quais podemos querer colocar valores diferentes.

Cabe aqui sugerir quatro funções ou quatro esferas diferentes nas quais, pode-se argumentar, os advogados contribuem para o bem-estar geral. Quanto aos valores relativos dessas funções e se a importância de cada um está crescendo ou diminuindo, não terei muito a dizer. Meu interesse é encorajá-lo a acreditar que essas são questões que valem a pena refletir e debater, e que elas são suscetíveis de análise.

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Primeiro, então, há o que pode ser chamado de aspecto instrumental de o papel do advogado. O advogado é um homem que executa os propósitos de outra pessoa, geralmente propósitos que envolvem acordos com outras pessoas. Em uma tabela de organização da sociedade vista como uma continuidade, os advogados apareceriam como linhas cruzadas, enchendo os interstícios e criando um tecido para o todo. Talvez essa metáfora sugira a indispensabilidade dos advogados; talvez seja por isso que eu usei.

Mas é obviamente impreciso sugerir que os advogados são sempre essenciais para executar os planos dos homens, mesmo quando esses planos envolvem necessariamente criar ou mudar relações jurídicas com os outros.

Os homens podem lidar uns com os outros diretamente ou podem usar outros tipos de representantes. O contrato imobiliário é um exemplo óbvio. Os agentes imobiliários efetuam contratos vinculantes sem a intervenção de um advogado. Sem as garantias de legalidade, mas o contrato é válido.

 Também não pretendo sugerir que os advogados em sua capacidade instrumental sejam meros mecânicos ou servidores. Eles são chamados para moldar e esclarecer os propósitos daqueles a quem eles servem e, às vezes, recusar-se a executar um determinado propósito. De fato, a disposição deles em assumir tais responsabilidades pode ser uma pista para o fato de que os advogados no Brasil, mais do que em outros lugares, passaram a desempenhar o papel de engenheiros sociais para todos os propósitos, de especialistas a itinerantes em fazer as coisas. Surge inclusive a figura do escritório boutique sem endereço físico em que o advogado desloca-se até o cliente.

Seria interessante ter alguma medida do efeito que a mudança tecnológica e o avanço geral do conhecimento estão tendo sobre esse aspecto da função do advogado. Como a força do advogado é, em parte, sua capacidade de funcionar como generalista, pode-se esperar que seu deslocamento gradual seja feito por especialistas mais especializados, à medida que o conhecimento em todos os campos se torna cada vez mais refinado e especializado.

Se os advogados podem manter sua versatilidade e continuar a comandar a confiança como coordenadores do conhecimento e dos esforços de outros, talvez seja uma das questões centrais que a educação jurídica e a profissão do advogado enfrentam.

Por outro lado, talvez, a crescente complexidade de nossa sociedade seja, por si só, garantia de que os advogados têm futuro. Do ponto de vista do interesse próprio, pelo menos, pode haver algum consolo no pensamento de que os advogados tendem a gerar advogados.

4.     EVIDÊNCIAS CLARAS DA IMPRESCINDIBILIDADE

A evidência mais clara de que um homem precisa de um advogado em uma transação pode ser o fato de que há um advogado do outro lado. No entanto, esta certamente não é a explicação completa da importância dos advogados em fazer as coisas. Funcionários de programas de ajuda internacional, por exemplo, dizem que um grande obstáculo para a realização dos propósitos benéficos em algumas nações subdesenvolvidas é a falta de um corpo de instrumentistas que desempenhem o tipo de função que nós confiamos aos advogados para realizar.

Se esse diagnóstico estiver correto, a reforma da educação jurídica pode se tornar um objetivo importante da política social nesses países. Para nossa própria sociedade, no entanto, não parece haver nenhuma questão urgente sobre quanto desse tipo de talento precisamos fornecer. Neste papel, a contribuição do advogado é principalmente econômica e produtiva.

As recompensas que ele recebe são uma medida tão boa quanto qualquer de seu valor para a sociedade, e podemos estar razoavelmente confiantes de que essas recompensas manterão um suprimento da habilidade do advogado que corresponda à sua utilidade social. O mesmo não pode ser dito, penso eu, quanto à segunda esfera das atividades do advogado que desejo discutir, embora seja uma que obviamente cruze e sobreponha a primeira. Vou chamar isso de função de proteção.

Juntamente com outras ocupações, como médicos, engenheiros de segurança e vendedores de seguros, os advogados têm uma importante contribuição para melhorar os riscos da vida. Estou falando, é claro, do que, em termos mais familiares, consideramos a função de aconselhamento, e tenho em mente a pergunta provocativa de um pensativo advogado, que se perguntava se haveria alguma ocasião em que um homem não seria melhor ter um advogado ao seu lado. Descrever a função como evitar o risco talvez seja estreito demais. Um homem recorre ao seu advogado não apenas para prever os riscos, mas também para ajudá-lo a decidir quais riscos correr. Sob essa luz, é a função de ajudar as pessoas a evitar erros.

