O risco morte e a pensão previdenciária do regime geral de previdência social

12/03/2016 às 07:53
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Entre os benefícios previdenciários mantidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a Pensão por Morte, é o que mais desperta criticas. Em razão disso, o presente artigo tem como objetivo incentivar uma maior reflexão do leitor sobre o tema.

1 Pensão por Morte

Para Heloisa Derzi, antepondo-se à vida, a morte sempre foi, é, e continuará sendo o maior enigma da existência humana, o mais pujante desafio colocado perante o ser humano, a quem só é dado existir se e enquanto não for por ela colhido. Explica-nos de igual modo a Antropologia que o homem não é apenas um ser político, segundo a famosa definição de Aristóteles, em razão de viver na polis, mas também no sentido de viver com o “espírito dos ancestrais”, que é o fundamento unitário de todas as culturas. Estas se formaram em razão da não-aceitação da destruição definitiva e total da vida humana, já que o fato morte é muito dramático para o ser humano, difícil de ser aceito como a ruptura radical de um ciclo de vida, e que traz muitos efeitos e consequências jurídicas ao dependentes do falecido.

Ao discorrer sobre os efeitos jurídicos da morte no Direito Previdenciário, Heloisa Derzi, assim prescreve:

No Direito Previdenciário, de igual modo, a morte, ao lado de outros riscos ou contingências sociais, é evento passível de produzir efeitos que merecem a proteção previdenciária. Desde sempre o ser humano esteve sujeito a certos eventos danosos, que a História nos mostra, foram combatidos pelos próprios homens, reunidos em grupo, que, com a ajuda do Direito e seu instrumental normativo, ordenavam os fatos sociais.

A Previdência Social, vinculada ao mundo do trabalho e com raízes no direito privado, tem função essencialmente reparadora frente aos riscos que ameaçam a cessação ou a redação de ganho do trabalhador.

O estudo da Previdência Social, que adotou a técnica do seguro na sua estrutura conceptiva, não dispensa o seu forte conteúdo político, que expressa a luta pelo reconhecimento dos direitos sociais, bem como a sua relevante função econômico-social, fundada na distributividade de renda entre os membros da sociedade, que é um dos mecanismos mais eficientes para a “redução das desigualdades sociais e regionais” proposto no art. 3º da Carta Magna como um dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro.

O Instrumental jurídico do seguro tradicional é montado para autuar nas situações danosas, agindo de forma eminentemente reparadora ou indenizatória. Quando se atinge o modelo institucional de Seguridade Social, as ações protetoras passam a ter finalidades distintas, atuando de forma preventiva ou mesmo reabilitadora. Desse modo, a técnica do seguro tradicional deixa de ser o instrumento jurídico adequado à proteção, e os elementos conceituais são reconstruídos para atender às novas funções.[1]

A morte caracteriza um risco social como evento gerador de necessidade social,[2] pois a morte do segurado acarreta uma necessidade social aos seus dependentes. O benefício pensão por morte é exclusivo aos dependentes do segurado, sendo que a hipótese de incidência não ocorre se o segurado não deixar dependentes.

1.1 Critério Material

Trata-se de um benefício que vem normatizado nos artigos 74 a 79 da Lei nº 8.213/91, e é um benefício destinado aos dependentes do segurado que era aposentado ou não, mas que mantinha a qualidade de segurado quando veio a falecer. A norma previdenciária, como leciona Heloisa Derzi, ao discorrer sobre o conceito genérico de morte – a negação da vida, o contrário da vida, ou ainda, a ausência de vida – refere-se à morte real e à morte presumida como evento fortuito que faz nascer a proteção social para os dependentes do segurado. Dessa forma, a morte é o fato relevante que permeia a estrutura do benefício em estudo.

Em síntese, o critério material{C}[3] do benefício pensão por morte pode ser assim expresso: se ocorrer a morte, real ou presumida, do segurado e se este deixar dependentes à data do óbito – não discutiremos aqui a hipotética situação onde um segurado eventualmente vier a falecer e deixar a esposa ou companheira grávida –, então deve ser entregue a prestação previdenciária, pois como afirmam Wagner Balera e Thiago D’Avila[4]  a pensão por morte tem como critério material a hipótese de incidência deixar dependentes.

1.2 Critério Temporal

A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; do requerimento, quando requerida até trinta depois deste; ou da decisão judicial, no caso de morte presumida. Vale ressaltar que, com a ocorrência do óbito, inicia-se o prazo para reivindicar o benefício, consoante também inicia-se o prazo prescricional. Contudo, esse prazo não corre quando se trata de beneficiários que não tenham capacidade civil para reivindicar seus direitos.

