Mudança de gênero, e agora?

Reflexos previdenciários

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O preconceito ainda é um mal que permeia nossa sociedade, e se torna mais frustrante quando se observa as novas gerações incorporando e repetindo velhos hábitos fomentados pela ignorância, agregando-lhes a intolerância e a violência aos comuns.

RESUMO:O presente trabalho tem por objetivo verificar como os direitos do transexual serão recepcionados no ordenamento Pátrio. Assim o estudo buscou entender a cerca da disforia de gênero, renomeado pelo Dicionário de Saúde Mental, como “transtorno de identidade de gênero”, desordem psíquica que leva o indivíduo a um desconforto e rejeição persistente com a própria genitália, percebendo-se do sexo oposto; os processos de diagnósticos e profiláticos e sua incorporação social, uma vez diagnosticada a desordem e realizada a terapia hormonal e cirúrgica, então, disponibilizada pelo Sistema de Único de Saúde (SUS), o indivíduo alcança o ajustamento morfológico ao seu gênero psíquico. Vencido os percalços terapêuticos, é somente pelo do ativismo judicial, que o “novo indivíduo” começa a vislumbrar a sua cidadania, seu direito a personalidade através da retificação de nome e gênero no registro civil. A inércia do legislativo acaba que por impelir o ativismo judicial para assegurar tal direito, no entanto, o papel do judiciário não é regular os demais, que naturalmente advirá, desta nova situação, não resta dúvida quanto às dificuldades jurídicas, que este indivíduo enfrentará no exercício dos atos civis. É na legislação previdenciária que se encontra a maior gama de situações, onde a legislação tem aplicação diferenciada em função do gênero, cabe verificar a (in) segurança jurídica inerente e a possibilidade de saná-las.

Palavras-chave: Transtorno de Identidade de Gênero. Diagnóstico e Profilaxia. Direitos dos Transexuais. Legislação Previdenciária

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO..1 METODOLOGIA.. 2 DA SEXUALIDADE HUMANA.. 3 A TRANSEXUALIDADE.. 3.1 CONCEITO. 3.2 A CURA: EMBASAMENTO LEGAL.. 4.DIAGNÓSTICO E PROCEDIMENTOS INTERVENTIVOS. 5.PROTEÇÃO JURÍDICA AO TRANSEXUAL.. 5.1.DIREITO DA PERSONALIDADE, IDENTIDADE E NOME.. 6.REGISTRO CIVIL.. 6.1.A EXPECTATIVA DE MODIFICAÇÃO DO PRENOME E GÊNERO.. 7.DA PREVIDENCIA SOCIAL.. 7.1.BREVE HISTÓRIA.. 7.2.BENEFÍCIOS. 7.2.1.APOSENTADORIA.. 7.2.2 AUXÍLIO DOENÇA E ACIDENTE.. 7.2.3.SALÁRIO FAMÍLIA.. 7.2.4.SALÁRIO-MATERNIDADE.. 7.2.5.PENSÃO POR MORTE.. 7.2.6 AUXÍLIO – RECLUSÃO..8.(IN) SEGURANÇA JURÍDICA DO TRANSEXUAL..8.1.DIREITO DO TRABALHO.. 8.2. NO DIREITO  PREVIDENCIÁRIO.. 8.2.1.APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.. 8.2.2     APOSENTADORIA POR IDADE.. 8.2.3 APOSENTADORIA PROPORCIONAL.. 8.2.4 APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA.9. DISCUSSÃO E RESULTADO.. 10.CONSIDERAÇÕES FINAIS.11.REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO..


INTRODUÇÃO

O preconceito ainda é um mal que permeia nossa sociedade, e se torna mais frustrante quando se observa as novas gerações incorporando e repetindo velhos hábitos fomentados pela ignorância, agregando-lhes a intolerância e a violência O conhecimento deve ser a porta oportuna a por fim a essa falta de humanidade.

Ter a mente aprisionada a um corpo diferente daquele que se entende como correto, olhar para si e, não enxergar o que o intimo projeta, deve ser como se olhar com os olhos de outra pessoa. A identidade sexual é a primeira percepção que o ser tem de si mesmo como indivíduo único, solitário na sua existência, mas completo em sociedade.

Esse aprisionamento é o que sente o transexual, pois se percebe em um corpo sexualmente dotado de uma genitália disforme a sua percepção sensorial. Pensa, sente e age como se de outro sexo fosse, a roupagem humana não é a sua e essa agonia lhe preenche os dias, o tempo, a vida. Um único pensamento, como fazer a troca? O processo de transgenitalização é a única opção, encerra-se em diagnósticos e prognósticos, inúmeros procedimentos clínicos e cirúrgicos dolorosos, que se protraem ao logo da vida.

O corpo e a mente em sintonia, o primeiro estágio da construção do ser humano está concluso, no entanto o que se constata é que, a despeito de todo processo físico a que foi submetido o indivíduo, o mais difícil é conceder-lhe o direito de exercer a sua cidadania,e ainda, o reconhecimentos dos seus direitos previdenciários.