Este aspecto da função do advogado deu origem a algumas questões atuais importantes. Elas surgem não por causa de dúvidas sobre o valor potencial do advogado, mas precisamente por causa de nossa confiança em seu valor, talvez até mais confiança do que se justifica. Começamos a reconhecer que a função protetora do advogado pode ter valor para todas as classes e condições da sociedade, não apenas aquelas com interesses econômicos proporcionais aos custos do serviço e aos recursos proporcionais ao seu preço.

Estamos caminhando para a visão de que algum nível de serviço legal deve ser disponibilizado a todos os cidadãos, como educação pública e assistência médica. Tal objetivo nos confronta com uma série de questões que para a profissão jurídica são novas - questões de definição da natureza e nível dos serviços a serem prestados, questões de organização da profissão, questões de recrutamento dos homens certos para se engajar em tais atividades, trabalho e questões de sua educação. O fato de termos sido estimulados a buscar tais questões é certamente um dos resultados mais úteis da guerra à pobreza.

Os serviços jurídicos, como tais, dificilmente podem melhorar a condição econômica das massas de homens, mas podem fazer algo para dar aos homens, qualquer que seja seu status econômico, maior medida de controle sobre suas vidas e um maior senso de que as regras da sociedade reconhecem os interesses dos pobres, bem como os confortáveis.

A competência do advogado em aconselhar a pessoa comum em questões pessoais e familiares foi, sem dúvida, negligenciada na educação jurídica, e há motivos para duvidar que, para a maioria dos advogados, a negligência tenha sido reparada pela experiência. O novo enfoque nos problemas jurídicos dos indigentes pode nos colocar no caminho para criar ou reviver um tipo de conselheiro profissional análogo ao desaparecimento do médico de família, ou pode levar a novos tipos de agência combinando os serviços de diferentes tipos de especialistas.

De qualquer forma, parece claro que, nessa esfera, o futuro em potencial do advogado está em expansão. A resposta inteligente a essas necessidades emergentes fará com que a sociedade valorize ainda mais o papel protetor do advogado.

Uma terceira esfera do advogado na sociedade é a esfera do conflito criminal. É nessa esfera que o papel do advogado não é apenas mais visível, mas mais claramente indispensável. Nós dificilmente podemos imaginar uma sociedade sem conflito e crime. O advogado, e toda a máquina da justiça pela qual ele é o principal responsável, são encarregados de maximizar o interesse social na tranquilidade, fornecendo meios para a resolução racional de disputas.

Este é talvez o sentido mais elevado em que os advogados, como grupo, têm a responsabilidade de reduzir os fatores arbitrários em nossa vida social. Sua função não é principalmente resistir a grandes forças políticas, o aspecto de seu papel na sociedade que chama a atenção. E ajuda a remover as fricções, desigualdades e consequências arbitrárias que são produzidas pelo funcionamento das forças maiores do sistema criminal.

Mas aqui, em contraste com a função consultiva ou protetora do advogado, há algumas perplexidades em decidir quanto desse tipo de serviço é uma coisa boa. A boa sociedade é uma sociedade litigiosa ou que minimiza as ocasiões de litígio? Nós aspiramos a uma sociedade em que a necessidade de advogados em tal papel está desaparecendo, ou a um em que o advogado floresce porque ele é necessário e há recursos para pagar por seus serviços?

Parece que sempre tivemos uma atitude um tanto ambivalente em relação ao litígio e ao crime. Uma faceta disso é o fato de que o defensor do tribunal há muito representa uma espécie de imagem ideal da profissão; a função do advogado, no seu melhor desempenho, teve maior prestígio que a do advogado. Novamente, a idéia de que a reivindicação dos direitos de um homem no tribunal é uma das marcas da liberdade e ocupou um lugar importante em nosso esquema de coisas.

Mas, por outro lado, há uma forte tendência de doutrina hostil ao litígio, tanto no direito penal comum quanto nos padrões éticos do bar. Os tribunais se preocuparam ou declararam se preocupar com a adoção desta regra ou que tenderia a criar ações judiciais e inundar os tribunais com negócios. Os advogados devem evitar vários tipos de atividade que provocam o surgimento de processos judiciais.

A questão é difícil porque o conflito na sociedade é um sintoma ambíguo. Aponta para a presença de tensões e insatisfações, sugerindo doença; é também, de certo modo, um desperdício de energia. Mas, ao mesmo tempo, sugere a ausência de repressão, a exibição de queixas, a existência de canais de resolução. Nesse sentido, pode ser produtivo e pode ser um sintoma de saúde fundamental na sociedade. Um lado do problema recentemente chegou a parecer relativamente claro em princípio.