Perde o direito à pensão por morte, após o trânsito em julgado, o condenado pela prática de crime de que tenha dolosamente resultado na morte do segurado. Veja-se que, pelo que se extrai do comando normativo, perde o direito à pensão aquele dependente que dolosamente tenha causado ou contribuído para a morte do segurado. Isso significa dizer, pelo menos é o que extraímos da legislação, que enquanto não transitar em julgado a decisão que condenar o dependente por crime doloso que resultou na morte do segurado, aquele pode receber o benefício em apreço. Também perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se for comprovada, a qualquer tempo, a simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário.

1.3 Critério Quantitativo

Ultimamente, muito se tem discutido sobre o valor da pensão por morte. O que ficou estabelecido é que o valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependentes só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.

Muito se discutiu se a ausência do cônjuge exclui ou não o direito à pensão por morte, mas o que determina a lei é que, no caso de ausência do cônjuge, companheiro ou companheira, só se fará jus ao benefício a partir de sua habilitação e mediante prova de dependência econômica. O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes do segurado, e no caso de existência de mais de um pensionista, o valor a ser pago será rateado entre todos em partes iguais.

Consoante dispõe o § 1º do art. 77 da Lei nº 8.213/91, “reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito a pensão cessar”, e esta será paga até que venha a ocorrer alguma das hipóteses previstas na legislação e que permite a cessão do benefício, conforme abaixo transcrito:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.       

§ 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar.       

§ 2o  O direito à percepção de cada cota individual cessará

I - pela morte do pensionista;       

II - para filho, pessoa a ele equiparada ou irmão, de ambos os sexos, ao completar 21 (vinte e um) anos de idade, salvo se for inválido ou com deficiência;

III - para filho ou irmão inválido, pela cessação da invalidez;          

IV -  pelo decurso do prazo de recebimento de pensão pelo cônjuge, companheiro ou companheira, nos termos do § 5º.

V - para cônjuge ou companheiro:           

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”;           

 b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:      

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;          

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;          

 4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;          

 5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;           

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

§ 2o-A.  Serão aplicados, conforme o caso, a regra contida na alínea “a” ou os prazos previstos na alínea “c”, ambas do inciso V do § 2o, se o óbito do segurado decorrer de acidente de qualquer natureza ou de doença profissional ou do trabalho, independentemente do recolhimento de 18 (dezoito) contribuições mensais ou da comprovação de 2 (dois) anos de casamento ou de união estável.           

§ 2o-B.  Após o transcurso de pelo menos 3 (três) anos e desde que nesse período se verifique o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única, para ambos os sexos, correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira ao nascer, poderão ser fixadas, em números inteiros, novas idades para os fins previstos na alínea “c” do inciso V do § 2o, em ato do Ministro de Estado da Previdência Social, limitado o acréscimo na comparação com as idades anteriores ao referido incremento.

§ 3º Com a extinção da parte do último pensionista a pensão extinguir-se-á.

§ 5o  O tempo de contribuição a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) será considerado na contagem das 18 (dezoito) contribuições mensais de que tratam as alíneas “b” e “c” do inciso V do § 2o.          

Art. 78. Por morte presumida do segurado, declarada pela autoridade judicial competente, depois de 6 (seis) meses de ausência, será concedida pensão provisória, na forma desta Subseção.

§ 1º Mediante prova do desaparecimento do segurado em consequência de acidente, desastre ou catástrofe, seus dependentes farão jus à pensão provisória independentemente da declaração e do prazo deste artigo.

§ 2º Verificado o reaparecimento do segurado, o pagamento da pensão cessará imediatamente, desobrigados os dependentes da reposição dos valores recebidos, salvo má-fé.

O valor global do benefício não poderá ser inferior ao salário mínimo, nem superior ao limite máximo do salário-de-contribuição. A pensão por morte é um dos poucos benefícios previdenciários que podem ser acumulados com o recebimento de outro; logo, a pensão por morte de companheiro ou cônjuge poderá ser acumulada com a pensão por morte de filho.

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1.4 Critério Espacial

Consoante lições de Daniel Pulino,[5] a lei previdenciária não delimita o território em que deva ocorrer a materialidade; todavia, o Autor faz um esclarecimento de que a lei previdenciária brasileira não terá aplicação para todas e quaisquer contingências sociais – e associada a estas, quando for o caso, as situações de necessidade social, a carência e a causa – que ocorram, indistintamente, ao redor do mundo, prevendo o pagamento de prestações a todos os sujeitos acometidos por esses eventos.