O estudo verificará as possibilidades de se complementar a Lei de Registros Civis, contemplando esses indivíduos com um procedimento mais célere para modificar, após a cirurgia de redesignação sexual, assento de nome e sexo condizente a sua nova condição fisiológica e ainda a afastar as possíveis (in)segurança jurídica decorrente dessa alteração.

Seria plausível que o Estado assegurasse todo o tratamento, do profilático ao jurídico, regulamentando de forma detalhada e assertiva esse novo fenômeno social, cercando-se de mecanismos que impedissem futuras demandas judiciais, que só solucionam o caso concreto, sem vislumbrar implicações futuras.

O objetivo geral é demonstrar a necessidade de alteração da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para assegurando a inclusão do transexual, no convívio em sociedade, resguardando os demais direitos e principalmente, o que permeia a seara do Direito Previdenciário que é o foco deste artigo.

O texto está divido em onze capítulos:

Capítulo I  -Metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho; Capítulo II -  Da sexualidade humana; Capítulo III Transexualidade; Capítulo IV –Diagnóstico e procedimentos interventivos; Capítulo V-  Proteção jurídica ao transexual; Capítulo VI – Registro civil, Capítulo VII – Previdência social;  Capítulo VIII -  (In) Segurança jurídica; Capítulo IX -  Discussão e resultado;  Capítulo X – Considerações finais; Capítulo XI – Referenciais bibliográficas.


1.METODOLOGIA

As técnicas utilizadas na construção deste estudo foram a revisão bibliográfica, web gráfica, além da interpretação da jurisprudência atual, pertinentes ao tema proposto. Verificou-se a premente necessidade de reconhecer, definitivamente, que os “direitos sexuais” são direitos humanos universais balizados na liberdade, dignidade e igualdade, cabendo ao Poder Executivo regulamentar tal fenômeno social, assegurando o direito desses indivíduos de exercer plenamente a sua cidadania em atenção ao Princípio da dignidade da pessoa humana, norteador do ordenamento pátrio.

A pesquisa desenvolveu-se sob a forma bibliográfica em jurisprudências, artigos científicos e livros doutrinários, bem como na análise da legislação aplicável para uma melhor compreensão do tema proposto, utilizando-se, quando requerido, do método dedutivo para se chegar às principais conclusões, tendo em vista que a sua base é a verificação da aplicação da relativização da coisa julgada e sua repercussão no ordenamento jurídico brasileiro.

Para alcançar esse objetivo utilizou-se técnicas de pesquisa bibliográfica, documental e legislativa, e ainda, englobam os artigos de revista e internet, além de vários outros meios e técnicas de pesquisa direta e indireta (CERVO, et. al., 2010),

Pesquisa documental - É aquela realizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não-fraudados); tem sido largamente utilizada nas ciências sociais, na investigação histórica, a fim de descrever/comparar fatos sociais, estabelecendo suas características ou tendências. (UFRGS, 2009)

Segundo DOXSEY & DE RIZ (2002-2003, p. 25), o objetivo geral da pesquisa esclarece o que se pretende alcançar com a investigação. Explicita, também, o caráter da pesquisa: se ela é exploratória, descritiva ou explicativa. pela maneira como o pesquisador determina os objetivos de sua investigação.


2.DA SEXUALIDADE HUMANA

Comumente é confuso definir o que seja identidade de gênero,  identidade sexual e orientação sexual. É indispensável uma breve abordagem para diferenciar tais termos:

A Identidade sexual está relacionada ao sexo morfológico, declarado no momento do nascimento. Em algumas situações essa definição não pode ser feita através da simples observação, por ocorrência de alguma ambiguidade, afeto ao indivíduo intersexual.[1] E em se tratando de sexo “é um termo usado para fazer a distinção entre os homens e as mulheres quando no desempenho de suas relações sociais”. (WALKER, 2003, p. 6)

A identidade de gênero é percepção sexual que o indivíduo tem de si mesmo, que pode ou não se opor a sua identidade sexual. A identidade sexual e de gênero podem estar em perfeita harmonia, assim se sente o Cisgênero. No entanto, não é rara a sensação que alguns indivíduos têm de aprisionamento em um corpo que não corresponde a seu sexo psíquico, trata-se do não-cisgênero, conhecido como transgênero ou simplesmente, trans. Esses termos não estão pacificados pela doutrina. (JESUS, 2102, p. 6).

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A Orientação sexual está afeta a atração emocional, afetiva e sexual, contínua, que o indivíduo nutre por outro. Trata-se de orientação e não opção, pois o desejo independe de vontade do indivíduo, que pode até rejeitá-lo, mas não deixar de senti-lo. (SOUZA, 2015, 18). Pinheiro (2012) elenca quatro tipos de orientação afetivo-sexual, baseado na atração: o heterossexual, o homossexual, o bissexual e os assexuados.


