Guerra Fiscal de ICMS: utilização de benefícios fiscais concedidos por Lei do Estado de origem sem aprovação do CONFAZ

03/11/2015 às 13:09
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O presente artigo aborda o tema Guerra Fiscal de ICMS e as consequências da utilização, pelos contribuintes, dos benefícios fiscais concedidos por Leis Estaduais que não possuem aprovação do CONFAZ.

INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre informar que a denominada ‘Guerra Fiscal’ é um assunto de extrema importância, pois alcança proporções financeiras de âmbito nacional, ou seja, bilhões de reais envolvidos para os contribuintes e cofres públicos, e, por isso, também é um assunto sempre atual em nossos tribunais, tanto os administrativos como os judiciais.

Devido aos diversos interesses envolvidos sobre Guerra Fiscal, existem inúmeras doutrinas e decisões administrativas e judiciais sobre o tema, algumas contrárias e outras favoráveis aos interesses dos contribuintes, e assim surgem diversas dúvidas com relação ao tema, tais como: o contribuinte que utiliza benefícios fiscais de uma Lei Estadual sem a aprovação do CONFAZ, mas que está em vigor perante nosso ordenamento jurídico pátrio, age de maneira lícita ou ilícita? Quais os limites de competência do Estado autuante apreciar a validade ou não da legislação do Estado de origem? O art. 8º da LC 24/75 foi ou não recepcionado pela CF/88? O princípio da não-cumulatividade permite a compensação destes benefícios?

Assim, o presente estudo tem como objetivo responder estes questionamentos, com base nas doutrinas e atual posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.

GUERRA FISCAL DE ICMS

A Guerra Fiscal pode ser conceituada como uma disputa existente entre os Estados e o Distrito Federal, e também existente entre os Municípios, com o intuito de conseguir investidores privados por meio de incentivos fiscais.

No caso do ICMS, os Estados e o Distrito Federal oferecem benefícios fiscais aos contribuintes para que estes optem por se instalarem naquele Estado economicamente mais vantajoso. Assim, o contribuinte (investidor privado) se beneficiará devido à redução de gastos obtida pelos incentivos fiscais concedidos pelo Estado, que também irá se beneficiar, com a arrecadação dos tributos, a geração de novos empregos na região, o crescimento econômico, mais investidores interessados e demais vantagens.

Entretanto, alguns Estados tentam a todo custo atrair investimentos privados, e para isso vêm adotando uma prática atípica e polêmica, qual seja, a edição de Leis Estaduais que concedem benefícios fiscais de ICMS de maneira unilateral sem a aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.

Isso ocorre porque as chances de uma Lei Estadual que concede incentivos fiscais de ICMS ser aprovada pelo CONFAZ são remotas, uma vez que o conselho é constituído por representantes de cada Estado e do Distrito Federal, além de um representante do Governo Federal. Assim, dificilmente os Estados aprovarão uma legislação nestes moldes, pois estariam beneficiando outro Estado com o recebimento de investimentos privados.

Configura-se assim a Guerra Fiscal entre os entes políticos estatais, e quem sofre com efeitos colaterais desta disputa são os contribuintes, isto porque, um contribuinte que adquire mercadorias para posterior comercialização, oriundas de outro Estado, este que possui legislação que prevê incentivos fiscais de ICMS sem a aprovação do CONFAZ, certamente será autuado pela Fazenda Pública Estadual.

A título de exemplo: a empresa ‘A’, situada em São Paulo, adquire mercadorias da empresa ‘B’, situada em Santa Catarina, para posterior comercialização, sendo que para esta operação específica a alíquota é de 12%. No entanto, devido a uma Lei Estadual de Santa Catarina (Estado de origem) que concede benefício fiscal de ICMS a empresa ‘B’ recolheu de fato 3% sobre a operação, sendo que os outros 9% tratam-se de incentivo fiscal. Assim, a Nota Fiscal é destacada com a alíquota cheia de 12% sobre a operação realizada, apesar de haver o pagamento de apenas 3%. Ocorre que, posteriormente a empresa ‘A’ é autuada pela Secretaria da Fazenda Estadual – SEFAZ – de São Paulo, na condição de substituto tributário, pelo não recolhimento dos 9% sobre a base de cálculo de origem, sob a alegação de que não houve anuência do CONFAZ sobre a lei, sendo indevido o benefício em questão.

Neste contexto, quem está com a razão, a Fazenda Estadual autuante ou o contribuinte autuado? A seguir serão expostos os principais argumentos e fundamentos legais utilizados tanto pela Fazenda como pelos contribuintes e, ao final, o atual posicionamento do STF sobre a utilização de benefícios fiscais concedidos por Lei do Estado de origem sem aprovação do CONFAZ e suas consequências.

