Como pedir tratamento médico de urgência ou emergência quando o plano de saúde recusa sob alegação de prazo de carência

Argumentos jurídicos para pedido de tutela de urgência com contraditório diferido em casos de emergências médicas por recusa de plano de saúde.

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25/07/2017 às 14:25
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O presente artigo pretende demonstrar como proceder nos casos de emergência ou urgência médica em que o procedimento é negado pelo plano de saúde por não haver o cumprimento do prazo de carência.

1. EXPOSIÇÃO DO PROBLEMA

Todo ser humano é suscetível de vir a adoecer de forma inesperada e, às vezes, até em estado urgente ou que necessite de cuidados emergenciais para que a saúde e a vida seja protegida.

É para ocasiões como esta que os usuários de planos de saúde confiam parte de sua renda a fim de obter cobertura médica para si e seus dependentes, mas o que se pode fazer se a urgência ou emergência ocorrer antes do prazo da carência estipulado no contrato do plano de saúde para estes eventos ?


2. O QUE É NECESSÁRIO TER EM MÃOS? 

A fim de tornar o convencimento do Juiz uma tarefa menos difícil é imprescindível que o pedido seja acompanhado de:

a) Contrato com a operadora de saúde ou documento que o valha como declaração do Plano de Saúde no local onde se encontra o usuário de que eles possuem um contrato válido;

b) Laudo Médico que ateste o estado de saúde do usuário do plano e que necessita de serviços médicos, ainda, indicando seu estado de urgência ou emergência e, de preferência, prescrevendo as medidas necessárias para o caso, como, por exemplo, a transferência para unidade hospitalar adequada para o tipo de doença do solicitante, a prescrição de tratamentos ou medicamentos vitais que não estão disponíveis ou qualquer outra medida de caráter urgente e emergencial devidamente declarada e assinada por médico com a indicação da data e local da assinatura e do CRM do profissional;

c) Qualquer documento que comprove a recusa do plano de saúde ou do hospital conveniado de receber o contratante por motivo de carência, caso seja possível.

Enquanto o documento da alínea c depende da condição de possibilidade de que a operadora do plano de saúde o emita, sendo, portanto, opcional, os documentos contidos nas letras a e b são OBRIGATÓRIOS, sob pena de se perder a oportunidade de uma decisão em caráter inicial sem ouvir a parte contrária de forma urgente, e, desta forma, colocar em risco a integridade física ou a vida do autor da ação.


3. A ARGUMENTAÇÃO SOBRE A NATUREZA CONTRATUAL DO PLANO DE SAÚDE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

O plano de saúde é um contrato onde o contratante adere a um formulário previamente redigido pelo prestador do serviço médico contratado, de forma que não há discussão sobre os termos que regulam este negócio, incluindo aí os prazos de carência para que, após sucessivos pagamentos, o beneficiário possa gozar a um direito como, por exemplo, o da internação hospitalar para tratamento de urgência ou emergência.

Daí, que em qualquer contrato estipulado entre as partes deve-se operar os princípios da (i) segurança jurídica e (ii) boa-fé, encontrando no artigo 422 do Código Civil a fonte da Lei como garantia a esta afirmação, que diz literalmente o seguinte:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

O princípio da boa-fé objetiva presente nos contratos prevê que os contratantes ajam de acordo com as normas vigentes, incluindo as jurídicas, sociais e éticas. A boa-fé coaduna com a probidade, lealdade e segurança jurídica, seja no andamento contratual ou na conclusão do mesmo, não se permitindo imoderação sobre ocasional inexistência de igualdade entre as partes, como também não é aceito desvantagens que podem ser evitadas, atentando-se sempre com a guarida dos interesses do outro e cumprindo com seus próprios deveres.

Na mesma linha de raciocínio, por estar intimamente ligado ao princípio da boa-fé e aos contratos em geral, o princípio da segurança jurídica é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, o qual atinge os próprios objetivos e fundamentos do Estado, assim como tem o escopo de trazer a estabilidade para as relações jurídicas, por meio do qual sua existência de ser volta-se para concessão aos indivíduos à garantia substancial ao desenvolvimento das relações entre particulares.

Conclui-se que o contrato é lei entre as partes, acondicionando sempre a boa-fé objetiva, protegendo a lealdade e a confiança.

Norteada pelas concepções solidaristas, a função social do contrato deixa de lado o individualismo e abre espaço para uma visão social, este voltado ao interesse coletivo. A liberdade contratual poderá ser exercida com a condicionante da função social, consoante preceitua o art. 421 do Código Civil.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “a função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade de seus efeitos.” (2007, v.III, p. 14)

Assim, um contrato que tenha todos os requisitos contemplados pode sofrer impedimento, revisão ou anulação, em função do interesse da coletividade. Não se olvidando, ainda, que o princípio da boa-fé objetiva, este intimamente ligado à função social do contrato, deve ser estimado.