A proteção previdenciária se processa mediante filiação prévia dos sujeitos beneficiários. Notadamente, embora os eventos descritos no critério material possam ocorrer em qualquer ponto do espaço, a outorga das prestações previdenciárias restringe-se aos sujeitos protegidos e filiados ao regime geral.

Como explica Daniel Pulino, hipóteses de extraterritorialidade que justifiquem a incidência da lei brasileira sobre relações de trabalho que se estabelecem ou se desenvolvem fora do Brasil, por consequência, farão com que os trabalhadores que nelas figurem sejam também colhidos pela lei previdenciária brasileira.

1.5 Risco Protegido     

A morte do segurado filiado ao regime geral de previdência social e que mantém qualidade de segurado é evento apto a provocar o nascimento da relação jurídica previdenciária e que irá culminar com a concessão do benefício pensão por morte, caso o falecido tenha deixado dependentes conforme previsto no art. 16 e seus incisos da Lei nº 8.213/91.

A pensão por morte tem como critério material de sua hipótese de incidência o verbo morrer deixando dependentes. Perceba-se que, se houver a morte sem dependentes, não há que se falar no benefício previdenciário, mas, tão somente, em caso de existência de dependentes, que são para este tipo de benefício os beneficiários do sistema.[6] O risco morte certamente deixa reflexos na vida socioeconômica, na medida em que, havendo dependentes do segurado falecido, necessidades sociais poderão surgir em decorrência da ausência ou diminuição de recursos financeiros para a família do segurado.

Percebe-se, assim, que o risco a ser protegido não são as necessidades geradas aos dependentes do segurado que vier a falecer e que, ao tempo do falecimento, estava filiado ao sistema previdenciário e tinha qualidade de segurado, pois o desaparecimento (morte) do segurado pode deixar a sua família ou pessoas que dele dependiam desamparadas, à mingua de recursos para prover o seu sustento. Esse, portanto, é o objeto de proteção – o evento morte –, uma vez que o desequilíbrio financeiro pode causar à família do segurado é consequência geradora de necessidade e que permita a outorga da prestação pensão por morte.

É interessante ressaltar aqui que o Regime Geral de Previdência Social tem por finalidade a proteção de determinado risco social previamente estabelecido no ordenamento jurídico. Ou seja, não se alberga o estado de necessidade em si mesmo, mas sim aquele risco, escolhido pelo legislador, como sendo o mais suscetível para atender ao princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços conforme postulado no art. 194, inciso II, da Lei Maior.[7] Logo, havendo a materialização do risco morte, por se tratar de sistema contributivo, conforme já mencionado, mesmo se tratando da morte de um segurado afortunado, uma vez preenchidos os requisitos filiação e qualidade de segurado ao tempo do falecimento, a prestação previdenciária deve ser outorgada aos dependentes deste, se existentes.

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

BALERA, Wagner; D’AVILA, Thiago Fernandes. Fundamentos da Seguridade Social. São Paulo: Editora LTr, 2015.

DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte. São Paulo, Editora Lex, 2004.

HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10ª Edição. São Paulo, Editora Quartier Latin, 2014.

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: Editora LTr, 2001.


[1] DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte. São Paulo, Editora Lex, 2004, p. 36.

[2] HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10ª Edição. São Paulo, Editora Quartier Latin, 2014, p. 399.

[3] DERZI, Heloisa Hernandez. Os Beneficiários da Pensão por Morte. São Paulo, Editora Lex, 2004, p.186.

[4] BALERA, Wagner; D’AVILA, Thiago Fernandes. Fundamentos da Seguridade Social. São Paulo: Editora LTr, 2015, p. 125.

[5] PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: Editora LTr, 2001, p. 79.

[6] BALERA, Wagner; D’AVILA, Thiago Fernandes. Fundamentos da Seguridade Social. São Paulo: Editora LTr, 2015, p. 125.

[7] BALERA, Wagner; D’AVILA, Thiago Fernandes. Fundamentos da Seguridade Social. São Paulo: Editora LTr, 2015. p. 127.

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Sobre o autor
Sérgio Reis Gusmão Rocha

Advogado mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP, especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Braz Cubas, Diretor da Comissão de Direito Previdenciário da 103ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil - Vila Prudente São Paulo - Capital.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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