Vendo o advogado como um escudo, uma ajuda para a parte defensora de uma disputa, não temos dificuldade em dizer que nossa sociedade seria melhor se tivesse mais desse tipo de recurso. De fato, adotamos como princípio legal que, em casos criminais, o réu deve receber um advogado, se assim o desejar, independentemente de sua capacidade de pagamento. Não parece haver uma boa razão para a política porque não deveríamos desejar estender o mesmo princípio a questões civis. Os obstáculos, entendo, estão quase inteiramente no campo da economia.

Mas o advogado não é apenas um escudo nos conflitos. Ele também é um campeão. Será que a nossa sociedade estaria melhor se cada homem tivesse à sua disposição e convocasse um hábil defensor para todas as causas em que pudesse alegar com plausibilidade o apoio da força oficial? Talvez a resposta também seja razoavelmente clara, além dos difíceis problemas econômicos.

Se ainda não está claro, sugiro que seja em parte por causa de nossa ambivalência em relação ao valor do conflito. O problema é dificultado pelo fato de que o advogado habilidoso e imaginativo é, ele mesmo, uma potente fonte de causas para defender. Muitos direitos, muitas queixas que podem ser transformadas em direitos, permanecem latentes simplesmente porque nenhum advogado foi liberado para erradicá-los, explorar seus fundamentos e moldá-los em causas válidas de ação.

Qual é a nossa atitude em relação à maximização do papel do conflito e da resolução de conflitos em nossa sociedade? Há sinais de uma mudança básica. Criamos e ainda estamos desenvolvendo dispositivos processuais importantes, como o julgamento antecipado e a ação coletiva, que abrem ainda mais o campo potencial do conflito jurídico. As regras legais que inibem o esforço organizado para iniciar o litígio foram recentemente modificadas pela nova doutrina constitucional.

O papel potencial das agências de assistência jurídica na condução de casos de teste para estabelecer novos direitos e soluções para classes de clientes indigentes está sob discussão séria. Estes são alguns dos sintomas de um problema subjacente que devemos continuar a explorar como parte de qualquer esforço para chegar a uma visão abrangente do papel contemporâneo do advogado em uma boa sociedade.

5.     ÁRDUA MISSÃO DIANTE DA EXPANSÃO PROCESSUAL

Finalmente, chego ao que pode ser o aspecto mais alto e mais difícil do papel do advogado na sociedade. É também o menos tangível e, por essa razão, é o que está mais próximo da sociedade. Vou chamar isso de esfera da sabedoria cívica ou expansão do processo penal. Não temos um termo convencional para descrever o papel do advogado nessa esfera. Talvez seja suficiente se pensarmos nele como o filósofo político praticante ou, mais simplesmente, como educador.

Estou pensando no lado público da vida de um advogado e inclui, é claro, tudo o que ele faz como voluntário em empreendimentos cívicos dignos; inclui as atividades amplas e em expansão nas quais se engaja como membro da ordem organizada e como participante de empresas de reforma da lei, como os comitês de associação de advogados, a comissão de advogados do presidente sobre problemas de direitos criminais e afins. Inclui advogados como políticos, legisladores e funcionários públicos.

Todos estes representam formas importantes em que os advogados contribuíram para o tecido e a qualidade da vida brasileira, e eu não subestimo a magnitude e o valor da contribuição. Mas ainda estou pensando em algo mais amplo, e gostaria de sugerir algumas dúvidas sobre se, nesse sentido mais amplo, os advogados ainda alcançaram a influência que gostaríamos que eles tivessem.

Deixe-me lembrá-lo de uma das coisas sobre os atributos dos advogados que os qualificam para uma influência especial nos assuntos públicos. Os homens que fizeram um estudo especial das leis, derivam da ocupação e de certos hábitos de ordem, um gosto por formalidades, e uma espécie de consideração instintiva pela conexão regular de ideias, que naturalmente as tornam hostis a o espírito revolucionário e as paixões irrefletidas da multidão.

Acredito que exista a tendência do estudo da lei de cultivar essas qualidades, mas parece-me que há um objetivo maior e, em certo sentido, mais positivo possível do que a hostilidade ao espírito revolucionário e às chamadas paixões do direito penal. Poderíamos acrescentar certas qualidades, entre elas, ceticismo, independência de perspectiva, insistência em conhecer os fatos, um acúmulo de experiência com todos os múltiplos problemas práticos da organização humana, um gosto pela análise rigorosa e respeito pelas teorias.