3 .A TRANSEXUALIDADE

O transexualismo já foi classificado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) como “Disforia de gênero“, posteriormente, renomeado pelo Dicionário de Saúde Mental (DSN-5){C}[2] como: “transtorno de identidade de gênero”, trata-se de uma desordem psíquica;

Foi o endocrinologista norte-americano Henry Benjamin, em meados de 1953, utilizou o termo transexualismo para designar a divergência psico-mental do indivíduo. Conforme Hogemann e Carvalho (2011, p. 3 apud MIELNIK,1987, p. 32)

Para melhor compreender os sentimentos de um transexual recorremos a Souza (2015, 18) que esclarece, de forma bastante precisa, o que ocorre com o individuo:

O indivíduo convive com uma sensação desconfortável de estar preso a um corpo que é estranho a todos os sentidos, estímulos e desejos pessoais, parece que em algum momento ao despertar desse pesadelo, o espelho mostrará a identidade, que a mente insiste em projetar.

Esse transtorno causa no transexual um sentimento abominação pela sua identidade e aparência e seu órgão genital, assim, seguem buscando adequar seu biótipo às características do sexo oposto.

São muitos problemas a administrar, conflitos internos, a busca incansável pela readequação, o preconceito exacerbado da sociedade e ainda,  porque não falar, dos inúmeros indivíduos que são repudiados pela família.

3.1         Conceito

Mas o que de fato é o transexualismo?  Transexualismo é o termo utilizado pela maioria dos estudiosos da área médica e jurídica, para definir a patologia e que consta como doença no cadastro CID da Organização Mundial da Saúde e Conselho Federal de Medicina, regulada pela Resolução 1.955/2010, que continua tratando a hipótese como sendo de patologia. Enuncia o último diploma que trata-se de “ paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”.

O transexualismo caracteriza-se como uma desordem de identidade de gênero, uma vez que sua principal característica [“...] consiste na incongruência entre o sexo atribuído na certidão de nascimento e a identidade psíquica de gênero do indivíduo”, assim descreve Peres (2001, p. 125).

Deve-se distinguir o transexual, do travesti e do homossexual, pois a diferença está na aceitação do próprio gênero: o travesti não tem desconforto com sua identidade sexual, apenas sente prazer em se vestir como o gênero oposto; o homossexual sente atração sexo-afetiva por pessoa do mesmo sexo, no entanto o transexual percebe-se com o sexo diferente do qual se identifica.

3.2         a cura: embasamento legal

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” e “Declaração Universal dos direitos humanos”, defendem que o homem nasce livre e deve ser tratado com igualdade  dignidade e direitos, vem impulsionando vários países a alterar suas leis assegurando ao transexual o direito de viver dignamente, tendo suas escolhas respeitadas e reconhecidas.

A Suécia, Itália, Alemanha, foram os primeiros  países à reconhecerem direitos de adequação. A maior contribuição veio da Holanda, em 1985, que alterou Código Civil propiciando a mudança de nome e sexo no Registro Civil dos transexuais. Na mesma linha seguiram o Canadá, Espanha, México, Portugal e até a vizinha Argentina.

Outros países regulamentaram a cirurgia de redesignação sexual (SRS), hodiernamente, chamada de cirurgia de afirmação de sexo. Nos Estados Unidos, mais precisamente em  Louisiana e Illinois possui  uma norma que diz: “any person born in Louisiana who, after having been diagnosed as a transexual or as a pseudohermaphrodite, hás sustained sex reassignment or corrective surgery which has changed the anatomical structure of the sex of the individual to that of a sex other than that which appears on the original birth certificate of that individual, may petition a Court of competent jurisdiction to obtain a new certificate of birth”[3]. (FERNANDES, 2010, p. 7)

A Comissão Européia dos Direitos dos Homens, "considera esta intervenção cirúrgica com uma conversão curativa que permite a integração pessoal e social do paciente ao sexo pretendido, logo, entende que não há mutilação, pois visa à redução ou a cura de sofrimento mental, julgando que não há nem mesmo perda de função, porque o órgão extirpado era inútil para o transexual." (DINIZ, 2001, p. 55)

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Sobre a autora
Karla Cristina de Oliveira Cruz

Atuante na área Jurídica, na avaliação de provas documentais e orais, realização de audiências Trabalhistas e Cíveis, elaboração de recursos e contestação de ações. Responsável por promover a defesa de clientes em todas as ações, reunir os documentos correspondentes, instruir testemunhas e prepostos e elaborar as ações a favor. Exposição de pareceres, acompanhamento de processos e realização acordos e ou promoção de ações judiciais. Diligência com primor pelos desígnios do cliente bem como, na manutenção e integridade dos seus bens, viabilizando negócios, preservando interesses individuais e primando pelos princípios éticos. Desenvolvimento de teses e documentos para defesa do cliente Disponibilidade para viagens. FORMAÇÃO ACADÊMICA/TITULAÇÂO Mestrado – Docência Em Ensino Superior – Cursando Especialização – Direito Do Trabalho e Processo do Trabalho Especialização – Direito Previdenciário Especialização – Direito De Família e Sucessões Especialização – Direito Processual Civil MBA Em Recursos Humanos Graduação Em Direito

Informações sobre o texto

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