Estas considerações iniciais são necessárias a fim de pleitear a flexibilização das exigências contratuais que tratam sobre prazos de carência para que, fundados na função social do contrato, e, considerando presentes a presunção de boa-fé dos contratantes, então se possa sopesar que devido aos valores já pagos a ocorrência de um evento não desejado e não controlado que é a emergência médica possa prevalecer sobre a regra condicional de tempo limitados pelos prazos de carência.


4. A ARGUMENTÇÃO DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE SAÚDE E O DESEQUILÍBRIO ENTRE AS PARTES

Consoante entendimento sumulado no Superior Tribunal de Justiça1, não resta dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos referentes a plano de saúde. Por consequência, todos os direitos inerentes ao referido codex serão empregados no pacto firmado entre as partes autora e ré.

Sendo assim, não resta dúvida que o contrato de plano de saúde segue as diretrizes básicas elencadas no Código de Defesa do Consumidor. Além do mais, o referido contrato consubstancia risco para ambas as partes, no qual o usuário se compromete a pagar fielmente as mensalidades, independentemente de necessitar ou não de assistência, e, em contrapartida, a empresa deverá prestar assistência médica quando aquele necessitar, sob pena de haver desequilíbrio contratual, uma vez que se a situação de risco somente for obedecida pelo consumidor, ficando a empresa desobrigada de igual dever, auferirá vantagem manifestamente excessiva, transgredindo norma de ordem pública e de caráter social.

O fim a ser perquirido é a manutenção e restabelecimento da saúde do contratante. A limitação de procedimentos médicos restringe os direitos fundamentais inerentes a esta natureza, ameaçando o seu equilíbrio, pois cria desvantagem exagerada ao consumidor, considerando-se o interesse das partes no momento da contratação.

Outro ponto que merece destaque é que o posicionamento da empresa-ré denota uma afronta aos princípios da boa-fé objetiva, lealdade, equidade, reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, dentre outros. Caso o contrato fosse cumprido à risca, garantiria vantagem exagerada à empresa-ré e prejudicaria de forma exorbitante a parte autora. Haveria um desvio do fim social e econômico para o qual foi criado, sob a falsa aparência de legalidade.

Ora, uma vez que a natureza do contrato de plano de saúde é a realização de serviços médicos e possui caráter de adesão – e quem o firma certamente o faz para que não tenha que pagar valores vultosos ao realizar exames e procedimentos –, não pode a empresa, ora ré, se esquivar de sua obrigação alegando que a realização do procedimento supracitado não será realizado porque ainda não fora cumprido o período de carência.


5. FUNDAMENTO JURISPRUDENCIAL PARA PEDIR A DESCONSIDERAÇÃO DE CLÁUSULA DE CARÊNCIA QUANDO POSSÍVEL O TRATAMENTO DE URGÊNCIA OU EMERGÊNCIA

Conforme exposto inicialmente, é necessário ter em mãos LAUDO MÉDICO onde se comprove no processo judicial que tal procedimento recusado pelo plano de saúde foi solicitado pelo médico requerido que se realizasse com urgência o procedimento, sob o fundado receio do paciente correr risco de vir a sofrer severos prejuízos em sua saúde ou poder até mesmo vir a óbito.

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Em havendo a declaração escrita alegando que não fora cumprido o período de carência para a realização do procedimento do plano de saúde e com a prescrição médica contida no LAUDO MÉDICOentão será arguida a abusividade da exigência do prazo de carência por colocar em risco a vida ou saúde do contratado.

Embora não se desconheça a existência do necessário período de carência contratual, as Cortes de Vértice já relativizaram a mencionada regra em algumas circunstâncias, fixando o entendimento de que não é necessário cumprir o período de carência nos casos de emergência/urgência, ou seja, em casos que implicarem risco de vida ou lesões irreparáveis. A seguinte decisão confirm tal entendimento:

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. AGRAVO PREJUDICADO. Relatório 1. Agravo nos autos principais contra inadmissão de recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, al. a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Plano de saúde. Ação cominatória e indenizatória. Negativa de cirurgia sub as alegações de doença preexistente e de prazo de carência. Abusividade. Cláusula que coloca o consumidor em desvantagem excessiva ante ao modo como foi redigida. Período de carência. Inexigibilidade em hipóteses de urgência e emergência. Artigo 35-C da Lei dos Planos de Saúde, que excepciona a regra geral e permite o atendimento em tais casos. Situação emergencial devidamente caracterizada nos autos. Ausência de danos morais. Sentença de parcial procedência mantida. Apelos não providos”. 2. A Agravante afirma ter o Tribunal de origem contrariado o art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição da República. 3. O recurso extraordinário foi inadmitido ao fundamento de ausência de prequestionamento. Examinados os elementos havidos no processo, DECIDO. 4. O art. 544 do Código de Processo Civil, com as alterações da Lei n. 12.322/2010, estabeleceu que o agravo contra inadmissão de recurso extraordinário processa-se nos autos do recurso, ou seja, sem a necessidade de formação de instrumento, sendo este o caso. Analisam-se, portanto, os argumentos postos no agravo, de cuja decisão se terá, na sequência, se for o caso, exame do recurso extraordinário. 5. O presente recurso está prejudicado. 6. Em 28.11.2014, o Ministro Raul Araújo decidiu: “Com efeito, quanto à obrigação de indenizar, a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que configura dano moral a negativa injustificada de cobertura por parte da operadora do plano de saúde para tratamento do segurado, não se tratando apenas de mero aborrecimento. Confiram-se os seguintes julgados: (...) Cumpre ressaltar que, na hipótese vertente, a negativa injustificada de cobertura pela operadora do plano de saúde, restou expressamente declarada no acórdão recorrido, consoante se observa do seguinte trecho: "De outra parte, e mais a agravar o quadro, tem-se H uma restrição para atendimento a situações de emergência que a própria lei quis assegurar. Ou seja, a Lei no 9.656/98 estatuiu obrigatório o atendimento a casos de emergência e urgência (artigo 35-C), garantindo- se que a oferta de planos, quando coberta a internação,não pudesse limitar estadia em centros de terapia intensiva, o que é bastante sintomático da preocupação com a ampla cobertura das emergências e urgências. Dir-se-á que o CONSU autorizou cláusula limitativa deste jaez (Resolução no 13). Foi, porém, além dos poderes normativos de que dispõe. Aliás, como está no artigo 35-C, só que em seu parágrafo, regulamentação a respeito cabe à ANS. Mas pior mesmo é imaginar restrição feita, a pretexto de regulamentar, a um atendimento que a lei quis assegurar. Decerto que a alusão a um prazo máximo de - permanência, ou à necessidade de atendimento sem regime de internação, teve em vista subsidiar a própria aferição sobre se havida, in casu, urgência ou emergência. Dito de outro modo, a intenção clara foi a de evitar a superação da situação de emergência ou de urgência e a o continuidade já de um atendimento comum, aí sim, com as limitações próprias do contrato. Todavia, não foi o sucedido. O quadro fático retrata, de modo evidente, intervenção de emergência. E se de emergência se tratava, a limitação de prazo de permanência é abusiva. Desequilibra o contrato na exata medida em que priva o consumidor da plena cobertura fl de uma emergência que a lei quis preservar." (e-STJ, fl. 157) Diante de tal contexto, o Tribunal a quo, ao julgar improcedente o pedido indenizatório formulado pela agravada em face da operadora do plano de saúde, agiu em desconformidade com a orientação consolidada no Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Deve, portanto, ser reformado o acórdão recorrido, reconhecendo-se o cabimento da indenização por dano moral que atenda aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de evitar o indesejado enriquecimento sem causa do autor da ação indenizatória, sem, contudo, ignorar o caráter preventivo e repressivo inerente ao instituto da responsabilidade civil. Dessa forma, atento a tais princípios e aos parâmetros estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça, fixo em R$ 10.000,00 (dez mil e reais) o quantum indenizatório, levando em conta as condições socioeconômicas das partes, o bem jurídico lesado, a gravidade da lesão e o grau de culpa do ofensor. Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido indenizatório e arbitrar a reparação moral em R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescida de correção monetária a partir desta data (Súmula 362/STJ) e de juros moratórios a partir da citação, por se tratar de responsabilidade contratual. Arcará a ora agravada com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, os quais arbitro em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC” (DJ 5.12.2014). Essa decisão transitou em julgado em 16.12.2014, operando, assim, a substituição expressa do título judicial, conforme o art. 512 do Código de Processo Civil. Atendida a pretensão da Agravante, com a reforma do acórdão pelo qual provido o recurso especial, evidenciada está a perda superveniente de objeto do recurso extraordinário. 7. Pelo exposto, julgo prejudicado o presente agravo. Publique-se. Brasília, 9 de fevereiro de 2015. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (STF - ARE: 863364 SP - SÃO PAULO 0013883-84.2011.8.26.0048, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 09/02/2015, Data de Publicação: DJe-034 23/02/2015) (grifei)

É de se mencionar que a consagração do entendimento se deu em função do art. 35-C da Lei 9.656/98, com a redação dada pela Lei 11.935/09, que impõe a obrigatoriedade de cobertura nos casos de urgência e emergência, in verbis:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

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Sobre o autor
Andre Santana

Advogado e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

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O texto foi elaborado para dirimir dúvidas quanto aos procedimentos processuais necessários para assegurar o tratamento médico de urgência ou emergência em tempo hábil para que se evite dano físico irreparável ou a morte.

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