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DA FAZENDA ESTADUAL

Em seu favor, a Fazenda Estadual autuante aduz que Leis Estaduais que concedem benefícios fiscais sem a anuência do CONFAZ são inconstitucionais, de acordo com o artigo 155, §2º, XII, “g” da Constituição Federal, “in verbis”:

Art. 155, CF – “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:

(...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.”

Assim, de acordo com a legislação constitucional supracitada, cabe à lei complementar regular o modo como os benefícios fiscais serão concedidos e revogados, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal (CONFAZ).

Sob a perspectiva do Fisco Estadual, a lei complementar em questão é a LC n° 24/1975 (que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do ICMS), que teria sido recepcionada pelo atual ordenamento constitucional. Neste diapasão deve ser aplicado o artigo 8º, I e II, da referida lei, senão vejamos:

Art. 8º, LC 24/75 – “A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.”

Por conseguinte, um contribuinte que utiliza benefícios fiscais de ICMS concedidos por Lei Estadual sem a anuência do CONFAZ, age de maneira irregular, pois a lei e os benefícios fiscais em questão são inconstitucionais, conforme art. 155, §2º, XII, “g”, CF c/c art. 8º, I e II, LC 24/75, e, portanto, deve ser autuado pela falta de recolhimento do imposto devido e não pago.

PRINCIPAIS ARGUMENTOS DOS CONTRIBUINTES

Em contrapartida, os contribuintes que se utilizam destes benefícios fiscais argumentam, inicialmente, que o artigo 8º da Lei Complementar n° 24 de 1975 não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, isto porque, os impedimentos de crédito do ICMS são exaustivos, limitando-se aos casos de isenção ou não incidência tributária, e não das hipóteses tecidas pelo art. 8º da LC 24/75, conforme o princípio constitucional da não-cumulatividade, ao qual o ICMS submete-se, disposto no artigo 155, § 2º, inciso I, da CF:

Art. 155, CF – “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:

I - O ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado, ou pelo DF.

II - A isenção ou a não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) - não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) - acarretará a anulação do crédito relativo às operações ou prestações anteriores.”

Assim, as hipóteses de impedimento de crédito do ICMS não podem sofrer qualquer tipo de restrição por normas infraconstitucionais e nem jurisprudenciais, tão somente por normais constitucionais.

Deste modo, a glosa prevista no art. 8º da LC n° 24/75 não estaria em consonância com a nossa Constituição Federal, pois inovaria o regime de compensação, em vez de meramente disciplinar a matéria, conforme determina o artigo 155, §2º, inciso XII, alínea “c” da CF. Como consequência, as autuações realizadas pela Fazenda Estadual perderiam a fundamentação legal.

Os contribuintes também alegam que se utilizaram de benefícios fiscais concedidos por lei estadual atualmente em vigor, ou seja, com eficácia plena, portanto, agiram de boa-fé e dentro da lei, razão pela qual não deveriam ser compelidos ao pagamento da parcela de ICMS atingida pelo benefício fiscal. E, no caso da Fazenda Estadual entender pela inconstitucionalidade da lei estadual devido à falta de aprovação do CONFAZ, caberia a ela ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – perante o Supremo Tribunal Federal com o objetivo de declarar inconstitucional a norma, em vez de simplesmente autuar os contribuintes.

Há ainda, outras teses defensivas e argumentos bastante utilizados em favor dos contribuintes, sendo alguns, inclusive, muito eficientes para afastar a autuação fiscal, mas não serão abordados no presente estudo.

ATUAL POSICIONAMENTO DO STF

Buscando solucionar a questão, recentemente o Supremo Tribunal Federal - STF – julgou ADI sobre o tema em pauta, sendo que a Suprema Corte declarou inconstitucional uma Lei Estadual do Estado do Paraná que concedia incentivos fiscais de ICMS sem a aprovação do CONFAZ, conforme ementa transcrita abaixo:


“I. TRIBUTÁRIO. LEI ESTADUAL QUE INSTITUI BENEFÍCIOS FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. AUSÊNCIA DE CONVÊNIO INTERESTADUAL PRÉVIO. OFENSA AO ART. 155, § 2º, XII, g, DA CF/88. II. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS.
1. A instituição de benefícios fiscais relativos ao ICMS só pode ser realizada com base em convênio interestadual, na forma do art. 155, §2º, XII, g, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75.
2. De acordo com a jurisprudência do STF, o mero diferimento do pagamento de débitos relativos ao ICMS, sem a concessão de qualquer redução do valor devido, não configura benefício fiscal, de modo que pode ser estabelecido sem convênio prévio.
3. A modulação dos efeitos temporais da decisão que declara a inconstitucionalidade decorre da ponderação entre a disposição constitucional tida por violada e os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que a norma vigorou por oito anos sem que fosse suspensa pelo STF. A supremacia da Constituição é um pressuposto do sistema de controle de constitucionalidade, sendo insuscetível de ponderação por impossibilidade lógica.
4. Procedência parcial do pedido. Modulação para que a decisão produza efeitos a contatar da data da sessão de julgamento.” (STF – ADI 4.481/PR – Relator: Ministro Luís Roberto Barroso – Data do julgamento – 11/03/2015)

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A recente decisão, de 13 de março de 2015, é muito interessante aos contribuintes, isso porque, embora a Suprema Corte tenha se posicionado no sentido de que os benefícios fiscais relativos ao ICMS devem ser realizados com base em convênio interestadual (CONFAZ), na forma do art. 155, §2º, XII, “g”, da CF/88 e da Lei Complementar nº 24/75, adotando assim entendimento favorável à Fazenda, houve a modulação dos efeitos temporais da decisão, com base nos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, ou seja, os benefícios fiscais autuados pelo Fisco passaram a ser tidos como ilegítimos tão somente após o julgamento do caso em questão.

Portanto, o contribuinte passa a ter o direito de utilizar-se de benefícios concedidos por Lei do Estado de origem, com base nos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, até que a eficácia da referida lei seja suspensa ou que esta seja declarada inconstitucional pelo STF, por meio da competente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

CONCLUSÃO

É certo que os Estados, autoridades fiscais, entes legislativos e tribunais administrativos e judiciais vêm alterando os seus posicionamentos ao longo dos últimos anos sobre Guerra Fiscal, levando os contribuintes à incerteza, a caminhar num lago de gelo, sem saber se podem ou não utilizar benefícios fiscais de leis em vigor com medo de posteriormente serem obrigados a efetuar o pagamento de grande quantia acrescida de juros, correção e multa. Contudo, pode-se afirmar que a Guerra Fiscal de ICMS ainda está longe de chegar ao seu fim, e que é dever do contribuinte realizar uma consultoria tributária com profissionais especializados para dirimir suas dúvidas tributárias, ter conhecimento quanto aos benefícios fiscais e créditos que possui, assim como evitar as pesadas autuações e execuções fiscais e, no caso de já ter sido autuado ou executado, defender-se adequadamente.

Por fim, conclui-se que as Leis Estaduais que concedem benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ são inconstitucionais de acordo com o atual posicionamento do STF. Todavia, o contribuinte poderá se utilizar destes benefícios até que a eficácia da referida lei seja suspensa ou que a mesma seja declarada inconstitucional pela Suprema Corte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

- CARVALHO, Paulo de Barros; Curso de Direito Tributário; 2011; Editora Saraiva;

- FERNANDES, Kelly Luciene dos Santos e PIRES, Rebeca Teixeira; ICMS na Prática Operações de A a Z; 3ª Edição, 2014; Editora Cenofisco;

- MACHADO, Hugo de Brito; Curso de Direito Tributário; 2013; Editora Malheiros Editores;

- SABBAG, Eduardo; Manual de Direito Tributário; 5ª Edição; 2013; Editora Saraiva;

- MARQUES, Klaus Eduardo Rodrigues; A Guerra Fiscal do ICMS- uma análise crítica sobre as glosas de crédito; 1ª Edição; 2010; Editora MP;

- CARVALHO, Paulo de Barros e MARTINS, Ives Gandra da Silva; Guerra Fiscal - reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS; 1ª Edição; 2012; Editora Noeses;

- SIMÕES, Argos Campos Ribeiro; Guerra Fiscal no ICMS – benefícios fiscais – questões pontuais; Artigo Jurídico;

- ADI’s n° 4481/PR e 4635/SP - STF;

- Apelações nº 0012437-65.2010.8.26.0053 e 0001528-71.2011.8.26.0588 - TJSP;

- Decisões administrativas - AIIM’s n° 4.055.577-0, 4.045.740-0, 4.000.3916-0 e 4.000.759-5 – TITSP.

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Sobre o autor
Lucas Munhoz Filho

Advogado especialista em Direito Tributário. Formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP – Autarquia Municipal (2009). Pós-Graduação lato sensu em Direito Tributário pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP – Autarquia Municipal (2012), com extensão universitária em Planejamento Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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