Pode-se argumentar que os advogados têm funcionado soberbamente bem nesse papel em relação a um grande segmento de nossa lei penal. Quero dizer, é claro, o corpo de leis feitas por juízes e o crescente corpo de leis estatutárias em campos técnicos que modificam ou substituem leis feitas para juízes. Nesse campo, em que a lei é mais ou menos diretamente responsabilidade dos advogados e sob seu controle, os advogados processualista realmente contestam a afirmação de que os advogados não estão inclinados a inovar quando são deixados à sua própria escolha.

Pelo contrário, mostraram grande capacidade de mudança e reforma. Mas a grande mudança na lei foi o enorme crescimento da lei processual e a expansão da lei penal para cobrir vastos campos de atividade amplamente não regulamentados pela lei em seus dias.

É uma questão justa se as capacidades especiais dos advogados tiveram sua influência adequada nesta esfera, ou se tiveram muito a ver com a formação do caráter e a direção do que é agora a parte mais importante de nosso sistema legal. Deixe-me sugerir duas questões gerais que são relevantes para esse desenvolvimento.

Temos assistido a um imenso crescimento no recurso a sistemas regulatórios e ao uso da agência administrativa na realização das necessidades sentidas da época. É sempre uma questão se um determinado propósito público deve ser realizado por tais técnicas ou se a via alternativa de criar direitos de ação privados, baseando-se na iniciativa individual para fazer valer esses direitos, deve ser usada. Há sempre, também, a questão de saber se o campo é aquele que a lei deveria ocupar.

Quanto deveríamos esperar, por exemplo, para colocar avisos nas embalagens de cigarros? Não são questões sobre as quais os advogados devem ter conhecimento profissional e opiniões profissionais? Se sim, o que são e como devem ser aplicados nas decisões da sociedade? Mais uma vez, testemunhamos enormes mudanças na alocação de poder em nosso sistema. A estrutura adequada do poder político parece ser uma questão eminentemente para a análise dos advogados. Nós temos alguma teoria? Temos algo a dizer sobre os valores do federalismo em geral ou sobre a sabedoria de preservá-lo ou abandoná-lo em campos específicos? Se sim, como essas opiniões podem ser influenciadas?

É claro que eu realmente não sei o que advogados deveriam ser capazes de contribuir para o entendimento público sobre questões como essas, e muitas outras que poderiam ser mencionadas. Em parte, sofremos com uma grande falta de conhecimento de como as leis funcionam e o que elas realizam. Mas também sofremos com a falta de meios óbvios pelos quais os advogados podem analisar essas questões para a educação do povo.

CONCLUSÃO

Em grande medida, entregamos nossa influência sobre assuntos públicos a colunistas de jornais, redatores editoriais, produtores de televisão e vários especialistas. Talvez isso seja inevitável. Eu me vejo tão incapaz como toda sociedade para dizer precisamente como seria a janela dos advogados, se tivéssemos mais sabedoria, poderia ser mais influente do que é ?

Mas eu sugiro que uma condição necessária para a realização de um papel espaçoso para o advogado na sociedade é que o advogado deve antes de tudo ter uma teoria sobre a sociedade, uma visão de para onde deveríamos ir e como a lei processual pode modificar nosso curso, nas formas adequadas.

Tenho uma visão da boa sociedade e acredito na utilidade do conhecimento e da educação em nos direcionar para ela. Foi por isso que ele escreveu seu livro. O papel mais importante dos advogados em nossa sociedade é mais provável de ser realizado se levarmos a sério os problemas de governo que interessaram a população como um todo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BOURDIEU, Pierre. Meditações Pascalinas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001 [1997], Cap III “Os fundamentos históricos da razão” (p. 113-129), e Cap. V “Violência simbólica e lutas políticas” (p. 199-233).

BOSSELLMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade. Transformando o direito em governança. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Ed. Martins Fontes - SP, 2002.

Sobre o autor
Eduardo Paixão Caetano

Professor de Direitos Humanos e Delegado de Polícia Judiciária Civil. Atualmente Delegado Controlador Geral de Administração e Finanças da PC-AM. Foi titular da DECON, 17º DP e 25º DP e Conselheiro do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (CONDECON).. Doutorando em Ciências Jurídicas. Formação como Mestre em Direito Ambiental. Autor dos livros: "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia" (ISBN 978-85-400-1964-5), "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional" (ISBN 978-85-400-2178-5) e "Poder do Óbvio para Blindagem do Consumidor Consciente e Outras Justiças" (ISBN 978-65-89973-08-9). Autor dos livros "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia", ISBN 978-85-400-1964-5, e "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional", ISBN 978-85-400-2178-5.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Professor de Ciências Criminais. Delegado de Polícia Judiciária Civil. Mestre em Direito Ambiental. Doutorando em Ciências Jurídicas. Autor dos livros: "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia", ISBN 978-85-400-1964-5, e do livro "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional", ISBN 978-85-400-2178-5.

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